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Sobre o arrependimento posterior:

da sua comunicabilidade no concurso de pessoas

20/09/2015 às 14:28
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No que diz respeito ao arrependimento posterior, a despeito de divergências, já se pode falar na prevalência da tese da reparação do dano como circunstância objetiva a ensejar a comunicabilidade entre coautores e partícipes.

O arrependimento posterior consiste em uma causa geral obrigatória de redução de pena, que ganhou previsão em nosso Código Penal, no artigo 16, com a reforma da Parte Geral.  In verbis:

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

Trata-se de um instrumento de política criminal que visa a reparação do dano em favor da vítima.

Nesse sentido dispõe o item 15 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal:

15. O Projeto mantém a obrigatoriedade de redução de pena, na tentativa (art. 14, parágrafo único), e cria a figura do arrependimento posterior à consumação do crime como causa igualmente obrigatória de redução de pena. Essa inovação constitui providência de Política Criminal e é instituída menos em favor do agente do crime do que da vítima. Objetiva-se, com ela, instituir um estímulo à reparação do dano, nos crimes cometidos “sem violência ou grave ameaça à pessoa”.

Preenchidos, pois, os requisitos legais, (1) crime sem violência ou grave ameaça à pessoa, (2) reparação do dano ou restituição da coisa, (3) ato voluntário, (4) reparação ou restituição até o recebimento da denúncia ou da queixa, o juiz deverá reduzir a pena, tratando-se de um direito subjetivo do agente.

Anote-se, por oportuno, que o arrependimento posterior não se confunde com o arrependimento eficaz, que, por sua vez, com previsão no art. 16 do Código Penal, dá-se quando o agente, após, praticar todos os atos executórios impede que o resultado se produza.

De volta ao arrependimento posterior, discute-se a comunicabilidade da circunstância entre os agentes em concurso para o cometimento do delito.

A respeito, dispõe o art. 30, do Código Penal:

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Explica Cezar Roberto Bitencourt:

Circunstâncias são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas “circundam” o fato principal. Não integram a figura típica, podendo contribuir, contudo, para aumentar ou diminuir a sua gravidade. As circunstâncias podem ser objetivas ou subjetivas. Objetivas são as que dizem respeito ao fato objetivamente considerado, à qualidade e condições da vítima, ao tempo, lugar, modo e meios de execução do crime. E subjetivas são as que se referem ao agente, às suas qualidades, estado, parentesco, motivos do crime etc. Condições de caráter pessoal são as relações do agente com o mundo exterior, com outros seres, com estado de pessoa, de parentesco etc. Elementares do crime são dados, fatos, elementos e condições que integram determinadas figuras típicas. Certas peculiaridades que normalmente constituiriam circunstâncias ou condições podem transformar-se em elementos do tipo penal e, nesses casos, deixam de “circundar” simplesmente o injusto típico para integrá-lo.” (Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 404)

Inferem-se, pois, duas regras básicas: (1) as circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam entre coautores e partícipes e (2) as circunstâncias objetivas e as elementares do tipo se comunicam se dentro da esfera de conhecimento dos participantes.

Sobre a circunstância da reparação do dano, delinearam-se duas correntes, uma defendendo a sua incomunicabilidade, tomando-a como circunstância subjetiva, e outra, a sua comunicabilidade, considerando-a de ordem objetiva.

A divergência fez-se sentir tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.

Entre outros, Guilherme de Souza Nucci, Luis Régis Prado, Luiz Flávio Gomes e Antônio Molina defendem tratar-se de circunstância pessoal na medida em que pressupõe ato voluntário e pessoal do agente voltado à reparação do dano. Não devendo, pois, se comunicar.

Nesse sentido, confira-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A 3 ANOS, 1 MÊS E 15 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME ABERTO, E MULTA POR PECULATO, EM CONCURSO FORMAL (ART. 312, CAPUT, C/C ART. 71, AMBOS DO CPB). SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. INADMISSIBILIDADE EM SE CONSIDERAR, COMO MAUS ANTECEDENTES, AÇÕES PENAIS EM CURSO E INQUÉRITOS POLICIAIS. RESSALVA DO ENTENDIMENTO CONTRÁRIO DO RELATOR. ARREPENDIMENTO POSTERIOR, COM REPARAÇÃO DO DANO. INADMISSIBILIDADE DE EXTENSÃO AOS DEMAIS CO-ACUSADOS. CONDIÇÃO PESSOAL, NECESSITANDO DE ATO VOLUNTÁRIO DO AGENTE. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM, COM DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, NO ENTANTO, TÃO-SOMENTE PARA REDUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PARA 2 ANOS DE RECLUSÃO, DEVENDO O TRIBUNAL A QUO PROCEDER À NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. (...) 4.   Não se desconhece a existência de julgados desta Corte Superior no sentido de extensão da causa de diminuição da pena prevista no art. 16 do CPB - arrependimento posterior - aos co-réus (nesse sentido: RHC 4.147/SP, Rel. Min. ASSIS TOLEDO, DJU 06.02.95; REsp. 122.760/SP, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU 21.02.00; REsp. 264.283/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJU 19.03.01), tratando-se, pois, de circunstância objetiva e, portanto, comunicável. Todavia, ouso discordar de tal posicionamento, por entender cuidar-se de circunstância de caráter pessoal, demandando ato voluntário e pessoal do agente, visando à reparação do dano causado, sendo, assim, inadmissível a sua extensão aos demais co-acusados. (...) (HC 92.004/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2009, DJe 01/06/2009) (original sem grifo)

Em sentido contrário, Damásio de Jesus, Rogério Greco, entre outros, sustentam que a reparação do dano é circunstância objetiva que não se restringe à esfera pessoal de quem a realiza, estendendo-se, pois, aos coautores e partícipes.

Nessa linha:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. ART. 16 DO CP. REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO. CIRCUNSTÂNCIA OBJETIVA. COMUNICABILIDADE AOS DEMAIS AUTORES. PENA-BASE. PERSONALIDADE. VALORAÇÃO NEGATIVA. PROCESSOS CRIMINAIS EM CURSO. ILEGALIDADE FLAGRANTE. SÚMULA 444/STJ. 1. Pela aplicação do art. 30 do Código Penal, uma vez reparado o dano integralmente por um dos autores do delito, a causa de diminuição prevista no art. 16 do mesmo Estatuto estende-se aos demais coautores, por constituir circunstância de natureza objetiva, cabendo ao julgador avaliar a fração de redução que deve ser aplicada, dentro dos parâmetros mínimo e máximo previstos no dispositivo, conforme a atuação de cada agente em relação à reparação efetivada. (...)(REsp 1187976/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe 26/11/2013) (original sem grifo)

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO A CO-RÉUS. Apesar de a lei se referir à ato voluntário do agente, a reparação do dano, prevista no art. 16 do Código Penal, é circunstância objetiva, devendo comunicar-se aos demais réus. Recurso conhecido e provido. (REsp 264.283/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/02/2001, DJ 19/03/2001, p. 132) (original sem grifo)

A despeito da divergência, na prática, vem prevalecendo a tese da reparação do dano como circunstância objetiva. Vinculando-se mais a aspectos relativos ao fato objetivamente e situação da vítima que vem a ser ressarcida, que a características pessoais do agente, apesar de pressupor ato voluntário.

A posição não deixa de se alinhar com a finalidade do instituto, mais preocupada com a reparação objetiva da vítima, do que com a reprovabilidade do agente.

Destaca Rogério Greco:

Lembrou-se o legislador, aqui, de elaborar um artigo que atendesse mais às necessidades da vítima que propriamente aos anseios do indiciado, pois, uma vez reparado o dano ou restituída a coisa até o recebimento da denúncia por ato voluntário do agente, sua pena sofrerá uma redução de um a dois termos, amenizando, dessa maneira, para a vítima, as consequências da infração penal. (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 17ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, p. 335)

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A propósito, sintetiza Celso Delmanto:

“Salvo raras exceções, pacífico é o entendimento jurisprudencial e doutrinário de que a devolução da coisa ou a reparação do dano feita por um dos acusados aproveita aos demais, considerando-se o art. 16 como circunstância objetiva. Entendemos acertada essa posição, mesmo porque uma vez restituída a coisa ou reparado o dano por um dos coautores ou partícipes, não há como o outro fazê-lo (é impossível devolver a mesma coisa ou reparar o dano duas vezes). Com efeito, pode ocorrer, por exemplo, que um dos comparsas seja preso, sendo a coisa restituída pelo outro que estava foragido  e que detinha a posse  da res furtiva, sendo mesmo impossível ao que estava preso restituir a coisa que não estava consigo. Como se vê neste simples exemplo, considerar como pessoal ou subjetiva fatalmente levará a iniquidades em desfavor daquele que quer restituir ou reparar o dano, mas não consegue por que o outro já o fez. Não comungamos,  desse modo, com a posição adotada por Guilherme de Souza Nucci exigindo que todos os coautores e partícipes decidam conjuntamente devolver a coisa ou reparar o dano para que a cada um deles seja aplicada a redução da pena prevista neste art. 16 ( Código Penal Comentado, 9ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 195). (Delmanto, Celso e outros. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:  Saraiva, 2010, p. 145).

Sobre a importante questão prática destacada pelo autor, da impossibilidade fática de um comparsa reparar o dano ou restituir a coisa quando o outro já o fez, é válida uma observação em caso de reparação parcial, que permitiria complementação pelo outro.

É que a doutrina majoritária entende que a causa de diminuição só deve ser reconhecida em caso de reparação integral do dano, com adoção de critérios como sinceridade, presteza, momento da reparação, para a definição da fração de redução.

No entanto, há decisão do Supremo Tribunal de Justiça admitindo a incidência da minorante mesmo em caso de reparação parcial do dano (HC 98658/PR, j. 9.11.2010), quando, então, se considera a extensão do ressarcimento na definição da redução.

Em caso de comunicabilidade da circunstância entre coautores e partícipes, deve-se ressaltar que é perfeitamente possível a variação da fração aplicada a cada um de acordo sinceridade, presteza, momento e extensão da reparação por cada um, considerando-se, sua atuação particularizada na reparação efetiva. Observando-se, nesse pnto, o princípio da individualização do pena consagrado constitucionalmente.

Destarte, a despeito de divergências, já se pode falar na prevalência da tese da reparação do dano como circunstância objetiva a ensejar a comunicabilidade entre coautores e partícipes. Alinhando-se, assim, à finalidade do instituto, mais voltado à vítima, sem olvidar a individualização da pena no momento da definição da fração de redução a cada participante.


Referências:

Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

Cavalcante, Márcio André Lopes. Principais Julgados do STF e STJ comentados/2013. Dizer o direito, 2014.

Delmanto, Celso; Delmanto, Roberto; Delmanto Júnior, Roberto; Delmanto, Fábio M. de Almeida Delmanto. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. 

Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 17ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICTORASSO, Lorena Junqueira Victorasso. Sobre o arrependimento posterior:: da sua comunicabilidade no concurso de pessoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4463, 20 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42571. Acesso em: 23 abr. 2024.

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