O convênio é um instituto freqüentemente utilizado nas relações da Administração Pública. Não são raros os convênios entre municípios ou estados, também chamados consórcios, além daqueles firmados pelo Poder Público com entidades privadas.
São nestes últimos que surge grande discussão quanto à necessidade ou não da licitação para escolha da entidade a ser conveniada com o ente estatal, pois o que se vê é o administrador usando de valores subjetivos para a escolha da parceira, o que, dentro dos princípios da Administração Pública, é ilegal.
A licitação é, em regra, obrigatória para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, assim o estabelece o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, "in verbis":
"Art. 37 (...):
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações".
Sua finalidade básica é coibir o mau uso da máquina administrativa, dificultando favorecimentos pessoais e abrindo para todos os interessados a possibilidade de contratar com a Administração Pública.
Na lição da ilustre professora Maria Zanella DI PIETRO, em sua obra DIREITO ADMINISTRATIVO, 1991, p. 227:
"A licitação é o procedimento administrativo pelo qual um ente público abre a todos os interessados que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração do contrato".
Assim, a finalidade precípua da licitação é abrir a todos os interessados a oportunidade de contratar com o poder público. Por oportuno, ressalta-se que a proposta mais conveniente, referida pela autora da citação, não diz respeito ao administrador. A proposta deverá ser escolhida de acordo com o interesse coletivo, ou seja, aquela que proporcionará melhores condições contratuais em prol da Administração Pública.
Com efeito, esta é outra das finalidades da licitação, como já referido, dificultar fraudes por parte do administrador na escolha da entidade a ser contratada. Em suma, a licitação é uma decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público e que se constitui em uma restrição à liberdade administrativa na escolha da contratante (cf. DI PIETRO, 1991, p. 230).
Nesta mesma linha de raciocínio, é inaceitável aceitar a posição de alguns doutrinadores no sentido de dispensar a licitação quando se tratar da formação convênios.
Ora, criada a norma (Lei n.º 8.666/93) e o instituto (licitação) para disciplinar as relações do poder público, com o nítido objetivo de coibir a arbitrariedade do administrador na escolha das empresas com que irá contratar, não se explica (como argüido por alguns) o fato de o convênio abrir uma exceção, proporcionando ao administrador a faculdade de, às suas próprias razões e vontades, contratar com quem desejar, em detrimento dos direitos de participação dos demais administrados nas relações do poder público, com visível violação do princípio da impessoalidade, o qual rege a Administração Pública de um modo geral.
Exatamente como argüido pela professora ODETE MEDAUAR, é perfeitamente admissível o posicionamento de que a licitação para os convênios somente poderá ser dispensada, dispensável ou inexigível, nos casos legalmente previstos, ou seja, conforme estabelecido pela Lei 8.666/93.
Da forma que prevê o artigo 17 da Lei 8.666/93, nos seus incisos I e II, a licitação está dispensada:
"Com relação a imóveis: nos casos de dação em pagamento; investidura; venda ou doação a outro órgão público; alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de habitações de interesse social. Com relação a móveis: nos casos de doação, permuta, venda de ações e títulos, venda de bens produzidos ou comercializados por órgão ou entidades da Administração e venda de materiais e equipamentos insersíveis, atendidos os requisitos e condições previstas nas alíneas do inciso II do citado artigo 17. A doação com encargo, salvo no caso de interesse público, é passível de licitação (art. 17, § 4º)" (Helly Lopes Meirelles, 2002, p. 266).
Assim, a licitação estará dispensada, por exemplo, no caso de se conceder às famílias carentes o direito de uso de habitações construídas pela Administração Pública.
De outra parte, a licitação será dispensável, ou, melhor definida, a licitação poderá ser dispensada nos vinte e quatro casos previstos no artigo 24 da Lei 8.666/93.
Da lição dada pelo eminente professor Helly Lopes Meirelles em sua obra DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO (2002, p. 266/267), os casos podem ser sinteticamente explicados da seguinte forma:
I – Obras e Serviços de Engenharia de valor até 10 % do limite previsto para execução dessas atividades na modalidade de convite (art. 23, I), ou seja, até R$ 15.000,00 (quinze mil reais);
II – Outros serviços e compras de valor até 10 % do limite previsto para sua aquisição na modalidade de convite (art. 23, II), ou seja, R$ 8.000,00 (oito mil reais);
III – Guerra ou grave perturbação da ordem são situações que admitem dispensa de licitação para os contratos relacionados com o evento;
Oportuno, ainda, citar o exato conceito de guerra ou grave perturbação a qual a lei faz referência: guerra é o estado de beligerância entre duas ou mais nações, devendo ser declarada, no Brasil, por ato do Presidente da República, na forma constitucional (art. 84, XIX, CF). Grave perturbação da ordem é a comoção interna generalizada ou circunscrita a determinada região, provocada por atos humanos, tais como revolução, motim, greve que atinja atividades ou serviços essenciais à comunidade, etc. (cf. Helly Lopes Meirelles, 2002, p. 267).
IV – Emergência ou calamidade pública também admite dispensa de licitação, mas somente para aquisição dos bens necessários para suprir a situação emergencial;
A calamidade pública pode ser conceituada como a situação de perigo e de anormalidade social, decorrente de fatos da natureza, tais como inundações, vendavais, epidemias, secas, etc. (cf. Helly Lopes Meirelles, 2002, p. 267).
V – Desinteresse pela licitação anterior, ou seja, quando não houve interessados em contratar na primeira licitação ou foram todos desclassificados a Administração poderá dispensar nova licitação;
VI – Intervenção no domínio econômico autoriza a União a dispensar a licitação para regular preços ou normalizar o abastecimento;
VII – Propostas com preços excessivos podem ser rejeitadas na licitação, para contratação do mesmo objeto por preço inferior;
VIII – Aquisição, por Pessoa Jurídica de Direito Público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criada para esse fim especifico em data anterior à vigência da Lei 8.666/93, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
IX – Comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decretos do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional.
X – Compra ou locação de imóvel para atividades precípuas da Administração;
XI – Remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em consequência de rescisão contratual, isto é, iniciada uma obra, cuja escolha da empreiteira foi através de licitação, e não terminada por rescisão contratual, falência da empresa, etc., para dar continuidade à obra, a Administração Pública poderá dispensar nova licitação ;
XII – Compras de Gêneros alimentícios perecíveis. (A dispensa só se torna justificável enquanto são tomadas as providências administrativas indispensáveis para a licitação dos produtos desejados);
XIII – Contratação de instituição brasileira de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional, ou dedicada à recuperação social do preso;
XIV – Aquisição de bens ou serviços nos termos de acordo internacional (sendo esta vantajosa para o Poder Público);
XV – Aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos (isto pelo valor inestimável dos bens a serem restaurados);
XVI – Serviços de Impressão e de informática a pessoa jurídica de Direito Público interno, prestados por órgão ou entidade da Administração criados para esse fim específico. (Ex. Editoras que imprimem os Diários Oficiais);
XVII – Aquisição de componentes ou peças necessárias à manutenção de equipamentos, durante o período de garantia técnica (nem poderia ser diferente, pois estando o bem dentro da garantia da fábrica ou do fornecedor, seria ilógico licitar peças para se entregar ao fabricante ou fornecedor concertar o bem);
XVIII – Serviços e compras indispensáveis ao abastecimento de embarcações, aeronaves e tropas, quando fora de suas sedes e os prazos legais puderem comprometer a operação;
XIX – Compras de materiais para as Forças Armadas, cuja padronização seja requerida pela estrutura de apoio logístico, não se aplicando aos materiais de uso pessoal e administrativo;
XX – Serviços prestados por associações de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, desde que os preços sejam compatíveis com o mercado;
XXI – Aquisição de bens destinados exclusivamente à investigação científica e tecnológica, com recursos concedidos por instituições oficiais de fomento à pesquisa;
XXII – Aquisição de energia elétrica fornecida por concessionário, permissionário ou autorizado;
XXIII – Aquisição ou alienação de bens, ou prestação de serviços realizados por empresa pública ou sociedade de economia mista e suas subsidiárias e controladoras, desde que o preço seja compatível com o mercado;
XXIV – Contratação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.
Observação importante se faz em relação ao inciso XXII, pois analisando atentamente a hipótese em apreço, percebe-se que este é caso de inexigibilidade, pois a empresa concessionária do serviço de energia elétrica possui exclusividade para o fornecimento dentro da área de abrangência de sua concessão, não sendo possível outra empresa prestar este serviço neste local. Exceto para a escolha da entidade a receber a concessão, que neste caso, então, se regeria por este dispositivo, ou seja, dispensável seria a licitação.
Existe a ocorrência de casos onde a licitação é inexigível, ou seja, quando há impossibilidade jurídica de competição entre os contratantes, seja pela natureza específica do negócio, seja pelos objetivos sociais visados pela Administração.
O artigo 25 da Lei 8.666/93 traz um rol exemplificativo dos casos de inexigibilidade de licitação, podendo ser declarada assim pelo administrador quando se enquadrar na definição do "caput" do artigo.
Sinteticamente, os casos mais freqüentes de inexigibilidade de licitação são:
1.Produtor ou vendedor exclusivo, isto é, quando não existe outro fornecedor do bem pretendido pela Administração;
2.Serviços técnicos profissionais especializados, ou seja, quando a Administração visa aos serviços de um profissional de excepcional conhecimento e experiência, é inexigível a licitação;
3.Contratação de artista, contudo, o artista a ser contratado deve ser consagrado pela crítica ou pela opinião pública.
Após a análise da licitação dispensada, dos casos de dispensa e de inexigibilidade, insta-se salientar que os convênios não são citados como casos de dispensa ou inexigibilidade.
A própria lei, no seu artigo 116, refere que "aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração".
Na interpretação deste dispositivo, conclui-se que, se a lei não permite dispensar a licitação para formação de convênios, e estes são submissos às disposições da Lei, a licitação é requisito indispensável para este instituto, mesmo não sendo usada pela maioria dos administradores.
O argumento utilizado pelos doutrinadores que defendem não ser a licitação requisito do convênio é que este não se trata de um contrato, mas sim de um ajuste entre o Poder Público e as entidades públicas ou privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração. (cf. Di Pietro, 2001, p. 284).
De acordo com esse entendimento, embora ambos sejam um acordo de vontades, no contrato exige-se obrigações recíprocas, enquanto no convênio não; no contrato há interesses opostos, enquanto que no convênio há interesses convergentes; no contrato uma parte pretende o objeto, a outra o preço, e no convênio visam ambas as entidades ao mesmo fim, qual seja, o bem público.
No tocante à remuneração, nem sempre nos contratos administrativos uma das partes remunera a outra, como na concessão de serviço público, por exemplo.
De outra banda, é difícil imaginar que nos convênios não haja obrigações recíprocas, por exemplo, num acordo entre uma Secretaria Estadual de Obras e uma Prefeitura para construção de uma rodovia, cabendo à primeira o repasse de recursos e à segunda a realização da obra, fica clara a reciprocidade de obrigações.
A eminente professora Odete Medauar em sua obra DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO traz uma posição firme sobre o assunto. Senão vejamos:
"A dificuldade de fixar diferenças entre contrato e convênio parece levar a concluir que são figuras da mesma natureza, pertencentes à mesma categoria, a contratual". (Odete Medauar, 1998, p. 250)
Neste contexto, percebe-se que não se justifica o fato de não se utilizar da licitação para escolha da entidade a firmar convênio com o Poder Público, exceto nos casos expressamente definidos por lei, ou seja, nas hipóteses de dispensa ou inexigibilidade.
É claro que, quando se tratar de convênios entre entes da federação não há que se falar em licitação, mas, tão-somente, quando o convênio for entre entidades estatais e entidades particulares.
A melhor explicação para o fato de ser necessária a licitação nos convênios é dada novamente pela doutrinadora Odete Medauar:
"(...) se a administração resolver realizar convênio para resultado e finalidade que poderão ser alcançados por muitos, deverá ser realizada licitação ou se abrir a possibilidade de conveniar sem limitação, atendidas as condições fixadas genericamente; se assim não for, haverá ensejo para burla, acobertada pela acepção muito ampla que se queira dar aos convênios. Alguns casos ocorrem na prática, nos quais, a título de convênio, obras são contratadas sem licitação e pessoas são investidas em funções e empregos públicos sem concurso ou seleção". (Odete Menauar, 1998, p. 251).
E nem poderia ser diferente, pois, diferentemente dos particulares que possuem a liberdade de contratar com quem e nas condições que desejarem, o Poder Público deve se submeter a um rigoroso processo de escolha das melhores condições para contratar, visando precipuamente ao interesse público (cf. Bandeira de Mello, 2000, p. 454), buscando, sempre, dois objetivos distintos, quais sejam, proporcionar às entidades públicas a possibilidade da realização do negócio mais vantajoso para a coletividade, e assegurar aos administrados a oportunidade de participar nos negócios das referidas entidades (cf. Bandeira de Mello, 2000, p. 456). Urge salientar que dentre esses negócios se incluem os convênios, sendo, portanto, indiscutível a exigência da realização de licitação na escolha da entidade a ser conveniada.