Capa da publicação Imunidades parlamentares materiais: senador Fernando Collor
Capa: Marcos Oliveira / Agência Senado
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Imunidades parlamentares materiais

03/09/2015 às 12:24
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Analisamos a extensão e as razões das imunidades materiais dos parlamentares, através do debate acerca de recente discurso do senador Fernando Collor.

O senador e ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (PTB-AL) fez novo discurso na tribuna do Senado, no dia 24 de agosto do corrente ano, com ataques ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chamando-o de “fascista”. Collor foi denunciado na semana passada em um processo relativo à Operação Lava-Jato. O senador exibiu, ainda, um vídeo de cerca de dois minutos de um bate-boca na porta do seu apartamento funcional, alvo de busca e apreensão no mês passado por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

Collor defendeu que seja rejeitada a recondução de Janot, a quem chamou também de "sujeitinho à toa".

- É esse tipo, sujeitinho à toa, de procurador-geral da República, da botoeira de Janot, que queremos entregar à sociedade brasileira? Possui ele a estabilidade emocional, a sobriedade que sempre lhe falta nas vespertinas reuniões que ele realiza na procuradoria? Possui ele a estabilidade emocional, repito, a sobriedade, o perfil democrático e mais do que isso, está ele dotado da conduta moral que se exige para um cargo como esse? Não,  senhoras e senhores. Não me parece ser este o caso - afirmou.

Os ataques verbais proferidos na Tribuna certamente poderão ser objeto de discussão com relação ao crime de injúria que tenha sido praticado.

Há, no entanto, necessidade de analisar o instituto das imunidades parlamentares materiais que protegem o parlamentar pelas palavras que venha a proferir no exercício do mandato.

A liberdade de ação e isenção de procedimento legal constitui o que chamamos de imunidades parlamentares, tema de estudo, que são verdadeiras prerrogativas, direitos especiais, dos mandatários políticos.

Bem disse Paulino Jacques[1] que, sem essas prerrogativas asseguradas aos representantes do povo, não há República.

Soma-se a isso o que disse Uadi  Bulos[2] ao bem sintetizar que as imunidades parlamentares têm salutares aspectos, tais quais: defender a democracia, tornar o Poder Legislativo independente e garantir a liberdade de pensamento dos representantes da nação, nos limites rígidos do exercício parlamentar.

A matéria está inserida no que se chama de estatuto dos congressistas, que se desdobra nos seguintes tópicos:

a)      Imunidade material ou inviolabilidade (artigo 53, caput);

b)      Imunidade formal (artigo 53, § § 1º, 2º, 3º, 4º e 5º);

c)       Prerrogativa de foro (artigo 53, § 1º);

d)      Isenção do dever de testemunhar (artigo 53, § 6º);

e)      Serviço militar (artigo 53, § 7º, combinado com o artigo 143);

f)       Imunidades durante o estado de sítio (art. 53, § 8º);

g)      Incompatibilidades (artigo 54).

Nos Estados Unidos (Constituição, art. I, seç. VI), na Inglaterra, no Canadá, na Alemanha (Constituição de Weimar, artigos 36 e 37; Constituição de Bonn, artigo 46), os representantes respondem perante as suas Câmaras pelos excessos cometidos, bem assim como são considerados invioláveis durante o funcionamento delas, no âmbito da atuação política.

No Brasil, na Itália, na Espanha (artigo 71), na Argentina, as imunidades, do que se vê do cotidiano, protegem parlamentares nos delitos comuns. 

Destaco que a Lei Fundamental da Alemanha, no artigo 46, determina que o Deputado, em nenhum momento,  não poderá ser submetido a processo judicial ou ação disciplinar ou ser chamado a responder, fora do Parlamento Federal, por voto ou discurso que tenha manifestado no Parlamento Federal ou em uma das suas comissões. Tal disposição não se aplicaria às injúrias. Ainda, a Constituição germânica determina que um Parlamentar deverá  somente ser  preso se a prisão se fizer em flagrante delito. Do mesmo modo, será igualmente necessária a autorização do Parlamento Federal para qualquer outra restrição de liberdade pessoal de um Deputado ou abertura de processo contra ele. Ainda se diz que todo processo penal instaurado, nos termos do artigo 18, bem como toda detenção ou qualquer restrição de liberdade pessoal de parlamentar deverão ser suspensos quando houver pedido do Parlamento Federal nesse sentido.

Na lição de Carlos  Maximiliano[3], as imunidades parlamentares compõem a prerrogativa que assegura aos membros do Congresso a mais ampla liberdade de palavra, no exercício de suas funções, e os protege contra abusos e violações por parte dos outros Poderes constitucionais.

Preserva-se não o parlamentar, mas sua atuação livre. Por certo, já se disse, a imunidade parlamentar não alcança o parlamentar que se licencia para ocupar outro cargo na Administração Pública. Nesse caso, embora não perca o mandato, perderá as imunidades parlamentares. Foi cancelada a Súmula 4 do Supremo Tribunal Federal que dizia que "não perde a imunidade parlamentar o congressista nomeado pelo Ministro de Estado". Tal se deu no julgamento do Inquérito 104[4], quando se disse que o deputado não perde o mandato, porém, não leva consigo a imunidade material ou processual.

É o que se lê de entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando considerou que, se o afastamento se deu voluntariamente, o agente não continuará gozando de imunidade parlamentar.[5]

O suplente não tem direito à imunidade, pois não está no exercício de suas funções.

Porém, a imunidade parlamentar não se estende ao coautor do ilícito, que não esteja no exercício do mandato parlamentar, como se lê da Súmula 245 do Supremo Tribunal Federal. Tal ilação, data vênia, só é válida, como se percebe, em relação a imunidade processual do parlamentar.

Há duas espécies de imunidades parlamentares: a de natureza material ou substantiva, denominada imunidade absoluta, e a de natureza formal ou processual, denominada imunidade relativa.

Divide-se a doutrina com relação à natureza jurídica dessa imunidade:

a)      Causa excludente do delito (Pontes de Miranda, Nelson Hungria, José Celso de Mello Filho);

b)      Causa oposta à formação do crime (Basileu Garcia);

c)       Causa pessoal ou funcional de isenção da pena (Anibal Bruno);

d)      Causa pessoal de exclusão da pena (Heleno Claudio Fragoso);

e)      Causa de irresponsabilidade (Magalhães Noronha);

f)       Causa de incapacidade penal por motivos políticos (José Frederico Marques);

g)      Causa Impeditiva de aplicação da lei ou, ainda, causa paralisadora da eficácia da lei relativamente a congressistas, em razão das funções (Caccuri[6]).

Considero que a imunidade material elimina: a responsabilidade criminal; a responsabilidade civil[7], as sanções disciplinares, a responsabilidade política.

No sentido de que a imunidade material exclui a responsabilidade civil, se lê do que foi entendido pelo Supremo Tribunal Federal, no AI 473.092/AC, Relator Ministro Celso de Mello, decisão de 7 de março de 2005, que tem como precedente outro julgado no RE 140. 867/MS, Relator para o acórdão o Ministro Mauricio Corrêa. Aqui se tem a síntese:

"A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, caput), exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática in officio) ou externadas em razão deste(prática propter officium) qualquer que seja o âmbito espacial em que se haja exercido a liberdade da opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa Legislativa q que pertence."

Posto-me dentro do entendimento de Nelson Hungria[8] para quem estamos diante de causa excludente de crime.

A inviolabilidade protege, até mesmo, os relatórios e trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e outras do Poder Legislativo.

Assim, as palavras, teses ou denúncias sustentadas pelas práticas in officio ou propter officium do mandato legislativo ficam isentas de ações repressivas.

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A imunidade parlamentar é irrenunciável. Com isso, não se pode instaurar inquérito policial ou ação penal mesmo com autorização do parlamentar. Nesse sentido, entendeu o Supremo Tribunal Federal que o instituto da imunidade é garantia da independência do Poder Legislativo, razão pela qual não se reconhece ao congressista a faculdade de a ela renunciar.[9]

Por sua vez, os deputados estaduais também devem gozar da imunidade parlamentar e das prerrogativas que lhes têm sido reconhecidas pelas diversas Constituições dos Estados-membros desde a proclamação da República.

Aliás, explica Clèomenes Mário Baptista[10] que a Constituição Federal impõe, sob pena de intervenção federal, a observância do sistema representativo e do princípio da independência ou da harmonia de Poderes.

O artigo 27, § 1º, da Constituição Federal determina que as imunidades dos deputados federais são automaticamente deferidas aos deputados estaduais.

Por sua vez, os vereadores, que perderam a imunidade absoluta a partir de 1964, a readquiram, do que se lê do artigo 29, VIII, da Constituição Federal, onde se diz que são eles invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, mas quando o ato for praticado no exercício do mandato e na circunscrição do Município, observada a redação dada ao artigo, que foi  fruto de renumeração feita pela Emenda Constitucional 1/1992 com relação à antiga dicção do artigo 29, VI.

A imunidade material produz efeitos que se prolongam no tempo. Sendo assim, mesmo após o término da legislatura, o deputado ou senador não poderá sofrer qualquer investigação, incriminação, tampouco responsabilização penal, civil, disciplinar ou política pelas opiniões, palavras e votos proferidos no estrito exercício da sua atuação funcional.

No entanto, já se decidiu que, na propaganda eleitoral, tal garantia não exclui a criminalidade das ofensas a terceiros, em atos de propaganda eleitoral, fora do exercício da função e sem conexão com ela.[11]


Notas

[1] JACQUES, Paulino Ignácio. Curso de Direito Constitucional, 7ª edição, Rio de Janeiro, Forense, pág. 209.

[2] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, 6ª edição, São Paulo, Saraiva, pág. 774.

[3] MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira, 5ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1954, pág. 44 a 45.

[4] RTJ 99/479 – Relator Ministro Djaci Falcão.

[5] RDA 203/221.

[6] CACCURI, Antônio Edying. Imunidades parlamentares, RT 554/298.

[7] RE 210.907/RJ, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Informativo STF n. 118; agosto de 1998.

[8] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1977, volume I, tomo I, pág. 253.

[9] RDA, 203:221.

[10] BAPTISTA, Cleômenes Mário Dias. As imunidades parlamentares, RT 662/276.

[11]RTJ 148: 73.  

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Imunidades parlamentares materiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4446, 3 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42210. Acesso em: 23 abr. 2024.

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