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Relações paterno-filiais e os danos morais decorrentes do abandono afetivo dos pais.

Como o Judiciário pode intervir nessas relações entre pais e filhos e qual o dano cabível

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16/09/2016 às 16:13
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Observa-se a dificuldade de caracterização dos danos morais nas relações paterno-filiais e como a responsabilidade paterna possui um conteúdo muito mais amplo, notadamente de feições existenciais.

Resumo:Trata-se de uma análise da dificuldade de caracterização dos danos morais nas relações paterno-filiais. A investigação desenvolveu-se conforme o processo metodológico sócio-jurídico, auxiliado pela pesquisa investigativo-dialética (indutivo/dedutiva). Igualmente, não se abandonou o crivo sócio-histórico. Desta maneira, foi possibilitado travar o conhecimento teórico-dogmático alinhavado aos entendimentos prático-jurisprudenciais que desafiam os tribunais brasileiros quanto à temática do dano moral proporcionado aos rebentos nas relações paterno-filiais, facilitando a inserção social do estudo. Para elaboração do trabalho, utilizaram-se estudos de jurisprudência, de doutrinas, análise de casos. O conceito de família evoluiu através dos tempos - essa é uma consideração inegável. Pode-se verificar todas as profundas alterações relacionadas ao direito de família que ocorreram no Brasil durante o último século. No entanto, uma coisa é indiscutível, a família continua sendo o locus fundamental de desenvolvimento do ser humano, apresentando-se como uma constante em todas as culturas, ainda que com certas peculiaridades. Será em seu seio que a pessoa evoluirá em seus mais diversos aspectos. O direito, assim como a família, não é estático. A Constituição Federal impõe uma série de deveres aos pais, dentre os quais se destacam a criação, educação e assistência dos filhos. Essas condutas não podem ser consideradas meras obrigações morais, mas sim dotadas de cunho jurídico, justificando a possibilidade de reparação por abandono moral. O que fundamentará a responsabilização não será um direito subjetivo ao afeto, mas sim o descumprimento dessas normas. Para o pleno desenvolvimento da criança, não basta a observância de obrigações de cunho meramente patrimonial, como o adimplemento de alimentos. A responsabilidade paterna possui um conteúdo muito mais amplo, notadamente de feições existenciais. A formação do menor como pessoa exige a efetiva presença e educação, tanto por parte do pai como da mãe. Deste modo, torna-se imprescindível uma mudança de paradigma jurídico e social: a cultura da paternidade irresponsável deve ser substituída pela consciência da necessária participação de ambos os genitores no processo de desenvolvimento do filho, cada qual cumprindo sua função.

O direito não possui - e nem poderia possuir - o condão de obrigar uma pessoa a nutrir afeto por outra. Assim, no comum dos casos, as vítimas terão que se contentar com uma indenização em pecúnia, quando esta for cabível.

Palavras-chave: Dano afetivo. Abandono moral. Relação paterno-filial. Direito de família. Responsabilidade civil.

Sumário:Introdução…Capítulo I…1.   A família...1.1       Conceito de família..1.2       A família inserida no Ordenamento Jurídico Brasileiro...1.3       O afeto e o cuidado como valores jurídicos..1.4       A constitucionalização do Direito Civil no âmbito familiar..Capítulo II...2.   Os Princípios no Direito de Família...2.1       Os princípios em espécie..2.1.1  O princípio da Dignidade da Pessoa Humana..2.1.2  O princípio da Paternidade e da Maternidade Responsável..2.1.3  O princípio da Afetividade..2.1.4  O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente..2.2       A ponderação dos princípios jurídicos na perspectiva civil-constitucional..Capítulo III. 3.   A Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo nas Relações Paterno-filiais..3.1       Noções gerais de Responsabilidade Civil.3.1.1  Conceito e finalidade da Responsabilidade Civil..3.1.2  Pressupostos da Responsabilidade Civil Subjetiva...3.2       Danos Morais ou Danos à Pessoa?...3.3       A problemática da conceituação dos danos morais..3.4       Danos morais como danos à cláusula geral da tutela da pessoa humana...3.5       Os danos morais compensáveis...3.6       Responsabilidade civil no Direito de Família...3.7       A omissão de afeto e cuidado como dano à pessoa humana compensável..3.8       Os requisitos da condenação a título de danos morais decorrentes de abandono afetivo nas relações paterno-filiais..3.8.1  O pressuposto da condenação: a existência de uma efetiva relação paterno-filial.3.8.2  Dos deveres da condição de pai: a conduta omissiva..3.8.3  Nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o evento....Conclusão.Referências bibliográficas..


O Direito de Família é de todos os ramos do direito, o que está mais intimamente relacionado à vida, tendo em vista que, normalmente, a origem das pessoas, bem como o lugar a que estão vinculadas durante sua existência, é o cerne familiar.

É nesse contexto que a família surge como célula fundamental em está repousada a organização social e ainda é tida muitas vezes como o alicerce do Estado, sendo, por tal motivo, merecedora de ampla proteção estatal.

Não resta nenhuma dúvida hoje que um panorama tão rico e variado que se descortinou ao se imaginar como construir essa exposição, de que se trata daqueles temas instigantes que não se esgotam.  Todavia, ao contrário, propicia de maneira contínua e incessante, ao pesquisador e ao operador do direito, um espetacular manancial de características que poderão ser sempre percorridos, sem correr o risco do esgotamento da seiva profícua que o vivifica.

Tem sensibilizado a vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, num viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar a compensação indenizatória em face de danos que pais possam ocasionar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou moderna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da pessoa humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.

O tema proposto trata das relações paterno-filiais e os danos morais decorrentes do abandono afetivo dos pais para com os seus filhos, tendo em vista que a família é a base fundamental para formação da sociedade e que ao longo dos tempos veio sofrendo várias alterações em sua estrutura.

Outrora a família era bem estruturada e bem definida com o pai como patriarca e mantedor dessa família, uma mãe zelosa, que não trabalhava fora e vivia para o lar, a educação, e cuidados dos filhos e os mesmos seguiam os valores rígidos que lhe eram passados pelos seus pais, que eram pautados no respeito, carinho, afeto e amor, um senso único de criação para um bem maior e futuro próspero para essas crianças (OLIVEIRA, 2001, p 14). 

O instituto do dano moral está presente há tempos no ordenamento jurídico, o que é problematizado com essa pesquisa é como esse abandono e a negligência por parte de um dos pais ou ambos, causam sequelas em seus filhos.

E como mensurar a aplicação do dano moral nesses casos para que se tenha uma justa indenização a esses filhos, mas que não se caracterize como enriquecimento sem justa causa, e que também não seja menor que os transtornos sofridos e como transformar anos de abandono afetivo em valor pecuniário?

     BERENICE (2007, p. 409) versa que:

“[...] mesmo que o pai só visite o filho por medo de ser condenado a pagar uma indenização, isso é melhor que gerar no filho o sentimento de abandono. Ora, se os pais não conseguem dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos que não pediram para nascer, imperioso que a justiça imponha coactamente essa obrigação.”[1]

      Conforme disposto no Artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil (1988)[2]

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

 À luz da doutrina e da jurisprudência, toda sociedade tem o dever de zelar pelas crianças, e com isso são criados vários institutos para assegurar que tais direitos sejam efetivamente postos em prática. E o dano moral vem sendo utilizado com o intuito de restituir as perdas ocasionadas pelo abandono e como medida repressiva, pois os pais com medo de pagar, visitam os seus filhos.

O dispositivo do dano moral está presente há tempos no ordenamento jurídico, o que se quer problematizar com essa pesquisa é como esse abandono e a negligência por parte de um dos pais ou ambos, causam sequelas em seus filhos.

Partindo desse princípio busca-se responder se o abandono dos pais gera dano moral para os filhos.

Nota-se que no Brasil existe um número considerável de crianças que foram abandonadas e ou negligenciadas por parte dos pais ou responsáveis, acarretando problemas que poderão afetar as várias dimensões, físicas, psíquica, moral e intelectual, uma vez que a família é o ponto central na formação do ser humano.

O não cumprimento desse papel acentua-se na necessidade de sua reparação, assegurado na Constituição de 1988, em seu art. 5º, V e X, a possibilidade de reparação dos danos morais, não faz qualquer restrição que justifique a sua não aplicação às relações paterno-filiais.

Essa reparação poderá ser feita por meio de indenização através de uma perícia técnica que deverá avaliar os fatos apresentados e provocados aos filhos, a fim de que a mesma não se configure como forma de enriquecimento, e sim uma forma de evitar que os pais continuem a causar esses danos a seus filhos.

Para elaboração do trabalho, utilizar-se-á estudos de jurisprudência, de doutrinas, análise de casos. Este trabalho desenvolver-se-á conforme o processo metodológico sócio-jurídico, auxiliado pela pesquisa investigativo-dialética (indutivo/dedutiva) [GUSTIN; DIAS, 2006]. Da mesma maneira, será utilizado o método sócio-histórico.

Igualmente, será possibilitado travar o conhecimento teórico-dogmático alinhavado aos entendimentos prático-jurisprudenciais que desafiam tribunais brasileiros quanto à temática do dano moral proporcionado aos rebentos nas relações paterno-filiais, facilitando a inserção social do estudo.

O conceito de família evoluiu através dos tempos - essa é uma consideração inegável. Podem-se verificar todas as profundas alterações relacionadas ao direito de família que ocorreram no Brasil durante o último século. No entanto, uma coisa é indiscutível, a família continua sendo o locus fundamental de desenvolvimento do ser humano, apresentando-se como uma constante em todas as culturas, ainda que com certas peculiaridades.

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Será em seu seio que a pessoa evoluirá em seus mais diversos aspectos. O Direito, assim como a família, não é estático. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 impõe uma série de deveres aos pais, dentre os quais se destacam a criação, educação e assistência dos filhos.

Essas condutas não podem ser consideradas meras obrigações morais, mas sim dotadas de cunho jurídico, justificando a possibilidade de reparação por abandono moral. O que fundamentará a responsabilização não será um direito subjetivo ao afeto, mas sim o descumprimento dessas normas.

Para o pleno desenvolvimento da criança, não basta a observância de obrigações de cunho meramente patrimonial, como o adimplemento de alimentos. A responsabilidade paterna possui um conteúdo muito mais amplo, notadamente de feições existenciais. A formação do menor como pessoa exige a efetiva presença e educação, tanto por parte do pai como da mãe.

O Direito não possui - e nem poderia possuir - o condão de obrigar uma pessoa a nutrir afeto por outra. Assim, no comum dos casos, as vítimas terão que se contentar com uma indenização em pecúnia, quando esta for cabível.  Deste modo, torna-se imprescindível uma mudança no paradigma jurídico e social: onde a cultura da paternidade irresponsável deve ser substituída pela consciência da necessária participação de ambos os genitores no processo de desenvolvimento do filho, cada qual cumprindo sua função na formação do mesmo, uma vez que a família é a principal instituição socializadora.

CAPÍTULO I-  A FAMÍLIA

1.1  CONCEITO DE FAMÍLIA

O Direito de Família é de todos os ramos do direito, o que está mais intimamente relacionado à vida, tendo em vista que, normalmente, a origem das pessoas, bem como o lugar a que estão vinculadas durante sua existência, é o cerne familiar.

De acordo Caio Mário (2007; p. 19), família em sentido genérico e biológico é o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum; em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos; e em sentido universal é considerada a célula social por excelência.

Relativo à família, Silvio Rodrigues (2004; p. 4) num conceito mais amplo, diz que é a formação por todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue, ou seja, todas as pessoas provindas de um tronco ancestral comum, o que inclui, dentro da órbita da família, todos os parentes consanguíneos. Num sentido mais estrito, constitui a família o conjunto de pessoas compreendido pelos pais e sua prole.

Maria Helena Diniz (2007; p. 9) discorre sobre família no sentido amplo como todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos. No sentido restrito é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole.

Cezar Fiúza (2008; p. 939), considera família de modo lato sensu, como sendo “uma reunião de pessoas descendentes de um tronco ancestral comum, incluídas aí também as pessoas ligadas pelo casamento ou pela união estável, juntamente com seus parentes sucessíveis, ainda que não descendentes”, como também define em modo stricto sensu dizendo que: “família é uma reunião de pai, mãe e filhos, ou apenas um dos pais com seus filhos”.

Segundo Paulo Nader (2006; p.3), Família consiste em "uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum".

Sintetizando a conceituação desse instituto, Silvio Venosa (2005, p.18), assevera que a Família em um conceito amplo, "é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar", em conceito restrito, "compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder".

Finalizando Carlos Roberto Gonçalves (2007; p. 1) traz família de uma forma abrangente como “todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como unidas pela afinidade e pela adoção”. E também de uma forma mais específica como, “parentes consanguíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau”.

1.2 A Família inserida no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Em se tratando da legislação e do tratamento jurídico brasileiro, a proteção

estatal conferida à família está prevista, principalmente, nos textos da Constituição Federal, do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ocorre que nem sempre o Direito de Família teve a amplitude dada hoje no ordenamento jurídico do Brasil, como se percebe pelo fato de que as questões pertinentes à família passaram praticamente despercebidas pelo poder constituinte das duas primeiras Constituições Federais Brasileiras.

SILVA (2007) afirma, em estudo sobre indenizações aos filhos, que essas duas Constituições não faziam nenhuma referência à família, na época marcadamente patriarcal.

A primeira alusão ao grupo familiar em sede constitucional ocorreu na Lei Maior de 1934. Naquela Carta, o constituinte ateve-se a questões formais e relativas ao casamento, não conferindo maior importância à substância da instituição [MARIA DA SILVA, Cláudia. Descumprimento do dever de convivência familiar e indenização por danos à personalidade do filho, 2004, p. 21].

No corpo da Lei Maior de 1937 vieram mudanças significativas relativas ao tratamento dos pais quanto aos seus filhos. Esse texto previa o tratamento igualitário entre filhos naturais e filhos legítimos e, ainda, a necessidade de se conferir cuidados e garantias especiais à infância e à adolescência, a fim de que os menores pudessem dispor de uma vida digna.

Apesar do grande avanço do texto de 1937, as Constituições de 1946, 1967 e 1969 não deram continuidade às inovações no campo da tutela infantil e do adolescente, sendo que a única mudança merecedora de destaque do período foi a promulgação da Lei do Divórcio, na vigência da Carta de 1969, permitindo a dissolução do vínculo matrimonial e a celebração de um novo casamento [MARIA DA SILVA, Cláudia. Descumprimento do dever de convivência familiar e indenização por danos à personalidade do filho. In.: Revista de Brasileira de Direito de Família, v. 6, n. 25. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, ago/set, 2004, p. 125].

Seguidamente, em 05 de outubro de 1988, foi promulgado o imperativo constitucional ora vigente, usualmente reconhecido por Constituição Cidadã. Esta Carta passou a lidar de maneira mais efetiva acerca da questão familiar. CANEZIN (2006, p.71) considera o texto aludido como “um marco histórico fundamental no que se relaciona à abordagem da família”.

A importância da família é reconhecida na Lei Maior vigente, como facilmente se depreende da leitura dos dispositivos que tratam sobre a temática, em especial do artigo 226, que prevê a família como a base da sociedade, merecendo especial proteção do Estado.

Adiante, no artigo 227, a Carta de 1988 determina como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, todos os direitos que lhes confiram uma vida digna. É o que estabelece a redação do dispositivo aludido:

Art. 227. É dever da família, da sociedade, do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação e ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Note-se, da escrita desse artigo, que criança e o adolescente ganharam lugar de destaque no ordenamento jurídico brasileiro. Na mesma orientação da Carta Magna, quanto ao especial apreço conferido aos menores, foi editada a Lei no. 8.069 de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

O artigo 3° do referido Estatuto prevê que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-se-lhes, por meio da lei ou por outros meios, todas as formas de oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

O ECA, nos artigos 4º e 5º, determina que cumpre à família, à sociedade e ao Estado a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, a salvo de qualquer forma de negligência. Ademais, decide que qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais será punido na forma da lei.

Mais especificadamente, sobre o direito à convivência familiar, o Estatuto, pelo que dispõe seu artigo 19, estabelece que toda criança tem direito a ser criada e educada no seio da sua família e, apenas excepcionalmente, em família substituta. Assegura-se, por meio deste dispositivo, a convivência familiar, bem como a comunitária. Em relação aos deveres dos pais, o ECA articula o seguinte:

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Finalmente, sobre os diplomas que tratam do Direito de Família, em 2002 o novo Código Civil veio a substituir o antigo de 1916, que há muito se encontrava ultrapassado. A nova Lei Civil prevê deveres dos pais em relação aos filhos nos dispositivos que tratam do exercício do poder familiar, em capítulo próprio, nos artigos 1.630 a 1.638, e também em outros artigos esparsos, como é o caso do artigo 1.566, IV, que lida do dever recíproco dos cônjuges quanto ao sustento, à guarda e à educação dos filhos, dentre outras várias disposições.

Ademais, o Código Civil de 2002 alterou o antigo “pátrio poder” para dar lugar a um novo poder familiar livre da concepção romana, segundo a qual o pai tinha pleno direito de vida e de morte sobre seu filho. A evolução desse pensamento abandonou a noção de poder nas relações paterno-filiais e acatou a noção de que essas relações decorrem de uma autoridade natural dos pais com relação a sua prole, esta dotada de dignidade. Assim, o poder familiar passou a ser menos um poder e mais um dever.

Ressalte-se que a determinação da parentalidade responsável como um múnus é uma direção dos textos civis, bem como da Carta Magna, de modo que toda a sistemática orienta-se nesse sentido. É que, a partir do pós-modernismo e da constitucionalização do direito privado, o Código Civil de 2002 não é apenas uma nova codificação que trata do regramento das relações privadas, ele é, na realidade, um mecanismo para conferir efetividade às disposições constitucionais. Esse também é o caso dos princípios norteadores do Direito, em especial ao tema ora posto, os do Direito de Família, pautados na dignidade da pessoa humana, na ética da responsabilidade e da solidariedade e, além disso, na convivência familiar e no melhor interesse dos menores.

1.3 O Afeto e o Cuidado como Valores Jurídicos

A mudança de paradigma no que toca os direitos vinculados às relações de filiação convidam a identificar tanto o afeto quanto o cuidado como valores jurídicos, vez que em diversas passagens do ordenamento tais valores aparecem como deveres de provisão do Estado, dos pais e da sociedade aos menores, por quem aqueles são responsáveis.

NICOLA ABBAGNANO (2006, p. 51) indica que o uso do termo valor, segundo a filosofia, tem início quando seu significado é generalizado para indicar qualquer objeto de preferência ou de escolha. Inserir um determinado valor no ordenamento jurídico é uma escolha do legislador, que dá preferência a um valor em detrimento de outro. Neste caso, a previsão em lei, geral e abstrata, do afeto e do cuidado tem a sua razão de ser no fato de que é papel do Direito estabelecer proibições e permissões que viabilizem o convívio social, coibindo condutas reprováveis e estimulando comportamentos adequados. Assim, valores como o cuidado e o afeto são preferíveis aos valores individualistas e patrimonialistas nas relações familiares.

A importância do cuidado e do afeto ao ordenamento jurídico, especialmente no que toca as relações parentais, parte da concepção de que a capacidade de desenvolver-se como sujeito e bem se relacionar socialmente depende diretamente de se ter recebido tais valores nos primeiros anos de vida, quando o menor, vulnerável, está a moldar sua personalidade. Por assim dizer, o papel paterno/materno tem função estruturante do filho como sujeito.

Em sentido oposto, a falta desses valores repercute negativamente não só no indivíduo, mas também na sociedade. Em relação ao indivíduo, a repercussão da falta de afeto e de cuidado dá-se na possibilidade da criança desenvolver uma personalidade agressiva, deprimida, rebelde e indisciplinada; ao passo que, na esfera social, essa falta é apontada, inclusive, como possível causa do aumento da delinquência juvenil. De tal feita, a ausência de tais valores nas primeiras etapas da vida não é maléfica apenas à criança, mas a todo o ambiente em que ela irá conviver, pelo que se justifica o interesse público na questão.

Tendo isso em mente, a Constituição Cidadã de 1988, em seu artigo 227, determina, dentre outros deveres dos pais, a convivência familiar e comunitária, a salvo de todas as formas de negligência, como um dever dos genitores. Por fazê-lo, resta claro que, para o ordenamento pátrio, o exercício da paternidade não poderá limitar-se ao aporte material direcionado à prole, devendo ir além, no que toca a provisão aos menores do aporte afetivo, a fim de que bem se desenvolvam. Em assim sendo, como já se disse, a paternidade/maternidade é encarada como um múnus.

Sobre a relevância do afeto nas relações familiares, TÂNIA DA SILVA PEREIRA (2006) afirma ser a relação afetiva o diferencial definidor da entidade familiar, sendo um sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio em virtude de uma origem ou de um destino comum. Hoje, já não restam dúvidas de que os vínculos familiares deixaram de ter razão nas questões patrimoniais e que as relações dessa ordem passaram a se constituir pelo elo afetivo. Dessa maneira, reconhece-se o princípio da afetividade como princípio implícito do ordenamento constitucional, o que demonstra sua importância valorativa ao sistema jurídico brasileiro.

Quanto ao cuidado, TÂNIA DA SILVA PEREIRA demonstra que este também merece lugar como valor jurídico, sendo uma responsabilidade humana como pessoa e como cidadã. A referida autora alerta que considerá-lo como tal ocorre em nome do interesse público e da ética da corresponsabilidade, fundada na solidariedade e na cidadania, a fim de que o cuidado seja usado como informante das relações privadas e institucionais, conduzindo a efetivos compromissos.

Além dessa característica marcante nas relações parentais, que é a responsabilidade, tais elos caracterizam-se também pela permanência do vínculo. A responsabilidade decorre da assimetria da relação, ou seja, das posições diferentes que as partes ocupam no elo, sendo uma delas dotada de particular vulnerabilidade (o menor ou o adolescente). A permanência é, pelo menos, a tendência, pois o término dessa relação é custoso e excepcional, ocorrendo, por exemplo, nos casos de risco elevado ou de abuso, que ensejam a perda do poder familiar. Ademais disso, ainda existem as hipóteses em que há o rompimento do vínculo de filiação em consequência do fim do matrimônio entre os genitores, podendo ser esse corte voluntário ou até mesmo decorrente da pressão a favor do afastamento exercida pelo ex-cônjuge guardião do infante.

Por essas características das relações parentais, a legislação vigente, em diversas passagens, determina que aos pais é dada a incumbência de guarda, sustento e educação dos infantes, bem como o dever de assegurar-lhes direitos como a vida, o lazer, a saúde, entre outros. Assim, pela idealização da parentalidade exercida em prol do melhor interesse do menor e da “defesa da ordem social a partir da criança”, é trazida à esfera pública a discussão da condução dos deveres da parentalidade, restando claro que o ordenamento determina a dedicação paterna/materna na criação de seus filhos, dadas implicações individuais e sociais decorrentes de uma possível omissão. Conclui-se, destarte, que a atitude cuidadosa, sobretudo nas relações parentais, recebe estímulos vários pelo sistema jurídico, o que demonstra o valor que o Direito lhe resguarda.

1.4 A Constitucionalização do Direito Civil no âmbito familiar

MARIA CELINA BODIN DE MORAES (2006) observa que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Direito Civil sofreu uma reviravolta para se adaptar à nova orientação que confere eficácia normativa ao texto constitucional. Esse novo rumo do constitucionalismo pós-moderno somente foi possível por dois motivos. Em primeiro lugar, em razão do afastamento da concepção de que a Constituição seria mera carta política e, em segundo lugar, através do desenvolvimento dos estudos da teoria geral do direito acerca da aplicação dos princípios constitucionais e da metodologia de sua ponderação.

Significa dizer que no pós-positivismo do Estado Democrático de Direito abandonou-se a legalidade em sentido estrito em direção a opções mais seguras, nas quais os princípios da democracia, da liberdade e da solidariedade são preponderantes. O regramento civil deve respeito à Lei Maior tanto do ponto de vista formal, quanto do ponto de vista material, devendo as normas infraconstitucionais refletir o valor sobre o qual se funda, qual seja o mais importante, o da dignidade da pessoa humana.

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Sobre o autor
Pacífico Ferraz Souto

http://lattes.cnpq.br/9558575058326112

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUTO, Pacífico Ferraz. Relações paterno-filiais e os danos morais decorrentes do abandono afetivo dos pais.: Como o Judiciário pode intervir nessas relações entre pais e filhos e qual o dano cabível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4825, 16 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35433. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de Curso apresentado à Coordenadoria de Pesquisa da Faculdade de Direito da ITAUNA -Universidade de Itaúna – Campus em Almenara, com exigência parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação do professora Isméria Espindula Abdala

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