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Da previsão de julgamento antecipado parcial do mérito constante do novo CPC: uma correção necessária ao CPC de 1973

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O obscuro §6º, do art. 273 do CPC de 1973, erroneamente inserido como hipótese de antecipação dos efeitos da tutela, ganha nova roupagem no novo CPC, permitindo que o instituto alcance todo o seu potencial.

INTRODUÇÃO

Sancionado pela Presidente da República no último dia 16 de março de 2015, a Lei nº 13.105/2015, mais conhecida como Novo Código de Processo Civil, se propõe a inaugurar uma nova quadra na estrutura jurídico-normativa do sistema processual civil brasileiro, através de regras que constituem um sistema procedimental mais harmônico, mais democrático e que visa, sobretudo, emprestar maior celeridade à tramitação dos processos nos órgãos jurisdicionais de todo o país.

Dentre as diversas inovações trazidas pelo novo compêndio processual civil pátrio, inseridas no texto final após longa tramitação e discussão do então Projeto de Lei nº 8046/2010 nas duas casas legislativas federais do país, uma delas especialmente chama atenção, não por ser exatamente uma inovação do novo texto, embora a nomenclatura dada ao instituto possa induzir a esta conclusão, mas por trazer importante correção ao ainda vigente CPC de 73, que já abriga em seu texto, desde 2002, previsão bastante semelhante ao “novel” instituto, embora sem o devido enfoque técnico.

Estamos a falar da previsão do “Julgamento Antecipado Parcial do Mérito”, prevista no art. 356 do texto sancionado do Novo CPC.

E para melhor compreender o instituto, nada melhor do que fazer um estudo comparativo desta “inovação legislativa”, traçando um paralelo com o que já disciplina, a este respeito, o até agora vigente CPC de 1973.

Antes, porém, cabe o alerta de que este texto não tem a pretensão de tratar o tema objeto de análise de forma exauriente. O objetivo é tão somente municiar os operadores do direito de informações úteis para a melhor compreensão do instituto jurídico abordado, sobretudo nessa fase de transição e de estudos até a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil Brasileiro.


DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA NO CPC DE 1973

Carro chefe do primeiro movimento reformista (apelidado doutrinariamente como “onda reformista”) que promoveu alterações substanciais no sistema processual civil brasileiro, a Lei nº 8.952/1994, inseriu no texto do CPC de 1973, o instituto da antecipação dos efeitos da tutela, com o objetivo, à época, de dar efetividade à prestação jurisdicional do país.

Em brevíssimas palavras, através da antecipação dos efeitos da tutela, previsto no art. 273 do CPC de 1973, inaugurou-se a possibilidade do juiz, antes da prolação da sentença definitiva, proferir decisão, na qual, com base numa cognição sumária (em que se aprecia somente a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações), antecipa provisoriamente o gozo do direito pretendido.

Passados oito anos de vigência do instituto da antecipação dos efeitos da tutela no sistema jurídico-processual brasileiro, a Lei 10.444/2002, fez incluir no já citado art. 273 do CPC de 1973, mais dois parágrafos, sendo que neste momento nos importa somente tratar de um deles, qual seja, o parágrafo 6º.

A redação do §6º do art. 273 do CPC de 1973 é a seguinte: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles mostrar-se incontroverso.”

Muito bem, embora a redação e a topografia do verbete acima transcrito possam sugerir uma nova hipótese de antecipação dos efeitos da tutela, absolutamente não o é.

É que, diferentemente da antecipação dos efeitos da tutela regulamentada no caput e demais parágrafos do art. 273 do CPC de 1973 (especialmente do §1º ao §5º), a decisão proferida com base no §6º do mesmo verbete legal, possui o condão de resolver, antecipadamente é verdade, parcela do mérito da causa, exigindo do magistrado, portanto, o exercício da cognição exauriente.

Reforça este entendimento o fato de que, ao contrário da antecipação dos efeitos da tutela, os requisitos para a prolação da decisão com base no §6 do art. 273 do CPC de 1973 não são a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações, mas sim, a incontrovérsia de um pedido formulado ou parcela dele (verificada, por exemplo, a partir da confissão ficta decorrente da revelia da parte contrária) e a desnecessidade de dilação probatória. Presente estes requisitos, autorizado está o juiz a fracionar o julgamento da demanda, mediante a prolação de decisão antecipada definitiva de mérito.  

Desse modo, a hipótese prevista no §6º do art. 273 do CPC de 1973 representa um claro avanço em relação à clássica antecipação dos efeitos da tutela, uma vez que, diferentemente desta, requer do magistrado um juízo de certeza, na medida em que a decisão proferida será definitiva, apta, inclusive, a ficar imune com a coisa julgada material.

É, pois, a partir desta flagrante distinção da atividade cognitiva do juiz, que se conclui, com tranqüilidade, que o §6º do art. 273 do CPC não trata de hipótese de antecipação dos efeitos da tutela, mas sim, de julgamento conforme o estado do processo, sendo melhor classificado, pois, como hipótese de julgamento antecipado (parcial) da lide.


DO JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DE MÉRITO PREVISTO NO NOVO CPC             

O fato é que, em razão da atecnia legislativa que posicionou equivocadamente o instituto no CPC de 73, a previsão do julgamento antecipado parcial da lide já previsto no código ainda vigente, não ganhou a relevância e a aplicabilidade prática que dela se esperava.

Assim, coube ao Novo CPC de 2015 dar uma nova roupagem ao instituto, que em sua essência não sofreu maiores alterações, embora, no novo texto, possua regulamentação detalhada, além de se encontrar, topograficamente, posicionando adequadamente no capítulo destinado às hipóteses de julgamento conforme o estado do processo.

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Vejamos, então, a redação do caput e incisos do art. 356 do Novo CPC de 2015, agora expressamente denominado de “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito”: “O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

Importante frisar que os 05 (cinco) parágrafos que compõem o art. 356 do Novo CPC de 2015 constituem a estrutura regulamentar do “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito”, dispondo sobre a sua aplicabilidade, seus efeitos e as conseqüências que dele advirão no curso do processo.

Vale chamar a atenção para o quanto disposto no §3º do referido verbete, que estabelece, de maneira muito clara, a possibilidade do trânsito em julgado da decisão judicial proferida em sede de “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito”, bem como, por corolário lógico, o caráter definitivo da sua execução.

Ora, tanto a aptidão para a imunidade através da coisa julgada material quanto o caráter definitivo da execução, são atributos inerentes apenas às decisões definitivas de mérito, que é justamente o caso da hipótese prevista no art. 356 do Novo CPC (bem como do §6º, do art. 273 do CPC de 1973).

Por outro lado, é também digno de nota o §5º do art. 356 do CPC de 2015, que prevê a impugnação da decisão proferida em sede de “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito” por agravo de instrumento.

Aqui cabe uma rápida explicação. Na verdade, embora definitiva e produto do exercício de cognição exauriente do magistrado (juízo de certeza e não de probabilidade), o “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito” não põe fim ao processo, uma vez que a demanda seguirá quanto aos pedidos que não se enquadrem nesta hipótese de solução judicial.

Assim, valendo-se da regra geral da natureza jurídica dos provimentos judiciais, são interlocutórias as decisões que não põem fim ao processo, sendo, pois, impugnáveis por agravo na forma instrumental (e não retido), já que, vale repetir, a decisão proferida em sede de “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito” é definitiva, prescindindo, pois, de confirmação posterior.


CONCLUSÃO

A construção de um sistema processual civil harmônico e bem estruturado é fundamental para que se alcance o ideal de uma prestação jurisdicional célere.

Neste sentido, para além das inúmeras inovações ao sistema processual civil brasileiro, que muito em breve serão alvo dos comentários da literatura jurídica especializada, a Lei nº 13.105/2015, conhecida como Novo CPC, se dedica a reformular e dar a merecida relevância a uma série de institutos jurídico-processuais que, embora já previstos no CPC de 1973, por alguma razão, não impactaram de maneira relevante o sistema então vigente.

É o caso exatamente do “Julgamento Antecipado Parcial de Mérito”, agora tratado com o devido destaque no Novo CPC, mas que já contava com previsão bastante similar no CPC de 1973, embora sem o mesmo apuro técnico, provavelmente em razão de ter sido inserido numa das ondas reformistas que pretenderam, à sua época, promover ajustes pontuais no CPC de 1973, mas que, ao fim e ao cabo, terminaram por desestruturar o sistema processual civil pátrio, motivando a edição de um novo código.


REFERÊNCIAS

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol.2, 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Silva Santos de Braga

Advogado, Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito, Membro do Conselho Consultivo dos Jovens Advogados da OAB/BA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Pedro Henrique Silva Santos. Da previsão de julgamento antecipado parcial do mérito constante do novo CPC: uma correção necessária ao CPC de 1973. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4306, 16 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37957. Acesso em: 26 abr. 2024.

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