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A reforma da legislação trabalhista brasileira.

A questão das comissões de empresa

01/03/2003 às 00:00
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1.Introdução

O Direito Sindical vem sofrendo alterações cada vez mais significativas em razão da evolutiva transformação dos processos de produção decorrente do fenômeno da globalização.

A globalização, com o crescimento e internacionalização da massa de capitais com a conseqüente realocação dos fatores produtivos em um plano mundial, tem interferido de forma objetiva na relação dos trabalhadores para com a empresa.

A forma tradicional de interação entre ambas que passa obrigatoriamente pela interlocução das entidades sindicais vem sendo revista sobretudo pela tendência de admissão da comunicação direta entre tais pólos.

O estabelecimento de um canal direto entre a massa de trabalhadores de uma determinada empresa e os seus gestores, apresenta-se como um compromisso com ma visão democrática da representação e mesmo pelo efeito da própria perda de representatividade dos sindicatos.

Esse efeito é produzido por diversos fatores, alguns decorrentes de interações econômicas como o aumento do desemprego, que gera a redução do trabalho formal com a inerente conseqüência de reduzir o espectro de trabalhadores sindicalizáveis; fatores decorrentes da modificação na gestão empresarial, como, por exemplo, a terceirização de atividades e mesmo outros processos de transferência de tarefas produtivas e, também, pelas inovações tecnológicas.

Todos esses fatores, suficientes para produzir a redução da importância dos sindicatos, fez, de certo modo, ressurgir o interesse pelos meios diretos de atuação negocial pondo frente à frente os trabalhadores e os gestores empresariais.

O projeto de Lei n. 5483/2001 que propõe a modificação do art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT para possibilitar um campo maior de negociação coletiva, inclusive, derrogando texto expresso de lei, criou o ambiente propício para discussão acerca da maioridade do trabalhado brasileiro.

É preciso refletir acerca da capacidade dos trabalhadores de se autorepresentarem, isto é, de conduzirem diretamente as negociações coletivas sem a necessidade de tutela do Estado ou mesmo da obrigatória intervenção sindical.

Dentre os meios diretos, a interlocução através das comissões de empresa destaca-se de forma especial, em razão da possibilidade de observar o critério da localidade, facultando soluções extremamente individualizadas para cada ambiente de relações entre trabalhadores e empresas.

No presente estudo, vamos procurar analisar as comissões de empresa, sua natureza jurídica, sua composição, a sua posição no direito estrangeiro, suas relações com os sindicatos entre outros aspectos tendo sempre por referencial a ótica do direito sindical.

Em especial vamos observar os modos de funcionamento e procurar contextualizar a ação das comissões de empresa na experiência brasileira.


2.As comissões de empresa e o espaço de atuação sindical.

A revitalização do interesse pelas comissões de empresa decorre em grande parte pela incapacidade dos representantes sindicais de refletir os verdadeiros interesses dos trabalhadores de cada empresa.

O espaço de atuação dos sindicatos tem crescido em direção a uma atuação cada vez mais política e voltada para grandes questões de natureza econômica e cada vez menos para a representação localizada e especifica dos interesses de cada comunidade de trabalhadores junto às suas empresas.

Na medida em que se torna indispensável a atuação isolada, isto é, a representação particular dos trabalhadores em cada empresa, a tendência de ação dos sindicatos em direção à generalidade tem levado ao reconhecimento de um vácuo de representação.

É nesse vácuo deixado pela representação sindical que as comissões de empresa tem se mostrado cada vez mais atuantes e eficazes buscando posições negociais favoráveis no âmbito de cada empresa.

As comissões permitem um dialogo facilitado pela proximidade entre os empregados e seus representantes e sobretudo pela experimentação recíproca de experiências que geram as demandas direcionadas às empresas.

É nesse sentido que afirma JOSÉ CLÁUDIO BRITO FILHO que as comissões são produtoras de verdadeira "identidade operária" [1] fator que não tem sido capaz de ser conformado pela atuação sindical.

De outro lado, a década de 90 foi marcada pela crise do emprego formal que nessa medida transferiu-se para o campo sindical gerando a diminuição das bases.

O aumento massivo do desemprego, em decorrência do incremento da automatização, liberação das importações e mesmo da retração do crescimento econômico promoveu uma ampla evasão dos quadros dos sindicatos.

É extremamente significativa a involução do PIB brasileiro do ponto de vista da demonstração da retração econômica, com o evidente efeito de desemprego. [2]

De outro lado, o campo de atuação dos sindicatos ficou extremamente reduzido à medida em que os ajustes na economia limitaram bastante a capacidade de oferta de benefícios pelas empresas.

Nesse sentido, numa síntese apertada os ajuste econômicos das últimas duas décadas geraram uma diminuição substancial da empregabilidade gerando o comprometimento das bases sindicais.

A medida em que os processos econômicos produziram tais efeitos a atuação sindical voltou-se para o debate desses aspectos deixando de lado a atuação pulverizada no campo de cada empresa.

É esse cenário de ausência que possibilita o ressurgimento das comissões de empresa como entes representativos dos trabalhadores.


3.Representação e Participação.

As comissões não pretendem atuar de forma a participar da gestão das empresas [3], isto é, da atividade de planejamento e execução dos objetivos estratégicos de cunho empresarial.

A finalidade da constituição das comissões de empresa é, por definição, representar diretamente os trabalhadores da empresa visando o estabelecimento de um canal especifico de negociação.

Evidentemente, trata-se de um modo de defesa dos interesses da categoria dos trabalhadores de forma localizada e tendo por referência o específico contexto de cada empresa.

Nesse sentido, as comissões de empresa têm por finalidade a preservação dos interesses coletivos dos trabalhadores e não o compartilhamento da atividade gerencial.

O nosso Texto Constitucional assegura um modo especifico de representação onde, em empresas de determinado porte, deverá ser eleito um trabalhador para agir como representante não sindical.

Embora se trate de um representante isolado, não resta dúvida que a modalidade de representação – não sindical – é o mesmo atuado pelas comissões de empresa.

A similaridade entre o representante da empresa previsto na Constituição e as comissões de empresa, foi notada por a LUIZ FERNANDO BASTO ARAGÃO: " A representação dos trabalhadores na empresa como prevista no nosso texto constitucional e adotada em diversos países europeus, ainda que não guardando identidade terminológica: "Clube de Fábrica ( Suécia), "Comitê de empresa"( Alemanha), "delegação sindical"( Bélgica), Seção sindical ( França), etc., são algumas das denominações dadas à representação dos trabalhadores em semelhança com a nossa representação não sindical." [4]

Há, assim, modelos de representação onde não ocorre a intervenção de um sindicato, pelo contrário, os próprios trabalhadores elegem seus representantes que de forma direta atuarão junto à administração da empresa.

Não discrepa a doutrina em reconhecer que existem diversos modos de atuação direta dos trabalhadores, e entre estas as comissões de empresa: " Dentre as hipóteses não sindicais de representação dos trabalhadores no âmbito da empresa, podemos citar como os mais comuns: os delegados de pessoal; as comissões de empresa (…)" [5]

O grande fator de caracterização desse modelos é exatamente o reconhecido da prescindibilidade da intervenção sindical como anota WALKÜRE RIBEIRO DA SILVA: "A representação não sindical implica o afastamento dos sindicatos do organismo intraempresarial". [6]

Deste modo, sintetizando, podemos afirmar que as comissões são órgãos colegiados de representação direta dos trabalhadores junto a empresa, sem a natureza sindical.


4.Natureza Jurídica.

O principal aspecto das comissões de empresa quanto a sua natureza jurídica diz respeito a sua personalidade.

Como a comissão não se confunde com os seus membros eleitos, não pode ser considerada como pessoa física.

De outro lado, as pessoas jurídicas como ficções estabelecidas pelo ordenamento jurídico tem sua personalidade dependente de previsão legal, o que efetivamente não ocorre no caso das comissões de empresa.

É que elas não estão incluídas no rol das entidades associativas que podem adquirir personalidade jurídica.

Portanto, no campo da investigação da natureza das comissões de empresa, não ha outra alternativa senão reconhecer que se tratam de associações criadas pela necessidade e vontade dos trabalhadores sem contudo possuir personalidade jurídica especifica.

As comissões de empresa são, assim, em nosso Direito [7], entes despersonalizados.


5.Regulação, Estrutura e Prerrogativas dos membros.

Como observamos as comissões de empresa não possuem personalidade jurídica, mas é preciso verificar se há previsão legal para sua criação e funcionamento.

Nosso ordenamento jurídico não trata das comissões de empresa, não dispondo sobre elas, contudo, em diversos outros países elas são legitimadas por disposições em Leis ou mesmo nas Constituições. [8]

De todo o modo o simples fato de não terem previsão legal expressa não extirpa delas a função representativa. Para tal, basta que o empregador as reconheça como legítimas e capazes de externar a vontade e os interesses dos trabalhadores.

Noutro viés, não há qualquer impedimento de negociações coletivas redundem no reconhecimento pelos sindicatos e pelas empresas das comissões.

Nesse sentido, a despeito da ausência de previsão legal as comissões podem alcançar a legitimidade negocial através de diversos meios, desde o reconhecimento pelo empregador e até mesmo por disposições de instrumentos coletivos de trabalho.

Como se tratam de entidades desregulamentadas, não existem normas para a composição e estrutura das comissões de empresa, prevalecendo, assim, uma relativa liberdade quanto a esse aspecto.

WALKÜRE RIBEIRO DA SILVA [9] destaca que existem fundamentalmente três modelos de composição das comissões de empresa.

O modelo não-sindical se caracteriza por somente serem admitidos como membros trabalhadores da empresa, sem qualquer filiação às entidades sindicais.

No modelo paritário são admitidos em igual proporção tanto representantes dos trabalhadores, sem qualquer relação com os sindicatos, como dos empregadores.

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O modelo misto se caracteriza pela presença de membros sindicalizados e por trabalhadores não filiados a qualquer entidade da tal natureza.

Qualquer que seja a composição das comissões, no direito brasileiro, seus membros não gozam de nenhum tipo de prerrogativas discrepantes dos demais trabalhadores.

É que prerrogativas são atributos especiais conferidos aos seus titulares que os diferenciam do regime geral aplicável aos trabalhadores da empresa. Como se tratam de excepcionalidades, em regra, dependem de previsão legal específica, o que não ocorre em nosso sistema jurídico.

De todo o modo não há impedimento de que determinadas garantias sejam asseguradas aos membros das comissões de empresa por meio de negociação coletiva.

Essas garantias devem dizer respeito apenas à proteção dos representantes contra eventuais arbitrariedades decorrentes de retaliação a sua condição.

Vale dizer que a Convenção n. 135 da OIT expressamente recomenda aos países membros a adoção de meios visando a proteção, genericamente, a todos os representantes de trabalhadores. [10]


6.Relações entre as Comissões de Empresa e Sindicatos.

As comissões de empresa embora sejam titulares da representação direta dos trabalhadores na empresa podem manter relações com as entidades sindicais.

Essas relações são basicamente de três categorias: contraposição, subordinação e coordenação.

Na primeira categoria de relações as comissões de empresa se opõem às entidades sindicais, adotando linhas de atuação que são marcadas pelo conflito.

Na segunda categoria de relações as comissões de empresa são subordinadas aos sindicatos, ou seja, as linhas de ação ficam sujeitas ao poder decisório das entidades sindicais. Esse tipo de relação acontece quando o próprio sindicato cria condições para que sejam eleitos membros alinhados à sua política de atuação.

Por fim, a terceira categoria é especialmente relevante porque nela ocorre a situação relacional ótima. A coordenação das ações entre as comissões de empresa e os sindicatos levam a condições de favorecimento da defesa dos interesses dos trabalhadores que passam a ser considerados tanto do ponto de vista geral como localizado.


7.Conclusões

As comissões de empresa visam de forma objetiva permitir uma atuação representativa dos interesses dos trabalhadores de modo localizado e mais voltado para as demandas no âmbito de cada unidade econômica.

Na medida em que se reconhece a importância da representação nesses ambientes não parece haver dúvida que é necessária a regulação para legitimar as comissões de empresa no nível jurídico.

Essa regulação deve basicamente voltar-se a dois aspectos fundamentais: (i) o reconhecimento das comissões como entidades capazes de encabeçar negociações no âmbito de cada empresa, (ii) e, nesse sentido proporcionar aos membros um sistema de garantias compatíveis com a representação dos trabalhadores.

A regulação das comissões nesses níveis é suficiente para garantir sua atuação adequada e tanto quanto isso a otimização das relações de trabalho à proporção que se torna possível a consideração de cada realidade empresarial.

Evidentemente as comissões de empresa devem permanecer, sob o ponto de vista de suas funções, autônomas em relação ao sistema sindical, quando muito recomendando-se sua atuação coordenada como os sindicatos.

Numa regulação ao nível que entendemos adequada, pensamos como JOSE CLAUDIO MONTEIRO DE BRITO FILHO [11] no sentido de que deve ser adotado um sistema de plena liberdade dos trabalhadores quanto a estrutura e modo de funcionamento das comissões.

Nesse sentido, um modelo de comissão de empresa desse gênero permitiria a representação eficaz dos trabalhadores no espaço deixado pelos sindicatos.

De todo o modo é de se lembrar que as comissões teriam ainda como vantagem a adoção de premissas negociais adequadas a cada empresa possibilitando, assim, a especialização das negociações coletivas.


NOTAS

01. Obra citada. P. 376.

02. MATTOSO, Jorge. O Brasil desempregado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.

03. Dias, Jean Carlos. A gestão das sociedades anônimas. Curitiba: Juruá. 2001.

04. Aragão, Basto Luiz Fernando. Noções Essenciais de Direito Coletivo do Trabalho. P. 29. São Paulo: LTR. 2000.

05. Brito Filho, José Cláudio. Direito Sindical. P. 369. São Paulo: LTR. 2000.

06. Silva, Walküere Lopes Ribeiro da. Representação e Participação dos Trabalhadores na Gestão da Empresa. São Paulo: LTR. 1998.

07. No direito alemão há o reconhecimento e incentivo legal aos conselhos de empresa. No direito espanhol há o reconhecimento dos comitês de empresa que por disposição legal tem a finalidade de promover a participação na empresa. Em Portugal o reconhecimento das comissões de empresa é no âmbito constitucional, havendo expressa disposição a respeito. Na França também há o reconhecimento das comissões da empresa no âmbito legal. Como se observa, há uma tendência na Europa de reconhecimento das comissões de empresa como entidades legítimas para atuar na representação dos trabalhadores.

08. Brito Filho, Obra citada. P. 392.

09. Obra citada. P. 33.

10. Brito Filho, José Cláudio. Direito Sindical. P. 409. São Paulo: LTR. 2000.

11. Obra citada. P. 422.

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Sobre o autor
Jean Carlos Dias

advogado, professor de Direito, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá (RJ), mestre em Instituições Jurídico-Políticas e doutorando em Direitos Fundamentais e Relações Sociais pela Universidade Federal do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Jean Carlos. A reforma da legislação trabalhista brasileira.: A questão das comissões de empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3811. Acesso em: 23 abr. 2024.

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