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O capitalismo companheiro

17/07/2015 às 15:40
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Discutem-se os aspectos cruciais da atual crise de representatividade na política brasileira, inflada pela corrupção que vem sendo desmascarada.

Fala-se que no capitalismo companheiro, que estabelece agendas públicas, a intervenção do Estado deu sua cara, quando, em afronta ao regime da competição, da impessoalidade, da moralidade, estabeleceu as bases de um novo Estado e formou uma vertente que chamaram de capitalista.

No Brasil, no bojo do clientelismo, patrimonialismo, mistura do público e do privado, criou-se o capitalismo companheiro. Favoritismos, nepotismos, fugas a processos licitatórios, num repertório onde a estrutura do sistema só beneficiava a formação de “novas elites politicas”, a manutenção de lobbismos e outros corpos cancerígenos. A ambição pelo dinheiro, a qualquer custo, para manutenção do poder, é o que bastava.

O que se chamava esquerda se uniu aos mesmos que entendem a máxima, tão repetida em "O  Leopardo” de Tomasi di Lampedusa, publicado postumamente e popularizado pelo gênio do cineasta italiano Luchino Visconti, onde se narra a decadência da nobreza e a ascensão de uma nova classe, na Itália do final do século 19, endinheirada, destituída de sangue azul, mas ávida para comprá-lo: “Algo deve mudar para que tudo continue como está”. Nada de ideologia, pois o que interessa é a manutenção do poder, dizem eles, inebriados pelo dinheiro.

Deu-se ênfase ao presidencialismo de coaptação, uma afronta ao presidencialismo de coalização. Os arranjos produziram um parlamentarismo de fato.

A estrutura criada pelo capitalismo companheiro trouxe pesados e destrutivos prejuízos à nação; “mensalão”, “petrolão”, “pedaladas fiscais”, péssima administração no fundo de pensão da ECT,  numa invenção e reinvenção heterodoxa, onde a corrupção e o flerte com a improbidade eram o norte. Tudo isso é uma afronta ao Estado de Direto, conquista trazida pela redemocratização e pela Constituição de 1988, que, no artigo 37, traçou os princípios que norteiam a Administração: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, responsabilidade civil do Estado pelos danos trazidos ao cidadão.

O  enredo do “petrolão” é uma continuidade do “mensalão”, em que o Judiciário, cumprindo os ditames constitucionais, levou à condenação de vários dos envolvidos.

Um verdadeiro filme de terror em que tudo parece delirar da realidade.

Devemos meditar.

Esse é o modelo de capitalismo que queremos para manutenção de um sistema podre? Esse modelo não é de esquerda, mas visa a manutenção do poder por meios eticamente condenáveis. Esse modelo não é social-democrático. Com a corrupção instalada, num processo cancerígeno, há uma verdadeira exclusão social, onde os que se apropriam das riquezas nacionais são os aristocratas do poder.

Só há um caminho: as instituições fortalecidas devem, numa luta de vida e morte, enfrentar, confrontar, os maiores inimigos da democracia: clientelismo, patrimonialismo, nepotismo, que vivem carne e unha, formando algo que vive num circulo vicioso.

O crime de organização criminosa é citado por diversas vezes pela imprensa na investigação do chamado “petrolão”, algo vergonhoso que afrontou à nação e trouxe graves e sérios prejuízos à Petrobras.A população agradece ao Ministério Público e à Polícia federal, pelo que têm feito, entretanto, há muito a se fazer.

A população se sente num vento cais, num vento mais que a solidão dá, sabendo que o fundo do poço pode chegar a qualquer hora. A desesperança é palavra que parece soar pelas esquinas.

O Ministério Público Federal age corretamente ao entender que os inquéritos abertos contra parlamentares devem ter o acompanhamento do Supremo Tribunal Federal em todas as fases, fugindo de nulidades que possam surgir e serem invocadas.

Isso  não pode ficar apenas no discurso, pois a reação exige ação, muito mais que discursiva, deliberativa, mas de formas e maneiras de ver uma sociedade em que o trabalho honesto, o respeito à lei, a valorização do mérito, sejam o norte a perseguir.

A propósito, o jurista Fabio Medina Osório, especialista em questões de combate à corrupção e improbidade administrativa, Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri e Presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE), “olhando o direito comparado e o que ocorre hoje no mundo em termos de combate à corrupção”, discorda dos que consideram abusivas as prisões preventivas decretadas pelo juiz Sérgio Moro.

“Não apenas nos EUA, mas na Europa, as prisões cautelares têm sido utilizadas no início de processos ou quando investigações assinalam elementos robustos de provas”, ressalta, lembrando os casos do ex premier de Portugal, José Sócrates, e os dirigentes da FIFA, presos cautelarmente por corrupção - e alguns em avançada idade - seguem encarcerados.

“A ideia não é humilhar ninguém, mas, diante do poder econômico ou político das pessoas atingidas, estancar o curso de ações delitivas de alto impacto nos direitos humanos, tal como ocorre no combate à corrupção.

Medina Osório lembra que “nos termos da Lei Anticorrupção, as empresas deveriam ter aberto robustas investigações para punir culpados e cooperar com autoridades, talvez até mesmo afastando os executivos citados nas operações, se constatadas provas concretas ou indiciárias de suas participações em atos ilícitos”.

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Ao não cooperar nem apurar os atos ilícitos noticiados, “as empresas sinalizam que estão ainda instrumentalizadas por personagens apontados pela Operação Lava Jato como os possíveis responsáveis”.

Para Medina Osório, vale indagar: o que é realmente novo aqui no Brasil? “Prisões democráticas, onde cabem ricos e pobres, convenhamos”.

Bom lembrar, ainda, que o sistema jurídico pátrio recepciona o instituto da delação premiada, que, só no caso “petrolão”, envolve diversas  colaborações, todas que traçam um quadro de corrupção vergonhosa.

O instituto da delação premiada se perfaz, quando o agente colabora de forma voluntária e efetiva com a investigação e com o processo penal. Seu testemunho deve vir acompanhado da admissão de culpa e servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e para esclarecimento acerca das infrações penais apuradas.

Não se pode comparar o tratamento dos pesos que passam pela carceragem em Curitiba com os presos do DOI durante o período militar. Bem lembrado que esse paralelo ofende o Ministério Público, o Judiciário e o Supremo Tribunal Federal, que homologa cada um dos acordos de delação premiada. Sabe-se que nenhum preso da chamada operação “lava-jato” passou por constrangimento físico e que, até agora, todos os atos praticados pelos investigadores obedeceram ao devido processo legal. Além disso, é bizarro misturar empreiteiros milionários com militantes torturados. Como bem se disse: “Uns  sequestravam diplomatas, assaltavam bancos e roubaram o cofre onde a namorada de um ex-governador de São Paulo guardava dois milhões de dólares, parte dos quais vindos de empreiteiras. Seus alvos faziam parte do arco de interesses que todos  pretendiam destruir. Nenhum deles pensava em aumentar seu patrimônio. Os empreiteiros da Lava-Jato buscavam o enriquecimento pessoal e o PT enfiou-se nesse mundo de pixulecos porque quis”.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O capitalismo companheiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4398, 17 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40528. Acesso em: 19 abr. 2024.

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