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Posse e domínio na regularização de unidades de conservação.

Análise de um amazônida

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1. INTRODUÇÃO

Abordar a regularização fundiária como o processo pelo do qual se define a titularidade do domínio de um imóvel, no que tange as Unidades de Conservação (UC), previstas na Lei Nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de conservação da Natureza –SNUC, regulamentando o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da CF, é insuficiente para dar conta das diferentes formas de uso da área previstas pelo legislador como Unidades de Conservação – UC’s. Isto não somente pelo tema dos instrumentos de regularização, tais como arrecadação de terras, mediante processo discriminatório administrativo ou judicial, desapropriação e outros, por terem em si problemas de ordem técnica que demandariam uma análise caso a caso do tipo de unidade a ser criada, a situação concreta da área, e levaria uma extensa abordagem que neste momento não nos propomos, pois o nosso objeto de análise é mais restrito.

Mas além deste tema dos instrumentos jurídicos, há outro tema transversal que é pouco considerado, e que nós achamos que deve ser especialmente observado, principalmente levando em conta que a Lei do SNUC adotou um caminho infeliz, preterindo o interesse das populações tradicionais no caso de estarem em áreas em que o poder público defina como de criação de UC, que não permite a presença humana. De fato, as áreas que em geral são objeto de criação de Unidades de Conservação, incidem sobre partes do território nacional, onde, ao lado de belezas naturais sem iguais, convivem contraditoriamente pessoas que não possuem o mínimo acesso a políticas públicas de educação, saúde e outras garantias sociais, mas que em muitas situações vem construindo uma especial relação histórica com o ambiente.

No caso particular da Amazônia, região onde vivemos, percebemos que até se dilui a percepção dessa ausência do poder público dada a exuberância da floresta e das relações que estas comunidades tradicionais mantêm com o ambiente, com especiais modos de sobrevivência, desenvolvidos ao longo de gerações, parecendo um simples detalhe aos olhos dos novos "colonizadores".É muito difundida a noção da Amazônia como um vazio demográfico, como uma terra sem ninguém a ser integrada ao desenvolvimento nacional [1].Quem vive na região sabe bem o quanto isto é um mito, pois as populações tradicionais, tais como ribeirinhos, caboclos, índios, remanescentes de quilombos, provam o contrário.Mas como a história oficial sempre considerou a floresta como um espaço a ser desenvolvido, e estas comunidades nunca tiveram seus espaços respeitados, nasceu essa visão exógena de que é possível construir áreas de preservação e excluir essas populações, ainda que a legislação nacional use o eufemismo da indenização ou compensação e realocação das populações tradicionais, como previsto no art. 42 da Lei nº 9.985/2000.

Na verdade, é a eventual e histórica presença dessas comunidades que deve condicionar a criação de unidades de conservação, pois se estas ao serem criadas não devem ter a presença humana, como definido pelo legislador em alguns casos, o poder público é que precisa criar áreas desse tipo onde não haja populações, ou criar um tipo de unidade de conservação que admita a presença humana, evitando-se, assim, intervir no modo de viver de quem nunca foi o motivo de risco da vida do planeta, excluindo-as da única coisa que construíram para si e para a nação, que foi a ocupação dessa imensa hiléia.

Não há critério justo para indenizar ou compensar e realocar a história de um povo que sempre viveu em harmonia com o meio ambiente, empobrecendo-se com isso a própria diversidade humana e o sonho de que é possível compatibilizar o homem com a natureza, pois se estes povos não são a prova disso, e a única forma de preservar o meio ambiente é excluí-los desse processo histórico, pobre da humanidade que não é capaz de apresentar uma resposta de vida na definição de espaços especialmente protegidos para comunidades que sempre viveram diretamente e em conformidade com a natureza, ditando o poder público norma que obriga a exclusão desses seres humanos dessas áreas.

Não se trata, nesse caso, de reviver o mito do bom selvagem, crítica muito comum daqueles que se colocam contra a presença humana em unidades de conservação, afirmando que esta sempre levaria à degradação ambiental.Evidentemente que estes homens devem ter os seus erros no trato com o ambiente, pois do contrario seriam anjos e não homens, mas se fossem tais, não teriam necessidades e sua atuação nessas áreas não teria nenhum impacto, pois seres sobrenaturais não têm necessidades [2].

Mas se nós fomos capazes de desenvolver o aprendizado de melhores práticas ambientais, por que excluir dessa possibilidade comunidades que no geral desenvolveram o conceito de desenvolvimento sustentável na prática, no dia a dia, ainda que imperfeito, mas possuem a seu favor a vantagem da sua imperfeição não ser construída apenas teoricamente como o nosso conceito de desenvolvimento sustentável [3]?.

Destacamos que a crítica sobre o mito do bom selvagem é de todo infundada, pois exclui a priori a possibilidade de que em determinadas áreas de unidade de conservação seja admitida a presença humana, como admite o legislador brasileiro, embora este tenha errado com a inconstitucional regra do art. 42. Se considerarmos que esta é a solução para salvaguarda do planeta, mais urgente apresenta-se às nações se unirem e afastar a máquina de guerra que se constrói nos principais Estados que num momento pode destruir todo o planeta, sem esquecer, por exemplo, que a principal economia industrial do mundo, os Estados Unidos, simplesmente se recusa a assinar o protocolo de Kioto.

O objetivo deste trabalho é demonstrar que a criação de unidades de conservação deve observar os instrumentos de sua regularização fundiária, sem desrespeitar os direitos constitucionais das populações tradicionais, com especial enfoque na Amazônia.

Demonstraremos que é aparente o eventual conflito de interesses entre populações tradicionais e unidades de conservação, pois conservar não é uma lição que estes amazônidas devam aprender, por que embora evidente que se o seu modo de vida não é perfeito, pode ser melhorado, mas nunca excluídos do ambiente no qual sempre viveram, afinal eles têm muito mais a ensinar que aprender, e devem ser respeitados acima de tudo.

O mundo é o que o homem faz, e o homem amazônida tem muito a contribuir nesse processo global.


2. PREMISSAS HISTÓRICO-FILOSÓFICAS

O presente texto tem como premissa contribuir no sentido de como viabilizar este Instrumento de Proteção Ambiental das Unidades de Conservação, no que diz respeito a sua regularização fundiária, mas deixando bem claro, que considerando o princípio de cooperação do Direito Ambiental, a partir dos princípios de responsabilidade compartilhada na preservação do meio ambiente, gestadas nas conferências mundiais de meio ambiente, não se pode deixar em segundo plano o respeito aos interesses das populações tradicionais.Inserindo, assim, a discussão instrumental de como realmente viabilizar a tutela ambiental dentro de um prisma global de atuação e respeitando esse especial interesse local, até porque este é importante para o aprendizado da humanidade.

Destarte, por isso que reconhecendo a importância das populações tradicionais, a DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, da Conferência Das Nações Unidas Para Meio Ambiente E Desenvolvimento, RIO–92, ao reafirmar a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Humano, aprovada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e tratando de basear-se nela com o objetivo de estabelecer uma aliança mundial nova e eqüitativa mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores chave das sociedades e as pessoas, procurando alcançar acordos internacionais em que se respeitem os interesses de todos e se proteja a integridade do sistema ambiental e de desenvolvimento mundial, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, proclamou no PRINCÍPIO 22 que "Os povos indígenas e suas comunidades, assim como outras comunidades locais, desempenham um papel fundamental na ordenação do meio ambiente e no desenvolvimento devido a seus conhecimentos e práticas tradicionais.Os Estados deveriam reconhecer e prestar o apoio devido a sua identidade, cultura e interesses e velar pelos que participarão efetivamente na obtenção do desenvolvimento sustentável".

Nesse prisma, a globalização possui um sentido positivo de fenômeno global de inter-relação entre as nações na preservação do meio ambiente, não no significado de uma moral que exija uma responsabilidade na conservação ambiental, mas de cooperação responsável e racional de defesa dos recursos ambientais.

Como se trata de tema aberto, a nossa opinião passa necessariamente por uma compreensão prévia do fenômeno ambiental, pois a partir desta é que podemos pensar as políticas cooperativas de preservação do ambiental entre o Poder Público dos Estados Nacionais, Organismos Internacionais e Organizações não governamentais, especificamente no que tange à regularização fundiária das unidades de conservação, e de forma mais restrita pensar qual a função dos conceitos de posse e domínio nestas áreas especialmente protegidas.

2.1 - SITUAÇÃO HISTÓRICA

A partir da revolução Industrial, no século XIX, o homem conheceu uma forma de intervenção sobre a natureza nunca antes imaginada, onde foram evidentes as transformações negativas no meio ambiente com rápido esgotamento dos recursos naturais dos países industrializados.

O século XX não foi diferente, consolida-se o capitalismo internacional, marcado pela 1ª Grande Guerra, a Revolução Russa de l917, a Segunda Guerra Mundial. Percebe-se um acirramento das nações na disputa pelos recursos naturais cada vez mais escassos, porém, esta corrida tinha um preço, com um evidente desequilíbrio dos fatores ambientais globais, o que culminou com a Conferência de Estocolmo em 1972.Onde de um lado os países industrializados a exigir responsabilidade do terceiro mundo na gestão dos recursos ambientais de seus países, e de outro os países do terceiro mundo gritando a manutenção de sua soberania e o seu direito de desenvolvimento, que significava o direito de explorar seus recursos naturais.

Após a queda do muro de Berlin em 1990, o capitalismo perde o seu rival histórico, surge uma nova ordem, emerge uma nova configuração, desaparecem os blocos econômicos delineados a partir do conflito capitalismo X comunismo, para ascender uma ordem de conflito norte X sul, norte X oeste, e entre blocos econômicos delineados a partir de proximidades fronteiriças, surgindo os genes dos mercados comuns, hoje consolidados em boa parte do globo.

Todos estes fatores somados refletem uma nova ordem global, ainda que pudesse ser identificada desde as priscas eras por uma incessante relação internacional de comércio, ou pelas conquistas dos impérios, como foi o império romano, as grandes navegações, o imperialismo etc.Agora toma uma feição nunca antes maginada.A ordem global deixa de ser apenas um fenômeno que diz respeito à atuação internacional dos Estados nacionais, para assumir o caráter de coisa do cotidiano de todos os homens, exemplarmente demonstrada na tecnologia de comunicações, por meio de satélites e internet. Hoje a globalização é um fenômeno diário e que atinge o homem comum, e não apenas a geopolítica.

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Dentro desse aspecto global é que a Conferência Mundial Sobre Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992 - ECO 92, tinha uma nova situação do conflito, pois como a informação estava mais bem desenvolvida, não existia mais espaço seja para os países industrializados exigirem uma posição de conservação dos recursos pelos países subdesenvolvidos, ou para estes defenderem o seu direito soberano em explorar os recursos naturais.A comunicação on line possibilita uma opinião pública mais vigilante, manifestada através das ONG´S, e não permitia mais este diálogo antagônico, pois elas raciocinavam de forma mais independente em relação às políticas governamentais, e que vimos mais reforçada na Conferência RIO+10, apesar de uma contraditória e incompreensível atitude conservadora dos EUA e algumas nações européias.

Exige-se uma nova postura ante os fenômenos globais de depredação do meio ambiente, como o efeito estufa, o derretimento das calotas polares e outros. Não é mais possível pensar soluções ambientais a partir somente dos aparelhos normativos dos Estados Nacionais, mas se exige uma conjugação de mecanismos mais bem conectados entre as fronteiras internacionais, pois o meio ambiente não possui pátria.

Nesse clima, a presença do Estado Nacional é apenas mais um elemento do conflito, o espaço dos organismos internacionais e organizações não governamentais é ampliado.Os conflitos assumem caráter global, e exigem nova forma de enfrentamento.Nestes limites o regional e o global somente podem ser compreendidos de formal total.

Dentro desse diapasão conflituoso é que nascem novos instrumentos de tutela do meio ambiente.A partir da Conferência de Estocolmo em 1972, surge a consciência do meio ambiente como patrimônio da humanidade, destacando-se o papel de cooperação das organizações não governamentais, instrumentos sociais de colaboração e pressão sobre os Estados-nacionais, o que se consolida com a ECO-92, donde resultou a chamada agenda 21.A Rio +10 deveria ser local de avaliação das realizações após uma década da conferência, mas se apresentou evidente fracasso do ponto de vista de metas objetivas na consecução dos fins de proteção do ambiente global.

O meio ambiente como autêntico interesse difuso ocupa o topo da escala de indivisibilidade e falta de atributividade a determinado indivíduo ou grupo determinado, sendo considerado mesmo um patrimônio que, embora regulado pelos Estados-nacionais, o seu interesse de preservação diz respeito mesmo ao ser humano como espécie inteligente de vida na terra.Nesse sentido, é interesse global por excelência, mas não pode apresentar-se como elemento empobrecedor da diversidade cultural humana, fato possível de ocorrer se os instrumentos da criação de espaços especialmente protegidos não forem concebidos como elementos compatíveis e necessários à preservação de populações tradicionais, até porque o conceito destas implica uma prática de vida que tem muito que ensinar para sociedades que encaminharam a humanidade ao estado de risco ambiental hoje eminente.

2.2 - QUESTÃO AMBIENTAL

A situação descrita permite o surgimento da chamada QUESTÃO AMBIENTAL.Apesar de o tema do meio ambiente estar sempre presente em textos de filosofia e religião no que concerne à relação do homem com o seu meio, como podemos ler em textos sagrados, a lição poética de São Francisco de Assis, os textos clássicos de filosofia onde os fenômenos naturais eram objeto de especulação e explicação, especialmente pelos pré-socráticos, somente tomou foros de tema de amplitude global há pouco tempo, a partir da Conferência de Estocolmo de 1972, o que se aprofundou a partir da Eco 92, e mais recentemente a RIO+10. Tanto é assim que suporta os mais diversos matizes de análise seja de ecologia política, de ética ambiental, e das ciências sociais [4]. Exigindo uma atuação concreta dos Estados-nacionais, mas não isolada.

Observamos, portanto, que a questão ambiental traz no seu bojo uma necessária discussão filosófica sobre a concepção que o homem tem do meio ambiente, e até a visão de si mesmo enquanto homem e ser integrante da natureza ou externo e interveniente sobre a natureza.

O homem pode adotar em face do meio ambiente duas posições, básicas: a) aquela em que o homem é o ser escolhido pelo criador para de forma inteligente gerir o patrimônio doado por Deus; b) o homem explorador, a natureza é vista como supermercado donde retira as matérias para as suas necessidades.

As duas compreensões retro têm ponto comum em apontar uma necessária forma de encarar o ambiente a partir da sua relação com o ser humano, neste sentido permanecem na linha da clássica filosofia antropocentrista onde o homem é o centro do universo.Assim, ambas compreendem a natureza a partir da sua relação com o homem, uma "nobre" a outra "vil", não trazendo à natureza um valor próprio e independente da apropriação humana.

A Lei no. 6.938, de 3 de agosto de 1981, que trata da Política Nacional de Meio Ambiente, define meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (artigo 3º, I).Neste sentido, é ampla, não se limitando a relação do ambiente ao homem, mas sim todas as formas de vida, podemos perceber uma superação dos postulados tipicamente antropocêntricos.Diferente da Lei de bases do ambiente de Portugal (Lei 11/87, de 7 de abril, art 5º. m, no. 2, a.) que traz a seguinte definição "Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos fatores econômicos, sociais e culturais com efeito direto ou indireto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem".

O problema da visão antropocêntrica é centralizar-se nos interesses dos homens localizados em determinado território, próximo à área ambiental objeto de tutela, assim tendem a ser mais fortes os interesses imediatos de manutenção econômica e financeira do homem, ficando em segundo plano os aspectos globais dos interesses humanos de preservação do ecossistema da terra, que não funciona de forma isolada.

O fenômeno da globalização permite uma visão unitária do ambiente, no sentido de que este só pode ser eficientemente protegido por meio da ordenação global dos ecossistemas, surgida principalmente na Europa.

A necessidade de uma noção unitária de ambiente resulta não só da multiplicidade de aspectos que caracterizam as atividades danosas para o equilíbrio ambiental, por conseguinte de uma planificação global, mas, também, da necessidade de relacionar o problema da tutela do ambiente com os direitos fundamentais da pessoa humana, preocupação esta inserida na discussão ambiental a partir da alarmante situação de pobreza das populações do terceiro mundo, onde se encontram a maioria das florestas tropicais.Aspecto bem conhecido de nós, amazônidas.

Procurando compatibilizar as necessidades de proteção do meio ambiente global e os interesses de cidadania e defesa dos interesses básicos da dignidade humana, vêm sendo gestado no Direito Ambiental os chamados instrumentos de tutela ambiental cooperativa, que se caracterizam pela captação de recursos externos dos países industrializados para o investimento em áreas de proteção ambiental do terceiro mundo, permitindo pari passu uma ressalva das demandas sociais das populações locais.

Somente nesta linha têm sentido pensar em políticas globais de cooperação da preservação ambiental, pois os países do terceiro mundo possuem nos seus territórios a maioria da biodiversidade da terra e da pobreza, mas não possuem capital para investimento, diferente dos países desenvolvidos que possuem recursos de capital sobrando. É hora de todos pagarem a conta.

2.3 - DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO E GLOBALIZAÇÃO

O meio ambiente se caracteriza como interesse difuso por excelência, logo não pode ser protegido pelas formas de tutela do direito tradicional, mas exige novos modelos normativos.

Amadurecem diversos instrumentos legais de sua tutela coletiva. Assim, a finalidade da intervenção do Direito Ambiental é assegurar a prevalência dos princípios de preservação da vida, a diversificação das espécies, a higidez ambiental, o equilíbrio ecológico e a dignidade humana.

A Constituição de 1988, na aparente contradição do artigo 170, sufragou uma Democracia Econômica e Social, por isso os princípios da livre concorrência e livre iniciativa não são mais hierarquicamente superiores, como no Estado Liberal, aos demais princípios da função social da propriedade, proteção do meio ambiente e outros, podendo ser restringidas as liberdades em conformidade com o interesse social, inclusive para a tutela ambiental.

O artigo 225 da Constituição Federal considera o meio ambiente como bem de uso comum do Povo, o que o exclui do rol dos bens que possam ser utilizados economicamente na forma privada tradicional, isto é, de serem apenas considerados como domínios livres de intervenção, mas a sua posse ou forma de uso pelo particular deverá ser o elemento legitimador deste domínio. O uso do meio ambiente não é bem do Estado nem é bem privado - é bem pertencente a toda a coletividade, pelo que não pode ser apropriado de forma ilimitada. Como bem de uso comum do povo, pode ter seu uso restringido por atos do Poder Público, sejam decorrentes de lei, sentenças ou atos da administração.

O norte desta adequação entre os interesses ambientais e particulares sem traumas reflete o Princípio da Cooperação, expressa a idéia de que na resolução dos problemas ambientais deve ser dada ênfase especial à cooperação entre Estado e a Sociedade, por meio da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e execução da política do ambiente. Este princípio é fundamental, pois o artigo 225 da CF, preceitua que compete ao poder público e à coletividade o dever de defender o meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Cumpre estabelecer os níveis de cooperação.

2.4-INSTRUMENTALIZAÇÃO DA COOPERAÇÃO AMBIENTAL E PRESERVAÇÃO DA FLORESTA AMAZÔNICA

O Direito Ambiental moderno não mais se contenta com fórmulas genéricas, do tipo que deve o Poder Público preservar o meio ambiente. Ao revés, vem ampliando, sucessivamente, os comportamentos específicos suscetíveis de realizar no caso concreto a finalidade abstratamente proposta pela lei.

Procura o sistema não apenas privilegiar os instrumentos que atuam post factum, como, por exemplo, a ação civil pública, mas procura, sobretudo, privilegiar certos recursos de tutela ambiental que se caracterizam pela qualidade de prevenção ao dano ecológico, dentre estes se destacam o "planejamento ambiental", o "zoneamento ambiental" e o "estudo de impacto ambiental", e em especial, no caso brasileiro, apresenta-se a criação das Áreas ou Unidades de Conservação, instituídas pela Lei Nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de conservação da Natureza –SNUC, e que podem ser divididas em: 1- Unidades de Proteção Integral (Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; Refúgio de Vida Silvestre); 2- As Unidades de Uso Sustentável (Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; Reserva Particular do Patrimônio Natural).

Mas como destacado no início deste texto, a nossa preocupação específica é observar como se apresenta delimitada pelo legislador a definição do domínio destas áreas, o que no nosso ponto de vista implica dizer sobre a natureza da posse ou uso que é permitido.

Observando-se, porém, que como a função instrumental da propriedade traz consigo a noção de posse agrária, ou melhor, dizendo neste caso, agro-ecológica, e somente neste caso pode existir a posse por seres humanos. A presença de populações tradicionais é um fator específico que deve ser ressaltado na criação de unidades de conservação.

Tomaremos os seguintes passos: procurar definir as populações tradicionais; estabelecer o que é a posse agro-ecológica, apresentando a sua relação necessária com aquele conceito e, sendo esta posse agro-ecológica compatível com o conceito de unidades de conservação, a posse das comunidades tradicionais não pode ser incompatível com o instrumento, ao inverso, o instrumento de conservação é que deve ser compatível com estas, caso elas ocorram na área escolhida pelo poder público para a criação de um tipo de unidade de conservação [5].

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Sobre o autor
Ibraim José das Mercês Rocha

advogado, procurador do Estado do Pará, mestre em Direito pela UFPA, secretário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública no Pará, ex-diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José Mercês. Posse e domínio na regularização de unidades de conservação.: Análise de um amazônida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3972. Acesso em: 25 abr. 2024.

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