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Fraternidade:

um caminho jurídico para uma mudança social

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CONCLUSÃO

As reflexões feitas aqui se apresentam como respostas às indagações feitas durante todo o trabalho, que não se pode resumir em poucas linhas, mas que merecem destaque.

Nota-se que a fraternidade, mesmo sendo princípio basilar da doutrina cristã, esteve presente desde o início do mundo moderno enquanto categoria política, juntamente com a liberdade e com a igualdade. Por vezes foi abandonada exatamente por essa vinculação com o cristianismo ou em decorrência das fronteiras nacionais.

Entre aparições tímidas e corajosas, a fraternidade chegou ao século XX com status de “solução” após as grandes guerras mundiais do início do mesmo século. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o terceiro princípio da tríade revolucionária francesa passou a ser o espírito norteador das relações humanas.

Com o seu caráter universal, a Declaração dos direitos humanos determinou a vários direitos a sua característica de fundamentais, apesar de já terem sido qualificados como tais desde a Declaração dos Direitos do Homem de 1789. O que muda é a percepção de que os direitos ditos fundamentais devem ter como alvo o ser humano e o respeito à sua dignidade, buscando assim assegurar os meios efetivos para a concretude dos anseios humanos. Os direitos humanos saem da esfera nacional e passam a ter proteção internacional, inclusive com a criação de mecanismos para sua proteção na órbita internacional: Comissão Europeia de Direitos Humanos, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Corte Interamericana de Direitos Humanos, dentre outros. Mesmo que a prática seja, por vezes, diferente da teoria, a voz dos direitos humanos já não pode mais ser calada, as dificuldades encontradas alimentam ainda mais o desejo de ver consolidadas as garantias mínimas para um direito que vai além da jurisdição de um Estado.

Já se reconhece a necessidade de inter-relacionamento na sociedade pós-moderna. Ou seja, o Direito não pode mais servir apenas para garantir a individualidade do indivíduo, mas também para assegurar o relacionamento entre indivíduos. Nesta seara, a fraternidade, tantas vezes confundida com a solidariedade, é de fundamental importância, pois é com base neste princípio que o ser humano pode perceber que o outro é ele mesmo, posto que a maldade praticada contra um resulta em prejuízo para o outro. Reconhecendo isto, vários ordenamentos jurídicos ocidentais garantem em suas Constituições a fraternidade ou a solidariedade como formas de garantir o bem-estar social. Não se pode pensar em erradicar a pobreza, por exemplo, sem pensar no pobre como indivíduo detentor de dignidade, um ser igual ao administrador da coisa pública. Qualquer atitude contrária a este pensamento é puro discurso demagógico.

Apesar da escuridão do mundo, do egoísmo e extremismo vivenciado instantaneamente em todas as partes do mundo, existem personagens “nadando contra a maré”, fazendo da fraternidade o foco do seu trabalho. Inúmeros operadores do Direito demonstram em seu cotidiano como é possível “ir além”, isto é, não ficar preso ao rigor da lei fria, mas entender o seu relevante papel na construção de um mundo melhor, mais justo, onde o bem da coletividade seja colocado em primeiro plano. Se o mundo jurídico for sensível aos anseios do mundo moderno, poderá surgir uma verdadeira comunidade citada por Bauman. E o palco principal para catalisar e difundir esta prática é a universidade, a academia. É dela que partem milhares de novas mentes que decidirão o futuro da humanidade. Se pensada a fraternidade como esta “nova cultura”, ela poderá influir decididamente nos paradigmas já existentes, poderá construir um interculturalismo crítico, baseado na ética, respeito mutuo e amor ao próximo, inserindo a partir daí uma realidade efetiva de justiça social, saindo do mundo “declarador de direitos” ou “garantidor de direitos” e passando para uma terceira fase, a fase da “concretização de direitos”.

O desafio do ser humano global é reconhecer o outro como um “irmão”, pelo qual se é responsável e pelo qual exerça com maestria seu trabalho. Essa responsabilidade não fará do gênero humano uma espécie ingênua ou assistencialista, mas proporcionará uma nova forma de enxergar o mundo, enraizada na conscientização de direitos e deveres, com o intuito de lutar para que as desigualdades deste mundo possam ser extintas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sítio visitado:

www.stf.jus.br


Notas

[1] CURY, Munir; Cury, Afife. Direito e Fraternidade se abraçam. Disponível em: <www.academus.pro.br>. Acesso em 12 de março de 2015.

[2] MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade como categoria jurídico-constitucional. Disponível em: <www.academus.pro.br>. Acesso em 12 de março de 2015.

[3] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2009, p.67

[4] BARROS, Ana Maria. Fraternidade, política e direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru, p. 58. Disponível em: <https://www.ufpe.br/ppgdh/images/documentos/anamb7.pdf>. Acesso em 20 de março de 2015.

[5] RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 101.

[6] RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 101.

[7] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p.405

[8] LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 96-97.

[9] IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. 3. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.27.

[10] SALUSTIANO, Dimas. Direito e fraternidade. Disponível em: <www.dimas.pro.br/direito_e_fraternidade.pdf>. Acesso em 20 de março de 2015.

[11]SANDEL, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p.38.

[12] BAGGIO, Antonio Maria. A redescoberta da fraternidade na época do “terceiro 1789”. In: BAGGIO, Antonio Maria (organizador). O Princípio esquecido/1: A fraternidade na reflexão atual das ciências políticas. Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 2008, p. 8-9.

[13] Ibidem, p. 35-36.

[14] CUNHA, Paulo Ferreira. Geografia Constitucional. Sistemas juspolíticos e globalização. Lisboa: Quid Juris, 2009, p. 95.

[15] MAIA, Marieta Izabel Martins. Direito Fraterno: em busca de um novo paradigma jurídico. Porto: 2010, p. 39. Disponível em: <http://sigarra.up.pt/fdup/en/publs_pesquisa. show_publ_file?pct_gdoc_id=11450>. Acesso em 20 de março de 2015.

[16] BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007, p. 98.

[17] MAIA, Marieta Izabel Martins. Direito Fraterno: em busca de um novo paradigma jurídico. Porto: 2010, p. 43-44. Disponível em: <http://sigarra.up.pt/fdup/en/publs_pesquisa. show_publ_file?pct_gdoc_id=11450>. Acesso em 20 de março de 2015.

[18] MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A fraternidade como categoria constitucional. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de; CAVALCANTI, Thaís Novaes (coordenadores). Princípios humanistas constitucionais: reflexões sobre o humanismo do Século XXI. 1ª ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2010, p. 89-90.

[19] PIZZOLATO, Fillipo. A fraternidade no ordenamento jurídico italiano. In: BAGGIO, Antonio Maria (organizador). O Princípio esquecido/1: A fraternidade na reflexão atual das ciências políticas. Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 2008, p. 118.

[20] Ibidem, p. 119.

[21]A ética da reciprocidade é um princípio moral geral, que se encontra em praticamente todas as religiões e culturas, e também é encontrada na filosofia, frequentemente como regra fundamental. Este fato sugere que pode estar relacionada com aspectos inatos da natureza humana. Por exemplo: no Zoroastrismo, “Aquela natureza só é boa quando não faz ao outro aquilo que não é bom para ela própria”; no Judaísmo, “O que é odioso para ti, não o faças ao próximo. Esta é toda lei, o resto é comentário”; no Confucionismo, “Não façais aos outros aquilo que não quereis que vos façam”; no Islamismo, “Nenhum de nós é um crente até que deseje a seu irmão aquilo que deseja para si mesmo”; no Budismo, “Não atormentes o próximo com o que te aflige”; no Hinduísmo, “Esta é a suma do dever: não faças aos outros aquilo que se a ti for feito, te causará dor”; no Cristianismo, “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles”.

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[22] PIZZOLATO, Fillipo. A fraternidade no ordenamento jurídico italiano. In: BAGGIO, Antonio Maria (organizador). O Princípio esquecido/1: A fraternidade na reflexão atual das ciências políticas. Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 2008, p. 120.

[23] BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 7-8.

[24] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 575.

[25] Ibidem, p. 576.

[26] GENTILE, Nino. O espaço para o princípio de fraternidade no Direito administrativo. In: CASO, Giovanni; CURY, Afife; CURY, Munir; SOUZA, Carlos Aurélio Mota de (organizadores). Direito & Fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: Cidade Nova: LTr, 2008, p. 83.

[27] CANO, Angel. A fraternidade como categoria jurídica na aplicação das leis da família. In: CASO, Giovanni; CURY, Afife; CURY, Munir; SOUZA, Carlos Aurélio Mota de (organizadores). Direito & Fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: Cidade Nova: LTr, 2008, p. 85-86.

[28] Ibidem, p. 87.

[29] GÓMEZ, Salvador Morillas. Pistas de fraternidade na aplicação do Direito empresarial. In: CASO, Giovanni; CURY, Afife; CURY, Munir; SOUZA, Carlos Aurélio Mota de (organizadores). Direito & Fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: Cidade Nova: LTr, 2008, p. 91-93.

[30] MASSUCCO, Elena. A fraternidade como critério forense de aplicação das normas jurídicas. In: CASO, Giovanni; CURY, Afife; CURY, Munir; SOUZA, Carlos Aurélio Mota de (organizadores). Direito & Fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: Cidade Nova: LTr, 2008, p. 115-116.

[31] SANTOS, Carlos Eduardo E. B. dos. A fraternidade como elemento e plena eficácia dos direitos do trabalho. In: PIERRE, Luiz A.A.; CERQUEIRA, Maria do Rosário F.; CURY, Munir; FULAN, Vanessa R. Fraternidade como categoria jurídica. Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 2013, p. 146-147.

[32] São de grande valia as palavras de Carlos Augusto Machado sobre este movimento: O Movimento “Comunhão e Direito” é constituído por grupos de estudiosos e profissionais do direito, presentes em diversas partes do mundo, com a seguinte finalidade: a) empenho no plano concreto das atividades dos profissionais do direito, nos diversos âmbitos jurídicos, legais e judiciais, para instaurar nelas uma práxis das relações inspirada pela fraternidade; b) estudo e pesquisa no plano doutrinal, voltados aos fins previstos e conduzidos em espírito de diálogo com as diversas instâncias da atual cultura jurídica. Os membros do movimento procuram trabalhar para uma atuação da justiça e uma renovação profunda no campo jurídico, legal e judicial, instaurando novos modos de comportamento e de relações jurídicas, inspirados na fraternidade. Procurando viver a fraternidade nos comportamentos e nas relações jurídicas, percorrem um caminho em busca de sanar as múltiplas rupturas que agridem os relacionamentos e, ao mesmo tempo, garantir a comunhão, salvaguardando a identidade dos indivíduos.

[33]OLIVEIRA, Olga Maria B. Aguiar de; VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito e Fraternidade no âmbito acadêmico: a experiência do Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina. In: PIERRE, Luiz A.A.; CERQUEIRA, Maria do Rosário F.; CURY, Munir; FULAN, Vanessa R. Fraternidade como categoria jurídica. Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 2013, p. 56-57.

[34] LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 24.

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Sobre o autor
Jonathan Jefferson Miranda Messias

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESSIAS, Jonathan Jefferson Miranda. Fraternidade:: um caminho jurídico para uma mudança social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4415, 3 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41274. Acesso em: 9 mai. 2024.

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