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A construção do prazo da prisão preventiva no ordenamento jurídico brasileiro:

processo e estigmatização

18/07/2015 às 13:38
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A prisão cautelar, por ser de caráter excepcional, deve possuir um prazo determinado, ou seja, deve existir apenas durante o período necessário para garantir sua finalidade.

As prisões cautelares, por serem de caráter excepcional, decorrentes da tutela da boa continuidade da persecução penal, ou melhor, por não serem decorrentes de sentença condenatória transitada em julgado, devem possuir um prazo determinado, ou seja, deve coexistir durante o período necessário para garantir sua finalidade.

Pode ser citado o caso da prisão temporária, a qual a Lei n.º 7.960 de 1989 delimita o prazo da segregação em cinco dias, prorrogáveis por igual período. Ainda, com o advento da Lei nº. 8.072 de 1990, a qual define os crimes hediondos, e os equiparados a estes, o legislador prevê hipóteses especiais, como sendo passível a decretação de prisão temporária pelo prazo de trinta dias, suscetíveis de prorrogação por igual período.

Já a prisão em flagrante terá a duração máxima de 24 (vinte e quatro) horas, prazo este obtido a partir da interpretação do artigo 306, § 1o, do Código de Processo Penal, período no qual o magistrado decidirá pelo relaxamento da prisão (caso essa seja considerada ilegal), conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (quando presente os requisitos do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão manutenção da prisão), ou ainda poderá conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança, sendo necessária a decretação da prisão preventiva, ou a liberdade do sujeito.

No entanto, no caso da prisão preventiva não há lei que fixe o prazo de sua duração. Nem mesmo a recente Lei n.° 12.403/2011, que regulou diversos dispositivos relativos a prisão processual, não trouxe um prazo concreto para essa modalidade de prisão.

Até pouco tempo os tribunais superiores brasileiros adotavam em alguns dos seus julgados o prazo de 81 (oitenta e um) dias como limite para a segregação cautelar, sendo este prazo originado da própria construção jurisprudencial, firmada ao longo dos anos utilizando-se de limites de tempo pré-estabelecidos para a prática de certos atos processuais. 

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, sobre o posicionamento do prazo máximo de duração da prisão preventiva já decidiram respectivamente:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO FÚTIL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. GARANTIA DE ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. DECRETO CONSTRITIVO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA. EXCESSO DE PRAZO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

(...)

3. O período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, subsiste apenas como referencial para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica necessariamente um constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em um juízo de razoabilidade. 4. A demora no término da instrução probatória pode ser atribuída, entre outras causas, ao comportamento do acusado, inclusive, em razão de sua fuga do distrito da culpa, bem como em razão da complexidade dos fatos a serem apurados, compreendendo duas tentativas de homicídio em conexão com dois crimes de receptação e pluralidade de réus. 5. Ordem denegada, em conformidade com parecer ministerial. (STJ. 5º Turma. HC nº 59736. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 07/08/2007) (Grifou-se.)

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO, FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO, DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO DE CADÁVER, FORMAÇÃO DE QUADRILHA ARMADA. PRISÃO PREVENTIVA EM 25.10.2006. FUNDAMENTAÇÃO. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO JUSTIFICADO. COMPLEXIDADE DO FEITO. MANOBRAS PROTELATÓRIAS POR PARTE DA DEFESA.  PLURALIDADE DE RÉUS (5 PESSOAS). PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA.

3.   O período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, não deve ser entendido como prazo peremptório, eis que subsiste apenas como referencial para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica necessariamente um constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em um juízo de razoabilidade. (STJ. 5ª Turma. HC nº 117958/BA - HABEAS CORPUS nº 2008/0222737-2. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 10/02/2009) (Grifou-se.)

HABEAS CORPUS. FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. CUSTÓDIA CAUTELAR LASTREADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL (CPP, ART. 312). EXCESSO DE PRAZO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO DA DEFESA. PROCESSO COMPLEXO. ORDEM INDEFERIDA.

(...)

5. Quanto à alegação de excesso de prazo, constata-se a existência de elementos que sinalizam para a complexidade da causa (elevado número de crimes e de acusados). Em princípio, desde que devidamente fundamentada e atendido o parâmetro da razoabilidade, admite-se a excepcional prorrogação de mais de 81 dias para o término de instruções criminais de caráter complexo. (STF. 2ª Turma. HC nº 89090. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Julgado em 21.11.2006) (Grifou-se)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VOLTADA PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE DO RÉU. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES DO STF. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. INEXISTÊNCIA. PROCESSO COMPLEXO. ORDEM DENEGADA.

(...)

6. Entendo que a prisão cautelar do paciente, ainda que com prazo superior a 81 dias, pode se justificar com base no parâmetro da razoabilidade, em se tratando de instruções criminais de caráter complexo (HC 89.090/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Sessão de 21.11.2006, DJ de 05.10.2007), como parece ocorrer na hipótese. (STF. 2ª Turma. HC n.º 97983/SP. Relator: Ministra Hellen Gracie. Julgado em 02/06/2009) (Grifou-se.)

Como analisado, ambos os tribunais utilizavam o prazo de 81 (oitenta e um) dias como norteador para fixar um limite a segregação cautelar, apesar de entenderem ser passível a sua dilação. Desta forma, se faz necessário e curioso entender a origem desse prazo.

O prazo de 81 (oitenta e um) dias, como já explanado, é fruto da construção jurisprudencial e doutrinária. Os defensores deste utilizam a soma de prazos legais referentes ao início até o fim da instrução processual do indivíduo preso. Para explicar de forma didática este prazo passa-se a observar o quadro abaixo, o qual por si só já se torna auto-explicativo, como segue:

Art. 10.  O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente (...)

Prazo de 10 dias

+

Art. 46.  O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias (...)

Prazo de 05 dias

+

Art. 395. O réu ou seu defensor poderá, logo após o interrogatório ou no prazo de três dias, oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas.

Prazo de 03 dias

+

Art. 401. As testemunhas de acusação serão ouvidas dentro do prazo de vinte dias, quando o réu estiver preso, e de quarenta dias, quando solto.

Prazo de 20 dias

+

Art. 499. Terminada a inquirição das testemunhas, as partes - primeiramente o Ministério Público ou o querelante, dentro de 24 horas, e depois, sem interrupção, dentro de igual prazo, o réu ou réus - poderão requerer as diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução, subindo logo os autos conclusos, para o juiz tomar conhecimento do que tiver sido requerido pelas partes.

Prazo de 02 dias

+

Art. 499. Terminada a inquirição das testemunhas, as partes - primeiramente o Ministério Público ou o querelante, dentro de 24 horas, e depois, sem interrupção, dentro de igual prazo, o réu ou réus - poderão requerer as diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução, subindo logo os autos conclusos, para o juiz tomar conhecimento do que tiver sido requerido pelas partes.

C/C

Art. 800.  Os juízes singulares darão seus despachos e decisões dentro dos prazos seguintes, quando outros não estiverem estabelecidos:

        I - de dez dias, se a decisão for definitiva, ou interlocutória mista;

Prazo de 10 dias

+

Art. 500. Esgotados aqueles prazos, sem requerimento de qualquer das partes, ou concluídas as diligências requeridas e ordenadas, será aberta vista dos autos, para alegações, sucessivamente, por três dias (...)

Prazo de 06 dias

+

Art. 502.  Findos aqueles prazos, serão os autos imediatamente conclusos, para sentença, ao juiz, que, dentro em cinco dias, poderá ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade (...)

Prazo de 05 dias

+

Art. 800.  Os juízes singulares darão seus despachos e decisões dentro dos prazos seguintes, quando outros não estiverem estabelecidos:

        I - de dez dias, se a decisão for definitiva, ou interlocutória mista;

       (...)

§ 3o Em qualquer instância, declarando motivo justo, poderá o juiz exceder por igual tempo os prazos a ele fixados neste Código.

Prazo de 10 dias

=

Somando todos os prazos previstos nos artigos acima citados, oriundos do Código de Processo Penal, totalizam os 81 (oitenta e um) dias defendidos por alguns doutrinadores e por parte da jurisprudência.

Prazo de 81 dias

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Acontece que a maior parte desses artigos já foram substituídos[1] por novas redações, onde estipulam prazos distintos aos apresentados acima, porém mesmo com a alteração do Código de Processo Penal o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ainda insistem num prazo razoável de 81 (oitenta e um), os quais podem ser prorrogados em virtude da necessidade processual. Ora, se não existe mais esta possibilidade de construção de prazo em virtude da instrução processual como estes respeitáveis tribunais ainda decidem desta maneira? A resposta desta pergunta ficará em aberta, já que não há justificativa legal para tanto.

Após a análise jurisprudencial, é possível perceber que nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, apesar da controvérsia, o prazo máximo para o cárcere, oriundo da decretação de prisão preventiva, é, em regra, de 81 dias, porém em determinados casos o prazo pode ser considerado variável.  Os respeitosos Ministros, nos dois tribunais, defendem a tese que a dilação do prazo pode ser auferida, desde que haja justificativa para tanto. Ambos os tribunais utilizam o art. 5º, LXXVIII, e Art. 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, para justificar tal tese, qual seja que para a solução de processos “complexos” há a necessidade de aumento dos prazos previsto em lei, o qual deverá ser devidamente fundamentado e atendido o parâmetro de razoabilidade para, deste modo, poder-se cessar a instrução criminal de caráter complexo.

Muitos doutrinados (LUIGI FERRAJOLI, AURY LOPES JR., EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ), desenvolvendo uma visão garantista, discordam com o posicionamento dos tribunais de última instância do país, defendendo que o prazo máximo desse tipo de prisão cautelar deve ser delimitado, para que não forje as garantias individuais do cidadão.

Parece claro que a decretação da prisão preventiva e seus efeitos devem ser revistos pelo legislador, bem como pelos órgãos jurisdicionais, com o objetivo de tornar esta uma ferramenta para auxiliar em casos peculiares do processo penal e não como uma arma para antecipar o efeito pretendido pela acusação numa ação penal de forma arbitrária.


BIBLIOGRAFIA:

BADARÓ, Gustavo; LOPES JR., Aury Lopes.  . Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, versão digitalizada. Disponível no site: <www.stf.jus.br>. Acesso dia 25 de outubro de 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, versão digitalizada. Disponível no site: <www.stj.jus.br>. Acesso dia 25 de outubro de 2011.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do garantismo penal. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002 (Titulo original: Diritto e ragione, tradução de Ana Paulo Zome ET all)

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 1ª ed. Vol. II. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.


Nota

[1] Vide Lei nº 11.719, de 2008.

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Sobre o autor
Gustavo Kremer

BIOGRAFIA DO AUTOR: Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2010). Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - UNIDERP. Pós-graduando em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera - UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KREMER, Gustavo. A construção do prazo da prisão preventiva no ordenamento jurídico brasileiro:: processo e estigmatização . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4399, 18 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40820. Acesso em: 19 abr. 2024.

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