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A greve como instrumento de promoção dos direitos fundamentais dos trabalhadores

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A organização coletiva dos trabalhadores e a instauração de greves foram alguns dos fatores que auxiliaram no desenvolvimento civilizatório da sociedade brasileira, uma vez que, ao promover a consolidação dos direitos fundamentais trabalhistas, possibilitaram a construção da democracia no país.

1 Introdução

O advento do modo de produção capitalista, em um Estado Moderno, com o maquinismo, o avanço tecnológico e o ritmo acelerado de trabalho nas fábricas, trouxe uma estrutura amparada na exploração da massa opérária. Os trabalhadores passaram a conviver com a miséria e com as péssimas condições de trabalho e de vida. 

Com o passar do tempo, essa massa de trabalhadores começa a tomar consciência da situação de opressão a que está submetida e, a partir disso, consegue organizar-se coletivamente, identificando-se como classe social. Logo, passam a ter condições de impor suas reivindicações, lutando por condições dignas de trabalho e por direitos que melhorassem a realidade social.

Como em diversas regiões do mundo, também no Brasil, os trabalhadores precisaram, por meio de greves, enfrentar empregadores e o aparato estatal para que finalmente os direitos sociais trabalhistas fossem incluídos no rol de direitos fundamentais protegidos constitucionalmente. Nesse sentido, os direitos sociais são necessários para a construção de um Estado Democrático de Direito, que tenha entre suas prioridades a igualdade e a justiça social.

Desse modo, a organização coletiva dos trabalhadores e a instauração de greves foram alguns dos fatores que auxiliaram no desenvolvimento civilizatório da sociedade brasileira, uma vez que, ao promover a consolidação dos direitos fundamentais trabalhistas, possibilitaram a construção da democracia no país. Tais resultados foram fruto de um complexo desenrolar de fenômenos históricos, que não poderão ser inteiramente narrados, nesse momento, devido à brevidade do presente trabalho. Portanto, pretende-se, aqui, mostrar, em linhas gerais e com alguns exemplos de movimentos grevistas significativos, a influência da luta das massas operárias na regulamentação e concretização dos direitos fundamentais trabalhistas.

Nesse contexto, é perceptível que não somente os movimentos paredistas propiciaram tais conquistas, mas, também, levantes de trabalhadores unidos em manifestações que não necessariamente consistiram em greves propriamente ditas. Porém, por representarem a organização coletiva de obreiros têm relevância nas análises do presente estudo.


2 Sindicatos e a atual conjuntura

Para uma efetiva compreensão da atuação dos trabalhadores nos movimentos grevistas, é de suma importância, inicialmente, uma breve abordagem a respeito da definição de sindicato e a apresentação de suas principais características no quadro brasileiro atual. Isso porque, a principal forma de organização dos trabalhadores, muito embora não seja a única, ocorre por meio dos sindicatos.

A etimologia da palavra sindicato diz respeito a “syndicat”, utilizada para determinar um grupo de indivíduos ligados a uma corporação, estando sob a tutela de um síndico (syndic)[1].

A Consolidação das Leis do Trabalho não traz propriamente uma definição do que seja a organização sindical. Porém, em seu Título V – Da Organização Sindical, na Seção I - Da Associação Sindical, nota-se que são expostos alguns dos principais pontos para tal conceituação[2]. É, assim, genericamente, um grupo social que busca garantir os interesses, satisfazer as necessidades e ser o porta-voz da ideologia de seus membros.

O sindicato constitui, assim, uma forma de organização de pessoas físicas ou jurídicas, sujeitos nas relações coletivas de trabalho. É uma organização, um ser coletivo que busca representar interesses de um determinado grupo no campo das relações trabalhistas. Pode reunir pessoas físicas, os trabalhadores, mas, também, jurídicas, as empresas (sindicatos de empregadores)[3].

Carlos Frederico Zimmermann Neto, em sua tese de doutorado, analisa o sindicalismo como sendo “um modo de sentir, pensar e agir, próprio dos indivíduos que se agrupam na associação sindical – o sindicato, para alcançarem seus fins. O sindicalismo é, tão somente, um fenômeno social”.[4]

Em sua definição bastante acertada, Ricardo Antunes explica que:

Os sindicatos são, portanto, associações criadas pelos operários para a sua própria segurança, para a defesa contra a usurpação incessante do capitalista, para a manutenção de um salário digno e de uma jornada de trabalho menos extenuante, uma vez que o lucro capitalista aumenta não só em função da baixa de salários e da introdução de máquinas, mas também em função do tempo excessivo de trabalho que o capitalista obriga o operário a exercer.[5]

Ora, é importante notar que a definição de sindicato varia em razão do tempo e das condições sócio-políticas. Por isso, é possível identificá-lo como uma coalizão permanente voltada à luta de classe ou como um órgão que busca resolver alguns problemas sociais e busca melhorar as condições de trabalho tendo, em muitos momentos da história, o papel de agente de transformação social. A grande importância do sindicalismo advém, pois, desse papel social, sendo uma força essencial para o funcionamento da sociedade em um Estado Democrático de Direito.

A CLT trouxe nos parágrafos de seu artigo 511 as possíveis formas de organização do modelo sindical brasileiro, que são por categoria. Sabe-se que as inúmeras atividades econômicas dividem-se em setores, por exemplo, a indústria bélica, a indústria têxtil, o comércio automobilístico, etc. Nesse sentido, as categorias representam especificamente cada setor, tanto para os trabalhadores daquela subdivisão, sendo categoria profissional, quanto para os empregadores da mesma, sendo categoria econômica[6].

Ora, a agregação sindical por categoria nasceu no ordenamento jurídico fascista italiano e era o que amparava este ordenamento de caráter corporativista, pois permitia um maior controle do Estado totalitário sobre os fatores de produção.

A segmentação dos sindicatos por categoria foi, então, introduzida no Brasil por Getúlio Vargas em sua Constituição de 1937. A aplicação desta herança, no cenário do Estado Novo, possuía as mesmas finalidades que se tinha no Estado italiano de Mussolini. Contudo, tal sistema de organização sindical por categorias (profissionais ou econômicas) permanece no atual ordenamento jurídico brasileiro.

Esse modo de agregação dos sindicatos ocasiona algumas deficiências no âmbito da representatividade sindical. Ronaldo Lima dos Santos bem explana, “como o conceito de categoria, em princípio, engloba trabalhadores vinculados a um ramo de atividade econômica, muitas das necessidades sociais dos trabalhadores, em geral, não têm recebido a devida atenção dos sindicatos, posto que não diretamente vinculadas à categoria profissional representada por um determinado sindicato”.[7]

Ora, como o autor citado argumenta, categoria é uma construção artificial, sendo formada somente a partir da existência prévia da profissão. Por isso, sua dificuldade em adequar-se à realidade dos fatos e dos seres humanos, em razão da ausência de dinamicidade em sua concepção. Sendo assim, falta eficácia às associações sindicais para que tratem de temas que, embora englobem direitos fundamentais, são, geralmente, deixados de lado. Entre eles estão questões relativas ao trabalho informal, ao trabalho do menor, às fraudes à legislação trabalhista, à inserção do deficiente físico no mercado de trabalho e à proteção ao trabalho da mulher, entre tantos outros problemas[8].

Logo, o ideal das associações sindicais seria um modo de agrupamento que tivesse como fundamento maior a solidariedade que permeia as classes, afinal, parte considerável da população de trabalhadores não está representada pelos atuais sindicatos. Dessa forma, poderiam melhor representar a condição social das referidas classes. Para isso, aos entes sindicais caberia entender os problemas sociais, proteger os direitos das minorias, estar atentos a violações a direitos fundamentais, combatendo a indevida intermediação de mão de obra por meio de subcontratações irregulares, contestando a informalidade, como as práticas de ausência de anotação na carteira de verdadeiros empregados, “pagamentos por fora”[9], etc.


3 Greve : Definição e Objetivos

    A Constituição Federal de 1988 admite, de forma ampla, o direito de greve, nos termos do artigo 9º: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

    Já a Lei 7.783, de 1989, traz a definição de greve em seu 2º artigo: “Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”. Conjugando tais dispositivos, Mauricio Godinho Delgado conceitua a greve como “a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando à defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos”.[10]

    Assim, o movimento grevista possui caráter coletivo, abrangendo todos os trabalhadores de uma empresa ou apenas alguns deles, sendo que cabe aos obreiros decidir a respeito da oportunidade de exercer tal direito e acerca dos interesses que serão defendidos. A segunda característica marcante do instituto sociojurídico paredista é a sustação temporária da prestação dos serviços pelos trabalhadores frente ao empregador ou tomador. Desse modo, configura-se a greve como meio de autotutela, de pressão coletiva[11].

    Em suma, apenas os trabalhadores – não existe greve de empregadores[12] – podem decidir deixar de realizar suas atividades laborais, temporariamente – caso fosse definitivamente, seria abandono de emprego. A paralisação é coletiva – e não de apenas um trabalhador, devendo ter o mínimo de consistência numérica – e tem como fim a promoção de algum interesse da classe operária.

    Com relação à titularidade do direito de greve, a redação do artigo 9º do diploma constitucional proporcionou a controvérsia se ela pertenceria aos sindicatos ou aos trabalhadores. Nesse sentido, há corrente doutrinária que defende tratar-se de direito da entidade sindical[13] e há outra que advoga que, embora a titularidade do direito de greve seja dos trabalhadores, a legitimidade para instaurar o movimento paredista é das entidades sindicais, configurando um direito de natureza coletiva[14]. Contudo, destaca-se a opinião de Walküre Lopes Ribeiro da Silva no sentido de optar pela segunda posição, uma vez que entende se tratar de “um direito individual cujo exercício se dá de forma coletiva”.[15]

    No Brasil, a greve é convocada pelo ente sindical, pois é vinculada à negociação coletiva[16], a qual é atribuição exclusiva dos sindicatos[17]. Assim, Octavio Bueno Magano afirma que, “na legislação brasileira, a titularidade da greve pertence concomitantemente ao grupo predimensionado como entidade sindical e ao indivíduo”, mas nunca aos grupos inorganizados[18]. Por outro lado, José Claudio Monteiro de Brito Filho interpreta que o exercício do direito de greve pertence aos trabalhadores, sendo estes representados pelo sindicato[19].

    A greve representa um direito social, de ordem fundamental[20]. Afinal, o referido artigo 9º da Constituição Federal está inserido no capítulo “Dos Direitos Sociais”, o qual pertence ao título dedicado aos direitos e garantias fundamentais. Godinho Delgado analisa a greve como sendo um “direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia privada coletiva inerente às sociedades democráticas”.[21]

    Este autor, assim como Gustavo Filipe Barbosa Garcia, entende que o ato coletivo de protesto é resultado da liberdade de trabalho. Mas Godinho Delgado ressalta, ademais, a relevância da liberdade associativa e sindical e da autonomia dos entes sindicais para o instituto da greve, de modo que todos esses pressupostos destacam a essencialidade do fenômeno grevista em um ordenamento jurídico efetivamente democrático.

    Importante ressaltar, ainda, como a história evolutiva da greve no Brasil está diretamente relacionada com o progresso da democracia no país. Afinal, o Código Penal de 1890 foi a primeira lei a tratar do instituto da greve e o fazia considerando seu exercício como crime. Porém, a proibição não perdurou por muito tempo, pois, segundo Evaristo de Moraes, ainda em 1890, foram permitidas as associações sindicais e as greves não violentas, sendo que tal modificação do Código Penal deveu-se a uma campanha do partido operário[22].

    A própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em sua redação original, impunha as sanções de suspensão e despedida aos participantes e líderes das greves, quando estas se realizassem sem a autorização do tribunal competente[23]. Posteriormente, com o golpe militar de 1964, houve ocupações e intervenções militares em diversas organizações sindicais, o que representou a tentativa de retirar a força e o poder de organizações dos trabalhadores. Porém, em meados da década de 70, intensificaram-se os levantes da sociedade civil, sendo que, a partir de 1979, radicalizou-se o confronto do aparato repressivo do Estado com a massa operária no contexto da ditadura. Dessa forma, como se demonstrará mais adiante, os movimentos paredistas da época foram fundamentais no desenvolvimento da democracia e da liberdade sindical no Brasil, culminando no reconhecimento do amplo direito de greve pela Constituição Federal de 1988[24].

    Nesse sentido, o movimento paredista constitui poder dos trabalhadores, pois há a possibilidade de causar prejuízos ao empregador, dando força à parte obreira na negociação coletiva. Isso se deve à concreta existência de disparidade de poderes entre as partes, de modo que a greve funciona para balancear tal relação fático-jurídica. Ora, devido ao fato de pertencerem ao empregador os poderes empregatício, disciplinar e de direção, tornou-se necessário que o ordenamento jurídico reconhecesse as desigualdades existentes entre os atores sociais e tratasse-os de forma distinta. Por isso, visando garantir a efetivação da igualdade material e da democracia nas relações de trabalho, o ordenamento contemporâneo assegura o poder jurídico aos trabalhadores de declararem greve, a fim de lutarem pela implementação de seus interesses.

    Comprovando tal raciocínio, José Claudio Monteiro de Brito Filho afirma que, “por força da desigualdade existente entre os envolvidos na relação capital-trabalho, o caminho natural dos trabalhadores foi buscar forma de encontrar um ponto de equilíbrio, o que os conduziu à união de forças, à associação”[25]. Logo, o movimento grevista é visto como uma ferramenta de resistência dos trabalhadores frente à concentração de poder nas mãos dos tomadores de serviços e um meio de reivindicar melhores condições de trabalho. É, assim, o mais importante mecanismo de luta conquistado pela classe trabalhadora.

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    No que diz respeito ao escopo dos movimentos paredistas, a grande parte da doutrina[26] informa ser a concertação a finalidade da greve, isto é, a combinação de vontades e a união dos obreiros em uma ação conjunta de pressão buscando a realização do interesse coletivo. Segundo Raimundo Simão de Melo, “a greve não se destina apenas à defesa restrita de direitos trabalhistas, mas também se presta à tutela de outros direitos de natureza social e ambiental”.[27]

    Todavia, parte da doutrina visualiza uma duplicidade de concepções acerca desse ato coletivo de protesto. Há, de um lado, a identificação da greve como um ato destinado a abordar um diversificado leque de temas, como protestar contra o Estado e sua organização (greve política), subverter o ordenamento (greve revolucionária) ou dar apoio à paralisação das atividades de um outro grupo de trabalhadores (greve solidária). E, por outro lado, há quem compreenda o movimento grevista como ato destinado apenas à defesa dos interesses profissionais dos obreiros[28].

    Com efeito, observando o citado artigo 9º da Carta Magna, percebe-se ter sido o direito de greve construído de forma a abranger amplamente os interesses dos trabalhadores quando menciona que cabe a eles decidir sobre a oportunidade de exercê-lo, bem como sobre o direito a ser tutelado. Entretanto, grande parte da doutrina e da jurisprudência interpreta a Lei de Greve restringindo o exercício da greve à defesa de interesses que sejam exclusivamente trabalhistas, isto é, relacionados às condições de trabalho[29].

    Entendemos, porém, que deve prevalecer o texto constitucional, o qual ao garantir o amplo exercício do direito de greve não apresenta restrições a ele e nem faz a ressalva de se subordinar à lei. Logo, pode-se afirmar que, nos movimentos grevistas, os trabalhadores podem lutar pelos interesses que considerem relevantes para melhorar sua condição social e econômica, seja interesses de natureza trabalhista, seja de cartáter sindical (direitos dos sindicatos e seus diretores), seja de ordem política, sendo que partilha também dessa mesma posição Raimundo Simão de Melo[30].


    4 O papel da greve na concretização dos direitos fundamentais dos trabalhadores

      4.1 No Brasil

      A Constituição Federal de 1988 veio instaurar novo regime constitucional consagrando o Brasil como um Estado Democrático de Direito. Os direitos trabalhistas estão arrolados entre os artigos 7º a 11º e fazem parte do capítulo dos Direitos Sociais, o qual compõe o título referente às Garantias e aos Direitos Fundamentais. Conforme Alexandre de Moraes, “direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo artigo 1º, IV, da Constituição Federal”.[31]

      Nessa toada, interessante a lição de Paulo Bonavides:

      “Sem a concretização dos Direitos Sociais não se poderá alcançar jamais ‘a sociedade livre, justa e solidária’, contemplada constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º). O mesmo tem pertinência com respeito à redução das desigualdades sociais, que é, ao mesmo passo, um princípio da ordem econômica e um dos objetivos fundamentais de nosso ordenamento republicano, que consta respectivamente no art. 170, VII, e do sobredito art. 3º”[32].

      Logo, tais direitos fundamentais garantidos aos trabalhadores representam normas de ordem pública e aplicam-se às relações de trabalho com a particularidade de serem imperativas e invioláveis[33]. Isso porque, a Norma Fundamental compreende a assimetria socioeconômica e a desigualdade de poder presente nas relações de trabalho, tendo como pressuposto o princípio da proteção ao obreiro, basilar no Direito do Trabalho. Com isso, tem-se importante garantia da justiça social nos contratos laborativos e, consequentemente, a implementação da democracia.

      Todavia, cabe ressaltar que a constitucionalização desses direitos sociais não foi uma mera concessão do Estado caridoso e benevolente com seus cidadãos. Pelo contrário. Tais garantias foram conquistadas a partir do paredismo, marchas reivindicatórias da classe trabalhadora, verdadeiras lutas históricas contra os detentores dos meio de produção, ao longo de muitos anos. Conforme a lição de Márcio Túlio Viana, “historicamente, a greve foi e tem sido a grande arma do sindicato não só para criar direitos, como para torná-los mais eficazes; e não apenas para fins trabalhistas, mas para a promoção das classes oprimidas em geral”.[34]

      Não obstante a evidente relevância dessas ações sociais, há, ainda hoje, grande parte da população que se mostra intolerante com relação aos movimentos grevistas, considerando-os prejudiciais à sociedade. Conforme Jorge Luiz Souto Maior,

      (...) muitas das pessoas que hoje abominam a greve não se recordam que as garantias jurídicas de natureza social que possuem, aposentadoria, auxílio-doença, licenças, férias, limitação da jornada de trabalho etc. etc. etc., além de direitos políticos como o voto e a representação democrática das instituições públicas advieram da organização e da reivindicação dos movimentos operários.[35]

      Essa é a posição, também, de José Claudio Monteiro de Brito Filho, para o qual

      rejeitar o instrumento, desta forma, é rejeitar a solução final para o equilíbrio de forças entre trabalhadores e empregadores, negando-se fato que a história revela todos os dias: que os principais direitos dos trabalhadores não foram concedidos e sim conquistados, muitos deles por intermédio do ato que mais caracteriza a solidez de sua união: a greve[36].

      Inicialmente, cabe fazer a ressalva de que, no presente trabalho, não se busca reproduzir a análise histórica superficial de que o Direito do Trabalho teria surgido com o advento da Revolução Industrial, quando os trabalhadores, diante das péssimas condições de trabalho e de vida, iniciaram as lutas por seus interesses e, assim, o Estado teria passado a intervir nas relações de trabalho de forma ativa. Tal visão levaria à conclusão errônea de que, tendo a classe trabalhadora atingido um cenário de respeito aos seus direitos, seria possível reduzir a aplicação do Direito do Trabalho[37].

      Outrossim, há que se reconhecer que a mera implementação de legislação que regule as relações de labor não pode ser identificada como formação do Direito do Trabalho. Afinal, a construção desse ramo do Direito deveu-se à elaboração de uma base teórica. Ensina Souto Maior que “foi necessária uma sucessão enorme de fatos, que percorram mais de um século, para que, efetivamente, se chegasse à construção teórica de um direito que pudesse servir para corrigir as injustiças geradas pelo modelo de produção capitalista”[38]. Pretende-se, no presente estudo, retratar apenas algumas das experiências do Estado em matéria trabalhista.

      Sabe-se que durante o período do Império, por prevalecer o trabalho escravo, não existiram greves significativas[39]. Até a década de 1960, o Brasil era predominantemente agrário[40], sendo que nos fins do século XIX, a sociedade iniciou um processo de transformações sociais e econômicas até atingir a industrialização, o crescimento urbano e a modernidade. Entre os anos de 1890 e 1930, desenvolveu-se o parque industrial, principalmente em São Paulo, e com ele cresceram as entidades sindicais.

      O operariado urbano-industrial, do fim do século XIX até o início do século XX, convivia com péssimas condições de trabalho, pois os salários eram extremamente baixos diante do custo de vida, a insalubridade nos ambientes de trabalho era danosa à saúde e a massa operária não contava com direitos básicos, como férias, descanso semanal remunerado, aposentadoria, entre outros. Ademais, segundo descreve Maria Auxiliadora Guzzo de Decca, “a jornada de trabalho era muito extensa: variava de 10 a 14 horas por dia, chegando às vezes a se prolongar por mais tempo ainda”. Até mesmo crianças eram submetidas a longos períodos de labor. Por isso, no decorrer da Primeira República, os trabalhadores lutaram pela limitação da jornada de oito horas diárias[41]. A resistência coletiva dos obreiros foi ganhando força, sendo que greves e organizações sindiciais representavam reação à penosa situação em que eles se encontravam[42]. Todavia, cabe ressaltar que durante esse período, as manifestações da classe trabalhadora urbana foram bastante limitadas, devido à pequena expressividade econômica da indústria[43].

      João Tristan Vargas, analisando os jornais da época, operários ou não, destaca a ocorrência de algumas greves, como a dos sapateiros e chapeleiros, de 1902 a 1903, no Rio de Janeiro, reivindicando aumento salarial. Nesse caso, os empregadores pediram a prisão da comissão representativa dos obreiros e obtiveram êxito, mas, na sequência, foram libertados os representantes, pois a autoridade policial entendeu que se tratava de “greve pacífica”. Logo, as partes realizaram acordo e o empregador atendeu aos pleitos dos trabalhadores. Após, sapateiros de outras casas também entraram em greve por aumento nos salários e atingiram seus escopos, sendo que outros grupos passaram a ser atendidos em suas reivindicações sem necessidade de deflagrar movimentos grevistas[44].

      O referido autor narra ainda a greve dos ferroviários de 1906, em São Paulo. Buscavam eles a demissão de alguns trabalhadores com cargos de chefia que estavam a cometer arbitrariedades, além do fim da obrigatoriedade de filiação à Sociedade Beneficente Cooperativa e a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias[45]. Ademais, relata a greve dos carregadores do porto de Santos, iniciada em 1908, com o objetivo de reduzir a jornada de dez para oito horas por dia. Ao longo da ocorrência dos movimentos descritos houve dispensa de muitos trabalhadores, perseguição dos grevistas pela polícia, com diversas prisões e até morte de alguns operários, o que demonstra a dificuldade enfrentada pela massa operária na busca de seus interesses[46].

      Importante ato de protesto foi, também, a Greve Geral de 1907, iniciada na capital de São Paulo e, mais tarde, propagada para outras cidades do estado: Campinas, Santos, São Roque e Ribeirão Preto. Diversas categorias se mobilizaram, como costureiras, trabalhadores em funilarias, serrarias, mercenarias, fábricas de massas, oficinas metalúrgicas, lutando por redução da jornada de trabalho a oito horas, bem como por aumentos nos salários. Tristan Vargas aponta que grande parte das categorias conquistaram vitórias: “nesse movimento de 1907, os patrões dos diversos ramos vão cedendo, de modo que os trabalhadores que entraram em greve obtêm em geral o que reivindicavam”.[47]

      De fato, o movimento operário começa a preocupar a elite dirigente com o ciclo de greves de grandes proporções, ocorrido entre 1917 e 1920, impulsionado pela carestia resultante da crise gerada pela Primeira Guerra Mundial, além do estímulo causado pela Revolução Russa[48].

      Em meados de 1917, em São Paulo, a agitação das massas operárias era a mais intensa até o momento e tornou-se uma das mobilizações sociais mais importantes da história brasileira. De acordo com Tristan Vargas, “multidões de milhares de trabalhadores percorrem as ruas dos bairros industriais, obtendo a adesão imediata dos que estão no interior dos estabelecimentos” e o ato consegue abarcar todas as categorias de obreiros, em 12 de julho. Tal greve fez com que os governantes paulistas passassem a se preocupar mais seriamente com a questão da necessidade de regulamentação das relações de trabalho. Claramente, o receio de uma revolução popular fez com que os governos se interessassem por esta questão, estimulando a edição de leis de cunho social, como relativamente aos acidentes de trabalho[49], além da questão do labor de mulheres, crianças e adolescentes[50].

      Assim, nesse período, parte das associações operárias desejavam ver os direitos trabalhistas assegurados por leis, estando conscientes de que atingir tal nível de cidadania dependeria da atitude dos próprios trabalhadores no sentido de levar seus interesses ao conhecimento dos parlamentares. Em outubro de 1917, o Projeto 284 do Código do Trabalho aprovado pela Câmara previa, entre outros itens, limitações ao labor de mulheres, crianças e adolescentes, além de jornada de oito horas diárias, com um dia de descanso semanal. Tais pontos representaram progresso na luta dos trabalhadores, porém havia muito, ainda, a ser combatido, uma vez que o mesmo projeto trazia itens que iam de encontro aos interesses dos obreiros, como diminuição da idade mínima de contratação de doze para dez anos[51].

      Ademais, mesmo os direitos alcançados, posteriormente, foram objeto de oposição sistemática por parte do patronato industrial, além de serem alvo de empecilhos criados por parlamentares. Tem-se como exemplo disso o fato de que alguns afirmavam a necessidade de a lei ser maleável quanto à jornada de trabalho para acomodar-se às condições de cada indústria ou comércio e de cada região[52]. No entanto, o progresso social foi nítido, uma vez que a legislação trabalhista, até então inexistente, começou a ser elaborada na década de 1920. Tem-se como exemplo disso: a lei sobre sobre acidentes de trabalho (1923), a lei Elói Chaves sobre aposentadorias e pensões (1923) e a lei de férias (1926)[53].

      Tais avanços sociais eram inevitáveis, já que a mobilização combativa tornava-se vigorosa, especialmente entre 1917 e 1920, e atingia várias capitais dos estados brasileiros. Guzzo de Decca, em sua obra, traz notícias de jornais operários da época. Em um deles, as ligas operárias descreviam seus fins imediatos: “condições melhores de trabalho (segurança, higiene, conforto, evitando trabalhos brutais); urbanidade e respeito aos operários por parte de patrões e chefes; igualdade entre salários das mulheres e homens (salários nas licenças por gravidez); impedir trabalho de crianças menores de 14 anos”[54]. Nota-se, claramente, que estes planos das ligas operárias desenhavam um esboço de alguns dos principais direitos fundamentais existentes atualmente.

      A ascensão de Getúlio Vargas à presidência do Brasil marcou, assim, o fim da Primeira República. No governo de Vargas, houve melhorias para a classe trabalhadora, visto que foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, foi implantada a Justiça do Trabalho e as relações trabalhistas foram regulamentadas, com a criação de extensa legislação, sistematizada em 1943 na Consolidação das Leis do Trabalho[55]. Entretanto, sabe-se que o governo Vargas buscava atrair a classe trabalhadora para que o apoiasse. Por isso, conforme Boris Fausto, há que se reconhecer que “a política trabalhista do governo Vargas constitui um nítido exemplo de uma ampla iniciativa que não derivou das pressões de uma classe social e sim da ação do Estado”.[56]

      Após 1945, passam a ganhar força as massa rurais, compostas de camponeses e trabalhadores rurais assalariados, já que, até a primeira metade do século, tinham propostas mais restritas e regionalizadas[57]. A mobilização no campo deu-se, em grande parte, em torno de sindicatos, associações e até de uma federação, a ULTRAB (União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil). Porém, as mais expressivas organizações rurais consagraram-se nas Ligas Camponesas, as quais surgiram em 1946 e foram fundamentais nas lutas pela propriedade, apresentando grande atuação nos estados nordestinos. Ademais, entre os anos de 1945 e 1964, emergiram revoltas armadas, dessa vez, desvinculadas das Ligas Camponesas. Nesse contexto, percebe-se que a união e a agitação dos trabalhadores do campo despertaram a atenção do poder público para questões voltadas à acumulação e à equidade, na zona rural. Com isso, tiveram conquistas reconhecidas quando da promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (Lei nº 4.214/1963) por João Goulart e passaram a gozar dos direitos sociais dos trabalhadores urbanos[58].

      Embora a presente narrativa da mobilização rural não trate propriamente de greves, não poderia deixar de ser incluída neste trabalho. Isso porque o histórico de lutas da população do campo inclui organizações coletivas voltadas a atos de protestos com o intuito de exercer pressão para atingir resultados no âmbito social. Entre tais resultados encontra-se o já mencionado Estatuto do Trabalhador Rural, o qual estabeleceu o direito à jornada de trabalho limitada a oito horas diárias, com a concessão de intervalo para repouso e alimentação para as jornadas de duração superior a seis horas, bem como regulou a prorrogação da jornada. Garantiu o salário mínimo, o adicional para trabalho noturno, o repouso semanal remunerado, férias, higiene e segurança no ambiente de trabalho, aviso prévio, proteção especial à mulher e ao menor, entre outros direitos.

      Em 1964, o Brasil sofreu o golpe militar e, junto com ele, a pior repressão política que a classe trabalhadora já vivenciou. Tamanho cerceamento, segundo Raimundo Simão Melo, deveu-se, principalmente, ao fato de que o regime militar “considerava os movimentos operário e popular como uma das principais forças políticas e sociais capazes de se oporem e resistirem aos golpistas”[59]. Assim, os militares passaram a intervir nos sindicatos e, como consequência, estes ficaram privados de sua organização, não tendo mais forças para instalar greves[60].

      Já em 1968, ocorreram diversos protestos contra a ditadura devido ao assassinato de presos políticos e, por isso, foi tido como o ano das mobilizações. Apesar da profunda repressão policial, os metalúrgicos de Osasco/SP e Contagem/MG conseguiram promover greves de grande importância, ocupando fábricas. A partir de meados da década de 70, o Brasil entra em uma crise econômica e o regime de exceção perde grande parte do apoio da sociedade. Logo, manifestações pela redemocratização ganham força e trabalhadores voltam a ter espaço no âmbito político. Nesse contexto, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema teve intensa participação na busca por melhores condições de trabalho. Aliado a isso, em 1978, os operários da Saab-Scânia deflagraram greve de grande repercussão, de modo que aderiram a ela algumas outras empresas da categoria da indústria automobilística, servindo, assim, de marco para os novos movimentos. Por conseguinte, essa greve foi marcante na ressurgência da ação reivindicatória grevista no Brasil[61].

      Em 1979, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema conseguiram deflagrar uma greve geral da categoria, a qual se espalhou pelo ABC paulista. A massa operária declarava lutar pela democracia, entre outras reivindicações. Com isso, o Estado, com seu aparato repressivo, endureceu e houve confrontos abertos entre trabalhadores e a polícia. No ano seguinte, novamente metalúrgicos do ABC paralisaram os serviços. Estando bem organizados internamente, foi possível deflagrarem greve geral. Porém, a justiça decretou a ilegalidade do movimento e vários líderes grevistas e representantes de entidades sindicais foram presos, mas, ainda assim, a greve permaneceu e chegou a ter a histórica duração de 41 dias[62].

      Por fim, é de grande interesse para o presente estudo a conclusão a que chega Simão Melo, segundo o qual, as greves que se desenrolaram na década de 70 na região do ABC paulista, posteriormente, se ramificaram para outras categorias em várias regiões do país. Tais greves, como informa o referido autor:

      (…) não tiveram apenas papel reivindicatório trabalhista. Buscava-se, além disso, enfrentar e romper com o regime de ditadura militar e criar ambiente político para a redemocratização do país. Por isso, não obstante a repressão intensa promovida pelo regime ditatorial existente à época, houve importante avanço rumo à democracia e à liberdade sindical, com o reconhecimento, finalmente, do direito de greve, de forma ampla, na Constituição de 1988 (art. 9º).[63]

      De acordo com o exposto, percebe-se que há direitos fundamentais dos trabalhadores que hoje são tutelados pela Constituição Federal e que foram alcançados pela classe trabalhadora organizada em torno de objetivos, resumidos em melhorias nas condições de trabalho e de vida. Greves e manifestações dos obreiros foram os instrumentos utilizados para que os escopos fossem atingidos. Entre tais direitos conquistados, podem ser citados: a garantia do salário mínimo; a limitação da jornada de trabalho; licença para gestantes; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; normas de segurança e saúde para um meio ambiente trabalho sadio; direito à greve e à liberdade sindical. Outrossim, os trabalhadores fizeram parte do processo de implantação da democracia no Brasil, como afirma Jorge Luiz Souto Maior em entrevista sobre o assunto:

      (…) a Constituição Federal de 1988 foi construída com a classe trabalhadora como classe política de maior relevância da sociedade desde o fim da década de 70, com os movimentos dos trabalhadores. E, graças aos movimentos dos trabalhadores, nós deixamos o período da ditadura militar, e havia, de certo modo, até uma gratidão aos trabalhadores por uma reoxigenação da sociedade naquele instante. [64]

      4.2 No mundo

      Com relação ao escorço histórico mundial contemporâneo, é importante lembrar que, enquanto o Brasil durante o século XIX permanecia essencialmente rural, a Europa, desde o final do século XVIII, já convivia com a vida urbana e com a produção industrial. A Revolução Industrial trouxe a fábrica mecanizada inicialmente para a Inglaterra e depois se ramificou pela Europa, o que gerou a alteração nas formas de produção, nas relações de trabalho e na organização social[65].

      Nos países da Europa centro-oriental que viveram a Revolução Industrial, o antigo trabalho artesanal das corporações de ofício foi substituído por um labor com máquinas, mais dividido e em grande escala[66].

      A Revolução Industrial, assim, possibilitou o surgimento do modo de produção capitalista, o qual permitiu a manifestação do espírito liberal, a acumulação de capitais, o avanço tecnológico, a reserva de mão de obra e o ritmo intenso de produção nas fábricas. Nesse cenário, a grande massa de trabalhadores explorados e sujeitos a condições de trabalho degradantes, com o passar do tempo, começa a se identificar como classe social[67]. Essa transformação foi proporcionada, especialmente, pela aglomeração dos trabalhadores, o que era típico no processo produtivo da época. Com isso, promoveu-se o processo de tomada de consciência dos trabalhadores enquanto classe social[68].

      Deve-se, entretanto, ficar claro que, quando do surgimento da Revolução Industrial, a massa operária tinha atuações desordenadas, isoladas e desorganizadas, pois muito tempo ainda levaria para que se reconhecesse efetivamente como classe social. Explica Souto Maior que “as greves, inicialmente, são desorganizadas e mais fruto de uma insatisfação do que de um propósito reivindicatório. São facilmente destruídas e não chegam mesmo, diante de seu aspecto pontual e episódico, a gerar um questionamento do modelo econômico”.[69]

      Contudo, diante do tratamento desumano que recebia a massa operária e em razão da indiferença da classe burguesa com relação aos pleitos dos trabalhadores, estes passaram a perceber a necessidade de organizarem, de forma mais eficaz, suas ações. Com o tempo, eles começam a tomar consciência de sua real situação, planejam-se, engajam-se em atividades políticas e passam a lutar pela liberdade de associação e pelo sufrágio universal[70]. Dessa forma, com o passar dos anos, surge o espírito de solidariedade entre os obreiros, propulsada fundamentalmente pelos acidentes de trabalho, cuja ocorrência era muito comum, na época[71].

      Em 1779, tem início o denominado “ludismo”, consistente em um movimento, dentro das fábricas, de destruição das máquinas por parte dos trabalhadores, visto que eles entendiam-nas como sendo as causas de todos os males pelos quais passavam. Em resposta aos atos, no mesmo ano, foi editada, na Inglaterra, uma lei que determinava a proibição de qualquer tipo de associação de trabalhadores. Com a repressão, os trabalhadores começaram a particar atos de violência, como tentativas de incendiar ou explodir fábricas[72].

      Em 1819, em Manchester, os operários impulsionaram protestos questionando as injustiças que sofriam, de modo que conseguiram reunir milhares de pessoas na Praça de Saint Peter. A revolta resultou em grande massacre pelo governo inglês. Apesar disso, obteve-se êxito, pois foi editada lei limitando o trabalho de crianças e adolescentes a doze horas diárias[73].

      De acordo com Souto Maior, “várias foram, aliás, no correr da história do século XIX/início do século XX, as repressões sangrentas, praticadas pelo Estado, contra os trabalhadores que se indispunham contra as condições de trabalho”[74]. Nota-se, portanto, que a atuação estatal estava direcionada a beneficiar a classe burguesa, intervindo nas relações laborais com o intuito de manter a livre exploração da força de trabalho. Logo, pode-se afirmar que o Direito do Trabalho, como regulador do modo capitalista de produção e instrumento de distribuição da riqueza, nasceu quando o Estado liberal passou a ser questionado, devido às atrocidades que gerava[75].

      A partir de 1860, instaurou-se a internacionalização do movimento operário com a Primeira Internacional, presidida por Karl Marx, de modo que a atuação sindical passaria a lutar por uma mudança social que tranformasse a classe trabalhadora em classe dominante. A Internacional foi elemento propulsor dos levantes de trabalhadores por toda a Europa, sendo que, alguns anos mais tarde, a atuação sindical almeja alterações na legislação. Assim, em 1884, a legitimidade dos sindicados, na França, é reconhecida pela lei[76].

      Pode-se destacar como conquistas sociais dos trabalhadores a edição de diversas leis favoráveis a seus interesses. Em 1878, regula-se o trabalho de mulheres e crianças em condições perigosas e insalubres. Ademais, em 1901, os trabalhadores passam a contar com um lei específica acerca de acidentes de trabalho. Já na Alemanha, a partir de 1853, as leis passam a destinar proteção ao trabalho infantil, limitando sua jornada de trabalho, além do fato de que normas legais, no país, investiram na segurança dos trabalhadores contra os riscos à saúde[77]. Estes são apenas alguns exemplos que comprovam como as questões sociais se difundiram por distintos países na Europa, tornando imperiosa a regulamentação de direitos trabalhistas.

      Por outro lado, é inegável que muitas foram as greves em que os trabalhadores saíram derrotados. Todavia, os avanços sempre foram visíveis, pois, como explica Márcio Túlio Viana, “mesmo quando vencida, a greve fortalece as solidariedades e o sentimento de classe. Os trabalhadores correm os mesmos riscos e se identificam na mesma esperança. Ao mesmo tempo, fora dos muros da fábrica, (re)encontram-se numa outra dimensão e se (re)conhecem de outras maneiras”.[78]

      Cabe, nesse momento, analisar a situação dos trabalhadores no decorrer da Primeira Guerra Mundial, a qual revelou-se essencialmente como conflito econômico, relacionado com a desordem do capitalismo em formação. Nos quatro anos em que se desenrolou a guerra, as organizações de obreiros realizaram diversos encontros com o intuito de discutirem e traçarem planos de como poderiam atingir seus objetivos, isto é, obter melhores condições de vida e de trabalho quando a guerra chegasse ao fim[79].

      Segundo Souto Maior, com o acordo de paz celebrado após o término da guerra, em 1919, denominado de Tratado de Versalhes, as nações envolvidas demonstram reconhecer que o descaso pela situação de penúria dos trabalhadores, decorrente do modelo capitalista de produção, foi uma das principais causas que levaram ao combate. Nesse sentido, o Tratado busca soluções para os problemas sociais por meio da criação de instituições direcionadas a formular direitos trabalhistas. Isso, porém, somente pode ser alcançado devido a negociações realizadas anteriormente dentro de uma comissão composta de representantes do governo, sindicalistas e universitários, que elaboraram um projeto de organismo internacional, a OIT[80].

      No pós-Primeira Guerra Mundial, houve ascensão da extrema direita, junto com regimes totalitários, notoriamente em resposta à escalada do poder operário e ao progresso social[81]. Assim, após a Segunda Guerra Mundial, muito mais violenta do que a Primeira, ocorreu a Conferência em São Francisco, em 1945, na qual foi assinada a Carta das Nações Unidas (ou Carta de São Francisco). Explica Souto Maior que tal Carta firmava “compromisso com o progresso social e com a melhoria das condições de vida”[82], por meio da “reafirmação da relevância da eliminação dos problemas sociais como pressuposto da paz mundial, vinculando a economia a esse propósito”.[83]

      Posteriormente, ao redor do mundo, diversas greves continuaram a desenvolver-se, muitas das quais tiveram o papel de introduzir nos ordenamentos jurídicos de seus respectivos países direitos fundamentais de cunho trabalhista. Pode-se citar o exemplo trazido por Luis Alberto da Costa:

      (…) a histórica greve, em 1968, das 187 mulheres operárias de uma fábrica da Ford, na cidade de Dagenham, Inglaterra, que provocou a paralisação das atividades produtivas da fábrica. As operárias reivindicavam a equiparação salarial com os homens, o que na época parecia inconcebível. A greve resultou num expressivo aumento salarial (chegando ao equivalente a 92% do salário dos homens), e, posteriormente, na criação de uma lei, em 1970, pelo parlamento inglês, que previa a equiparação salarial então reivindicada, numa época em que a desigualdade salarial entre homens e mulheres era institucionalizada (…) [84]

      Comprova-se, portanto, que a atuação dos trabalhadores, ao longo da história mundial, assim como na história do Brasil, foi fundamental para tornar mais civilizadas e dignas as regras aplicáveis às relações de trabalho. Garantiu-se, dessa forma, que não se trabalharia até a exaustão, haveria períodos de descanso remunerados, os salários seriam mais justos, haveria proteção contra a exploração infantil, entre muitos outros direitos. Ademais, a expansão do direito de greve ultrapassou o nível da legislação ordinária do direito social, tornando-se direito fundamental nos países democráticos.

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      Sobre a autora
      Paula Martins Queiroz Medeiros

      Formada em Direito pela Universidade de São Paulo. Cursando Especialização em Direito do Trabalho na Universidade de São Paulo. Analista Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.

      Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

      MEDEIROS, Paula Martins Queiroz. A greve como instrumento de promoção dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4254, 23 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35035. Acesso em: 20 dez. 2024.

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