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A qualidade da educação fundamental da rede municipal de Ilhéus (BA) aferida a partir da infraestrutura de seus prédios escolares no período de 2010-2012.

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25/03/2015 às 07:41
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A qualidade do ambiente afeta o bem estar dos alunos e dos professores, interferindo diretamente na aprendizagem e na atividade de docência.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho volta-se para o estudo da infraestrutura das escolas, enfocando-a como componente da qualidade da educação e, como tal, exigível judicialmente a partir de padrões mínimos. Ainda que sua importância não esteja mensurada quantativamente, a qualidade do ambiente afeta o bem-estar de alunos e professores, interferindo na aprendizagem e na atividade de docência. Quando o espaço físico não recebe melhoramentos proporcionais aos recursos destinados, há indicativos de deficiência na gestão e de discurso apenas simbólico sobre a importância da educação, justificando a interferência do Poder Judiciário, seja para compelir ao cumprimento dos ditames constitucionais, seja para responsabilizar, inclusive sob o âmbito de improbidade administrativa, pela oferta irregular de ensino.

1.1 Justificativa

A infraestrutura dos prédios escolares pode ser apontada como um dos componentes da qualidade da educação. Tanto que Trigueiro (apud GOMES, 2012, p. 89) afirma que “os melhores cursos são, cada vez mais, os que possuem um bom somatório de bons professores, bons currículos e infra-estrutura adequada, sobretudo em termos de equipamentos de pesquisa”.Diante dessa classificação, efetuou-se a opção pela infraestrutura como tema desta monografia, dentre os demais componentes da qualidade da educação, por ser um item objetivo e visível, de relativa facilidade de aferição, com predomínio de seu aspecto material, permitindo pensar a qualidade em termos de medida. Assim, a infraestrutura pode ser utilizada como ponto de partida para a verificabilidade de padrões de qualidade, justapondo-se aos outros componentes, como quadro de profissionais de educação, material didático e gestão escolar.

Da mesma forma, por ser um dos parâmetros que integraram a composição do custo-aluno-qualidade, desde os primeiros estudos para sua fixação, a exemplo do Relatório do Grupo de Estudo de Trabalho, consolidado pelo pesquisador José Marcelino de Rezende Pinto (GOMES, 2009, p.10). Essa anterioridade levava a acreditar em literatura suficiente para a pesquisa sobre esse tema específico.

Por fim, por considerar que se a infraestrutura estava integrada ao custo-aluno-qualidade, com recursos a ela destinados, a partir de receitas vinculadas à manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme previsto na Lei n° 11.474/2007 (BRASIL, 2007), o quadro estrutural e de equipamentos deveria corresponder aos recursos repassados para aquisição, manutenção, construção e conservação, seja das instalações, seja dos equipamentos necessários ao ensino (BRASIL, 2006).

Em outras palavras, sendo uma parte dos recursos vinculados do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) destinada a despesas de investimentos, isto deveria implicar a manutenção e reforma da rede física escolar para atendimento ao comando legal.

Do lado pragmático, outrossim, por considerar importante verificar o comportamento discente frente a rede escolar com deficiências em sua parte física, procurando identificar correlações e grau de influência entre esta e os resultados de aprendizagem daqueles, a partir do momento em que se publicizam os resultados obtidos pelos alunos em exames de proficiência de larga escala, como Prova Brasil e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Do mesmo modo, justifica-se o presente trabalho para investigar os limites e possibilidades de atuação do Poder Judiciário, quando convocado a decidir sobre implementação de melhorias na infraestrutura escolar, para que se atinjam padrões mínimos de qualidade da educação, diante dos debates sobre ativismo judicial e a interferência desse Poder no âmbito de atuação dos demais.

Almeja-se, ao fim, possa o trabalho de pesquisa realizado contribuir para o aperfeiçoamento da dogmática jurídica sobre o tema enfocado, servir de subsídio a outras discussões teóricas e até mesmo estimular novos estudos, a partir das questões ora enfrentadas.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo Geral:

O objetivo geral do trabalho foi o de verificar a existência de correlação entre infraestrutura escolar e desempenho dos alunos em testes padronizados de avaliação, com o fito de demonstrar sua condição de componente da qualidade da educação. Após a confirmação da hipótese, o móvel maior foi o de apresentar a infraestrutura como insumo diferencial da educação, posicionando-a ao lado de outros componentes qualitativos, costumeiramente mais explorados na doutrina específica ou em ações judiciais.

1.2.2 Objetivos Específicos:

Dentre os objetivos específicos, pretendeu-se levantar e comparar a infraestrutura de nove prédios escolares, da rede municipal de ensino de Ilhéus, entre 2010 e 2011, situados na zona urbana.

Igualmente, apurar as avaliações das escolas investigadas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2009 e 2011, e compará-las com a infraestrutura escolar, verificando se os índices mais altos nessa avaliação, em 2011, pertencem às escolas públicas municipais com melhor infraestrutura de prédios escolares.

Ainda, tendo conhecimento de que houve aforamento de ação civil pública para melhoria da infraestrutura escolar, com acolhimento pelo Poder Judiciário, pretendeu-se examinar se o pleito teve efetividade, constrastando limites e possibilidades das decisões do Poder Judiciário na implantação de políticas públicas e obrigações de fazer na seara da educação pública.

Por fim, demonstrar que a infraestrutura dos prédios escolares integra a qualidade da educação e pode ser buscada judicialmente, como meta de processo ou obrigação de meio, ainda que a limitação da interferência do Poder Judiciário e sua dependência à ação do Administração Pública para a implantação das melhorias possa comprometer a efetividade de suas decisões.

1.3 Metodologia

Foi utilizado o método indutivo, partindo-se dos casos concretos em busca de uma generalização. Os métodos estatístico e exploratório, a respeito das escolas da rede municipal de Ilhéus, com concentração em nove escolas situadas na zona urbana, também foram empregados.

Utilizou-se, ainda, pesquisa de caráter bibliográfico e documental para a coleta de dados. A investigação foi realizada a partir de material já elaborado, como livros e artigos sobre o tema, bem assim sobre registros dos órgãos públicos, incluindo meio eletrônico. Foram considerados, especialmente, os inquéritos civis e procedimentos administrativos da 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus sobre a infraestrutura da rede municipal de ensino desse Município, instaurados em 2010 e 2012, independentemente de estarem ou não finalizados, e a ação civil pública nº 0010348-40.2006.8.05.0103, que tramita na Vara da Infância e da Juventude de Ilhéus, em fase de execução.

Diante da necessidade de recorte, o trabalho volta-se à educação fundamental. Principia pela análise do conceito de qualidade da educação, para demonstrar a integração da infraestrutura ao mesmo, inclusive em seus três significados históricos - como acesso, como permanência e como resultado de desempenho escolar.

Para fins de estudo de caso, foi analisada a infraestrutura das escolas públicas da rede municipal de Ilhéus, no período de 2010-2012, extraindo-se das observações empíricas as comparações e ilações que sustentam a apresentação da infraestrutura como componente da qualidade da educação e, deste modo, exigível judicialmente a partir de padrões mínimos, inclusive como meio para aprimoramento do desempenho escolar dos alunos em testes padronizados de proficiência.

Por fim, considerando que a situação da infraestrutura da rede municipal de ensino de Ilhéus foi judicializada, a monografia comenta o resultado do processo, considerando os limites e possibilidades das decisões judiciais, sua utilidade e efetividade, especialmente quando confrontam ação ou inação dos demais Poderes.


2 DESENVOLVIMENTO -REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Da concepção de infraestrutura escolar

Inicialmente, indica-se que o termo infraestrutura, para os propósitos deste trabalho, englobará a estrutura da rede escolar do ensino fundamental, em seus aspectos físicos e situacionais, e seus equipamentos.

Como aspectos físicos, abrangerá tamanho de salas de aula, iluminação, ventilação, telhado, banheiros, quadra de esportes, refeitório, cozinha, biblioteca, conservação predial, abarcando o aspecto de limpeza interna e externa. Como situacionais, estarão englobados aspectos referentes à localização da unidade escolar, atendimento por transporte público, sinalização viária, rede de água, luz e esgoto.

Por fim, como equipamentos abrangerá os materiais disponíveis para uso didático e sua manutenção, como data show, computadores, quadro de giz ou similares, retroprojetor, aparelhos reprodutores de compact disc (CD) ou digital midia disc (DVD), aparelho de som, microfone, caixa amplificadora, entre outros.

O uso do termo infraestrutura para englobar todos esses itens está autorizado na Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, do Conselho Nacional de Educação, por sua Comissão de Educação Básica (BRASIL, 2010a), que a define como o espaço formativo dotado de efetiva disponibilidade de tempos para a sua utilização e acessibilidade (art. 9º, inc. VI). Reza, ainda, que a concepção da organização do espaço físico deve ser tratada no projeto político-pedagógico, devendo ser compatível com as características de seus sujeitos, atender à acessibilidade, a natureza e as finalidades da educação, deliberadas e assumidas pela comunidade educacional (art. 44, inc. X).

Não se irá abordar, pelos limites deste trabalho, a possibilidade desse espaço físico ser ampliado, através do aproveitamento de espaços de outras escolas, socioculturais e esportivo-recreativos do entorno, da cidade e mesmo da região, como autorizaria o avanço no estudo do Parecer nº 7/2010 do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010b, p. 22).

Feitas estas considerações, com o fito de demontrar que a infraestrutura escolar insere-se no conceito de qualidade da educação e, como tal, pode ser exigida judicialmente, passa-se a analisar o significado desse conceito, referido constitucionalmente.

2.2 Da concepção de padrão de qualidade em educação

A Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seu artigo 206, inciso VI, coloca a garantia do padrão de qualidade como princípio regedor do ensino, sem definir a expressão. No artigo 211, § 1º, a Carta Magna coloca a União como responsável pela suplementação e função redistributiva em matéria educacional, mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de forma a garantir o padrão de qualidade mínimo e a equalização de oportunidades educacionais. O tema também está inserido nos artigos 208, inciso IX e 214, inciso III, ambos da Carta Magna (BRASIL, 1988) .

Outros diplomas legais, a partir da Constituição Federal, passaram a mencionar o termo qualidade, ora associando-o à educação, ora associando-o ao ensino. Entre eles, a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), em seu artigo 3º, inciso IX, que aponta a garantia de padrão de qualidade, e o antigo Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), que elencou entre seus objetivos a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis.

Dessa forma, observa-se que a ausência de definição da expressão leva a compreendê-la ou tratá-la como sinônimo de qualidade de ensino (OLIVEIRA; PESSOA, 2013, p. 615) e assim também será nesta monografia. Até porque, fazendo uso das palavras de Nina Beatriz Ranieri (2000, p. 168), tratar educação e ensino como realidades semelhantes não afeta “a decidibilidade do discurso normativo ou a aplicabilidade da norma”, desde que o intérprete atenha-se aos contextos em que os termos ambíguos são empregados.

No entanto, existe diferença. Educação é um processo mais amplo do que ensino, pois compreende o desenvolvimento de competências e habilidades para o exercício da cidadania ou, como dizia Anísio Teixeira (apud JOAQUIM, 2005, p.1) “a formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade integrada e nacional”. Para Dermeval Saviani (2008, p. 129), “educação é o ato de produzir, direta e intencionalmente em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.”.

No Parecer nº 7/2010, o Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010b, p. 10) assim se pronuncia sobre educação:

Educação é, pois, processo e prática que se concretizam nas relações sociais que transcendem o espaço e o tempo escolares, tendo em vista os diferentes sujeitos que a demandam. Educação consiste, portanto, no processo de socialização da cultura da vida, no qual se constroem, se mantêm e se transformam saberes, conhecimentos e valores.

Na visão legal, segundo o artigo 1º, caput, da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996),

“A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

Ensino, a seu turno, relaciona-se à transmissão do saber historicamente acumulado, de forma didática e organizada, por áreas específicas, usualmente de acordo com o desenvolvimento mental e cronológico do aluno e dentro da seriação. É definido por Sérgio Guerra Duarte (1986, p. 63) como o “conjunto de serviços oferecidos a população e organizados segundo prescrições legais, visando à consecução dos objetivos educacionais”.

Dessa forma, ensino relaciona-se a uma programação de atividades didáticas que visam a auxiliar os alunos no entendimento das áreas de conhecimento, como ciências, matemática e outras (MORAN, 2013, n.p). Mencionando mais uma vez o Parecer nº 7/2010 do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010b, p.11), pode-se até interpretar ensino como os rituais escolares “inventados” dentro de um determinado contexto sociocultural em movimento.

Essa diferença entre educação e ensino é histórica, remontando à tradição grega. A educação ficava a cargo do pedagogo, a quem incumbia transmitir os valores da cidade, formando seu caráter e velando pelo desenvolvimento de sua integridade moral. Era considerada categoria mais elevada do que o ensino, pois devia preparar para a vida política, cultivando valores morais e patrióticos. O ensino, a seu turno, considerado atividade secundária, cabia ao mestre ou professor. Consistia na transmissão de conhecimentos instrumentais, como a leitura, a escrita e a aritmética, destrezas técnicas e teorias científicas, mas a preparação do discípulo era para a vida produtiva menos notável, composta de habilidades e informações práticas (SAVATER, apud SIBILIA, 2012, p. 133).

Outra classificação, mais pragmática para fins de exigibilidade e de acompanhamento pode ser a divisão apresentada por Ricardo Chaves de Rezende Martins (2013, p. 507). Ao invés de separar qualidade da educação e qualidade do ensino, o autor trata de ambas englobadamente, sob a denominação qualidade da educação. A aferição de seu atingimento dá-se pela observação das metas de processo e das metas de resultado. Dentre as metas de processo, atuando como meio para atingir a qualidade da educação, o autor cita qualificação e políticas de valorização do profissional do magistério, infraestrutura escolar, gestão escolar, disponibilidade e variedade de insumos materiais. A sua vez, a qualidade no resultado do processo educacional seria aferida, exemplificativamente, através do “rendimento escolar dos estudantes, de acordo com determinados padrões esperados, taxas de sucesso escolar, mudanças no perfil do nível de escolaridade da população”.

Com mudança de enfoque, José Francisco Soares (2013, p. 572) parte da Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), em seu artigo 3º, inciso I, para apontar a qualidade da educação básica. Para ele,os sistemas [municipais e estaduais de Educação Básica] têm qualidade se fornecem a todas as crianças e jovens de sua circunscrição oportunidades de acesso a uma escola, oportunidades de permanência nessa escola e habilitem a uma participação social crítica e produtiva.

Na mesma linha de pensamento encontram-se Romualdo Portela Oliveira e Gilda Cardoso Araújo (2005, n.p). Apontam que, no Brasil, três significados distintos podem ser percebidos, em evolução histórica, a respeito de qualidade da educação. O primeiro está relacionado ao acesso, o segundo, à permanência na escola e o derradeiro, à apresentação de resultados cognitivos.

A compreensão de qualidade como acesso à escola como oportunidade de escolarização vigorou, no período de governo militar, em 1964-1985, por necessidade de escolarização frente ao modelo econômico urbano-industrial crescente no país. Novamente, na década de 1990 (VELOSO, 2009, p. 8), percebeu-se esse enfoque, quando o Brasil começou a ampliar o acesso à educação de forma relativamente rápida (MENEZES FILHO; RIBEIRO, 2009, p. 172), ampliando seus indicadores quantitativos.

Atingida, praticamente, a universalização do ensino fundamental, passou-se à segunda significação de qualidade. Diz respeito à permanência do aluno na escola e às condições de prosseguimento e conclusão dos estudos.

Por fim, o terceiro significado de qualidade volta-se para o resultado cognitivo apresentado pelo estudante em testes padronizados e de reconhecimento geral. São os sistemas de avaliação, que servem como medição do desempenho escolar e, em certo aspecto, da qualidade da educação de determinada unidade escolar e sistema de ensino.

Assim, há variantes e mudança de concepção do que seja qualidade na educação no tempo e no espaço, em parte provocadas pela inexistência de definição legal e de precisão vocabular da expressão. Consequentemente, há dificuldades em se “construir um conceito universal que dê conta de abarcar todas as dimensões que compõem a qualidade educacional” (FONSECA, 2013, p.10).

Tais empecilhos podem ser analisados por viés de natureza político-filosófica. A vertente filosófica parte do pressuposto de que não há neutralidade no conceito de qualidade; implica opções, contextualização no espaço e constante revisão (CABRAL, 2008, p. 125). Assim sendo, devem ser consideradas e respeitadas as variáveis geográficas, temporais e experimentais, com cautelas para que a pretensão de universalização do conceito não se transforme em padronização indesejada (MORAES, 2013, p. 647). O viés político, ressalta Romualdo Oliveira (apud CABRAL, 2008, p.129), advém da necessidade de “análise dos custos, das condições reais, dos objetivos que se almejam e das expectativas sociais em torno do processo de escolarização”.

Todavia, Carlos Roberto Jamil Cury (2010, p. 7) não se omite da conceituação, apresentando qualidade como “um modo de ser que afeta a educação como um todo envolvendo sua estrutura, seu desenvolvimento, seu contexto e o nosso modo de conhecê-la”. O conceito abarca os aspectos dados, no sentido de cenários mais ou menos estáticos, ao mencionar a estrutura educacional, compreendendo estrutura física e humana. Refere seus processos, ao mencionar que a qualidade afeta o desenvolvimento da educação; implica ideia de ação e de movimento, em devir e resultados. Por fim, capta a parcialidade da avaliação, a depender do subjetivismo do avaliador, ao indicar que a qualidade da educação afeta o “nosso modo de conhecê-la”, por mais que se tenha pretensão de neutralidade ou cientificidade. Há amplitude, portanto, para variações locais, regionais, econômicas, etc., de compreensão do atingimento da qualidade da educação.

Após essa base conceitual, identifica-se o pertencimento da infraestrutura dos prédios escolares ao conceito de qualidade da educação. Influi na educação, posto que a estrutura física afeta o componente humano, seja o corpo docente (professores e equipe gestora), seja o corpo discente (alunos). Situa-se dentro de determinado contexto, permitindo comparações entre unidades escolares ou entre sistemas. Por fim, enfrenta variações no tempo e no espaço, o que altera a forma pela qual é percebida, comportando certa carga de subjetividade.

2.3 Acesso, permanência e desempenho escolar como indicadores quantitativos e qualitativos da educação

Refletindo sobre as colocações de Soares (2013, p. 572) e de Oliveira e Araújo (2005, n.p) sobre a associação entre qualidade da educação com os fenômenos de acesso e permanência na escola e com a medida em testes de larga escala, reputa-se oportuno e necessário um maior aprofundamento desses significados.

O aumento do quantitativo de escolas no Governo Militar esteve desacompanhado de melhorias no processo ensino-aprendizagem. Nesse período, a “expansão quantitativa não veio aliada a uma escola cujo padrão intelectual fosse aceitável. Pelo contrário: a expansão se fez acompanhada pelo rebaixamento da qualidade de ensino”(BITTAR; BITTAR 2012, p. 162). Como consequência, a elevação da quantidade de educação ampliou a desigualdade de educação (BARBOSA FILHO; PESSÔA, 2009, p. 62).

Entretanto, ainda assim houve um aspecto positivo no aumento quantitativo, mesmo que não proporcional ao avanço da qualidade. Para Marisa Bittar e Mariluce Bittar (2012, p. 162), “o fato de as camadas populares adentrarem pela primeira vez em grande quantidade na escola pública brasileira constituiu-se em um dos elementos qualitativos dessa escola”. No mesmo sentido, expressou-se Pinto (apud CABRAL, 2008, p.114), ao sustentar que “qualidade para aqueles pais que não conseguem vaga para seus filhos é a garantia de ver seu filho na escola”.

Todavia, o descompasso entre quantidade e qualidade não representa situação ideal. Segundo Marisa Bittar e Mariluce Bittar (2012, p. 162), há íntima relação entre qualidade e quantidade, por serem “duas categorias filosóficas que não se separam”. Não havendo padrão mínimo de qualidade, a educação é prejudicada. Por outro lado, se o número de instituições escolares e de vagas forem insuficientes, ainda que a escola pública tenha qualidade, a educação permanece elitizada, bem de poucos. A qualidade, nesse caso, é obtida com a exclusão da maioria, quando sua busca não deveria servir como justificativa para a inércia na expansão da oferta (KUENZER, 2010, p. 867).

Em síntese, não é recomendado proceder à inclusão com aligeiramento dos critérios de qualidade nem se contentar com a escola de qualidade para poucos, quando são milhões que a ela têm direito (CUNHA, 2013, p. 48). Mais reprovável será, ainda, sequer ofertar, quedando-se em inaceitável omissão, como já deliberou o Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2011), no excerto coletado abaixo:

[...]A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.[...] (grifos não originais)

Enquanto prossegue a demanda por acesso a creches e escolas de educação infantil, propaga-se que foi atingida, praticamente, a universalização do ensino, ao menos no que tange à faixa etária de seis a dezessete anos de idade, dentro do nível fundamental. A concepção de qualidade passa a estar mais associada, então, à permanência do aluno na unidade escolar, levando a conjugar, outra vez, um indicador de qualidade a um indicador de quantidade.

O atingimento do resultado da permanência na escola poderá ser verificado pelo número de anos de estudo ou pela composição educacional da população (VELOSO, 2009, p. 4). Poderá analisar, igualmente, a proporção de concluintes de determinado nível educacional ao longo de uma geração.

De outro ponto de vista, a permanência dos alunos irá refletir, ainda, na composição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Tal índice mede o desenvolvimento a partir de três indicadores: educação, longevidade e renda. No primeiro indicador são consideradas a taxa bruta de matrícula e a taxa de alfabetização de pessoas com mais de quinze anos de idade. A taxa de matrícula é obtida pelo somatório de pessoas que frequentam os cursos fundamental e médio, mesmo que sob a forma de cursos supletivos, bem assim, superior, abrangida a pós-graduação (ENTENDA ...2013). Portanto, melhorando a média de anos de estudo da população, com mais pessoas matriculadas e por mais tempo, alcançando ao menos a alfabetização, haverá reflexos no progresso humano, medido pelo índice referido.

Atualmente, entretanto, embora o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil esteja em 0,730, em uma escala de 0 a 1, resultado que o inclui entre os países com desenvolvimento elevado, verifica-se que, na dimensão educacional, a média de anos de estudo gira em torno de 7,2 anos, enquanto seriam esperados 14,2 anos (OLIVEIRA, 2013). Quando avaliado o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH), verifica-se que o quesito educação é, justamente, o fator de rebaixamento do índice, que se encontra melhor na dimensão longevidade (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013).

Por outro lado, estatísticas demonstram que não há proporcionalidade entre o número de estudantes que ingressam e os que concluem a educação básica, sendo o primeiro contingente muito superior ao segundo, indicando baixa progressão no sistema de ensino e abandono da escola.

Isto pode ser visto, por exemplo, no Censo Escolar de 2012 (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2012): somando-se as matrículas dos três sistemas de ensino, incluindo a rede privada, mas com exclusão de educação para jovens e adultos (EJA) e do ensino profissionalizante, houve mais de cinquenta milhões de alunos matriculados, desde a creche até o final do ensino fundamental. Todavia, o número de concluintes do ensino fundamental foi considerado “discreto” (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2013, p. 12), enquanto o fluxo escolar para o ensino médio foi apontado como em situação de desequilíbrio. Isto porque as matrículas do ensino médio permaneceram na ordem de oito milhões. Para o fluxo estar equilibrado, a matrícula em tal nível deveria estar em 10,6 milhões (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2013, p. 16).

O foco volta-se, então, para combater as evasões, adotar medidas frente a repetências e proceder à correção do fluxo no ensino fundamental, para assegurar a permanência, o que tem sido feito através da progressão continuada, por vezes denominada aprovação automática, promoção automática, aprovação automática e avanço progressivo (HARNICK, 2013) e programas de aceleração da aprendizagem (Lei nº 9.394/96, art. 4, inc. V, letra b), buscando evitar a distorção idade-série.

Porém, o comportamento da matrícula com variação negativa, observado especialmente desde o censo escolar de 2007, poderá sugerir a adoção de outras providências, não só com ênfase na permanência, mas também na reversão da diminuição quantitativa de ingresso. Em 2012, apontou-se o decréscimo de 656.142 matrículas, representando variação negativa de 2,2% do total de matrículas em relação a 2011 (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2013, p. 19-20).

Já consoante o Censo divulgado em 2013, embora o resultado seja preliminar, o número de matrículas realizadas no país no ensino fundamental, que era de 26.675.320 em 2010, passou para 24.944.975 em 2012. A redução foi de 6,4%. No ensino básico, a redução foi de 5,5% no mesmo período (BAZZAN; SANTOS, 2013).

A explicação dada para o decréscimo das matrículas na educação básica no ano de 2012 foi de “acomodação do sistema educacional, em especial na modalidade regular do ensino fundamental” (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2013, p. 11). Segundo o resumo técnico sobre o Censo da educação básica, efetuado em 2012, como tem havido aprovação dos alunos, que não ficam mais retidos na série, a tendência é de “aumento no número de alunos que conseguem ultrapassar os anos iniciais do ensino fundamental”, fato que contribui para a “queda na matrícula e a ampliação da demanda para os anos finais dessa etapa de ensino” (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2012, p. 12)

A Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), em seu artigo 5º, §1º, aponta algumas medidas que podem ser adotadas para garantir o equilíbrio da taxa de matrícula e a permanência dos alunos:

Art. 5o O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

[…] § 1º O poder público, na esfera de sua competência federativa, deverá:(Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

I - recensear anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar, bem como os jovens e adultos que não concluíram a educação básica;(Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

II - fazer-lhes a chamada pública;

III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Para a permanência, ainda, fundamental a recuperação dos alunos com baixo rendimento escolar. Os estudos de recuperação são obrigatórios, devem estar disciplinados no regimento escolar da instituição de ensino e devem ser efetuados preferentemente junto com o calendário normal de aulas, consoante dispõe o artigo 24, inciso V, da Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996).

Nesse sentido já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (BRASIL, 2002), como destaca a ementa abaixo:

ADMINISTRATIVO. ESTUDO DE ESCOLA TÉCNICA FEDERAL. DIREITO AOS ESTUDOS DE RECUPERAÇÃO. PROVA DE RECUPERAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. LEI Nº 9.394/96. ART. 79 E 80 DO REGIMENTO INTERNO DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. - Se a Lei de Diretrizes e Bases do Sistema Brasileiro de Ensino (Lei nº 9.394/96, art. 24, V, e) e o Regimento Interno da Instituição de Ensino, estabelecem a possibilidade de realização de estudos de recuperação para o aluno que obteve conceito D, não pode a Instituição de Ensino negar esta oportunidade, pois estaria restringindo o exercício de um direito.

(TRF-4 - AMS: 7408 RS 2001.71.00.007408-9, Relator: AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Data de Julgamento: 13/06/2002, QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 07/08/2002 PÁGINA: 403)

Por fim, com a qualidade da educação compreendida a partir de resultados obtidos pelos alunos em avaliações educacionais externas, aplicadas em larga escala, verifica-se que a posição internacional do Brasil não é satisfatória. Quanto a esse indicador de qualidade, o Brasil tem fraco desempenho, inferior ao que seria de se esperar de seu nível de renda per capita (VELOSO, 2009, 6-7). No último exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), que avalia os conhecimentos dos alunos com idade entre quinze e dezesseis anos, tanto da rede pública como da rede privada, em leitura, matemática e ciências, o Brasil ficou na 53ª posição na classificação geral, envolvendo outros 65 (sessenta e cinco) países.

O teste é realizado a cada três anos e o resultado mencionado é do ano de 2012 (HONORATO, 2013).

Então, com o fito de propiciar o levantamento e análise dos resultados educacionais internos, para depois compará-los com as avaliações de outros países, catalogadas através dos exames do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o Brasil, em 2007 implantou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Trata-se de um indicador nacional, calculado com base na taxa de rendimento escolar (aprovação e evasão) e no desempenho dos alunos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e na Prova Brasil1. Os dados sobre aprovação escolar são obtidos do Censo Escolar, enquanto as médias de desempenho são extraídas das avaliações do Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A meta nacional é atingir a nota 6,0 até o ano de 2021, dentro de uma escala de proficiência máxima de 10,0, medida entre os 34 (trinta e quatro) países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Credita-se a esse indicador o mérito de reunir dois conceitos importantes para a qualidade da educação, quais sejam, o fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E DE PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2013a). Assim, busca coibir tanto a reprovação indiscriminada como a prática de aprovar alunos com ínfima aprendizagem (FERNANDES; GREMAUD, 2009, p. 214).

Uma das críticas feitas ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é de que funciona como medida de resultado e não de qualidade (CABRAL, 2008, p. 132). Outras relacionam-se a estratégias de escolas, ainda que adotadas sem generalização (FERNANDES; GREMAUD, 2009, p. 214), para aumentar a pontuação dos estudantes, como treinamento e seleção de alunos para o teste (SOARES, 2013, p. 590), com exclusão dos alunos de baixa proficiência (FERNANDES; GRAMAUD, 2009, p. 225).

Outra crítica, esta feita sobre a avaliação em geral, é que fomenta a atribuição de culpa pela qualidade da educação aos professores, que, a seu turno, a transferem aos alunos e à sua desestruturação familiar (CABRAL, 2008, p. 146). Como coloca Heraldo Marelim Vianna (2003, p. 47), o fracasso ou o baixo desempenho numa avaliação nem sempre está relacionado ao professor. Há fatores externos à escola que também influem nesse desempenho, sobre os quais o professor, muitas vezes, não tem condições de atuar, como equivalência idade/série; horas de estudo no lar e a participação efetiva da família no acompanhamento das atividades escolares.

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Por fim, os sistemas de avaliação, também conhecidos como accountability educacionais, recebem críticas por denotarem, segundo Romualdo Portela Oliveira e Gilda Cardoso de Araújo (2005, n.p) “idéias de eficiência e produtividade, com uma clara matriz empresarial”, que pouco auxiliam na delimitação do mínimo em qualidade (CABRAL, 2008, p. 110).

Contudo, é importante refletir, como faz Paula Sibilia (2012, p. 123-139), sobre a generalização da lógica do mercado, passando a escola a ser um produto entre inúmeros outros, que deve competir para atrair seus “clientes”, os quais também são cobrados em termos de desempenho e de desenvolvimento de outras qualidades, como originalidade, ousadia, agilidade e velocidade, nem sempre valorizadas ou aprimoradas pelo ensino formal.

Além disto, ainda que haja falhas ou imperfeições das medidas utilizadas em avaliações educacionais, não pode ser retirado seu mérito de trazer à tona a deficiência do serviço educacional público no Brasil. Afinal, como proclamou Azuete Fogaça (2008, p.7), “os analfabetos estão dentro da escola, que se mostra incapaz de cumprir uma das tarefas mais tradicionais e básicas, mesmo quando os alunos nela permanecem por até oito anos”.

As avaliações permitem, assim, diagnosticar e monitorar a qualidade do sistema educacional, permitindo comparações entre os resultados dos testes padronizados e as diferenças entre recursos das escolas e aspectos socioeconômicos dos estudantes ( FERNANDES; GREMAUD, 2009, p. 218). Permitem verificar “se o que deveria ter sido ensinado aos alunos foi, de fato, ensinado e apreendido” (SOARES, apud SOARES, 2013, p. 573).

Por outro lado, ao ser efetuada a divulgação dos resultados, no sistema de “accountability fraca”2 , a escola pode desfazer impressões que tem de si mesma, quando acredita estar fazendo um bom trabalho, sem que isso corresponda ao resultado esperado. Permite-lhe que identifique suas fragilidades e promova ações para superá-las (BRASIL, 2010c, p.7). Nesse caso, a divulgação funciona como pressão por melhoria de qualidade (FERNANDES; GRAMAUD, 2009, p. 222).

Contudo, muito mais do que só divulgar, impõe-se a realização de trabalho pedagógico, normativo e de políticas públicas sobre os resultados, para que a informação não se restrinja a oportunizar a construção de um ranking de escolas (SOARES, 2013, p. 583). Em outros termos, a qualidade da educação não pode ficar restrita ao âmbito da competitividade ou em resultados utilitários, como a aprovação em vestibulares concorridos. (CABRAL, 2008, p. 119)

Como salientam Marcelo Lima de Oliveira e Hugo Costa Pessoa (2013, p.625), “não basta contar com um eficiente sistema de avaliação se, na outra ponta, não se implementam as medidas corretivas que permitam elevar a qualidade do ensino”. A avaliação deve estar em relação direta com a qualidade, não prescindindo de intervenção do Estado ou do próprio núcleo de gestão institucional para o alcance desta (FONSECA, 2009, p. 5).

Uma das intervenções cabíveis, sem dúvida, é de melhoria da infraestrutura. Pode ser fator de atratividade do aluno, tanto para o ingresso, como para a permanência. Igualmente, é fator indissociável das condições de trabalho do professor e relaciona-se até mesmo com sua valorização profissional (BRASIL, 2010c, p. 11). De outro lado, pode interferir positiva ou negativamente no desempenho escolar. A existência de materiais didáticos e equipamentos, como bibliotecas e laboratórios, pode compor indicador quantitativo e auxiliar na comparação e diagnóstico entre as escolas, para, identificando as diferenças, dotá-las dos mesmos recursos. Com isto, avançar-se-ia na igualdade das condições educacionais, pois é pouco crível que as escolas atingirão a um mesmo patamar de qualidade se não possuírem o mesmo patamar de condições de infraestrutura (BRASIL, 2010c, p. 13).

Assim, mais do que contar número de escolas e de salas de aulas e de medir o número de anos de estudos, o que atenderia aos indicadores de quantidade, impõe-se também verificar as condições das construções escolares ao largo do tempo. Na dependência dessas condições estruturais, ainda que não exclusivamente, estão o desempenho escolar do aluno e a atuação do professor.

Se qualidade da educação deve ter padrão mínimo, também deve ser possível a exigibilidade, inclusive judicial, de um patamar mínimo de infraestrutura por escola. Mas levar a demanda a juízo representa destrinchar o conceito de qualidade de educação, como será visto no próximo tópico, para que não pairem dúvidas sobre a incorporação de infraestrutura ao âmago da qualidade da educação.

2.4 Da importância da compreensão da qualidade da educação para a judicialização das demandas.

O artigo 37, §3º, inciso I, da Constituição Federal prevê a disciplina das reclamações dos usuários e assegura a avaliação da qualidade dos serviços públicos. Com isto, evidencia-se a possibilidade de reivindicação dos cidadãos sobre a qualidade da escola pública (CURY, 2010, p. 20). Apesar do amparo legal, “são praticamente inexistentes as ações indenizatórias contra o Estado ou contra o gestor político pela má prestação do serviço público” (KIM; PEREZ, 2013, p. 714) ou as reclamações em juízo ou administrativas sobre a qualidade do serviço educacional (CABRAL, 2008, p. 68).

Uma das razões para a ausência de reclames em juízo pode ser a insuficiência do artigo 4º, inciso IX, da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) para a compreensão do conceito de qualidade do ensino, ao apontá-la como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

Há tecnicismo próprio da Economia, com o termo “insumos”, que tem limites pouco esclarecidos. Sátyro e Soares (apud FRANCO, 2009, p. 25) definem insumos como “tudo aquilo que o dinheiro pode comprar” : formação docente, existência de biblioteca ou sala de leitura, material pedagógico, tamanho da turma, horas-aula”. Ana Maria Franco (2008, p. 27) arrola diversos elementos que se incluem na categoria de insumos, tais como “características dos professores, turmas, diretores e atributos físicos da escola até os programas sociais dos quais ela participa” (grifos não originais).

Outros autores apontam para a pouca serventia dessa apresentação legal. Karina Melissa Cabral e Cristiano Amaral Garboggini Di Giorgi (2012, p.123), indicam que “essa proposição (...) devido à sua subjetividade, dificulta a efetivação desse direito”. No mesmo sentido Carlos Roberto Jamil Cury e Luiz Antonio Miguel Ferreira (2009, p-59-60), para quem a afirmação é tão vaga que compromete sua consistência para apresentação em juízo, já que ao padrão de qualidade devem ser agregados parâmetros de referência que permitam verificar seu resultado nas instituições escolares.

Já Dourado, Oliveira e Santos (apud DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 205) criticam a simplificação do conceito de qualidade de educação como sendo insumos. Para eles,qualidade da educação é um fenômeno complexo, abrangente, que envolve múltiplas dimensões, não podendo ser apreendido apenas por um reconhecimento da variedade e das quantidades mínimas de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem; nem, muito menos, pode ser apreendido sem tais insumos.

Diante disto, é importante refletir sobre a qualidade almejada. Da mesma forma, comprender seus parâmetros mínimos e seu custo, ou, em outras palavras, “de que mínimo estamos falando e quanto custa?” (GOMES, 2009, p. 9). Sobretudo, porque há diferença nesse custo, conforme o nível e modalidade de ensino, insumos, preços médios vigentes nos estados, tamanho da escola/creche, jornada escolar, relação alunos/turma ou alunos/professor; remuneração dos profissionais de educação, em especial, dos docentes (GOMES, 2009, p. 15 e 20 ).

Essa reflexão terá desdobramentos importantes no planejamento e execução orçamentária dos sistemas de ensino, bem assim no acatamento ou não da frequente alegação dos gestores de inexistência de recursos orçamentários disponíveis. Isto porque tais custos são distribuídos em diferentes rubricas orçamentárias. A ausência de recursos pode dar-se em relação a uma das pretensões externadas em juízo que invoque a qualidade da educação, mas poderá comportar o atendimento e o deferimento de outras obrigações de fazer, não fazer ou pagar, relacionadas aos padrões mínimos de qualidade pretendidos, que constem em rubrica contábil diversa, na qual ainda exista dotação orçamentária disponível.

A correta indicação do que seja qualidade de educação e de seus componentes, por outro lado, também atende ao artigo 286 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), que giza o seguinte

Art. 286. O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, formular pedido genérico:

I - nas ações em que a pretensão recai, sobre uma universalidade, se não puder o autor individuar na petição os bens demandados;

II - quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito;

III - quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.

Como explica a jurisprudência, não é cabível pretensão indeterminada e abstrata. O interessado deve formular pedido certo e determinado, descrevendo concretamente os fatos na petição inicial. Isto irá influir entre a correlação da sentença ao pedido, já que a sentença não poderá emitir comandos genéricos, não referidos a uma situação concreta, perfeitamente identificável, como já decidiu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (BRASIL, 2010). Igualmente, na preservação do contraditório, porquanto a ausência de pedidos ou pedidos genéricos dificultariam o exercício da ampla defesa à parte contrária, como apontou o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (BRASIL, 2011) .

Percebe-se que, ante as dificuldades de conceituação por parte da doutrina, o tema passa a ser debatido de forma indireta (FERREIRA, 2013, p. 388) e até muito mais pelo seu sentido negativo. Tecem-se críticas sobre a falta de qualidade da educação ou do ensino, tratados equivalentemente. Debatem-se situações pontuais de não qualidade, como falta de escolas, repetências, evasão, falta de professores, etc., sem uma análise mais ampla “que pontue todas essas questões sob o signo de qualidade” (CURY; FERREIRA, 2009, p. 62).

Ou então o tema é objeto secundário no exame do mérito. Isto pode ser constatado em julgamentos de ações nas quais foi discutido o custo-aluno e a finalidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) assim como de seu antecessor, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Nesses julgamentos, normalmente faz-se apenas referências sobre a importância do fundo para a garantia do padrão de qualidade. A avaliação das instituições de ensino superior, de mesmo modo, apresenta outras situações em que a qualidade da educação é mencionada genericamente (embora não seja o foco deste trabalho).

Ilustram as situações as ementas a seguir transcritas.

ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO RECONHECIMENTO DE CURSO SUPERIOR PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. REITERADAS AVALIAÇÕES NEGATIVAS DA QUALIDADE DO ENSINO OFERTADO. NÃO ATENDIMENTO ÀS RECOMENDAÇÕES CONSTANTES DA AVALIAÇÃO. NOTÍCIA DE QUE A IMPETRANTE TEM INTENÇÃO DE TRANSFERIR O REFERIDO CURSO A INSTITUIÇÃO CONGÊNERE, DIANTE DA IMPOSSIBILIDADE DE MANTÊ-LO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO, PELO MEC, DA ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL DE ZELAR PELA QUALIDADE DO ENSINO. LEI 9.394/96. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA ADOTADA, DE SUSPENSÃO DO INGRESSO DE NOVOS ALUNOS. SEGURANÇA DENEGADA, PELA AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1. A providência adotada pelo Ministro da Educação, consistente na mera vedação da realização de processo seletivo, autorizada pelos arts. 35 e 36 do Decreto 3.860/2001 e veiculada na Portaria 2.694, revela-se não apenas adequada, mas também necessária para acautelar a situação de estudantes que, não fosse a determinação da suspensão do processo seletivo, ingressariam em curso de graduação cuja qualidade foi, por três anos consecutivos, avaliada como baixa pelo MEC.

2. Segurança denegada, à falta de evidências de direito líquido e certo.

(MS 8.176/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2003, DJ 13/10/2003, p. 221) (grifos não originais).

ADMINISTRATIVO. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO (FUNDEF). VALOR MÍNIMO ANUAL POR ALUNO (VMAA). CRITÉRIO DE FIXAÇÃO. MÉDIA NACIONAL. PRECEDENTE EM RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.

1. A Primeira Seção desta Corte, em julgado recente (REsp n.1.101.015/BA), da lavra do Min. Teori Albino Zavascki, apreciado por meio da sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n. 8/08, consolidou a jurisprudência no sentido de que o Valor Mínimo Anual por Aluno (VMAA), fixado para fins de complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), deve levar em consideração a média nacional e não os valores relativos a cada Estado e o Distrito Federal isoladamente.

2. Embora o referido fundo tenha sido instituído no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal (art. 1º da Lei n. 9.424/96), seu objetivo era o de garantir um valor por aluno que correspondesse a um padrão mínimo de qualidade, definido nacionalmente, cumprindo à União o encargo de complementar com recursos próprios sempre que os demais entes federativos não alcançassem o valor mínimo definido em caráter nacional.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EDcl no Ag 1317902/BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 27/10/2010) (grifos não originais).

Não é por outra razão que Bianca Mota de Moraes (2013, p. 630) sustenta a imperiosidade de superar o desafio da interpretação do que se entende por qualidade. Enfatiza que deva ser feito através dos próprios contornos normativos, para imprimir a necessária carga de objetividade à atuação dos operadores do Direito, especialmente partindo de índices objetivos para alcançar índices numéricos (MORAES, 2013, p. 631).

Enquanto não há consenso, a decomposição do conceito em itens objetivos ou mais concretos pode facilitar a exigibilidade do direito à Educação, notadamente pelas ações civis públicas com obrigação de fazer ou não fazer. Com a decomposição, será possível precisar em juízo os determinantes positivos ou negativos a serem buscados ou afastados por políticas públicas, planejamentos de Estado e pedagógicos e respectiva execução. Isto facilitará resolução de mérito favorável, na fase de conhecimento e exequibilidade da posterior fase de execução do provimento judicial.

2.5 Da decomposição da qualidade da educação

Considerando a variação de concepções, conceitos e classificações, não restam dúvidas de que qualidade da educação é um conceito polissêmico e multifatorial, permeado por dimensões intra e extraescolares, que devem ser consideradas para fins de compreensão téorico-conceitual e de análise da situação escolar (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 7)

Uma das classificações é apresentada pelo Ministério da Educação (AÇÃO EDUCATIVA et al, 2004, p. 10). Decompõe a qualidade da educação em sete elementos, que denomina de dimensões, cada qual medida por indicadores específicos. Ressalta, porém, não serem taxativos. Para o Ministério da Educação são elementos da qualidade da educação: ambiente educativo, prática pedagógica, avaliação, gestão escolar democrática, formação e condições de trabalho dos profissionais da escola, espaço físico escolar e, por fim, acesso, permanência e sucesso na escola.

No que tange à educação infantil, o Ministério da Educação e Cultura (BRASIL, 2009, p. 31-61) altera algumas dessas dimensões. Para esse nível da educação básica, aponta que os elementos da qualidade da educação são: planejamento institucional; multiplicidade de experiências e linguagens; interações; promoção da saúde; espaços, materiais e mobiliários; formação e condições de trabalho dos professores e demais profissionais; cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção social.

Na doutrina, importante contribuição foi dada por Pinto (apud CURY; FERREIRA, 2009), que apontou parâmetros mínimos da qualidade da educação. Ante a importância do pronunciamento, transcrevem-se os parâmetros considerados pelo autor:

Tamanho: considera-se que as escolas não devem nem ser muito grandes (o que dificulta as práticas de socialização e aumenta a indisciplina), mas, ao mesmo tempo, devem ter um número de alunos que permita à maioria dos professores lecionar em apenas uma escola;

Instalações: assegurando-se salas ambientes (bibliotecas, laboratórios, etc.), espaços de alimentação, lazer e de prática desportiva, com dotação orçamentária para uma manutenção adequada.

Recursos Didáticos: em qualidade e quantidade, aqui incluídas as tecnologias de comunicação e informação, garantidos os recursos para a manutenção dos equipamentos;

Razão alunos: turma que garanta uma relação mais próxima entre os professores e seus alunos;

Remuneração do pessoal: assegurar um piso salarial nacionalmente unificado, associado ao grau de formação dos trabalhadores da educação e um plano de ascensão na carreira que estimule a permanência na profissão;

Formação: dotação anual de recursos financeiros para a formação continuada de todos os profissionais da escola;

Jornada de trabalho: definição de jornada semanal de 40 horas, com 20% da mesma, no caso de professores destinados a atividades de planejamento, avaliação e reuniões com os pais, cumpridas nas escolas. No caso das creches (0 a 3 anos), optou-se pela jornada padrão de 30 horas semanais para os professores, também com 20% para atividades complementares;

Jornada dos alunos: fixação de uma jornada mínima de 10 horas/dia, no caso das creches, cuja média nacional já é superior a 8 horas/dia) e de 5 horas/dias, nas demais etapas (cuja média nacional é um pouco acima de 4 horas/dia);

Projetos especiais da escola: garantia de um repasse mínimo de recursos para que as escolas possam desenvolver atividades próprias previstas em seu projeto pedagógico;

Gestão democrática: entende-se que a gestão democrática envolve uma série de aspectos que não possuem, necessariamente, um impacto monetário no custo alunos, mas é evidente que quando se propicia a jornada exclusiva do professor em uma escola, o tempo remunerado para atividades extraclasse, a proximidade da escola das residências dos alunos, um menor número de alunos/turma e de alunos/escola, todas estas medidas facilitam muito (embora não assegurem) a construção de relações mais democráticas em sala de aula e na escola.

Por fim, Luiz Fernandes Dourado, João Ferreira de Oliveira e Catarina de Almeida Santos (2009, p.14-23), partindo da multifatoriedade da qualidade da educação, dividem as dimensões em intra e extraescolares. As dimensões intraescolares, a seu turno, são por eles divididas em quatro planos: a) plano do sistema, relacionado às condições da oferta de ensino ; compreende a garantia de instalações gerais adequadas aos padrões de qualidade; b) plano de escola, que se refere à gestão e organização do trabalho escolar; c) plano do professor, composto por formação, profissionalização e ação pedagógica e, por fim, d) plano do aluno, que envolve as condições de acesso, permanência e desempenho escolar.

Desta maneira, em quaisquer das visões autorais, incluindo o ponto de vista governamental, através do Ministério da Educação, verifica-se o estabelecimento de uma relação de continente e contido entre qualidade da educação e infraestrutura. Não restam dúvidas, assim, que a infraestrutura integra a qualidade da educação como seu componente.

Assim sendo, a referência analítica, com a decomposição do conceito em componentes, favorece sua compreensão e facilita a formulação do pedido no caso de judicialização do pleito de educação de qualidade. Em face disto, passa-se a pontuar fatores que interferem na qualidade da educação, de ordem intra e extraescolar, para, ao depois, fixar-se mais demoradamente sobre um deles, a infraestrutura dos prédios escolares.

2.5.1 Determinantes que interferem na qualidade da educação

Entende-se por determinantes as diferentes razões, motivos ou fatores capazes de interferir no desempenho escolar. Podem ser fatores externos ou internos à unidade escolar, relacionados ou não ao aluno. Alguns desses determinantes podem ser indispensáveis ao exercício do serviço educacional, como ocorre com a gestão escolar. Nesse caso, ocupam, simultaneamente, a posição de determinante e de componente ou de dimensão da qualidade da educação.

Muitos são os determinantes. Vão desde o financiamento público (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 211), engajamento da sociedade (SOUSA, 2010, p. 51; PEREIRA, 2011, p. 508) , acompanhamento dos orçamentos no efetivo cumprimento do artigo 212 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), organização do regime de colaboração entre os entes federativos (MORAES, 2013, p. 640) até a liberdade de cátedra (ESPÍRITO SANTO, 2009).

Igualmente interferem no desempenho escolar o impacto dos recursos comunitários e o custo de oportunidade de tempo. Aquele representa o volume de recursos da comunidade em que o indivíduo vive; mais recursos podem significar mais atratividade imediata para o mercado de trabalho, originando redução de oportunidades futuras, se não houver continuidade nos estudos (BARROS et al, 2001) . Como explica Paula Sibilia (2012, p. 67), “essa tendência se justificaria porque nessas cidades é mais abundante e tentadora a oferta de trabalho.”

Já o custo de oportunidade de tempo designa a atratividade do mercado de trabalho, no sentido de que quanto mais atraentes as oportunidades de trabalho, menos atraente é a escolarização, pelo tempo que despende, ampliando as perdas de chance, ou seja, de colocação e de remuneração mais imediatas. Em breve síntese, “aquilo que deixa de ganhar, se estivesse trabalhando, para se dedicar aos estudos” (COSTA; GOMES, 2012, p. 193).

Assim, há multiplicidade de determinantes, ao que se alia a possibilidade do aluno de receber conteúdos de outras fontes educativas, diferentes da escola, quando participa concomitantemente de outras estruturas sociais (SOARES, 2009, p. 219). Verificou-se ser preciso, então, apurar o papel exclusivo da escola no aprendizado dos alunos, isto é, verificar a área ou grau de influência somente atribuível à escola sobre o aluno. A isso denominou-se efeito-escola.

Para tanto, estudos procuraram retirar ou manter estáveis ou constantes todos os fatores que podiam interferir no desempenho escolar, para que exsurgisse somente o fator ocasionado pela escola. Isto porque, sem o isolamento dessas co-contribuições, a evolução do aluno, medida pelo seu desempenho em testes padronizados, não refletiria exclusivamente o serviço escolar que lhe foi prestado.

Para muitos autores, é difícil ou até considerada impossível (FERNANDES; GRAMAUD, 2009, p. 223) a medição do aprimoramento do aluno isolada de seu meio, tão-somente pela influência educacional oficial que venha a receber na escola. A pesquisa exigiria dados não disponíveis e de difícil coleta (SOARES, 2009, p,. 219).

Entretanto, aponta-se para o relatório Coleman (Coleman Report) como um dos mais significativos e pioneiros estudos em larga escala sobre os determinantes do desempenho escolar (FRANCO, 2008, p. 7), o qual procurava apurar o efeito da cor (raça) e das condições socioeconômicas dos alunos na aprendizagem.

Outros estudos foram produzidos para fins da medição do efeito-escola. De modo geral, a metodologia consiste em retirar-se do desempenho todas as contribuições de fatores associados ao estudante, tais como sexo, raça, nível socioeconômico e atraso escolar, bem assim o efeito dessas variáveis no coletivo dos alunos, ainda que tais características estejam “cristalizadas no aluno quando de sua matrícula na escola” (SOARES, 2013, p. 606). Retira-se da medida bruta do desempenho do aluno os resultados não escolares (SOARES, 2009, p. 229). Com isto, procura-se verificar a “contribuição da escola para o aprendizado dos alunos, obtida pelas suas políticas e práticas internas e não pelo seu processo de seleção de alunos” (SOARES, 2013, p. 606).

Para tanto, são usados modelos estatísticos específicos, denominados de modelos hierárquicos de regressão (SOARES, 2013, p. 606). Naercio Menezes Filho e Fernanda Patriota Ribeiro (2009, p. 184;179) explicam o método da regressão através da análise individual dos resultados de uma variável, mantendo constantes as demais variáveis, de forma que os efeitos destas fiquem isolados e não interfiram na proficiência dos alunos. No caso do desempenho escolar, o mérito do método é permitir a análise da variação das notas, explicar seus fatores e poder planejar ou efetuar intervenções mediante políticas públicas justamente nas variáveis identificáveis.

Em pesquisa realizada no Brasil, a partir dos dados do Sistema de Avaliação de Educação Básica (SAEB) na edição de 2003, o efeito-escola ficou estimado em 14% e 22%, a depender da série e da disciplina, se matemática ou língua portuguesa, mantendo-se a variável socioeconômica dos alunos sob controle (SOARES et al apud ALVES; SOARES, 2007, n.p).

Adequado mencionar, ainda, que pesquisa realizada em escolas públicas de Belo Horizonte (MG) por Maria Teresa Gonzaga Alves e José Francisco Soares (2007, n.p) apontou que o efeito-escola será tão mais forte quanto mais longa for a vida escolar do aluno na mesma unidade. Haverá efeito cumulativo, se sua permanência for de mais de três anos.

Entretanto, ainda que fosse tentadora a análise de todos os determinantes e o aprofundamento no efeito-escola, dado ao interesse que a temática desperta, os limites deste trabalho não permitem uma discussão exaustiva da literatura acadêmica. Assim, serão apresentados os determinantes mais representativos ou com maior constância no material pesquisado.

Pontua-se, como proêmio, sobre a interferência de questões macroestruturais, como concentração de renda e desigualdade social. Depois, irá comentar-se rapidamente sobre gestão de sistemas e unidades escolares, formação e remuneração de professores, que são tanto determinantes como componentes ou dimensões da qualidade da educação, como apontado pelo Ministério da Educação (AÇÃO EDUCATIVA et al, 2004, p. 10). Por fim, serão enfocadas, em item específico, as condições de trabalho nas escolas, umbilicalmente ligadas à infraestrutura, objeto de enfoque maior nesta monografia.

2.5.1.1 Nível socioeconômico e bagagem cultural (background) do aluno

Características socioeconômicas e culturais da família e do aluno interferem no desempenho (SOARES, 2013, p. 579) e no processo de ensino-aprendizagem, positiva ou negativamente (MORAES, 2013, p. 651). O desempenho escolar pode ser afetado pela origem social dos alunos e não somente por seus dons individuais (SILVA, 2010, p. 2805), muito embora não haja uma relação unívoca entre a proficiência e o índice de posição social (SOARES; ALVES, 2003, p. 153).

Isto foi demonstrado desde o Relatório de James Coleman, de 1966, que concluiu que as diferenças no aprendizado dos alunos não se davam por motivos de cor, tampouco por recursos existentes nas escolas, mas pela condição sociofamiliar do aluno (FRANCO, 2008, p. 7). Embora esse estudo tenha sido contestado por pesquisas posteriores, muitas desencadeadas, justamente, para provar o equívoco daquele e demonstrar a diferença do professor e da escola sobre o aprendizado do aluno (FRANCO, 2008, p. 7), a influência sociofamiliar ou, em outras palavras, a forte conexão entre origem social e êxito escolar (ALVES; SOARES, 2007, n.p), vem sendo constantemente referida e mantida.

Ressalta-se que a colocação ao background do aluno não é feita, aqui, em sentido de demérito, etiquetagem ou estigma. A menção é feita diante da constância desse determinante nos estudos e pesquisas sobre desempenho escolar, dentre outros, nos levados a efeito por Luiz Fernandes Dourado e João Ferreira de Oliveira (2009, p. 207). É bom ter presente, entretanto, como colocam Naercio Menezes Filho e Fernanda Patriota Ribeiro (2009, p. 179), “se todo o desempenho do aluno fosse explicado por suas próprias características (e de sua família), então não haveria sentido em desenhar politicamente políticas públicas para as escolas”.

A influência do perfil familiar é sentida desde os primeiros anos de escolarização, uma vez que um aluno pode trazer para a escola um capital cultural (background) muito diverso de outro aluno com menos oportunidades de lazer, de prestígio a espetáculos culturais, de interação tecnológica ou mesmo de existência de livros em casa, além de outros “bens educacionais”, como atlas, calculadora, dicionário, etc. (SOARES; ALVES, 2003, p. 161).

Como ressaltam José Francisco Soares e Tereza Maria Alves (2003, p. 155),

O nível socioeconômico do aluno é, sabidamente, o fator com maior impacto nos resultados escolares de alunos. Esse é um constrangimento real, extraescolar que pode ajudar ou dificultar o aprendizado do aluno, e que afeta diretamente o funcionamento e a organização das escolas e das salas de aula. Diminuir as diferenças entre a condição socioeconômica e cultural dos alunos de um sistema de ensino por meio de políticas sociais terá impacto nos resultados cognitivos dos alunos.

Por exemplo, há discrepância nos conhecimentos dos alunos ao iniciarem a fase de alfabetização, como comenta a coordenadora pedagógica da Fundação Vitor Civita, Regina Scarpa (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013). Segundo ela, normalmente, crianças de classe média, com pais leitores, têm mais facilidade para a alfabetização, pois não é incomum apresentarem noções e referências em relação ao alfabeto. Já “as crianças de classes mais baixas, em certas condições, podem demorar mais para perceber que a escrita é um sistema de representação da linguagem”.

Isso interfere, inclusive, na representação social dos professores sobre o fracasso ou sucesso escolar dos alunos, conforme estejam em escola pública ou privada, como consta de estudo feito por Maria de Fátima P. de Assis (2007). Em relação aos resultados da escola pública, há atribuição de culpa ao aluno e a determinantes de classe, como hábitos, valores e escolaridade dos pais, com ínfima referência a aspectos pedagógicos como causa do insucesso, “como se o aprender dependesse principalmente das capacidades biológicas e morais intrínsecas a cada um, e muito menos da escola como fator de aculturação e socialização” (ASSIS, 2007, p. 5) .

O fracasso escolar na escola privada, segundo a pesquisa, é igualmente representado pelo professor como ancorado no aluno, mas com alargamento sobre o peso da escola e de sua linha pedagógica. Pelas falas das professoras que participaram do estudo, o fracasso escolar no âmbito da escola particular não aparece vinculado a fatores familiares, de ordem moral e ética. A família do aluno não é questionada em sua capacidade de educar os filhos. Opostamente, as famílias das crianças pobres são consideradas pouco preparadas para acompanharem seus filhos nos estudos, sendo a criança dessa condição recebida com baixa expectativa por parte das professoras com relação ao seu pleno aproveitamento nos estudos, conclui a pesquisa.

Ana Maria Franco (2009, p. 9) confirma a pesquisa, ao diferenciar o tratamento dado à questão sociofamiliar do aluno na escola pública e na privada. Para ela, enquanto na escola pública não são extraídos todos os recursos para o aprendizado, na escola privada há um “enforcement” mais eficaz para obter melhor desempenho do aluno.

Impõe transcrever o posicionamento crítico da educadora Azuete Fogaça (2008, p.7) sobre a maximização da determinante socioeconômica dos alunos:

Partindo do princípio, correto aliás, de que o desempenho escolar é profundamente influenciado pelo ambiente familiar, os inúmeros diagnósticos que ressaltavam essa influência acabaram contribuindo para que, de certa forma, a escola lavasse as mãos diante do fracasso da maioria, a pretexto de que nada mais se poderia fazer, além do que já estava sendo feito, para que crianças vindas de famílias pobres, desestruturadas ou não, pudessem aprender. Se a mãe tem pouca escolaridade, se o pai sumiu no mundo, se a criança vive numa comunidade violenta, já se sabe, então, de antemão, que essa criança não vai aprender, o que, por sua vez, determina que não se invista nela o suficiente para que suas potencialidades desabrochem. As conseqüências dessa atitude são extremamente perversas, pois a própria escola, ao explicar seus maus resultados a partir das carências familiares e individuais dos seus alunos, faz com que as famílias aceitem passivamente o fracasso dessas crianças, reconhecendo-as como incompetentes para realizarem todo o percurso previsto na educação escolar, numa aceitação tácita de que não são inteligentes ou, como afirmam, não têm "cabeça boa para os estudos".

Por outro lado, despindo-se do que Rogerio Luiz Nery da Silva (2010, p. 2805) denomina de “pedagogismo ingênuo” ou Fernando de Holando Barbosa Filho e Samuel Pessôa (2009, p.57) citam como “otimismo inicial com educação”, há estudos que apontam que esse mesmo background, futuramente, poderá interferir no índice de desocupação do jovem, mesmo escolarizado. Isto ocorrerá quando a baixa qualidade da educação, apesar do esforço educacional que despendeu, não contribuir para que assuma postos de trabalho.

Nessa situação, a produtividade da escolaridade continuará atrelada ao capital humano acumulado, composto pelos “atributos do capital humano dos pais e do desempenho escolar da criança” (NERI, 2009, p. 29); em outras palavras, permanece a influência do background familiar e da qualidade da educação (KUENZER, 2010, p. 867) . Isto fará com que determinado candidato, ao concorrer com outros jovens escolarizados ou com adultos que, a par de menor escolarização, tenham experiência profissional positivamente avaliada pelos empregadores, poderá não ser selecionado. A taxa de ocupação, de modo geral, cresce, com valoração das experiências (NERI, 2009, p. 33). Com isso, o jovem nem sempre terá revertida a sua situação de desocupação, se se restringir a apresentar critérios como idade e escolaridade (RIBEIRO; NEDER, 2009), sem experiência profissional.

Sobre o ponto, observa-se que na concepção produtivista de educação, que inspirou a Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) e o antigo Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), a teoria do capital humano assume novo sentido: a escolaridade, inclusive a pós-graduação, amplia as condições de empregabilidade do indivíduo, mas não lhe garante o emprego. Por isso, sustenta Dermeval Saviani (2008, p. 113)

que “a educação, como um investimento em capital humano individual, habilita as pessoas para competição pelos empregos disponíveis” (grifos não originais). No mesmo sentido, Naercio Menezes Filho e Fernanda Patriota Ribeiro (2009, p. 171), para quem a escolaridade reduz a probabilidade do desemprego, não impedindo sua ocorrência.

Todavia, não se pode deixar de mencionar que, mesmo não sendo garantia de ocupação, maior escolarização impacta outros elementos da vida, como fecundidade, criminalidade e expectativa de vida (NERI, 2009, p. 37). Impacta, ainda, a saúde (BARBOSA FILHO; PESSÔA, 2009, p. 59) , mas isto somente será sentido na fase final, aqui entendida a velhice (NERI, 2009, p. 37 e 59). Além disso, a escolaridade tem efeitos que não estão diretamente associados ao mercado de trabalho, como consumo e poupança (BARBOSA FILHO; PESSÔA, 2009, p. 59).

2.5.1.2 Desarticulação dos sistemas de ensino

A gestão de sistemas de ensino, que perpassa também pela gestão de cada unidade escolar, é outro determinante que interfere na qualidade da educação. É classificada pelo Ministério da Educação como dimensão da qualidade da educação (AÇÃO EDUCATIVA et al, 2004, p. 10). , portanto, componente buscável judicialmente.

Sabe-se que o Brasil não apresenta um sistema unitário ou único de educação, como ocorre na área da saúde e da assistência social. Há um regime de colaboração, com atuação supletiva e redistributiva da União no ensino médio, de responsabilidade dos Estados, e no ensino fundamental e na educação infantil, de responsabilidade dos Municípios. Neste sentido, giza o artigo 211 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), in verbis:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

A Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), em seu artigo 8º, apresenta prescrição no mesmo sentido, diferenciando claramente três sistemas de ensino, com competências predominantes a cada um:

Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.

§ 1º Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.

§ 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei.

Art. 16. O sistema federal de ensino compreende:

I - as instituições de ensino mantidas pela União;

II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada;

III - os órgãos federais de educação.

Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem:

I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;

II - as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal;

III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada;

IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente.

Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino.

Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreendem:

I - as instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal;

II - as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada;

III – os órgãos municipais de educação.

Se não há sistema único, de idêntica forma não é adequado referir-se à sistema nacional de educação, tantas são as diferenças entre o sistema federal e os sistemas estaduais e municipais de ensino, incluindo, cada qual, rede pública e rede privada. Dermeval Saviani (apud ARANHA, 2006, p. 342) vai além, ao sustentar a própria inexistência de um sistema educacional brasileiro, posto que as leis pátrias não resultam de intencionalidade e planejamento e deixam-se influenciar por teorias importadas e improvisadas.

Na tentativa de apresentar o tema, a Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010a) ,define sistema como atividade intencional e organicamente concebida, que se justifica pela realização de atividades voltadas para as mesmas finalidades ou para a concretização dos mesmos objetivos. Porém, reconhece a necessidade de vencer a fragmentação das políticas públicas e superar a desarticulação institucional para a constituição de um sistema nacional de educação. Este deveria possibilitar a institucionalização do regime de colaboração entre União, Estados e Distrito Federal e Municípios, ainda que fosse admitida a coexistência e convivência de sistemas educacionais autônomos.

Não obstante, a desigualdade social, a cultura de descentralização e autonomia administrativa interferem na implantação do regime de colaboração entre os entes federativos, como palestrou Roberto Jamil Cury na Conferência Nacional de Educação Básica (BRASIL, 2008, n.p). No mesmo sentido Dourado e Oliveira (2009, p. 204), os quais, diante da descentralização e desconcentração das ações educativas, sob regime de colaboração, falam de “cenário desigual e combinado”, “marcado por desigualdades regionais, estaduais, municipais e locais e por uma grande quantidade de redes e normas nem sempre articuladas”, que dificultam a delimitação de indicadores comuns e o tracejo de um padrão único de qualidade.

E isto não é de data recente. Como relembra Celio da Cunha (2013, p. 33; 34; 48), com o Ato Adicional de 1834, a educação primária e secundária foi tratada em planos locais, dando-se a retirada da União da organização das bases em que devia se assentar o sistema nacional. Com a descentralização, acentuou-se “a ausência do governo federal na construção do destino da educação básica”, repercutindo nas dificuldades atuais para traçar uma política educacional integrada. Todos esses fatores não ancoram o entendimento de existência de um “sistema nacional de educação”, dentro de uma concepção de partes interligadas e devidamente associadas, com organicidade. Ainda mais quando a articulação desse sistema deveria ser dada através do Plano Nacional de Educação, previsto no artigo 214 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o qual definiria diretrizes, objetivos, metas e estratégias que assegurassem a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades. Seria executado por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas, em regime de colaboração, com duração decenal.

Todavia, o Plano Nacional de Educação para o período 2001-2010 expirou, sem que todas suas metas fossem cumpridas, havendo apontamentos no sentido de que ficou apenas em rol de boas intenções (KUENZER, 2010, p. 851) ou metas de “boa vontade” (CURY, 2008, p.301), diante do esvaziamento financeiro da Lei nº 10.172/01 (BRASIL, 2001), que o institui. Outros apontam objetivamente para seu fracasso (CIEGLINSKI, 2010), para sua falta de eficiência e de efetividade, porque “nada garante” (RANIERI, 2000, p. 69), e de sua completa ineficácia para efeito do ensino secundário, dada a ausência de mudanças significativas no acesso, permanência e sucesso dos alunos desse nível (KUENZER, 2010, p. 860).

O projeto do novo Plano Nacional de Educação, que levava o nº 8.035/2010, na Câmara de Deputados, recebeu no Senado Federal o nº PLC 103/2012 (BRASIL, 2012); foi aprovado em setembro de 2013 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e encaminhado à Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal (AGÊNCIA SENADO, 2013b, n.p). Transformou-se na Lei Federal nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014). De pronto percebe-se seu atraso. Se o Plano anterior iria expirar em 2010, seu substituto não deveria ser votado somente anos após, deixando um interregno temporal sem diretrizes vigentes a serem seguidas. Portanto, sem planejamento comum entre as esferas de poder durante quatro anos, como ocorreu de 2010 a 2014, difícil assimilar que a educação estava sendo desenvolvida dentro uma visão sistêmica, mesmo que assim sustentasse o Ministério da Educação (BRASIL, [2010?], n.p).

2.5.1.3 Gestão de unidade escolar

A gestão de cada unidade escolar é outro determinante de indiscutível influência na qualidade da educação, tanto que também é apresentado como componente da própria qualidade educacional. Embora as pesquisas de campo voltem-se mais para a eficácia dos sistemas escolares, comparações entre eles, entre as redes privada e pública, nacionais e internacionais, comparações estas atualmente facilitadas pela adoção do sistema de avaliação externa (OLIVEIRA; PESSOA, 2013, p. 613), é na menor unidade do sistema que a educação ocorre.

A escola é “a estrutura da educação formal e o local onde a educação escolar se realiza” (SOARES, 2009, p. 220). É na escola que as teorias educacionais, econômicas, sociológicas se entrecruzam e encontram campo fértil de desenvolvimento e aplicação. Também é na escola que parte dos recursos financeiros são aplicados e gerenciados, mesmo que em menor escala, como na administração da alimentação escolar e das receitas advindas do Programa Dinheiro Direto na Escola, disciplinados pela Lei nº 11.947/2009 (BRASIL, 2009).

Daí a importância de também avaliar-se a qualidade individual dos estabelecimentos escolares (SOARES, 2013, p.573), que não podem ser eximidos de sua própria responsabilidade nas condições de trabalho e pelo atendimento eficaz dessas demandas (FREITAS e outros apud SOARES, 2013, p. 581). Como alerta Eliane Sousa (2010, p. 161) “Se as iniciativas do MEC não chegarem à sala de aula para beneficiar a criança, não se conseguirá atingir a qualidade que se deseja para a educação brasileira.” No mesmo sentido, Paulo Nathanael Pereira de Souza (2013, s.n) para quem, das quatro reformas de educação enfrentadas pelo Brasil no século XX, pouco chegou às salas de aula.

Como ressaltam Reynaldo Fernandes e Amaury Patrick Gremaud (2009, p. 219), referindo-se aos programas de avaliação ou accountability educacional, “professores, diretores e gestores são corresponsáveis pelos resultados de seus estudantes e, assim, eles devem, ao menos em parte, responder pelo desempenho dos estudantes nos exames”. Como explicam, há diferenças entre “prestar contas” e “ter culpa”, comissiva ou omissiva.

Os profissionais da educação têm a responsabilidade de alterar os procedimentos e melhorar o ensino, visando ao aumento da aprendizagem. Para tanto, devem buscar capacitação, assistência técnica e entre dois recursos igualmente aptos, analisar a opção de menor custo. É recorrente o fato de determinado sistema de ensino (extensivo a rede escolar ou unidade escolar) “gastar muito e apresentar desempenho escolar inferior à média registrada por sistemas congêneres” (OLIVEIRA; PESSOA, 2013, p. 626). Entram aqui os princípios da eficiência e da efetividade, o primeiro com expressa previsão no artigo 37, caput, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) para o serviço público, apresentados como fazer mais com menos (eficiência) e conseguir fazer aquilo que era para ser feito (efetividade) (SOUSA, 2010, p. 29) .

Os processos de organização e gestão do trabalho escolar, seja no sistema de ensino, seja em cada unidade escolar envolvem, ainda, questões como gestão democrática (PEREIRA; TEIXEIRA, 2013, p. 16), perpassando sobre o debate sobre os processos de escolha dos dirigentes (DOURADO, OLIVEIRA, 2009, p. 212), que assegurem legitimidade e profissionalização destes (CABRAL, 2008, p. 118; MORAES, 2013, p. 633), bem como de dinâmica curricular (CABRAL, 2008, p. 118) e implementação de programas suplementares, como alimentação e transporte escolar. Por fim, análise do trabalho pedagógico quanto à sua qualidade e cumprimento de carga horária, abandonando-se o que Azuete Fogaça (2008, p.7) denominou de “jogo de faz-de-conta”, no qual os professores realizam um trabalho absolutamente inócuo e entendem natural a falta de aprendizagem, para eles plenamente justificada por outros determinantes.

2.5.1.4 Composição e valorização do quadro de professores

Como ressalta José Francisco Soares (2009, p. 224),

À medida que a gestão das escolas melhora e estas dispõem dos recursos necessários, as diferenças entre escolas passam a ser principalmente a expressão do diferencial entre seus professores. Ao se estudar os professores de uma escola deve-se considerar: sua competência acadêmica, experiência, oportunidade de desenvolvimento profissional, satisfação com o trabalho, comprometimento, valores e percepção das condições de trabalho, bem como inserção na comunidade escolar.

Destarte, o diferencial entre os professores será construído pelas condições de trabalho (CABRAL, 2008, p. 132), que perpassam pela carga horária (AMAGI, 1997, p.219) e pela infraestrutura do estabelecimento. Envolverá, ainda, formação e profissionalização (CABRAL; DI GIORGI, 2012, p. 118), inicial e continuada (PEREIRA, 2011 p.511), bem assim formação em serviço, preconizada por Isao Amagi (1997, p. 219) como “uma forma de educação permanente altamente recomendada, que permite ao corpo docente aprimorar suas competências pedagógicas, tanto no plano da teoria como no da prática”, entendimento agasalhado pela Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), em seu artigo 61 parágrafo único, inciso II , quando aponta a capacitação em serviço e o estágio supervisionado como fundamentos da formação dos profissionais da educação.

A formação inicial, a seu turno, deve permitir a capacitação profissional, dentro de uma dimensão técnica, e estimular valores profissionais ao docente, em uma dimensão política, para que tenha tanto domínio dos conteúdos como compromisso com a profissão que escolheu (CABRAL, 2008, p. 133). Diz a autora (2008, p. 136):

Assim, na formação inicial dos professores é necessário que se dê atenção ao comprometimento que este professor terá com seus alunos, a ética na sua prática cotidiana; com a sua responsabilidade como ser social que vive em comunidade e que representa algo significativo para ela; e com sua competência profissional, em dominar bem os conteúdos, as habilidades e técnicas de ensino, os aspectos culturais e de conhecimento social, conseguindo antever as conseqüências e os sentidos que a sua prática pedagógica promoverá em seus alunos.

Pretende-se que essa formação vá além dos estudos em nível médio, do curso de Magistério, passando a ser obtida em instituição de ensino superior, como torna certo o artigo 62, caput, da Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), que reza:

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.(Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

Lamentavelmente, não se pode deixar de mencionar os efeitos da substituição do concurso público, como revelou a pesquisa “Retrato da Escola 1”, pela terceirização da mão de obra, desde estagiários a professores contratados temporariamente para atuarem em substituição ao professor concursado (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 1999, n.p), mesmo que o artigo 206, inciso V, da Constituição Federal elenque como princípio aplicável ao ensino a valorização dos profissionais da educação escolar, com ingresso na carreira em rede pública exclusivamente por concurso público de provas e títulos.

No mesmo sentido dispõe o artigo 67, inciso I, da Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), in verbis:

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:

I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

O descumprimento direto dos ditames legais, desde a norma de mais alta hierarquia até a norma que fornece diretrizes à educação brasileira, é reprovável em si, tanto que passível de gerar responsabilização por improbidade administrativa, por violar princípios administrativos e frustar a licitude de concurso público (BRASIL, 1992). Gera repercussões trabalhistas, eis que a Justiça do Trabalho, em que pese declarar a nulidade das contratações, determina o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e de outras verbas aos professores contratados ilegalmente, como se extrai dos seguintes julgados:

CONTRATO DE TRABALHO. ENTE PÚBLICO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, V E § 2º DA CF. Administração pública que contrata trabalhadores sem submissão a concurso infringe o princípio da legalidade, ainda que os rotule de “estagiários” ou “professor eventual”. Considerando a nulidade do ato jurídico (CF, 37, II, § 2º), os efeitos da contratação irregular ficam restritos aos previstos na Súmula n. 363 do C. TST. Apelo provido, para afastar demais obrigações de fazer e de pagar impostas na origem (BRASIL, 2012) (grifos originais)

TRT-PR-06-10-2009 ESTADO DO PARANÁ - PROFESSORA - NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO - SÚMULA 363 DO TST. A contratação de professores pelo Estado do Paraná, sem concurso público, implica no reconhecimento da nulidade do contrato de trabalho, nos termos do artigo 37, § 2º, da Constituição Federal, sendo devido apenas o pagamento do salário e dos valores referentes aos depósitos do FGTS (Súmula 363 do C. TST). A nulidade da contratação não permite a condenação do ente público ao pagamento das demais verbas trabalhistas, ainda que a título de indenização. Recurso ordinário da reclamante a que se nega provimento (BRASIL, 2009).

Nessa situação, poderá configurar-se, inclusive, o dano ao erário por ordenação ilegal de despesa, ampliando o apenamento por ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 10 da Lei nº 8.429/92 (BRASIL, 1992).

Além da violação aos princípios regedores à Administração Pública, a contratação temporária e alternância de professores pode atentar contra o desempenho dos alunos. Nesse sentido, há estudos que apontam para a relação de aumento da proficiência dos alunos em testes padronizados, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e a Prova Brasil, quando há mais estabilidade do corpo docente, por força de concurso público e de diminutas faltas. O desempenho dos alunos, na amostra do estudo realizado na rede estadual de São Paulo, foi significativamente superior quanto o percentual de professores efetivos foi maior do que 75% (MENEZES FILHO;RIBEIRO, 2009, p. 188).

A propósito dos docentes, importante o alerta feito na pesquisa Retratos da Escola 3 (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2003, p. 5), como demonstra o trecho a seguir transcrito.

O Brasil está perdendo educadores, professores, em sua maioria, cujo esforço e tempo necessários para qualificação são maiores do que os despendidos para a formação de técnicos e funcionários de escolas. Cabe ressaltar que os funcionários de escola não têm políticas públicas para sua profissionalização, excetuadas algumas iniciativas de sindicatos filiados à CNTE, que conseguiram elaborar projetos especiais. A médio prazo, dez anos, aproximadamente, o país começará a sofrer com a escassez de docentes, fato que já é visível em várias redes estaduais, especialmente nas áreas técnicas (matemática, química e física), cuja formação encontra em outras atividades da iniciativa privada remuneração superior à oferecida pelo poder público.

Dez anos depois, parece que o alerta foi ouvido pelo Ministério de Educação, que principia a lançar a ideia de instituição de um programa para cooptação de mais professores para o ensino médio nas áreas de inglês, matemática, física e química, seja entre professores da ativa, seja entre aposentados. O estímulo seria através de bolsas financeiras, com lotação dos professores nas unidades escolares ou nos municípios com menores índices de desenvolvimento humano (IDH) e/ou de Educação Básica (Ideb) (TOKARNIA, 2013b).

Com o advento da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), sobretudo por força dos artigos 205, incisos V e VIII, a qualidade da educação desponta inseparável da valorização dos professores. Esta passa, como mencionado anteriormente, não só pela carreira com formação continuada para manter a qualificação do quadro, mas também pela questão salarial, que poderá servir, então, como atrativo ao ingresso no magistério, como salienta Cleusa Repulho, presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) (AQUINO, 2013).

O salário deve possibilitar ao professor participar de cursos de atualização e de aperfeiçoamento, aprender novas tecnologias, como o uso do computador e outros equipamentos didáticos, bem como ter acesso à cultura. Todas essas atividades auxiliarão na preparação dos conteúdos a serem ministrados em sala de aula. Baixos salários dos professores, além de desestímulo à carreira, interferem, por esse caminho, na qualidade da educação (CABRAL, 2008, p. 121).

2.5.1.5 Composição das turmas de aula

A educação com qualidade envolve, do mesmo modo, a constituição das turmas, a ser prevista no projeto pedagógico da escola (SOARES, 2009, p. 225). A variação da quantidade de alunos por turma (SOUZA, 2013, p.651), bem assim de sistema para sistema, considerando que as escolas estaduais têm turmas, em média, maiores que as das escolas municipais, impactam as condições de trabalho (ALVES; SOARES, 2007, n.p)

A Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) é bastante flexível no que tange à formação de turmas. Enuncia os critérios organizativos de idade, competência dos alunos e avanço no currículo, mas admite outras formas de organização. A propósito, importante a transcrição do artigo 23 desse diploma legal, que dispõe o seguinte:

Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

§ 1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.

A formação de turmas com alunos provenientes do mesmo bairro, considerando o disposto no artigo 4º, inciso X, da Lei nº 9.396/96 (BRASIL, 1996), que assegura vaga na escola pública de educação infantil e ensino fundamental nas proximidades da residência, é uma tendência. É reforçada pelo disposto pela Lei nº 8.069/90 (BRASIL, 1990), em seu artigo 53, inciso X, quando prescreve o acesso à escola pública e gratuita próxima da residência da criança e do adolescente como garantia relacionada ao direito à educação.

Duas observações podem ser feitas sobre a formação das turmas por esse critério espacial. A primeira é de que há relato de casos de pais que apresentam endereço de parentes para compor o cadastro do aluno e, assim, obter matrícula em determinada escola, ainda que não esteja dentro de seu zoneamento. A segunda é de que, como o bairro pode expressar ou refletir, igualmente, determinada condição socioeconômica de seus moradores, novamente o background familiar poderá interferir no desempenho de alunos de dada escola, sendo “razoável supor que os alunos de background familiar semelhantes estejam concentrados em determinadas escolas” (FELÍCIO; FABIANO, 2013, p. 6). Com isto, poderá ser superestimado o desempenho de determinada escola, como se proveniente do ensino ali ministrado, quando o resultado foi otimizado por características familiares mais positivas (FELÍCIO; FABIANO, 2013, p. 6).

A recolocação do aluno em escola diversa da que vinha frequentando, por medidas administrativas, a pretexto de georreferenciamento, encontra reiterados pronunciamentos judiciais do Tribunal de Justiça do Paraná, dentre os quais colacionam-se duas ementas:

MANDADO DE SEGURANÇA - MATRÍCULA DE ALUNO POR GEORREFERENCIAMENTO - PREJUÍZO AO ALUNO QUE JÁ FREQUENTA UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO - DIREITO À PERMANÊNCIA NA ESCOLA - PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE LIMINAR - EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - INTELIGÊNCIA DO ART. 206, I, DA CF/88 E DO ART. 53, I, DO ECA - SEGURANÇA CONCEDIDA.

(TJ-PR - MS: 5034139 PR 0503413-9, Relator: Antenor Demeterco Junior, Data de Julgamento: 22/09/2009, 7ª Câmara Cível em Composição Integral, Data de Publicação: DJ: 250)

MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA DIRETORA DA INSTITUIÇÃO. AUTORIDADE QUE NÃO DETÉM PODERES PARA CORRIGIR O ATO IMPUGNADO. PRELIMINAR ACOLHIDA. MATRÍCULA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO PÚBLICO DETERMINADA DE ACORDO COM SISTEMA DE GEORREFERENCIAMENTO ADOTADO PELA ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 02/2007 DA SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ. INAPLICABILIDADE NO PRESENTE CASO. DIREITO DO ESTUDANTE DE PERMANÊNCIA NA INSTITUIÇÃO EM QUE FREQUENTA. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DO MAIOR INTERESSE DA CRIANÇA. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECONHECIDA. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A Diretora da Instituição de Ensino, que apenas se limita a cumprir determinação da Secretaria de Educação, órgão hierarquicamente superior, é parte ilegítima para figurar no pólo passivo do presente mandamus, mormente por não deter poderes para corrigir o ato impugnado. 2. Quando se trata de demanda envolvendo direitos de criança e adolescente, o julgador deve obrigatoriamente nortear sua decisão, com observância ao princípio da proteção integral e do "melhor interesse da criança", conforme preceitua o art. 3º da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e art. 3.1 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. 3. "O ECA prevê o direito ao aluno de permanecer na instituição de ensino, isso porque, se acostumado com o ambiente, com os professores e com o programa escolar, têm laços de amizade, e daí não poder ser compelido a mudar de escola por um critério 'objetivo' (local em que reside) (TJPR - 7ª C.Cível em Com. Int. - MS 0473367-1 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. José Mauricio Pinto de Almeida - Unânime - J. 06.05.2008)". 4. Segurança concedida.

(TJ-PR - MS: 5352047 PR 0535204-7, Relator: Dilmari Helena Kessler, Data de Julgamento: 22/09/2009, 7ª Câmara Cível em Composição Integral, Data de Publicação: DJ: 250)

Destarte, a pressuposição de que a composição das turmas é feita com alunos moradores de um mesmo bairro, pelo critério de proximidade de sua residência, nem sempre se confirma, nem mesmo judicialmente, como também demonstram os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2010):

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ENSINOS FUNDAMENTAL E MÉDIO – INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE AO MENOR EXIGIR DIREITO SUBJETIVO DE ACESSO AO ENSINO PÚBLICO E GRATUITO PRÓXIMO À ESCOLA – POSSIBILIDADE DE MATRÍCULA EM ESCOLA PÚBLICA EM LOCALIDADE DIVERSA DA SUA RESIDÊNCIA PARA ASSEGURAR O BOM DESENVOLVIMENTO FÍSICO E PSICOLÓGICO DO MENOR E SUA MANUTENÇÃO NA ESCOLA – INEXISTÊNCIA DE CONFRONTO ENTRE INTERESSE PRIVADO E INTERESSE PÚBLICO.

1. O Estado do Paraná não pode alegar violação do direito de acesso ao ensino público e gratuito próximo à residência do estudante, estabelecido no inciso V do art. 53 da Lei n. 8.069/90 (ECA), pois violação do direito não poder ser veiculada pela pessoa que tem o dever de implementa-lo; somente poderá ser alegada, caso queira, por seu titular ou pelo Ministério Público.

2. O direito de acesso a ensino próximo à residência do estudante cede quando confrontado com o direito ao bom desenvolvimento físico e psicológico do menor e a sua manutenção na escola, conforme disposto no caput e no inciso I do art. 53 do ECA.

3. Não se há falar em prevalência, neste caso, do interesse privado sobre o interesse público, uma vez que os direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente são exemplos clássicos da doutrina para combater a distinção entre direito público e direito privado. De certo, existem interesses privados que são transfixados pelo interesse público, o que justifica, inclusive, a atuação do Ministério Público como parte ou como fiscal da lei.

Recurso especial improvido.

(REsp 1178854/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 18/03/2010)

MANDADO DE SEGURANÇA - MATRÍCULA EM ESTABELECIMENTO PÚBLICO DE ENSINO - CRITÉRIO DE GEORREFERENCIAMENTO - INAPLICABILIDADE - VIOLAÇÃO DO ART. 53, I e V, DA LEI 8.069/90 - INOCORRÊNCIA.

1. O inciso V do art. 53 da Lei 8.069/90 visa garantir a alunos (crianças e adolescentes) estudar em escola próxima de sua residência, evitando deslocamento de longas distâncias para acesso à educação pública e gratuita.

2. A regra não constitui uma imposição e sim uma possibilidade, com opção em benefício do aluno.

3. A manutenção do aluno na escola já frequentada em anos anteriores mostra-se mais benéfico do que a transferência para atender à regra da aproximação.

4. Recurso especial não provido.

(REsp 1175445/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 18/03/2010)

Verifica-se que as turmas, em geral, são formadas pelo critério cronológico (idade dos alunos), mas podem vir a ser formadas procurando-se certa homogeneização do nível de habilidades e até das condições sociofamiliares. Com isto, expõem as relações entre níveis micro e macrossociais, com interação mútua.

Essa conclusão foi apresentada em estudo-piloto conduzido por Maria Tereza Gonçalves Alves e José Francisco Soares (2007, n.p), que verificaram que o agrupamento de alunos conforme seu nível de habilidade e poder aquisitivo, influía no desempenho escolar. As turmas apresentavam resultados diferentes, a partir desses determinantes. De certa forma, reproduziam-se no contexto escolar as desigualdades sociais mais amplas.

Denominou-se a esse fator, originado da composição das turmas na escola de “efeito dos pares”. A formação da turma e a interação entre seus componentes pode interferir no conteúdo curricular, no senso de eficácia dos professores e, sobretudo, nos resultados dos alunos (ALVES; SOARES , 2007, n.p) .Como explicam, em outra oportunidade, Alves e Soares ( 2003, p. 156):

O país possui hoje um sistema de educação básica muito segmentado, com a maioria dos estudantes de nível socioeconômico mais alto frequentando escolas privadas. O maior privilégio desses alunos é frequentar escolas com colegas tão selecionados. A interação entre rede e nível socioeconômico médio da escola é significativa e mostra o especial privilégio dos poucos brasileiros que frequentam escolas privadas, onde o nível médio socioeconômico é alto. Esse é o chamado efeito dos pares. Deve-se observar ainda que mesmo depois de equalizar os alunos das escolas do ponto de vista socioeconômico, ainda se observam diferenças entre o desempenho dos alunos das redes pública e privada.

Vista a composição das turmas pelo aspecto qualitativo, passa-se ao exame do aspecto quantitativo. Quanto a este, constata-se que a Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) não estipulou o número de alunos por sala de aula. A Conferência Nacional de Educação (Conae) , ocorrida no início de 2010, indicou como ideal o número de quinze (15) alunos por turma, na educação infantil, vinte (20), no ensino fundamental e vinte e cinco (25), no ensino médio (GIL, 2011, n.p).

O Conselho Nacional de Educação, através da Resolução nº 08/2010 (BRASIL, 2010, p. 42) indicou o limite de treze (13) alunos por turma, para a creche, vinte e dois (22) alunos por turma, para a pré-escola. Nos primeiros anos do ensino fundamental, as classes não deveriam ter mais de vinte e quatro (24) estudantes nos cinco anos iniciais. Nos quatro anos finais e no ensino médio, o teto seria de trinta (30) alunos. O quantitativo de alunos em escola do campo seria mais restritivo: quinze (15) alunos para os cinco anos iniciais e vinte e cinco (25) alunos para os quatro anos finais do Fundamental.

Todavia, a Resolução foi aprovada em 2010, mas está pendente de homologação pelo Ministro da Educação (RODRIGUES, 2011), ato fundamental, juntamente com a publicação, para que tenha validade, como ato administrativo complexo que é, resultante de vontades distintas e homogêneas, cujos atos específicos produzem efeito somente quando simultaneamente integrados (PONDÉ, apud MARTINS JUNIOR, 2013).

O Distrito Federal opera com o limite é de vinte (20) crianças por turma na creche; trinta (30) na pré-escola e ciclo inicial de alfabetização e de quarenta e cinco (45) nas turmas de ensino fundamental e médio. Em São Paulo, o limite para o ensino fundamental é de trinta e cinco (35) alunos por turma (BORGES, 2013).

O Estado de Santa Catarina fixou esse número como sendo de quarenta alunos, através de lei estadual. Após provocação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina pronunciou-se sobre o limite de alunos por sala de aula como fator interferente da qualidade da educação como ilustra o excerto abaixo:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EDUCAÇÃO. LIMITE DE ALUNOS POR SALA DE AULA. EXEGESE DO ART. 82 DA LC 170/98. NORMA DE EFICÁCIA IMEDIATA. INOBSERVÂNCIA. DEVER DO ESTADO DE PRESTAR EDUCAÇÃO DE QUALIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. IRRELEVÂNCIA. INOCORRÊNCIA DE MALFERIMENTO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 1. Assim como a saúde e a segurança pública (arts. 196 e 144, da CF), a educação é direito de todos e dever do Estado (art. 205 da CF), devendo, pela essencialidade do seu objeto, ser prestada, acima de tudo, de forma eficiente, não podendo o Poder Público se eximir desta obrigação sob o pretexto de indisponibilidade orçamentária. 2. Se o Estado, seguidamente, vem inobservando o limite máximo de alunos em sala de aula, está em falta com seu dever constitucional já que a superlotação, à toda evidência, compromete a qualidade das atividades docentes e discentes. 3. Não há falar em afronta ao postulado da separação dos Poderes quando o Judiciário limita-se a determinar ao Estado o cumprimento de mandamento constitucional, impregnado de autônoma força normativa. 4. "O art. 82 da Lei Complr n. 170/98 que fixa o número de alunos por sala de aula possibilita adequada comunicação e aproveitamento, obedecendo critérios pedagógicos e níveis de ensino, tem aplicação imediata, não necessitando de norma regulamentadora (SANTA CATARINA, 2011).

Embora o enfoque na Educação Superior não seja o objetivo deste trabalho, para o efeito de analogia coloca-se que o Superior Tribunal de Justiça já estabeleceu a ligação entre número de alunos e infraestrutura, relacionando-os à qualidade da educação, quando destacou, em seu julgado, que “A comparação entre o número de vagas e a infraestrutura oferecida pela instituição é fundamental para a verificação da qualidade de qualquer curso” (BRASIL, 2002).

Para Menezes Filho e Ribeiro (2009, p. 179), as características da turma e da escola onde estudam explicam somente 20% da variação observada entre as notas dos alunos, assim como as intervenções na escola ou na sala de aula, que interferem em 20% do desempenho do aluno no curto prazo. Para os autores (2009, p. 183), a explicação sobre a ampla variação das notas observada entre os alunos na rede pública dá-se por diferenças entre os alunos dentro de uma mesma sala, não apreendidas pelas variáveis socioeconômicas utilizadas no estudo.

2.5.1.6 Outros determinantes

Os determinantes da qualidade da educação apresentados não são os únicos, pois outros são mencionados na literatura específica. Contudo, objetivou-se relatar os mais comumente referidos, para, a seguir, apresentar com mais profundidade o determinante escolhido como foco desta monografia, a infraestrutura dos prédios escolares, em seus aspectos físicos e situacionais, e em seus equipamentos, podendo ser utilizada a variação nominal mais genérica, “infraestrutura”, o que será feito no próximo capítulo.

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Sobre a autora
Karina Gomes Cherubini

Promotora de Justiça do Estado da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Gestão Pública pela Faculdade de Ilhéus. Especialista em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHERUBINI, Karina Gomes. A qualidade da educação fundamental da rede municipal de Ilhéus (BA) aferida a partir da infraestrutura de seus prédios escolares no período de 2010-2012.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4284, 25 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35215. Acesso em: 25 abr. 2024.

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