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Coisa julgada e ação anulatória

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13/09/2003 às 00:00
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14. Atos nulos

A lei brasileira considera nulo o ato jurídico, quando praticado por pessoa absolutamente incapaz, quando seu objeto for impossível, ou quando não revestir forma adequada. Em outras palavras, sempre que o ato não observar as condições de validade dos atos jurídicos.

Entendemos cabível, assim, a ação anulatória sendo ou não processualizado referido ato, ou seja, tratando-se de ato nulo, praticado sob a égide do direito material, servindo ou não de base ao ajuizamento de um processo ou sendo praticado dentro dele, é passivo do ajuizamento da ação anulatória onde pleitear-se-á a declaração de sua nulidade e a condenação das partes ao retorno ao statu quo ante.

O Código Civil, em seus artigos 138 a 184 prevê as hipóteses de atos que, embora realizados, foram praticados sem validade jurídica, são os atos nulos ou anuláveis. [87]

Existem atos jurídicos que, por serem praticados de forma contrária à lei, são considerados nulos. Os atos nulos são de ordem pública, de alcance geral, é a chamada nulidade absoluta. Os atos anuláveis somente podem ser decretados no interesse privado, é a chamada nulidade relativa.

Mas, não só nos casos acima apontados os atos jurídicos serão nulos. Além desses casos genéricos, serão nulos os atos jurídicos, sempre que a lei assim o determinar, de maneira difusa.

A nulidade também pode ser total ou parcial. Às vezes a lei diz ser nula apenas parte do ato e não ele inteiro. O Código do Consumidor, por exemplo, sanciona com nulidade somente as cláusulas abusivas. Assim, se em determinado contrato houver cláusulas abusivas contra o consumidor, pode ser que sejam nulas apenas estas, e não o contrato inteiro.

A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público e pelo juiz, ex officio. Aliás, é dever do juiz anular de ofício os atos inquinados de defeito grave.

Os atos nulos são praticamente idênticos aos atos considerados inexistentes, ou seja, uma vez nulo o ato, o mesmo não pode resultar em qualquer efeito no mundo jurídico, deve ser considerado inexistente.

Sendo a nulidade relativa, o negócio era considerado nulo relativamente a certas pessoas e válido relativamente a outras. O ato podia convalidar-se. Por exemplo, cite-se o menor que aluga serviços. O negócio era nulo para o tomador e válido em relação ao menor. Se o contrato fosse adimplido, as partes não poderiam repetir o que se pagara. Daí dizer-se que se convalidava.

Outro exemplo seria o do escravo alienado em fraude contra credores (Lex Aelia Sentia). O ato era considerado nulo apenas em relação aos credores.

Seriam características dos atos nulos: a nulidade é imediata; todo interessado pode argüir a nulidade; a nulidade não pode ser reparada por um dos interessados; a nulidade não está sujeita a prescrição.


15. Atos anuláveis

Cuidando-se da anulabilidade, podemos afirmar que o ato era válido, sendo, potencialmente, anulável. Os casos de anulabilidade eram, em princípio, a incapacidade relativa e os vícios do consentimento (erro, dolo, coação). Na verdade, é difícil estabelecer critérios seguros para identificar as causas de anulabilidade. Há quem diga que as nulidades eram de ius civile e as anulabilidades de ius honorarium. Mas esse critério é falho, visto que há exemplos de nulidades de ius honorarium e anulabilidades de ius civile.

Eram nulos os atos, se uma das partes era incapaz por defeito de vontade, se uma das condições objetivas faltasse, se houvesse erro essencial, coação física ou simulação, e se a forma fosse inadequada. Em outras palavras, o ato era nulo se lhe faltasse vontade, objeto ou forma.

Fora desses casos, os vícios geravam anulabilidade. Existem princípios comuns aos atos nulos e anuláveis: Em primeiro lugar não se convalidavam se a causa de sua invalidade deixasse de existir; se o ato era nulo, é porque não existia e continuava não existindo; se era anulável, cessado o defeito, as partes deveriam ou refazê-lo ou confirmá-lo. Outro princípio é aquele que afirma que o ato não se convertia em outro, a não ser que houvesse disposição em contrário; assim, uma compra e venda sem o preço não se converteria em doação. Um terceiro princípio defende a idéia de que, se o defeito atingisse uma parte apenas, a outra continuava válida (utile per inutile non vitiatur).

Os atos anuláveis têm algumas regras próprias: produziam efeitos até sua anulação; admitiam confirmação, quando o defeito simplesmente desaparecia.

No direito clássico havia a nulidade reconhecida pelo ius civile e que operava ipso iure e a impugnabilidade, admitida pelo ius honorarium, por meio, principalmente, da denegatio actionis, da exceptio e da restitutio in integrum. Assim, o pretor fornecia meios para que os negócios considerados válidos pelo ius civile, não produzissem efeitos. Tal era o caso da fraude contra credores, por exemplo.

Havia casos em que, para o ius civile, o negócio era válido, mas, para o ius honorarium, era inválido. Nesses casos, cabia aos interessados recorrer ao pretor, dentro de certo prazo. Eram os negócios anuláveis.

O ato será anulável, quando inquinado de defeito leve, passível de convalidação. O ato é imperfeito, mas não tanto e tão profundamente afetado, como nos casos de nulidade, razão pela qual a lei oferece aos interessados a alternativa de requerer sua anulação, ou deixar que produza seus efeitos normalmente. É o caso do menor relativamente incapaz que realiza negócio, sem assistência de seus pais ou tutor. Estes podem requerer a anulação do negócio, ou não.

São, pois, anuláveis, para o direito brasileiro, os atos praticados por todas as pessoas relativamente incapazes, e aqueles atos eivados de erro, dolo, coação, simulação e fraude contra credores.

Além destes casos, são anuláveis os atos jurídicos, sempre que a lei assim o determinar, de modo esparso.

A anulabilidade, ao contrário da nulidade, só pode ser requerida pelos que dela se beneficiem, ou seja, pelos interessados; jamais pode ser decretada de ofício, pelo juiz.

Para o ato simplesmente anulável, a nulidade não se produz de pleno direito; é mister demandá-la em juízo para que seja pronunciada pela autoridade judiciária. Ela supõe, assim, necessariamente, a propositura de uma ação, conforme sua origem histórica, que é a in integrum restitutio pretoriana. Essa ação se denomina, em geral, ação anulatória.

Podemos apontar características dos atos anuláveis: a nulidade não é imediata; a ação anulatória não pode ser intentada por qualquer um; a nulidade pode ser sanada por confirmação; a ação anulatória não prescreve.


16. Atos Ineficazes

É ineficaz o ato jurídico, quando for válido entre as partes interessadas, e inexistente perante terceiros. Em outras palavras, o ato vale entre as partes, sendo totalmente ineficaz perante as demais pessoas.

O melhor exemplo é o do carro vendido, sem a respectiva transferência nos registros do DETRAN. Ou seja, o carro é vendido, mas continua em nome de seu antigo dono. A venda é ineficaz: é válida entre comprador e vendedor, mas para terceiros o carro continua sendo do antigo dono, até ser efetuada a transferência nos registros. As eventuais multas serão enviadas para o antigo dono, que, em princípio, poderá até ter que pagá-las, regressando, depois, contra o adquirente.


17. Efeitos da ação anulatória

Segundo Berenice Soubhie Nogueira Magri, a ação anulatória produz três efeitos sobre o processo no qual se praticou o ato impugnado. [88]

Tratam-se de efeitos decorrentes do ajuizamento da ação anulatória de ato praticado dentro de um processo, ato este viciado de alguma forma de acordo com os preceitos de direito material, conforme exposto no item anterior.

No entanto, defendemos o cabimento da ação anulatória contra todo e qualquer ato eivado de nulidade, ato este processualizado ou não, desde que produza qualquer efeito no mundo jurídico, posicionamo-nos desta forma com fundamento na análise da redação do artigo 486 do CPC, conforme já mencionamos nos itens anteriores.

Mas, o ato processualizado, também, é claro (indiscutivelmente), é passivo de decretação de anulabilidade via ação anulatória.

Passaremos, então, em primeiro lugar, a analisar os efeitos do ajuizamento da ação anulatória contra o ato processualizado contaminado com alguma nulidade material ou processual.

17.1. Efeito incidental

O primeiro efeito seria aquele que ocorre quando a ação é ajuizada no curso do processo primitivo, suspendendo-se o feito, desde que nele a sentença de mérito dependa do julgamento da ação anulatória. Este efeito teria por fundamento, segundo Berenice Soubhie Nogueira Magri, o artigo 265, incisos II e IV, a, do CPC.

Trata-se de ajuizamento incidental, onde opõe-se a ação anulatória de ato praticado em juízo no processo pendente; a sentença do processo principal pode depender do julgamento da ação anulatória, pois, se verificado qualquer vício de nulidade no ato praticado no processo pendente, o ato será desconstituído e, conseqüentemente, influenciará na sentença do processo principal onde o ato foi praticado. Assim, também será possível a suspensão do processo com fulcro no art. 265, Incisos II e IV, a, do CPC. [89]

Assim, se o pedido de anulação foi rejeitado mediante sentença transitada em julgado, no processo principal (onde o ato foi praticado), o mesmo será válido, seguindo-se normalmente o processo. Por outro lado, se o ato for considerado nulo por sentença transitada em julgado, o processo principal terá que prosseguir como se não houvesse sido o ato praticado dentro dele, porque referido ato fora desconstituído, decretado nulo.

Portanto, trata-se de um efeito incidental, decorrente do ajuizamento da ação anulatória, com o processo em andamento, visando a decretação da anulação de determinado ato nele praticado, retornando, o processo, após a decretação da nulidade do ato, ao statu quo ante, ou seja, exatamente onde estava antes da prática do ato viciado.

17.2. Efeito perante a sentença meramente homologatória

Outro efeito relativo à decretação da nulidade do ato processualizado é aquele decorrente da decretação da nulidade da sentença meramente homologatória.

Em processos onde os atos processuais dependem de sentença meramente homologatória, em casos em que a ação visando a anulação é proposta para desconstituir o ato praticado em juízo e teve uma decisão favorável, o efeito é a não subsistência do ato homologatório decretado nulo; sua desconstituição surtirá efeitos na sentença meramente homologatória, apesar do fato de que a ação anulatória não é dirigida diretamente à sentença, mas sim ao ato eivado de nulidade; mas, a desconstituição da sentença, acaba por ser efeito secundário, pois, uma vez contaminada com uma nulidade e esta declarada judicialmente, a mesma (a sentença homologatória) não poderá subsistir e gerar efeitos no mundo jurídico.

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A decisão judicial (sentença meramente homologatória) em si, nestes casos, não é anulada, sendo anulado o ato eivado de qualquer vício. A sentença é apenas uma conseqüência que tem por escopo a validade judicial de referidos atos, em casos como este, não podendo, se o ato é nulo, subsistir. É inadmissível que uma sentença homologatória possa continuar a produzir qualquer efeito no mundo jurídico se o ato que a originou fora desfeito, anulado judicialmente.

Em se tratando de sentença meramente homologatória (de determinado ato dentro em determinado processo) onde o processo continua, os efeitos da decretação da nulidade da sentença é o retorno ao feito desde o ato que foi decretado nulo, continuando o processo a partir desse momento.

Podemos citar um exemplo fictício desta situação: ter-se-ia uma sentença homologatória de transação onde ocorreu anteriormente uma nulidade e o feito encontra-se em fase de execução da sentença, ante o não cumprimento do pacto homologado; uma vez decretada judicialmente a nulidade do ato (via ação anulatória), deve o feito retornar ao statu quo ante, ou seja, ao momento anterior ao ato nulo praticado, uma vez decretada judicialmente referida nulidade.

A sentença da ação anulatória julgada procedente tem efeito constitutivo negativo (ou desconstitutivo) e retroage anulando os efeitos anteriores provocados pelo ato desconstituído, trata-se de efeito ex tunc.

Os efeitos produzidos na sentenças constitutivas, em regra, somente podem gerar mudanças no mundo jurídico a partir da sua prolação (ex nunc), sendo exceção o efeito ex tunc (efeito que atinge atos praticados anteriormente à sua prolação).

Uma vez presente a coisa julgada na sentença anulatória, o ato anulado e indevidamente praticado deixará de produzir qualquer efeito, sendo apagado qualquer efeito anteriormente existente decorrente deste ato (desde que possível). O ato anulável (nulidade relativa) e sua eficácia são desconstituídos, ou seja, como foi mencionado, o efeito é ex tunc, retroage. Já o ato nulo (nulidade absoluta) uma vez decretado via sentença transitada em julgado, desconstitui apenas o ato, não sua eficácia, porque esta não se constituiu, não pode gerar efeitos por ser ineficaz; assim, o ato nulo, como o anulável, uma vez reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado, é desconstituído em efeito ex tunc. Doutrina o mestre:

"O ato anulável produz efeitos. Só os deixa de produzir quando transita em julgado a sentença constitutiva negativa. Então, apagam-se, como se não tivessem tido eficácia (ex tunc) os efeitos anteriores. Não se dá isso com a decretação do nulo: desconstitui-se o ato jurídico; não a eficácia, porque não se desconstitui o que se não constituiu. Quando se diz que não se pode impugnar negócio jurídico nulo, ou ato jurídico stricto sensu nulo, porque não há eficácia a extinguir-se, ex tunc, está certo: impugnar é lutar contra efeitos. Mas nem toda alegação contra o inválido é impugnação: não se impugna o nulo, porque se fez do conceito de impugnação conceito de luta contra o ser e os seus efeitos". [90]

Rogério Lauria Tucci também adota esta posição, mencionando que o efeito da ação anulatória, resultante da sentença transitada em julgado "produz efeito peculiar ao desfazimento do ato jurídico, qual seja o reposicionamento do interessado na situação em que anteriormente à sua efetivação, se encontrava". [91]

Berenice Soubhie Nogueira Magri, conclui com muita propriedade: "De outra parte, entendemos que, se julgada improcedente a ação anulatória, a sentença terá natureza de declaratória negativa, e seus efeitos serão, do mesmo modo, ex tunc". [92]

Portanto, se a sentença que põe fim à ação anulatória, decretando judicialmente a nulidade do ato, com julgamento procedente, este efeito será retroativo (ex tunc); todavia, se referida sentença julgar improcedente o pedido, este efeito também será retroativo, decretando, neste momento, a validade do ato e impedindo nova discussão acerca desta questão.

17.3. Efeitos da desconstituição de ato no processo de execução

A ação anulatória, objetivando a anulação de ato praticado no processo de execução, tem efeito particularmente diferente daqueles acima expostos.

Em se tratando de adjudicação ou arrematação, homologados e não existindo impugnação destes atos via embargos, este ato, uma vez eivado de qualquer nulidade, pode ser decretado nulo via ação anulatória. Assim, anulado o ato, anular-se-á os demais atos do processo de execução, retornando sua marcha a partir do último ato anterior ao que se anula, não prevalecendo a sentença que decretou a extinção do processo executivo, homologando o ato (arrematação ou adjudicação). [93]

Fundamentando este efeito, José Manoel de Arruda Alvin Netto argumenta que os atos processuais são interdependentes e que esta interdependência possibilita que a nulidade de um ato implique em nulidade de todos os atos do processo, em seqüência posterior. [94]

Se a sentença meramente homologatória da arrematação ou da adjudicação, mesmo transitada em julgado, for posterior à prática de um ato nulo ou anulável, este ato judicial (processual) pode ser atacado via ação anulatória, onde se pode pleitear o reconhecimento judicial desta nulidade e a decretação (constitutiva negativa) do retorno do feito ao statu quo ante (estado anterior à prática do ato).

Trata-se de missão um pouco difícil, pois, o judiciário tem uma certa repulsa por esse tipo de procedimento (anular atos posteriores à sentença judicial transitada em julgado). Mas, entendemos que, em nome do princípio constitucional do amplo acesso ao judiciário, existindo um ato nulo ou anulável, enfim, viciado de alguma forma (ilegal, contrário ao ordenamento jurídico), referido ato não pode produzir efeitos no mundo jurídico, devendo, portanto, ser objeto da decretação judicial de sua nulidade.

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Sobre o autor
José Arnaldo Vitagliano

Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa julgada e ação anulatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4206. Acesso em: 19 mar. 2024.

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