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O papel da sociedade na política de segurança pública

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01/11/2002 às 00:00
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5. Programas de Policiamento Comunitário

Os sistemas tradicionais eminentemente repressivos ainda dominam a área da segurança pública em todo o mundo. No entanto, os seus índices de resolução de problemas vêm, ao longo do tempo, mostrando-se insatisfatórios.

Diante disso, muitos pesquisadores dos departamentos de polícia começaram a pensar num programa de policiamento comunitário, no qual a sociedade devesse participar ativamente em prol de sua própria segurança, especialmente na elaboração de táticas preventivas. Foi com essa idéia que surgiu, nos anos 70, no Canadá e em Londres, o Low Profile Policing ou Police Communautaire.

Referido programa tem como princípios a integração entre a polícia e a sociedade e a efetivação de políticas preventivas. Porque "a polícia não pode ser autônoma em relação à comunidade, pois opera para ela e em função dela" (FILHO, 1998:29), estando a sua força no bom serviço prestado ao cidadão, através de uma prática comunicativa. Em outras palavras, o trabalho das forças policiais torna-se mais fácil de ser executado com o auxílio dos membros da comunidade, pois é a comunidade quem melhor conhece os suspeitos e os locais mais propícios ao crime.

Outrossim, é essencial que as pessoas se sintam responsáveis pelas questões que lhe digam respeito e acreditem no poder do trabalho em conjunto. Isso faz parte de uma ética cidadã. Nas palavras do Tenente PM Aguiar, assessor da Diretoria de Cidadania da SSPDC/CE "a população tem que se conscientizar que só se pode construir uma cultura de paz com a participação social. Não existe cidadania sem participação" [4].

A essência desses programas foi muito bem resumida por Robet Peel, fundador do serviço de polícia comunitária de Londres e responsável pela adoção do policiamento comunitário em cidades canadenses, após a Segunda Guerra Mundial:

"Le concept de la police communautaire repose sur l’idée que les citoyens et la collectivité ont leur mot à dire sur la façon dont la police doit s’acquitter de ses tâches de protection et de services. Le partenariat entre les citoyens et la police est au coeur de ce concept - la police s’intègre à la collectivité au lieu de s’imposer à elle. La police et les citoyens entretiennent des liens plus étroits, les policiers jouent un rôle actif dans la lutte contre la criminalité, et c’est de concert que la police et la collectivité travaillent à résoudre et à prévenir les problèmes locaux reliés au crime" [5].

Desde 1990, a polícia oficial do Canadá, GRC (Gendarmerie royale du Canada), começou a implantar o policiamento comunitário em seus projetos. Desde 1995, a associação dos chefes de polícia trabalha tentando sensibilizar a polícia e os cidadãos mostrando a importância desse programa.

Um aspecto interessante da polícia canadense é a existência de conselhos consultivos municipais, formados por cidadãos interessados, com o escopo de apontar os principais problemas da comunidade e procurar as melhores soluções: "Il s’agit plutôt de rapports de collaboration établis avec les citoyens pour cerner les problèmes de criminalité dans la collectivité et y trouver ensemble des solutions" [6].

Complementando os princípios norteadores desses programas, a abordar a experiência dos outros países, informa o já citado Luís de Souza:

"Nesse sentido, a experiência internacional em matéria de polícia tem se baseado no aprimoramento dos serviços prestados à comunidade, na proteção das vítimas, na parceria com entidades da sociedade civil, na coleta, tratamento e divulgação de dados, no planejamento de ação, na compreensão trivial de que a segurança pública é um construção social complexa" (SOUZA, 2002:11).

Como se pode perceber, faz-se necessária uma nova concepção de segurança pública, em que o referencial seja a integração comunitária. É preciso adequar a polícia às necessidades da sociedade democrática, investindo nas práticas preventivas, no aperfeiçoamento e na humanização dos policiais, orientando-os para uma cultura de respeito aos direitos dos cidadãos.

Da mesma forma, mister a conscientização da sociedade de sua responsabilidade pela segurança, ficando o sucesso dos programas na dependência do engajamento de cada membro da coletividade: "La qualité de ces services sera fonction du degré de participation et d´engagement des collectivités [7]".

5.1. OS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE DEFESA SOCIAL – O EXEMPLO DO CEARÁ

Com o implemento do programa de policiamento comunitário, em 1998, houve uma verdadeira revolução no ramo da Segurança Pública no Brasil. Pela primeira vez, veio à baila a possibilidade de se ter uma polícia – em sentido amplo – mais próxima da sociedade, e, conseqüentemente, uma relação de confiança mútua entre policial e cidadão.

Para levar a efeito o projeto, foram criados os conselhos comunitários. Em São Paulo, surgiram os CONSEGS – Conselhos Comunitários de Segurança, e no Ceará os CCDS – Conselhos Comunitários de Defesa Social. Estas instituições são os órgãos de execução do programa de policiamento comunitário, e possuem a pretensão de exercer um papel de articulador da sociedade. Seguem à risca a filosofia de participação da comunidade na segurança pública, tanto por esta ser a maior conhecedora dos fatos criminosos que acontecem ao ser redor, como por acreditar na força da ação conjunta.

Aproximar a sociedade aos órgãos da Segurança Pública, levando diretamente às autoridades suas queixas, permitir que a população fiscalize a atuação da polícia, reivindicando e oferecendo sugestões, capacitar o cidadão para a utilização dos recursos disponibilizados pela Secretaria de Segurança Pública, e identificar os principais problemas que afligem as pessoas de um bairro são as principais atribuições dos CCDS.

Paralelamente, tais conselhos objetivam fazer levantamentos das áreas de risco, sugerindo metas preventivas e acauteladoras, mediar conflitos entre os integrantes da comunidade, evitando que causas pequenas cheguem ao Judiciário, bem como promover campanhas de assistências e recuperação das vítimas da violência.

Tais conselhos ainda têm como objetivos o desenvolvimento de programas especiais para atendimento às vítimas da violência, para a divulgação de ações educativas de autoproteção e para a elaboração de avaliações continuadas da atuação da polícia pelos usuários dos serviços policiais.

No Ceará, os conselhos foram criados em novembro de 1998, por meio do Decreto Estadual nº 25.293, cujo art. 1º preceitua:

Art. 1º - "Ficam criados, no âmbito da Secretaria da Segurança Pública e Defesa da Cidadania, os Conselhos Comunitários de Defesa Social, com o objetivo de colaborar no equacionamento e solução de problemas relacionados com a segurança da população. [8]"

Como foi muito bem demonstrado pelo Tenente-coronel Macambira, em palestra proferida por ocasião do Fórum Permanente de Direitos Humanos [9], o Ceará é um dos pioneiros desse programa, e já conta com 860 conselhos em todos os 184 municípios, totalizando aproximadamente 17200 voluntários.

Os conselhos podem ser criados a partir de uma simples solicitação à Secretaria de Segurança Pública, feita por pessoas da comunidade, pela iniciativa da própria Secretaria, ou ainda pela orientação de um conselho já formado.

Com o lema "Somando esforços e dividindo responsabilidades", eles são formados pelos mais diversos segmentos da comunidade de um bairro, ou de um município: comandantes de companhias, pelotões e batalhões, delegados, policiais civis e militares, membros do Corpo de Bombeiros, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Poder Judiciário, vereadores, deputados, secretários municipais, comerciantes, médicos, professores, estudantes, membros de igrejas, de organizações não governamentais, das mais diversas associações, etc.

São comandados por uma diretoria composta por Presidente, Vice-Presidente, Primeiro e Segundo Secretários, Diretor de Direitos Humanos, Diretor de Relações Públicas e Diretor de Patrimônio, eleita para um mandato de 1ano. Seus membros reúnem-se entre si quinzenal ou mensalmente, e uma vez por mês com os comandantes, delegados e policiais.

Nas reuniões, a população tem direito à voz e vez. Além de cada participante ter a oportunidade de expor seu problema e solicitar auxílio, podem acontecer palestras ministradas pelos mais diversos profissionais, com o intuito de estimular uma segurança preventiva. Dos órgãos da Secretaria de Segurança Pública, partem os incentivos às denúncias [10], bem como instruções de como a comunidade deve proceder para evitar a violência. Da comunidade surgem as indicações dos pontos de maior intranqüilidade, dos locais críticos em relação à criminalidade e as soluções mais eficientes, como os pedidos de aumento de contingente nas ruas. Em suma, discutem-se os problemas e traçam-se estratégias de ação.

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Além dos encontros, os conselhos promovem cursos, seminários, gincanas culturais, torneios desportivos e concursos, na tentativa de abranger as mais diversas questões sociais. Também participam do Conselho Estadual Antidrogas e realizam seminários de valorização da vida como forma de combate ao uso de entorpecentes.

Em Fortaleza, no Bairro Tabapuá, o CCDS ajudou a diminuir a violência, que chegava a índices de 5 assaltos por semana aos pontos comerciais. Com a nova consciência dos moradores e a união das lideranças comunitárias, passou a ser elaborado freqüentemente um relatório dos crimes acontecidos e das estratégias de ação necessárias para sanar os principais conflitos.

Na região interiorana, alguns municípios chegam a ter mais de 15 conselhos, divididos em conselhos sede e conselhos satélites. Em Limoeiro do Norte, por exemplo, existem 20 conselhos que se reúnem mensalmente desde 1999. De suas ações, merecem destaque a construção de novos postos de polícia, a restauração de uma viatura, o auxílio constante a uma creche e a diminuição dos índices de violência.

Em Campos Sales, existem 12 conselhos, 6 na zona urbana e 6 na zona rural. Deles participam o juiz, o prefeito, o promotor da cidade, o sindicato dos trabalhadores, o Rotary Clube, a Maçonaria e representantes estudantis. Os resultados são claros: aumento do número de policiais e do número de viaturas, reabertura dos postos nos distritos, e redução brusca dos índices de criminalidade.

Em pesquisa de campo feita junto dos CCDS dos bairros Lagamar e São João do Tauape, por ocasião da reunião da Companhia do 5º. Distrito [11], constatou-se a eficiência do projeto. No encontro, restou demonstrado o interesse de todas as parcelas da população, estando presentes coordenadores de escolas públicas, jornalistas, estudantes, donas de casa, comerciantes, delegados e policiais.

Segundo as presidentes dos conselhos, os maiores problemas por eles enfrentados, quais sejam, o uso de drogas, a prostituição infantil e as brigas de gangues, estão sendo combatidos com eficácia.

Nesse diapasão, interessante registrar o depoimento de um participante da reunião supramencionada, ao narrar a reação de uma mãe que encontrou seus dois filhos brigando por droga. Segundo ele, a mãe ordenou ao filho que, se ele quisesse, fosse roubar para adquirir sua própria droga, como seu irmão havia feito.

Diante da sucessão de cenas como essa, é feito um trabalho preventivo de combate à violência familiar, na tentativa de conscientizar os pais da responsabilidade pela violência praticada por seus filhos, bem como da relevância de sua aproximação às escolas por eles freqüentadas.

Deve-se realçar ainda a atividade dos conselhos juvenis. Esses grupos têm por finalidade estimular a participação dos jovens estudantes nas questões de segurança, atuando junto às escolas públicas, com a promoção de gincanas culturais, palestras para alunos e professores e participação no "Projeto Paz nas Escolas". Atualmente, existem 300 líderes juvenis no comando dessas atividades.

Para o General Cândido Vargas de Freire, Secretário de Segurança Pública do Estado do Ceará, a atuação dos jovens é muito importante para o sucesso do projeto, porque eles são dotados de uma força crítica inigualável, essencial para a luta democrática [12].

A Diretoria da Cidadania, órgão responsável pela coordenação dos CCDS, realiza quatro grandes encontros estaduais e alguns encontros regionais envolvendo autoridades públicas e líderes dos conselhos, fóruns, seminários, debates e capacitações de conselheiros.

Por todo o exposto, percebe-se que os Conselhos Comunitários de Defesa Social realizam um excelente trabalho de combate às causas da violência. Há o ensino e o incentivo de medidas de caráter preventivo, a ponte para fazer chegar às instituições policiais as reais aflições da comunidade, bem como as soluções por ela aventadas. Há a luta contra o tráfico de drogas e contra a mídia que cultua o terror. Há ainda um trabalho voltado à instituição familiar, na tentativa de que a educação dada aos filhos ganhe outros rumos, resgatando valores morais e éticos.

Além de propiciar um bom relacionamento da sociedade com os órgãos de Segurança, o trabalho realizado pelos conselhos humaniza a polícia e conscientiza cada cidadão de que ele é também responsável pela manutenção da ordem pública, e que toda conduta em sentido oposto, causará prejuízo a ele próprio.

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Sobre a autora
Roberta Laena Costa Jucá

acadêmica de Direito em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUCÁ, Roberta Laena Costa. O papel da sociedade na política de segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3525. Acesso em: 28 abr. 2024.

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