Princípio da vedação ao retrocesso: uma ameaça ao poder constituinte e a soberania brasileira?

28/04/2015 às 02:22
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Trata-se de artigo que busca abordar a relação dialética estabelecida entre o princípio da vedação ao retrocesso e a soberania dos Estados, especialmente o Brasil na produção de sua ordem normativa interna. A Constituição seria o texto da Constituinte?

Sumário: Introdução; 1.  Direitos para além do Direito: Poder Constituinte; 2. O poder Constituinte em face das gerações de direitos; 3. Direito Internacional e Estado Democrático de Direito: as novas perspectivas; 4. Direito Internacional e Direito Interno; 5. Direito Internacional no Brasil; 6. A questão da soberania; 7. Os Princípios do Direito Internacional; 8. Princípios enquanto conquistas sociais; 9. O princípio da vedação ao retrocesso; 9.1 Vedações ao retrocesso: aspectos históricos e conceituais; 9.2 A necessidade de garantir o progresso social; 9.3 A garantia dos direitos do Indivíduo face à soberania do Estado; 10. A responsabilidade Internacional frente à supressão de Direitos pelo Estado; 11. Da Constituição política do Império do Brasil de 25 de março de 1824 à Constituição Democrática de 1988; 12. Conclusão; 13. Referências

RESUMO

O presente artigo visa traçar um panorama geral sobre os princípios gerais de Direito Internacional e sua influência no Direito Interno, em especial quanto aos Direitos Fundamentais e possivel mitigação da soberania Estatal em razão da Ordem Internacional, notadamente o princípio da vedação ao retrocesso, considerando o Neoconstitucionalismo e o Estado Social e Democrático de Direito. Destaca-se o princípio da vedação ao retrocesso e a possibilidade de exigi-lo mesmo em face de um poder constituinte Originário, analisando as Constituições Federais Brasileiras, com maior evidência para a discrepância entre as Constituições do período da Ditadura e a Constituição Cidadã de 1988.

Palavras-chaves: DIREITO INTERNACIONAL. PRINCÍPIOS. PODER CONSTITUINTE. VEDAÇÃO AO RETROCESSO. CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO.

INTRODUÇÃO

Os Direitos Fundamentais, vistos como conquistas sociais, resultado de incansáveis deliberações e batalhas políticas e ideológicas no passar dos anos, possuem características que podem ser consideradas enraizadas. Dentre estas, cumpre o destaque à Historicidade, segundo a qual os direitos fundamentais não nasceram de uma única vez, sendo fruto de uma evolução e desenvolvimento histórico e cultural, nascendo com o Cristianismo, passando pelas diversas revoluções e chegando aos dias atuais. 

Como afirmava o professor Norberto Bobbio (1992, p. 5-19):

“os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (...) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras cultuas”.

Em primeiro momento, cumpre apresentar a fundamentação para a importância desta característica no âmbito nacional e internacional, para só então partir para uma análise dos princípios de Direito Internacional, conquistados para garantirem uma ordem “supraconstitucional”, que fosse observada a obediência a essas conquistas sociais, inclusive vinculando o poder Constituinte Originário dos Estados submetidos à ordem Internacional.

O Poder Constituinte Originário é o poder de elaborar uma nova constituição. Estabelece uma nova ordem jurídica fundamental para o Estado em substituição à anteriormente existente.

Entram aí, os princípios do Progresso e da Vedação ao Retrocesso, que visam a fazer com que os direitos fundamentais, resultados de conquistas sociais claramente ligadas às liberdades individuais entre outras, não se percam como resultado do abuso de força pelo Direito Interno de cada Estado.

Após analisados o poder Constituinte e os Princípios na ordem internacional, se intenta discutir como se daria essa intervenção do âmbito Internacional da Ordem Nacional vigente e até mesmo a “nascente”, por meio de breve análise das Constituições Brasileiras, demonstrando os Direitos conquistados e os possivelmente suprimidos pelas Constituições outorgadas nos períodos ditatoriais e arriscando a existência da possibilidade de exigir estes direito mesmo que excluídos do Novo Texto Constitucional.

1. Direitos para além do Direito: Poder Constituinte

A revolução francesa trouxe um novo paradigma para a formação do Estado, junto a centralidade política surgiu a nação, titular do poder constituinte. Naquele contexto, de insegurança e receio de retomada dos poderes anteriores, a Revolução Francesa buscou trazer junto aos seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, o sentido de segurança jurídica consubstanciado na positivação de normas.

Hoje tem-se uma clara distinção entre o conceito de poder constituinte e o poder legislativo, entendido em seu sentido típico – de editar leis. Tal distinção só foi possível após uma laboriosa maturação teórica de conceitos. Em linhas gerais, após essa maturação, é possível conceituar o poder constituinte como a soberania constituinte do povo, ou seja, o poder de o povo através de um ato constituinte criar uma lei superior juridicamente e ordenadora de uma ordem política, capaz de sustentar a força do direito para manutenção da vida social.

Nesse sentido, a autoridade máxima da Constituição vem de uma força política capaz de manter o vigor normativo do texto. Vigor normativo este que se fundamenta no “pacto social” trazido desde a Revolução Francesa, que prescreve normas que traduzem a ruptura com o passado e persecução de valores futuros, nesse sentido defende o constitucionalista português Canotilho:

“A nação não se reconduz à ideia de sociedade civil inglesa. Ela passa a deter um poder constituinte que se permite querer e criar uma nova ordem política e social, prescritivamente dirigida ao futuro mas, simultaneamente, de ruptura com o “ancien regime”. No pensamento e pratica da França revolucionária a imagem e representação do poder vigorosamente expressa pelo abade E. Sieyés é esta: o poder constituinte te um titular – la Nation – e caracteriza-se por ser um poder originário, autónomo e omnipotente. ”

E finaliza sintetizando a concepção criacionista da Revolução com uma passagem Emil Boutmy, na obra “Études de droit constitutionnel, France, Angleterrrre, États-Unis: “a constituição é um acto imperativo da nação, tirado do nada e organizando a hierarquia dos poderes”.

Ao revés do que ocorre com as normas infraconstitucionais, a Constituição não busca o seu fundamento de validade num diploma jurídica que lhe seja superior, mas sim da vontade das forças determinantes da sociedade que a precede.

Conforme citado por Canotilho, os estudos do abade Sieyès, autor do manuscrito “Que é o Terceiro Estado? ”, possibilitaram, nas vésperas da Revolução Francesa, a concepção de que a condução política do Estado não poderia ocorrer apenas à pertencentes a nobreza, que significava uma minoria, mas também a partir daqueles que de fato produziam as riquezas do Estado e possibilitavam a sua manutenção. Falava-se, é claro, da burguesia, que necessitava de um viés ideológico para fundamentar a inserção de sua força na formação do Estado e defender os seus interesses. Nesse contexto, Sieyès teorizava o poder constituinte originário.

A maturação dos estudos do abade, deslocou, com a doutrina moderna, titularidade do poder constituinte da nação para o povo. Argumenta-se que o poder constituinte originário – também denominado de inaugural- seria aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo por completo com a ordem jurídica precedente. Defende-se que ocorre a necessidade de ruptura da com a ordem jurídica anterior justamente quando essa mesma ordem já posta rompe com a realidade social, não mais correspondendo aos seus valores, interesses e ideologias.

Daí, é possível aferir algumas características peculiares do r. poder que possibilitam a criação de um novo Estado. Assim defende o constitucionalista Michel Temer:

ressalte-se a ideia de que surge novo Estado a cada nova Constituição, provenha ela de movimento revolucionário ou de assembleia popular. O Estado brasileiro de 1988 não é o de 1969, nem o de 1946, o de 1937, de 1934, de 1891, ou de 1824. Historicamente é o mesmo. Geograficamente pode ser o mesmo. Não o é, porém, juridicamente. A cada manifestação constituinte, editora de atos constitucionais, como Constituição, Atos institucionais e até Decretos (veja-se o Dec. n. 1, de 15.11.1889, que proclamou a República e Instituiu a Federação como forma de Estado), nasce o Estado. Não importa a rotulação conferida ao ato constituinte. Importa a sua natureza. Se dele decorre a certeza de rompimento com a ordem jurídica anterior, de edição normativa em desconformidade intencional com o texto em vigor, de modo a invalidar a normatividade vigente, tem-se o novo Estado.

A doutrina moderna costuma pontuar, dentre outras características, basicamente a autonomia do poder constituinte originário, sua incondicionalidade, soberania. Um poder de fato e político, original, ilimitado juridicamente.

Dessa maneira, o poder constituinte inaugural instauraria uma nova ordem jurídica, rompendo, por completo, com a ordem jurídica anterior. A estruturação do novo texto será determinada autonomamente, sem qualquer limitação ou condição, pois não necessita respeitar os limites postos pelo direito anterior. Não estaria, também, subordinado a qualquer forma de manifestação, sendo, portanto, soberano na tomada de decisões. Ora, é nítido o fundamento de liberdade, próprio da Revolução Francesa, presente em tais características, no sentido de que o homem, apesar de ter tomado uma decisão, pode revê-la e modifica-la. Basta superveniência de justificável ruptura abrupta da ordem jurídica vigente para invocar uma nova constituinte.

Superado esse paradigma de expressão da liberdade, é mister uma nova leitura das características e fundamentos do poder constituinte originário, não mais vinculado a corrente positivista e aos valores radicalizados pela Revolução Francesa. Dessa maneira defende J. H. Meirelles Teixeira que

essa ausência de vinculação, note-se bem, é apenas de caráter jurídico-positivo, significando apenas que o Poder Constituinte não está ligado , em seu exercício, por normas jurídicas anteriores. Não significa, porém, e nem poderia significar, que o Poder Constituinte seja um poder arbitrário, absoluto, que não conheça quaisquer limitações. Ao contrário, tanto quanto a soberania nacional, da qual é apenas expressão máxima e primeira, está o Poder Constituinte limitado pelos grandes princípios do Bem Comum, do Direito Natural, da Moral, da Razão.

Em verdade, o sentido ora apresentado para o poder constituinte, como onipotente encontra-se superado, nesse sentido, oportuno trazer a sustentação de Paulo Branco, que entende existir limitações politicas próprias ao exercício do poder constituinte originário:

se o poder constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a referência aos valores éticos, religiosos, culturais que informam essa mesma nação e que motivam as suas ações. Por isso, um grupo que arrogue a condição de representante do poder constituinte originário, se dispuser a redigir uma Constituição que hostilize esses valores dominantes, não haverá de obter o acolhimento de suas regras pela população, não terá êxito no seu empreendimento revolucionário e não será reconhecido como poder constituinte originário. Afinal, só é dado falar em atuação do poder constituinte originário se o grupo que diz representá-lo colher anuência do povo, ou seja, se vir ratificada a sua invocada representação popular. Do contrário, estará havendo apenas uma insurreição, a ser sancionada pelo delito penal. Quem tenta romper a ordem constitucional para instaurar outra e não obtém a adesão dos cidadãos não exerce poder constituinte originário, mas age como rebelde criminoso.

É desse quadro que entendemos nascer as manifestações populares contra o Estado, a exemplo da recente crise política no oriente médio e da Venezuela. Em relação ao Brasil, destacamos o golpe militar, que instaurou o regime ditatorial e que buscava legitimidade popular em demagogias políticas e ideologias falaciosas. Somente a força sustenta tais regimes, em que pese estarem fadados inexoravelmente ao fracasso.

Ora, a ruptura com a ordem anterior, significa a possibilidade de supressão e inserção de novas normas que refletem valores, ideais, conquistas, interesses vigentes de um novo contexto. Contudo tal linearidade não é verídica, supõe ser possível virar a página com rasuras, borrões e rascunhos numa página em branco. A objetividade de tal conceito é falaciosa. Uma vez que interpretação e compreensão de uma nova realidade está, necessariamente, atrelada as contingências sociais anteriores, dissolvidas no espaço e tempo. Sabe-se a importância, principalmente nos direitos fundamentais, da historicidade em suas conquistas, maturação e efetividade.

Como poderia ser possível condicionar a um ato – a edição de uma lei “inaugural” – a fundamentação e substância de todos os outros direitos, como sendo razão daquela? Em verdade, ocorre aqui uma completa inversão logica de fundamentos, não é constituição que estabelece direitos e garantias, fundamentando toda ordem jurídica, mas sim a própria ordem jurídica já existente e os direitos e garantias que constroem o “Magno Texto”, concedendo a ele o seu fundamento. O pacto social, em verdade, não ocorre a partir de cada indivíduo que concede parte de sua liberdade para a formação do Estado, mas sim a partir de cada direito que já existe aprioristicamente e que concede o seu fundamento ao Estado que ora se forma.

Não é por acaso que Canotilho observa que o poder constituinte “é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como vontade do povo”.

Entende-se, dessa maneira, que o poder constituinte originário brasileiro não pode ampliar as hipóteses de pena de morte (nem mesmo com uma nova Constituição), uma vez que o princípio da continuidade ou proibição do retrocesso, ou ainda, vedação ao retrocesso, não possibilita, uma vez que os direitos fundamentais já conquistas não podem retroceder.

Afasta-se, portanto, a ideia de onipotência do poder constituinte. Estabelecidas tais premissas, de direitos próprios da condição humana, independente da ordem jurídica interna, se pode conceber um aprofundamento das discussões sobre as limitações do poder constituinte.

2. O poder Constituinte em face das gerações de direitos

 Modernamente a doutrina constitucional costuma classificar os direitos fundamentais em dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que as dimensões se sucedem e não abandonam os direitos das dimensões anteriores.

Inicialmente classificava-os em direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração, sendo que a doutrina atual sustenta a “evolução” para a 4ª e 5ª dimensões de direito.

Na primeira e segunda dimensões, tem-se um Estado, com sua soberania afirmada, assegurando prestações negativas – de não fazer – e positivas – de fazer. Aqui, surge um Estado prestador de serviço, eficiente e essencial. Já a terceira, viriam os direitos transindividuais, difusos e coletivos, onde os bens jurídicos tutelados dizem respeito a coletividade.

Os direitos de 3ª geração são marcados pela alteração da sociedade por profundas mudanças na comunidade internacional, onde a globalização integra uma sociedade de massa, com crescente desenvolvimento tecnológico e cientifico.

Surgem direitos com fundamentos coletivos, onde o ser humano é inserido numa coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade. A maturação de tal geração, levou alguns doutrinadores a considerarem uma posterior geração de direitos, que aqui interessa especial ao nosso estudo, trata-se dos direitos de 4ª geração. Bonavides afirma que “ a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta dimensão, que aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social”, destacando-se os direitos a democracia, informação e pluralismo.

Nesse sentido, segundo Bonavides, tal geração de direitos inseri-os em uma ordem maior, uma vez que decorrem da globalização dos direitos fundamentais, que implica em sua universalização no campo institucional. Dessa maneira, é possível verificar um nicho de direitos fundamentais que alçou força suprapositiva, dispensando qualquer vinculação direito com o texto constitucional, já que estão presentes, parafraseando Canotilho, em “padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais, radicados na consciência jurídica geral da comunidade”.

3. Direito Internacional e Estado Democrático de Direito: as novas perspectivas

O Direito Internacional, pode ser entendido como um complexo de normas que regem as relações entre os Estados (respeitada sua soberania), e ainda o funcionamento de instituições ou organizações internacionais (e sua relação entre si, com os Estados e os indivíduos).  Seria o ramo do direito que, entre outros atributos, estabelece normas relativas aos direitos territoriais dos Estados, a proteção do meio ambiente, o comércio internacional e as relações comerciais, o abuso de força pelos Estados e os direitos humanos. Devido a essa pluralidade de significâncias, inclusive, os últimos anos, dentre todos os ramos jurídicos, o direito internacional é o que mais tem evoluído, influenciando todos os aspectos da vida humana.

O Estado Democrático de Direito, por sua vez, é aquele em que se garantem dentre outros, os direitos humanos e sociais, com participação e soberania popular. É um Estado,

“destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias",

conforme se define a República Federativa do Brasil, no Preâmbulo da Constituição Federal de 1988.

Ou seja, dentro de um Estado Democrático de Direito, existem "metas" a se atingir, dentre as quais se destaca a superação das desigualdades sociais e regionais e o alcance da justiça social. E o Direito Internacional, entre outros aspectos, traz essa perspectiva atual de "Humanização".[1]

Paulo Barbosa Cosella destaca que

 "os progressos alcançados no curso dos últimos cem anos – quando se celebra o centenário da Segunda Conferência de Paz, da Haia, com a participação do Brasil, em 1907 – podem ser o melhor estímulo para dar continuidade à tarefa de regular juridicamente a força bruta, a Realpolitik, os analistas internacionais que somente acreditam nos interesses do mercado e no poder de tomada de decisões (o malfadado decision making power) como único critério de determinação e regulação da realidade. É preciso acreditar no espaço e no papel do direito internacional, como condição de sobrevivência da humanidade." (COSELLA, 2012. p. 111)

4. Direito Internacional e Direito Interno

Conhecendo das diversas nuances e contradições quanto ao "relacionamento" do Direito Internacional com o Direito Interno, cumpre de início mencionar o que é, de regra, conhecimento geral:  assinado e ratificado pelos estados, o tratado de direito internacional terá seu conteúdo inserido nos respectivos direitos internos.

Se faz necessário entender se o direito internacional e o direito interno se consideram como "ordenamentos indepentes" ou "dois ramos de um mesmo ordenamento". Para solucionar tal questão, duas correntes são defendidas: a monista e a dualista.

Para os dualistas, o Direito Internacional e o Interno, são dois sistemas distintos, independentes e separados, que não se confundem, já que o primeiro regula relações em que os sujeitos são os Estados e no segundo, os sujeitos são os Indivíduos. Ainda nesta teoria, se defende que os Direitos Internacionais resultam de "acordo de vontade" dos Estados e os direitos internos, dão-se de forma unilateral por vontade de um Estado e o Direito Internacional só teria eficácia para com o indivíduo quando incorporado pelo direito interno.

 Já para os monistas, o direito é um só, quer se apresente nas relações de um estado, quer nas relações internacionais. Sendo, portanto, os teóricos desta linha de pensamento, controversos entre si:  para uns, em caso de dúvida, prevalece o direito internacional: é a tese do primado do direito internacional (A exemplo de Kelsen); já os outros defendem a tese do primado do direito interno.

Junto às teorias monista e dualista, existe uma outra abordagem, consagrada pelo pluralismo com subordinação parcial, que tenta conciliar alguns postulados de ambas as teorias. Essas teorias, que ficaram conhecidas como Teorias Conciliadoras, como bem ressalta Celso Mello: "(...) não teve aceitação na prática ou na doutrina e consagra uma distinção entre as normas internacionais que não tem qualquer razão de ser, nem é encontrada na prática internacional".[2]

5. Direito Internacional no Brasil

No sistema brasileiro, o Direito Internacional encontra momentos de monismo (moderado e radical), como se vê quando estabelece-se que o Tratado Internacional que verse sobre Direitos Humanos deverá ser incorporado no Direito Interno Brasileiro, como se Emenda Constitucional fosse (de maneira a ocupar posição hierarquicamente superior) ou quando ocorre a equiparação hierárquica do tratado à condição "supralegal", subordinando-o à Constituição, mas superior às leis ordinárias.

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 Porém, ao se estabelecer a necessidade imperiosa de incorporação, independentemente da posição que assumirá posteriormente a norma, adota o direito brasileiro certa forma de dualismo, na modalidade moderada. Somente depois de incorporadas ao ordenamento jurídico interno, podem as normas de origem internacional, criarem direitos e deveres ao indivíduo.

Quanto à essa constante controversa, tendo o próprio STF proferido decisões de cunho monista e outras vezes dualista, vale destacar oportuna e indispensável reorientação da jurisprudência brasileira, observada no voto do Min. Gilmar MENDES no RE 466.343-1 SP, em que assinala a importância das mudanças decorrentes da Constituição de 1988:

“a mudança constitucional ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções, já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido preconizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde o remoto julgamento do RE 80.004-SE”.

Depois de citar vários precedentes, cuja orientação a mesma se mantivera, conclui:

“É preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, essa jurisprudência não teria se tornado completamente defasada”, pois “tudo indica, portanto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvidas, tem de ser revisitada criticamente”[3]

Com isto, entramos numa questão um pouco mais complicada, que trata da SOBERANIA do Estado diante das normas de Direito Internacional, tendo em vista inclusive que diversos tratados excluem a possibilidade de o Estado se escusar de cumprir norma internacional [4].

É claro na jurisprudência, que o Brasil ainda é muito conservador em matéria das relações entre direito interno e direito internacional, apesar da Constituição de 88 e os tratados dos quais é signatário sedimentarem um outro âmbito de discussões, de modo a priorizar os direitos fundamentais, humanos, liberdades individuais e, como se verá adiante, os princípios que norteiam essas garantias, inclusive determinando a supremacia do Direito Internacional nestas questões.

6. A questão da soberania

Ponto incontroverso é que em relação ao direito internacional não existe autoridade superior dotada de jurisdição a ponto de coagir ao cumprimento de uma obrigação, a não ser que o Estado concorde em submeter-se a uma autoridade, geralmente assinando os tratados.

Cumpre lembrar que muitos significados têm sido atribuídos, no decorrer da história, ao termo soberania. Inicialmente, as teorias teocráticas afirmavam que o poder tinha origem divina, dentre outras teorias como traz a Professora Mariana Ariosi em interessantíssimo artigo acerca da Soberania Nacional em face do Direito Internacional

“No curso da história, como resultado das revoluções burguesas, apareceram as teorias democráticas e com elas a expressão soberania popular, principalmente após a publicação do Contrato Social de Rousseau. A soberania popular tem como fundamento a igualdade política dos cidadãos e o sufrágio universal, sendo o titular da soberania o próprio povo, que a exerce por intermédio de seus direitos políticos. Canotilho, em sua obra, nos demonstra como este conceito evoluiu para a ideia de soberania nacional, na qual a titularidade é deslocada para a nação, que representa o povo organizado numa ordem instituída como um complexo indivisível (4). Pode-se dizer que, o que diferencia a ideia de soberania popular, defendida por Rousseau, da ideia de soberania nacional, tal qual descrita por Canotilho, é a participação política, pois, a primeira reconhece a todos os cidadãos direitos políticos, e a segunda limita a participação àqueles investidos pela nação na escolha dos governantes 

            Por fim, o modelo da soberania nacional foi adotado após a Revolução Francesa, sendo o modelo que predomina até os dias atuais nos Estados que se organizam como Democracias Constitucionais (8). Nesta nova formulação do conceito de soberania, a maior parte dos estudiosos a classificam como una, indivisível, imprescritível e inalienável ”[4]

Modernamente, a principal característica da soberania é o exercício do Poder Constituinte Originário, existindo uma estreita relação entre os dois, como iremos discorrer posteriormente. Indaga-se, de qualquer forma, como o Direito Internacional e seus princípios se colocam frente à Soberania do Estado.

7. Os Princípios do Direito Internacional

Apesar de, sempre que se pensa em Direito Internacional, os primeiros a surgir à mente sejam os Tratados, este ramo jurídico não se resume a eles. Existem também diferentes outras modalidades de fontes jurídicas não acordadas expressamente ou por escrito entre os Estados. Algumas dessas fontes de direito internacional são tão importantes quanto as fontes convencionais – os tratados – e podem inclusive revogá-lo.

Dentre estas fontes, que abarcam os costumes, atos unilaterais e etc., encontram-se os princípios gerais de Direito Internacional, que (principalmente na atualidade), norteiam este ramo do Direito e se mostram de suma importância nas questões relativas aos Direitos Internacionais Humanos, por exemplo.

Entre os princípios gerais de direito internacional destaquemos a igualdade soberana; autonomia (no sentido de não ingerência nos assuntos internos de cada Estado); observância aos direitos humanos, cooperação internacional, progresso e vedação ao retrocesso.

Na prática, os princípios são utilizados, sobretudo para reforçar uma posição a que os tribunais internacionais chegam por outros meios, como a construção da lógica jurídica fundada nos tratados e nos costumes internacionais. No entanto, em alguns ramos que sofreram uma expansão recente, como o direito internacional penal e o direito internacional humanitário, em que existe maior homogeneidade entre os princípios dos diversos sistemas jurídicos nacionais, percebe-se o uso de princípios inclusive para determinar o que é ou não uma conduta criminosa. Esse direito, muitas vezes, constrói-se na ausência de normas penais internacionais ou fundamenta-se em tratados sem tipos penais tão detalhados quanto os encontrados em direitos nacionais. Para se tornar operacional, recorre aos princípios comuns dos diferentes sistemas jurídicos.

8. Princípios enquanto conquistas sociais

Um olhar atento à redação dos instrumentos normativos internacionais, revela a incessante utilização da palavra “progresso” em seus dispositivos. Isso decorre do fato de que os direitos são resultado de incessantes lutas das sociedades que em determinados contextos promoveram verdadeiras revoluções no âmbito jurídico, de forma lenta e gradual.

A evolução histórica de alguns direitos, a exemplo dos relacionados à pessoa humana, não se deu de forma uniforme, pacifica e imediata, sendo decorrentes de períodos sombrios da história mundial, podendo ser considerados verdadeiras conquistas em âmbito global.

Essa status de conquistas sociais dos princípios, é que dão origem a dois princípios da ordem internacional que julgamos de imensa importância: o princípio do progresso e o da vedação ao retrocesso.

Progressividade, em um primeiro momento, referia-se à gradação por vários instrumentos internacionais e por textos constitucionais à aplicação dos direitos humanos, conforme estabelecia o art. 427 do Tratado de Versailles. Em um segundo momento, apresenta-se como uma característica dos direitos humanos fundamentais, incluídos os trabalhistas, que, segundo a ordem pública internacional, possuem uma vocação de desenvolvimento progressivo no sentido de uma maior extensão e proteção dos direitos sociais. Já a vedação ao retrocesso será objeto de estudo isolado, por ser justamente o ponto crucial deste artigo, como se verá.

9. O princípio da vedação ao retrocesso

É expresso no texto da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (Declaração da Filadélfia), que deve haver um constante monitoramento das questões atinentes à justiça social sendo que

“quaisquer planos ou medidas, no terreno nacional ou internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem ser considerados sob esse ponto de vista e somente aceitos, quando favorecerem, e não entravarem, a realização desse objetivo principal”.

A OIT é apenas um dos inúmeros tratados de Direito Internacional, que trazem menção expressa aos princípios do progresso e vedação ao retrocesso.

9.1 Vedações ao retrocesso: aspectos históricos e conceituais

A ideia da proibição do retrocesso legal está diretamente ligada ao pensamento do constitucionalismo dirigente que estabelece as tarefas de ação futura ao Estado e à sociedade com a finalidade de dar maior alcance aos direitos sociais e diminuir as desigualdades. Em razão disso tanto a legislação como as decisões judiciais não podem abandonar os avanços que se deram ao longo desses anos de aplicação do direito constitucional com a finalidade de concretizar os direitos fundamentais.

Por conseguinte, discorre Canotilho:

“Neste sentido se fala também de cláusulas de proibição de evolução reaccionária ou de retrocesso social (ex. consagradas legalmente as prestações de assistência social, o legislador não pode eliminá-las posteriormente sem alternativas ou compensações reconhecido, através de lei, o subsídio de desemprego como dimensão do direito ao trabalho, não pode o legislador extinguir este direito, violando o núcleo essencial do direito social constitucionalmente protegido) ”


Significa dizer, portanto, que há uma vedação à possibilidade de extinguir direitos outrora conquistados através de um longo período de reivindicações, deliberações e lutas. É mais fácil observar a incidência deste processo árduo, quando falamos em Direitos Sociais.

A noção de direitos fundamentais surgiu a partir do movimento do liberalismo e, mais recentemente, representou uma reação aos desmandos do Estado no período da 2ª Guerra Mundial e do nazismo. Os direitos sociais enquadram-se nos direitos fundamentais, como direitos de segunda geração e, uma vez alcançados pela sociedade, exigem um mecanismo capaz de evitar que venham a desaparecer, o que configuraria evidente retrocesso.

A ideia da vedação do retrocesso tem sua origem na jurisprudência europeia, principalmente da Alemanha e de Portugal, países em que as conquistas sociais já atingiram patamares bastante mais elevados do que no Brasil.

Citando Luís Roberto Barroso6, afirma que

“o princípio da proibição de retrocesso decorre justamente do princípio do Estado Democrático e Social de Direito; do princípio da dignidade da pessoa humana; do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais; do princípio da proteção da confiança e da própria noção do mínimo essencial.”

 

9.2 A necessidade de garantir o progresso social

O Estado Democrático de Direito, como já mencionado, tem como um dos fundamentos, a legitima vontade popular. Notadamente, as conquistas sociais são resultado do livre exercício dessa soberania, de modo que não se pode ignorá-lo em face de nova organização legislativa e até mesmo Constitucional.

Neste Estado, prevalece o a “vontade do povo”, não existindo mais brechas para momentos como os vividos no Brasil da Ditadura, como se discutirá em tópico próprio. O que se garantiu pela vontade popular e consolidou no âmbito internacional, entendemos como “cláusula pétrea além-constituição” (sic).

Mais facilmente visualizada, é a vedação ao retrocesso no âmbito infraconstitucional. A CF/88 é consagradora de um Estado social e democrático de direito e reconhece os direitos sociais e humanos como direitos fundamentais, sendo, portanto, intangíveis em face das denominadas cláusulas pétreas, vários desses direitos foram concretizados por meio de legislação infraconstitucional, situação que pode facilitar sua redução ou supressão mediante quorum parlamentar reduzido, levando, em alguns casos, se assim ocorrer, ao esvaziamento do comando constitucional a eles referentes. Por isso, é importante a pesquisa de meios técnico-jurídicos que obstem a supressão ou a redução desses direitos, que os preserve do alvedrio das maiorias políticas eventuais, que são notadamente reflexos da aplicação do princípio da vedação ao retrocesso.

No Brasil, o pioneiro de estudos acerca do tema é José Afonso da Silva,

para quem as normas constitucionais definidoras de direitos sociais seriam normas de eficácia limitada e ligadas ao princípio programático, que, inobstante tenham caráter vinculativo e imperativo, exigem a intervenção legislativa infraconstitucional para a sua concretização, vinculam os órgãos estatais e demandam uma proibição de retroceder na concretização desses direitos.

Logo, o autor reconhece indiretamente a existência do princípio da proibição de retrocesso social.

Historicamente, o pensamento Constitucional Brasileiro, acompanhou todas as formas de Constitucionalismo, repousando com a CF/88 no Neoconstitucionalismo ou Constitucionalismo contemporâneo. Na atual Carta Magna, o Brasil elevou os conteúdos de direitos Fundamentais ao status constitucional, sob influência do iluminismo e da Promulgação da “Declaração Universal de Direitos dos Homens e do Cidadão”, com intenção de pôr fim a certas ilegalidades cometidas pelos Estados para com os indivíduos e colocando-o, inclusive, como finalidade a ser perseguida pelo Estado, de acordo com o art. 2º da Declaração de Direitos de 1789.

9.3 A garantia dos direitos do Indivíduo face à soberania do Estado

Com efeito, hodiernamente, os direitos sociais fundamentais possuem característica elementar no ordenamento jurídico brasileiro pois são dotados de efetividade, de modo que é totalmente possível serem exigidos, tanto na medida em que diz respeito ao mínimo existencial quanto ao direito subjetivo prima facie mormente em razão do princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1º, III, e art. 5, §1º, ambos da CRFB, 1988).

Relativamente ao princípio em tela, constatou-se que o mesmo tem como conteúdo a proibição do legislador em reduzir, suprimir, diminuir, ainda que parcialmente, o direito social já materializado em âmbito legislativo e na consciência geral. Portanto, tal princípio manifesta-se contra a atuação do legislador em malefício ao direito social já consolidado no mundo jurídico, de modo que funciona como um verdadeiro limite ou restrição a alterações legiferantes. Em outras palavras, o princípio da vedação ao retrocesso manifesta-se contra a propositura pelo legislador de lei que venha diminuir o direito social já consignado no mundo jurídico. Em suma, tem-se que, para a incidência do princípio, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: existência de norma que estabeleça um direito social; este, por sua vez, esteja consolidado no arcabouço jurídico-normativo; advento (ou tentativa) de lei que suprima o direito social anteriormente previsto.

Destaca-se que este princípio assume relevante papel quando se tratar de Poder Constituinte Originário (e também o Derivado, por óbvio) que vise diminuir direito social já consagrado na ordem jurídica anterior. Assim, seria evitado o retrocesso social quando instituídas novas ordens constitucionais.

De que forma os indivíduos podem exigir direitos outrora conquistados mas excluídos da Carta Magna pelo Poder Constituinte Originário.

Os direitos fundamentais, podem ser exigidos através da adoção dos modelos de “mínimo existencial” e do direito subjetivo prima facie, já que conceitualmente o princípio da vedação ao retrocesso social é capaz de tutelares tais direitos, mediante a sua aplicação aos casos concretos.

Tal princípio, no tocante à Legislação Infraconstitucional, veda o retrocesso social, (art. 3º, III, CF/88), vinculando o legislador derivado a submeter-se a esse princípio da vedação para em hipótese alguma suprimir tais direitos com nova lei que os revogue.

Quanto ao poder constituinte originário, haverá comentário em tópico próprio, mas cumpre mencionar que apesar de não sofrer limitações jurídicas, pois surge de forma inicial, autônoma e incondicionada, deverá respeitar o princípio da vedação ao retrocesso, impedindo que determinados direitos fundamentais conquistados ao longo do tempo sejam objetos de retrocesso.

10. A responsabilidade Internacional frente à supressão de Direitos pelo Estado

Diante dos avanços e desenvolvimentos na ordem mundial, dentre os quais se menciona a globalização, destaca-se a inexistência de uma instituição superior de Direito Internacional, de modo a ser regra geral que “uma norma só será exigida de um Estado, caso este tenha participado de seu processo de desenvolvimento ou que a tenha aceitado como norma”, numa cara referência à já mencionada teoria dualista.

Contudo, existem as chamadas “            normas imperativas de direito Internacional”, a exemplo da Convenção de Viena de 1969 e dos Direitos Humanos e Fundamentais de modo geral.

É possível entender que há uma tentativa de “mitigar” a Soberania dos Estados no tocante a estas normas, como se depreende do artigo 53 da Convenção de Viena supramencionada, in verbis

ART. 53. Tratado em conflito com uma norma imperativa de direito internacional geral. (jus cogens). É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os fins da presente convenção uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional de mesma natureza.[7]

Ou seja, a norma “imperativa’ visa a garantia de proteção aos interesses fundamentais comunitários e gerais.

É a proibição, positivada pela ONU através do seu Projeto de Artigos Sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados[8], através do qual se proíbem as práticas de tortura e de outras consideradas graves em âmbito Internacional, apresentando inclusive consequências para a violação dessas proibições, vejamos:

“Por outro lado está claro que um Estado responsável por uma violação grave tem a obrigação de promover a continuidade da execução dessa obrigação, como também a obrigação de oferecer garantias de que não voltará a descumprir com suas obrigações.

Porém, a leitura isolada do supramencionado Projeto de Artigos da ONU bem como das disposições de outras normas Internacionais, torna complexo o entendimento ] quanto às consequências jurídicas (para os Estados) advindas da violação de normas gerais.

Cumpre transcrever trecho do artigo de MATHEUS AFONSO DE FARIA acerca do tema, que possibilita uma visão acerca da responsabilidade do Estado:

“O que se nota é que a responsabilidade pela violação de normas imperativas se vêm de forma comum com a responsabilidade de violação de normas ordinárias, sendo que o então regime agravado venha a contar, segundo disposto no artigo 41 do Projeto de Artigos, somente com uma colaboração entre os Estados para findar um ato ilícito, bem como a obrigação destes de não reconhecerem uma situação gerada pelo ato, como se lícita fosse.

Resumidamente, o que se nota da leitura do citado artigo 41, é que as consequências atribuídas ao Estado autor do ilícito internacional serão as mesmas advindas do ilícito de normas ordinárias, sendo que somente haja uma diferenciação quanto à reparação do dano, vez que estas serão afetadas pela gravidade da violação, ou pela gravidade dos danos causados. Isto nos faz então colocar em “check” o chamado regime de responsabilidade agravada.” [9]

Logo, a forma de buscar a efetividade e eficácia de princípios internacionais como o da vedação ao retrocesso, ainda é através de Denúncias aos órgãos Internacionais, cabendo mencionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pode enviar ao Estado, notas de repúdio e recomendações, como foi feito no caso da Maria da Penha.

Sabe-se que o princípio da vedação ao retrocesso, é oriundo do pensamento estabelecido pelo Estado Democrático de Direito e que tem como finalidade a proteção dos direitos adquiridos. Decorre do desejo de blindar a dignidade do homem frente a alterações no poder governamental atuante e ganha força com o Direito Internacional, na figura dos Direito Humanos que dentre outras atividades atua na manutenção e preservação da Dignidade do Homem.

Todavia este princípio não se instaura de forma absoluta. Ainda que possua reconhecida força quanto da sua aplicação na legislação ordinária, de forma alguma estabelecerá combate justo frente à soberania do poder constituinte originário. Gozando portanto o Estado Novo de total autonomia para decidir a permanência ou exclusão de direitos. Defendendo esta corrente de pensamento vemos Luis Roberto Barroso expressar-se do seguinte modo:

“O principio da não retroatividade, todavia não condiciona o exercício do poder constituinte originário. A Constituição é ato inaugural do Estado, primeira expressão do direito há ordem cronológica, pelo que não deve reverência à ordem jurídica anterior, que não lhe pode impor regras ou limites. Doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que não há direito adquirido contra a Constituição”

O Brasil, teve em seu processo evolutivo 7 constituições anteriores à Carta Magna vigente, com isso uma serie de direitos foram admitidos e implementados pelas constituições que se sucederam. Ocorre que decorrente desta grande variedade de constituições o país, possuiu variados poderes constituintes originários.  E por vezes conforme será exposto, fez-se valer da supremacia do poder constituinte frente à ideia formadora da vedação ao retrocesso dos direitos adquiridos.

 

11. Da Constituição política do Império do Brasil de 25 de março de 1824 à Constituição Democrática de 1988.

A primeira constituição do Brasil foi gerada de forma conturbada, como aliás ainda é a política pátria, devido ao fato de ser instituída logo após a Proclamação da Independência do Brasil, ocorrida a sete de setembro de 1822, começaram, de forma bastante instável, entre Radicais e Conservadores, os trabalhos da assembleia constituinte.

No dia três de maio de 1823, o Imperador Dom Pedro I, como era tradição, discursou sobre o que esperava dos legisladores, então logo se instalou um impasse, pois, a base da constituinte era o Partido Brasileiro, formado por latifundiários e escravistas, que tinha orientação liberal-democrata, cujo objetivo fim era delimitar os poderes do Imperador e discriminar os Portugueses, e ainda, criar uma monarquia que respeitasse os direitos individuais. Porém Dom Pedro I queria ter poder sobre a legislação através do voto.

A constituição de 1824, que permanece como a de maior longevidade em nossa historia, sendo a lei máxima vigente durante o império, caindo apenas quando da proclamação da República.

As principais características da Carta de 1924 são:

1-  O predomínio da Religião Católica frente ao Estado, até mesmo os direitos civis estavam submetidos à religião oficial:

Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: [...]

V”. Ninguém pôde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Publica.” (BRASIL, constituição, 1824, Art.179,V, grifo nosso))

2- A declaração dos direitos individuais e sociais, tais como saúde, ensino básico, colégios e universidades

Com a edição do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1891, foi decretada a República, nos termos daquele Decreto as províncias tornaram-se estados integrantes de uma Federação, nascendo assim os Estados Unidos do Brasil.

A Constituição de 1891 foi responsável por instituir, de modo definitivo, a forma federativa de estado e a forma republicana de governo; o Decreto número 1/1889 o fizera em caráter meramente provisório.

A autonomia dos estados foi assegurada, sendo a eles conferida a denominada “competência remanescente”, conforme inspiração do modelo norte-americano de federação foi estabelecida, também, a autonomia municipal, uma inovação que possibilita a descentralização de poder.

O regime é o representativo, com eleições diretas e mandatos por prazo certo nos Poderes Executivo e Legislativo. O sistema de governo adotado foi o presidencialista.

Principais características:

  • Instituiu a forma federativa de estado e a forma republicana de governo:

“Art.1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a Republica Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.” (BRASIL, constituição, 1891, Art.1º)

  • Surgimento do Habeas Corpus
  • Instaura-se o Estado Laico.

“Art. 11 – É vedado aos Estados, como a União: [...]

§ 2º estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos.” (BRASIL, constituição, 1891, Art.11, § 2º)

  • Implementa o direito fundamental de primeira geração, de que todos são iguais perante a lei

Na Constituição de 37, conhecida como “Polaca” já podemos ver claramente a perda de direitos previamente adquiridos. Vez que trazia em seu artigo 122, a previsão a pena de morte para os crimes políticos e para os homicídios cometidos por motivo fútil e com extremos de perversidade.

O direito de manifestação de pensamento foi tolhido por meio da censura prévia, sendo facultado à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou representação, de tal forma nenhum jornal podia, ainda, recusar a inserção de comunicados do governo, nas dimensões taxadas em lei; pois, ao diretor responsável seria imposta à pena de prisão cumulada com a pronta cobrança de multa à empresa podendo esta ainda ser pronunciada por “delito de imprensa”.

Conforme consta seu artigo 139 considera a greve uma atitude antissocial e nociva ao trabalho, o que repercutiu na atual carta em relação aos Militares.

A Constituição de 46 foi responsável por restaurar a República Federativa e democrática no país. Houve grande avanço nas liberdades individuais ao contrário da constituição anterior está por sua vez trouxe no Capítulo II Dos Direitos e das Garantias Individuais uma série de liberdades afincadas no artigo 141, retirando de imediato a “censura prévia” do regime de 1937:

“Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º Todos são iguais perante a lei.

§ 2º Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

§ 4º - A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual.

§ 5º - É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de respostaA publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.

§ 6º - É inviolável o sigilo da correspondência.

§ 7º - É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil.

§ 8º - Por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política, ninguém será privado de nenhum dos seus direitos, salvo se a invocar para se eximir de obrigação, encargo ou serviço impostos pela lei aos brasileiros em geral, ou recusar os que ela estabelecer em substituição daqueles deveres, a fim de atender escusa de consciência.” (BRASIL, constituição, 1946, Art.141, § 1ª, § 2º, § 4ª, § 5º, § 6º § 7º, § 8º)

O artigo 141, tão inovador ainda, trouxe de volta as figuras do Habeas Corpus e do Mandado de Segurança:

“§ 23 - Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus.

§-24 - Para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus , conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.”  (BRASIL, constituição, 1946, Art.141, § 23 e § 24)

 “Art 1

8 - É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”. (BRASIL, constituição, 1946, Art.158

A então Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi elaborada com base nas Constituições de 1891 e de 1934, percebemos aqui.

Na história do Brasil as Constituições de 67 e 69 irão atuar como principais instrumentos opositores dos direitos fundamentais, através delas todas as conquistas provenientes das constituições anteriores serão descartadas e na melhor das hipóteses colocadas em segundo plano. Não há neste momento espaço para sequer cogitar a implementação do princípio da vedação ao retrocesso já utilizado em âmbito internacional, o país vive seu momento mais delicado em sua relação com o Direito Internacional. Que segue uma corrente de pensamento voltada aos Direitos Humanos totalmente oposta ao que se encontrara no Brasil e evidencia de forma incontestável à supremacia do “poder constituinte” no que tange à legislação pátria.

Na Constituição do Brasil de 1967 de 24 de janeiro, evidencia seu zelo quanto à segurança nacional em seu artigo 90 através da institucionalização do “conselho de segurança nacional:

“Art. 90 - O Conselho de Segurança Nacional destina-se a assessorar o Presidente da República na formulação e na conduta da segurança nacional.

§ 1º - O Conselho compõe-se do Presidente e do Vice-Presidente da República e de todos os Ministros de Estado”.

Também foi privilegiada a justiça militar, inclusive com poderes para processar e julgar civis, bem como os governadores de estado:

“Art. 122 - À Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhados.

§ 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional, ou às instituições militares

§ 2º - Compete, originariamente, ao Superior Tribunal Militar processar e julgar os Governadores de Estado e seus Secretários, nos crimes referidos no § 1º.”

Quando analisada junto à sua constituição antecessora nítido se faz o retrocesso frente aos direitos humanos apregoados pela constituição de 1946; a pena de morte e o confisco retornam como arma do Estado, tendo por finalidade coibir qualquer possível revolução

“Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

§ 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. “

Houve a expressa redução dos direitos individuais e direitos políticos, no artigo 151, quando se tratar da liberdade de pensamento, de profissão e do direito a livre associação, e porventura o exercício de tais direitos atentarem contra a “ordem democrática” ou quando forem utilizados para a prática da corrupção:

Instituiu a Lei de Segurança Nacional que restringia severamente as liberdades civis, também houve a Lei de Imprensa que estabeleceu a Censura Federal; mas entre os anos de 1964 e 1968, houve o decreto dos Atos Institucionais

1. Ato Institucional Nº 1, em 9 de abril de 1964, cassou direitos políticos dos cidadãos considerados da oposição, também marcou eleições para 1965, é oportuno lembra que em seu preâmbulo o Ato nº1 se declarava autenticamente democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, mas, tudo com a finalidade de combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na verdade eram apenas palavras ao vento que buscavam justificar a tomada de poder:

2. Ato Institucional Nº 2, em 27 de outubro de 1965, extinguiu os partidos existentes e estabeleceu, na prática, o bipartidarismo;

3. Ato Institucional Nº 3, em 5 de fevereiro de 1966, determinava a eleição indireta para governador e vice governador, sendo executada por meio de um colégio eleitoral estadual, e estes governadores teriam o poder de indicar e nomear os prefeitos das capitais e das cidades de segurança nacional;

4. Ato Institucional Nº 4, 7 de dezembro de 1966, atribuiu função de poder constituinte originário ao Congresso Nacional, transformado este em Assembleia Nacional Constituinte e forçando-o a votar o projeto de constituição

5. Ato Institucional Nº 5, em 13 de dezembro de 1968, fechou o Congresso Nacional, suspendeu as garantias constitucionais e ainda deu poder ao executivo para legislar sobre todos os assuntos

Doutrinadores consideram a ocorrência de uma alteração tão grande na Constituição de 1967 com a edição da Emenda nº1 de 17 de outubro de 1969, que está passou a ser verdadeiramente uma nova Constituição outorgada, mesmo que em tese seja uma emenda à constituição de 1967, Paralelo a isto no âmbito internacional ocorria o Tratado de San José, Brasil até então não era signatário do mesmo.Principal característica consistiu em Reduzir as imunidades políticas.

A constituição Federal de 1988 nasceu da proposta encaminhada ao Congresso Nacional por José Sarney, que resultou na Emenda Constitucional 26, de 27 de novembro de 1985, tal emenda convocava uma Assembleia Nacional Constituinte, formada pelos deputados e senadores da época; a constituinte iniciou seus trabalhos em 1º de fevereiro de 1987 só terminando em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da Carta Magna atual. O Brasil neste momento volta a fazer parte da comunidade internacional de defesa dos direitos humanos e ratifica diversos tratados, já em vigor no plano internacional.

12. CONCLUSÃO

É assente que ao revés do que ocorre com as normas infraconstitucionais, a Constituição não busca o seu fundamento de validade num diploma jurídica que lhe seja superior, mas sim da vontade das forças determinantes da sociedade que a precede.

Entende-se, dessa maneira, que o poder constituinte originário brasileiro não pode ampliar as hipóteses de pena de morte (nem mesmo com uma nova Constituição), uma vez que o princípio da continuidade ou proibição do retrocesso, ou ainda, vedação ao retrocesso, não possibilita, uma vez que os direitos fundamentais já conquistas não podem retroceder.

A ideia da proibição do retrocesso legal está diretamente ligada ao pensamento do constitucionalismo dirigente que estabelece as tarefas de ação futura ao Estado e à sociedade com a finalidade de dar maior alcance aos direitos sociais e diminuir as desigualdades. Em razão disso tanto a legislação como as decisões judiciais não podem abandonar os avanços que se deram ao longo desses anos de aplicação do direito constitucional com a finalidade de concretizar os direitos fundamentais.

Afasta-se, portanto, a ideia de onipotência do poder constituinte. Estabelecidas tais premissas, de direitos próprios da condição humana, independente da ordem jurídica interna, se pode conceber um aprofundamento das discussões sobre as limitações do poder constituinte.

Atualmente a doutrina moderna considera, como gerações do direito posteriores as prestações negativas e positivas do Estado, direitos com fundamentos coletivos, onde o ser humano é inserido numa coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade. A maturação de tal geração, levou alguns doutrinadores a considerarem uma posterior geração de direitos, que aqui interessa especial ao nosso estudo, trata-se dos direitos de 4ª geração. Bonavides afirma que “ a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta dimensão, que aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social”, destacando-se os direitos a democracia, informação e pluralismo.

A forma de buscar a efetividade e eficácia de princípios internacionais como o da vedação ao retrocesso, ainda é através de Denúncias aos órgãos Internacionais, cabendo mencionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pode enviar ao Estado, notas de repúdio e recomendações, como foi feito no caso da Maria da Penha.

Sabe-se que o princípio da vedação ao retrocesso, é oriundo do pensamento estabelecido pelo Estado Democrático de Direito e que tem como finalidade a proteção dos direitos adquiridos. Decorre do desejo de blindar a dignidade do homem frente a alterações no poder governamental atuante e ganha força com o Direito Internacional, na figura dos Direito Humanos que dentre outras atividades atua na manutenção e preservação da Dignidade do Homem.

Atualmente o Brasil se intitula como um Estado Democrático de Direito de fato, amparado pela Constituição Federal de 1988, atribuiu ao Direito Internacional em especial ao Direitos Humanos considerável força e soberania frente às leis ordinárias. Estamos sobre a égide de um poder Constituinte Derivado que sabemos possuir liberdade legislativa limitada, com isso o princípio da Vedação a ganhou notada força no que tange à sua aplicabilidade e eficácia, possuindo forte defesa doutrinaria, senão vejamos:

Para Luís Roberto Barroso:

“apesar de o princípio do não-retrocesso social não estar explícito, assim como o direito de resistência e o princípio da dignidade da pessoa humana (para alguns, questão controvertida), tem plena aplicabilidade, uma vez que é decorrente do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido.”

Mister ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a presença desta característica no âmbito do nosso ordenamento jurídico constitucional, conforme mostrado logo em seguida:

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DANOS MORAIS DECORRENTES DE ATRASO OCORRIDO EM VOO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. 1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à Constituição de República. 4. Recurso não conhecido.” (RE 351750 / RJ - RIO DE JANEIRO,Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CARLOS BRITTO, Julgamento:  17/03/2009           Órgão Julgador:  Primeira Turma).

Seguindo esta mesma corrente de pensamento, Flávia Piovesan defende que tais direitos adquiridos são intangíveis e irredutíveis. Portanto qualquer manifestação de esfacelamento de direitos sociais simboliza uma flagrante violação à ordem constitucional.

REFERENCIAS

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________. Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 436996, julgado em 26/10/2005, publicado no DJ de 07/11/2005, Rel. Min. Celso de Mello.

________. Tribunal Regional Federal da 4° Região. Apelação Cível n. 2006.72.99.000635-6/SC. Rel. Juiz Federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia. Ementa publicada no DJ em 16/08/2006.

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NOTA DE RODAPÉ 6: BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. AFONSO DA SILVA, Luís Virgílio (organizador).Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005

NOTA DE RODAPÉ 7: Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969. Disponível em < http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>.

NOTA DE RODAPÉ 8:  Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade Internacional dos Estados. Disponível em <http://advonline.info/vademecum/2008/HTMS/PDFS/INTER/PROJETO_COMISS_O_DIREITO_IN.PDF>.

Nota de rodapé 9: FARIA, Matheus Afonso de. A responsabilidade internacional frente às violações de normas imperativas de Direito Internacional. Crítica à falta de penalização ao Estado infrator. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10983&revista_caderno=16>. Acesso em maio 2014


NOTAS:

[1] CASELLA, Paulo Barbosa. Manual de Direito Internacional. 2011. op. cit. p. 111

[2] MELLO, Celso. Curso de Direito Internacional Público. op. cit.,p.87

[3] MELLO, Celso. Curso de Direito Internacional Público. op. cit.,p.87

[4] Convenção de Viena, 1980: “Artigo 46 Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados(...)

1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental. ”

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Sobre o autor
Cloves Nascimento

Bacharelando no ultimo ano do curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia.Estagiário concursado do Ministério Público do Estado da Bahia.Pesquisador bolsista Iniciação Científica da FAPESBMonitor de ensino das disciplinas de Criminologia e Direito PenalEx-estagiário do escritório Figueiredo Advogados e Associados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado como parte do componente disciplinar na matéria de Direito Internacional Público ministrado pela Profª. Doutora Gilsely Barreto, sob a sua orientação.

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