Todos aqueles que são proprietários de imóveis, ou até mesmo aqueles que detêm somente o domínio útil ou a simples posse, como no caso da locação, sabem que devem arcar, em cada exercício financeiro, com o pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano(IPTU).
Acontece que há mais de cinco anos, esses mesmos contribuintes vêm arcando também, além do pagamento do IPTU, com a exigência da Taxa de Limpeza Urbana, mais vulgarmente conhecida como taxa de lixo.
A grande questão que, no entanto, apresenta-se é a seguinte: estaria a exigência da referida taxa de lixo, em conformidade com a atual Constituição Federal e o Código Tributário Nacional?
Para responder a esta pergunta, mister tecermos aqui algumas considerações.
Primeiramente, é bom que se faça a análise do conceito legal da espécie de tributo taxa.
A CF/88, no seu art. 145,II, é bem clara quando assevera que taxa é o tributo exigido em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.
Em desrespeito ao conceito acima mencionado, muitos municípios atualmente vêm exigindo o pagamento dessa taxa, objetivando com isso, o aumento da arrecadação fiscal, gerando assim, receita para o custeio de variados gastos.
Deve-se Ter em mente porém, que, como está expresso no conceito trazido pela Carta Magna, a taxa deverá recair tão somente sobre serviços públicos específicos e divisíveis, isto porque a taxa é o tributo que tem sua razão de ser na contraprestação realizada pelo contribuinte em razão de serviço prestado pelo Ente Público ou colocado à disposição daquele. É o que acontece, por exemplo quando se paga pelo fornecimento de certidões, pela prestação de atividade jurisdicional (custas processuais), ou quando se deseja obter licença para localização de estabelecimento comercial ou industrial em uma cidade.
E é justamente aí, que a taxa se difere do imposto, que é o tributo exigido pela Administração Pública, não tendo em vista uma contraprestação do contribuinte por serviço prestado, mas sim em razão da necessidade primordial do Estado, de se conseguirem valores para custear os variados gastos de interesse coletivo; daí se afirmar com absoluta certeza, tratar-se o imposto de um tributo não vinculado, enquanto a taxa e a contribuição de melhoria são considerados tributos vinculados a uma atividade estatal específica.
O argumento trazido à baila pelas Fazendas Municipais, na tentativa mascarada de explicar a existência da mencionada taxa de lixo, - argumento este no sentido de que o recolhimento do lixo, ao ensejar maior garantia e proteção à saúde pública, deveria gerar a contraprestação financeira do contribuinte, ao ter seu lixo retirado da sua residência -, não merece acolhida pelos nossos juízes e/ou tribunais.
Isto porque, como afirmado, constitui requisito essencial para a exigência de toda e qualquer taxa, a certeza de que esta se refira a serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição, ou o exercício do poder de polícia, o que sem dúvida alguma, não é o caso da taxa de lixo, pois é humanamente impossível dividir quantitativamente o monte de lixo que cada residência ou pessoa produz.
Não é a mesma coisa quando se fala em taxa de água, esgoto ou até mesmo a taxa que se paga para participar de concurso público por exemplo, simplesmente porque, nesses casos, é perfeitamente possível se saber quanto cada residência ou cada usuário gasta ou quanto e como se utiliza desses serviços, disponibilizados pelo Poder Público, devendo arcar o beneficiário exatamente com a quantia do serviço que auferiu. Isto sim é ser divisível.
O serviço de limpeza pública trata-se portanto, de serviço geral e indivisível, de utilização indistinta por toda a comunidade, que circula diariamente por ruas, praças e avenidas de uma cidade, devendo ser assim, custeado inteiramente pela receita advinda dos impostos municipais exigidos por lei, e não cobrado dos proprietários de imóveis, o que constitui flagrante bitributação, instituto completamente vedado em nosso ordenamento jurídico.
Como se poder afirmar que a taxa de lixo é divisível, se não há sequer um padrão lógico e razoável para medir a quantidade de lixo que cada imóvel ou residência produz em um mês dia ou ano? Em que se baseia o Município então, para cobrar maior valor de uma taxa de lixo de um imóvel em relação a outro?
A resposta é simples. O Ente Municipal não se baseia em norma jurídica alguma, simplesmente porque não há qualquer fundamento legal ou constitucional para a exigência da aludida taxa de lixo.
Ademais, a malsinada taxa de lixo é calculada tendo como base a área do imóvel, que é justamente a mesma base de cálculo do IPTU; além disso, ela possui como fato gerador a propriedade imobiliária, que também constitui a mesma hipótese de incidência do imposto municipal referido.
Assim, tem-se que a taxa de limpeza pública ou taxa de lixo é inconstitucional, pois viola frontalmente o art. 145, parágrafo 2o da Carta Constitucional de 1988, que versa sobre a impossibilidade da existência de taxas com base de cálculo de impostos. Outrossim, a aludida taxa municipal também fere, de forma inequívoca, a legislação infraconstitucional do Código Tributário Nacional, mais especificamente o parágrafo único do art. 77, que afirma não poder possuir a taxa, base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a impostos, nem ser calculada em função do capital das empresas.
Como se não bastasse tudo isso, deve-se Ter em mente que a taxa de lixo é cobrada do contribuinte de forma irregular, no mesmo carnê de lançamento do IPTU, em cobrança antecipada, que se refere ao exercício financeiro que ainda virá a ocorrer, logo, é extremamente irrazoável a exigência da mencionada taxa, uma vez que é totalmente impossível saber-se ao certo se determinado imóvel vai ou não produzir lixo naquele exercício, e se produzir, qual será exatamente a quantidade advinda.
Emerge assim, do que aqui se afirmou, a conclusão de que a exigência da Taxa de Limpeza Pública é inconstitucional e ilegal, devendo ser repelida completamente pelos nossos Órgãos Julgadores, devendo ser ainda, devolvida a quantia despendida, nestes últimos anos, pois configura-se valor que faz jus aos contribuintes que com ela arcaram.