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O exame das questões de fato no julgamento dos recursos extraordinário e especial

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A limitação ao exame de questões de direito no julgamento dos recursos extraordinário e especial está adstrita ao juízo de cassação, pois o STF e o STJ podem efetuar a análise da prova sobre os fatos por ocasião do rejulgamento da causa.

1) Introdução

O exame das questões de fato no julgamento dos recursos extraordinário e especial constitui matéria que desperta grande discussão teórica e prática no direito processual brasileiro.

A importância do tema relativo ao exame das questões de fato no julgamento dos recursos extraordinário e especial é evidenciada pela necessidade de verificar os casos em que tais recursos são cabíveis. O tema também é importante para que se possa identificar e demonstrar eventual equívoco na aplicação da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal[1] e da Súmula nº 07 do Superior Tribunal de Justiça[2].

Para verificar em que casos o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça podem examinar questões de fato no julgamento dos recursos extraordinário e especial, inicialmente, estudaram-se as finalidades institucionais destes recursos a fim de identificar os limites da cognição nas instâncias de superposição.[3]

Posteriormente foi realizada a distinção entre as questões de fato e as questões de direito segundo critério técnico-processual, além de indicar as matérias que podem e as que não podem ser examinadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos recursos extraordinário e especial.

Ao final, analisou-se a forma de julgamento dos recursos extraordinário e especial, que é dividido em três etapas sucessivas – consistentes (i) no juízo de admissibilidade dos recursos; (ii) no juízo de cassação da decisão impugnada, que somente ocorre quando há demonstração de ofensa à Constituição ou à lei federal; e (iii) no juízo de revisão, em que se realiza o rejulgamento da causa -, com o esclarecimento de que a proibição ao exame de matéria fática ocorre apenas na segunda etapa. 


2) Funções dos recursos extraordinário e especial

A doutrina brasileira é praticamente unânime ao afirmar que os recursos de estrito direito, assim entendidos os recursos extraordinário e especial, não configuram uma terceira instância ou um terceiro grau de jurisdição. Na doutrina prevalece a teoria da “preponderância” das funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência.[4]

Segundo a teoria da preponderância das funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência, os recursos extraordinário e especial foram instituídos para efetuar a proteção da autoridade e da correta aplicação da Constituição e da lei federal, servindo aos interesses particulares das partes de forma indireta.[5] Para o Ministro Athos Gusmão Carneiro, o “interesse privado do litigante vencido funciona, então, mais como móvel e estímulo para a interposição do recurso extremo, cuja admissão, todavia, à existência de uma questão federal constitucional ou infraconstitucional.”[6]

Com efeito, os recursos extraordinário e especial constituem instrumentos colocados à disposição das partes para impugnar tanto o error iuris in iudicando quanto o error in procedendo. Entretanto, o atendimento do interesse das partes é apenas um efeito indireto ou reflexo do provimento do recurso, pois a finalidade precípua dos recursos de estrito direito é a de propiciar aos tribunais superiores o zelo pela validade, autoridade e uniformidade do direito constitucional.[7]

Devido à finalidade precípua dos recursos extraordinário e especial, a Constituição não prevê o erro cometido na análise da prova sobre os fatos como hipótese de cabimento de recursos de estrito direito pelo simples motivo de que este tipo de vício não está diretamente ligado às funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência. [8]

É possível concluir que a teoria da preponderância das funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência dos recursos extraordinário e especial foi consagrada pela Constituição da República (arts. 102, inc. III, a-d, e 105, inc. III, a-c), que limitou o cabimento destes recursos às hipóteses que versam sobre questões constitucionais e federais infraconstitucionais.


3) A distinção entre as questões de fato e as questões de direito

Conforme ressaltado no item anterior, os recursos extraordinário e especial exercem, preponderantemente, as funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência, motivo pelo qual o cabimento deles é limitado às questões constitucionais e federais infraconstitucional.

Entretanto, a distinção entre questões de fato e questões de direito nem sempre é muito fácil de se traçar com perfeita nitidez, gerando, muitas vezes, dúvidas e equívocos sobre o cabimento dos recursos extraordinário e especial.

Neste particular, a professora Teresa Arruda Alvim Wambier ensina que não é possível fazer uma distinção integral entre questões de fato e questões de direito no plano ontológico, pois o direito ocorre no momento de incidência da norma sobre determinado fato, ou seja, o direito acontece quando se encontram o mundo dos fatos com o mundo das normas.[9]

De acordo com a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, as decisões judiciais são proferidas somente depois que o juiz, analisando os fatos relevantes e as normas pertinentes, consegue realizar a subsunção, com a qualificação jurídica dos fatos e a determinação das consequências no plano normativo.[10]

Embora o fenômeno jurídico envolva necessariamente fato e norma, é possível identificar questões que sejam predominantemente de fato ou predominantemente de direito, pois a controvérsia pode estar circunscrita em torno dos fatos ou do direito.[11]

A possibilidade de se dividirem as questões jurídicas em predominantemente fáticas e predominantemente de direito pode se dar por meio de dois critérios diferentes. O primeiro deles é o ontológico ou substancial, enquanto o segundo é de natureza técnico-processual.[12]

Adiante serão examinados apenas os critérios técnico-processuais utilizados para distinguir as questões de fato das questões de direito, por se tratar de estudo voltado à aferição dos requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial.

Segundo a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, a questão será predominantemente fática, do ponto vista técnico, quando houver necessidade de reexaminar as provas sobre os fatos admitidos pela decisão impugnada para realizar-se o julgamento do recurso.[13]

Por sua vez, os professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart sustentam que “o conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos”.[14]

Portanto, apenas as questões relacionadas à análise das provas sobre os fatos não podem ser reexaminadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos recursos extraordinário e especial.

O critério proposto pelo professor Luiz Guilherme Marinoni considera a existência de uma linha temporal em que no meio encontram-se as questões relacionadas ao reexame de prova sobre os fatos, ao passo que as anteriores e posteriores àquele marco temporal constituem questões de direito.[15]

Com efeito, as questões anteriores à análise da prova sobre os fatos dizem respeito à prova em abstrato e à forma de convicção do magistrado. Tais matérias versam sobre direito probatório e não sobre os fatos aferidos pelo magistrado a partir das provas existentes nos autos.[16] Isso quer dizer que, não obstante o sistema da persuasão racional consagrado no artigo 131 do Código de Processo Civil, a atividade do magistrado está condicionada pelas regras do direito probatório.[17]

Com base neste entendimento, os professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart distinguem o reexame de prova, concernente à convicção do julgador sobre os fatos, da aferição: i) da licitude da prova utilizada; ii) da prova necessária para a validade do ato jurídico; iii) da prova exigida para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual; vi) do direito material; vii) do ônus da prova; e viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções.[18]

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está repleta de decisões que fazem a correta distinção entre reexame de prova e revaloração da prova, de acordo com a diferenciação efetuada pelos professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Confira-se:

PROCESSO CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. VALORAÇÃO DA PROVA. OFENSA A PRINCÍPIO NO CAMPO PROBATÓRIO. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA. TRIBUNAIS DE ALÇADA E DE JUSTIÇA. LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. LEI LOCAL. ENUNCIADO N. 280 DA SÚMULA/STF. RECURSO DESACOLHIDO.

I - Como admiravelmente ressaltou o Ministro Rodrigues Alckmin, "o chamado erro na valorização ou valoração das provas, invocado para permitir o conhecimento do recurso extraordinário, somente pode ser o erro de direito, quanto ao valor da prova abstratamente considerado. Assim, se a lei federal exige determinado meio de prova no tocante a certo ato ou negócio jurídico, decisão judicial que tenha como provado o ato ou negócio jurídico por outro meio de prova ofende o direito federal. Se a lei federal exclui certo meio de prova quanto a determinados atos jurídicos, acórdão que admita esse meio de prova excluído ofende à lei federal. Somente nesses casos há direito federal sobre prova, acaso ofendido, a justificar a defesa do ius constitutionis. Mas, quando, sem que a lei federal disponha sobre valor probante, em abstrato, de certos meios de prova, o julgado local, apreciando o poder de convicção dela, conclua (bem ou mal) sobre estar provado, ou não, um fato, aí não se tem ofensa ao direito federal; pode ocorrer ofensa (se mal julgada a causa) ao direito da parte. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, sob color de valorar a prova, reapreciá-la em seu poder de convicção, no caso, para ter como provado o que a instância local disse não estar. Seria, induvidosamente, transformar o recurso extraordinário em uma segunda apelação, para reapreciação de provas (que se consideram mal apreciadas) quanto aos fatos da causa".

(...)

(REsp 191.431/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2002, DJ 15/04/2002, p. 220)

Quanto à prova exigida para o uso de determinado procedimento, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que o mandado de segurança não constitui o meio adequado para questionar fato cuja aferição dependa da produção de prova pericial. Senão, vejamos:

ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POSSE. REQUISITOS. APTIDÃO FÍSICA E MENTAL. LEGALIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVIABILIDADE DA VIA ELEITA.

I - A posse em cargo público está condicionada ao atendimento de certos requisitos previstos no edital e na lei, dentre os quais a aptidão física para o exercício das atribuições do cargo. Não atendido esse requisito, a negativa da administração em dar posse ao candidato não pode ser considerada abusiva ou ilegal.

II - Na estreita via mandamental não se possibilita a dilação probatória. A certeza e a liquidez do direito vindicado devem ser demonstradas de plano. Precedentes. Recurso desprovido. (RMS 13.514/TO, 5.ª Turma Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 31/03/2003.)

Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a prova pericial é um direito da parte e que o magistrado não pode dispensá-la quando o fato probando depender de conhecimento técnico ou científico. Confira-se:

ADMINISTRATIVO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DE ACORDO. INÉPCIA DA INICIAL. AFASTAMENTO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. DECURSO DO LAPSO TEMPORAL NÃO CONFIGURADO. PRETENSÃO DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. PERSUASÃO RACIONAL DO MAGISTRADO. FATO PROBANDO QUE EXIGE CONHECIMENTO TÉCNICO OU CIENTÍFICO. DIREITO DA PARTE À PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. DECISÃO MANTIDA.

(...)

5. Quando o fato a ser demonstrado exigir conhecimento técnico ou científico, a produção de prova pericial é um direito da parte, não podendo o magistrado indeferi-la. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1385371/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/12/2013, DJe 16/12/2013)

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Da leitura dos julgamentos acima citados é possível verificar que a valoração da prova não se confunde com o reexame da convicção do juiz formada com base na livre apreciação das provas existentes nos autos, pois não se trata de reexaminar o conjunto probatório para rever a convicção do magistrado, mas de atribuir a cada prova o valor que em alguns casos a lei estabeleceu.[19]

Ainda de acordo com o critério proposto pelo professor Luiz Guilherme Marinoni, a qualificação jurídica dos fatos e a determinação da consequência no plano normativo são consideradas questões de direito. [20]

Com efeito, a qualificação jurídica dos fatos ocorre em momento posterior à determinação dos fatos pelo magistrado, pois primeiro se decide qual a versão dos acontecimentos deve prevalecer e somente depois é feito o enquadramento dos fatos numa categoria jurídico-substancial (responsabilidade civil contratual ou aquiliana, locação, comodato, etc.) pertinente ao caso.[21]

O erro na qualificação jurídica dos fatos é considerado uma questão de direito porque a subsunção de um fato à norma pressupõe a interpretação da legislação aplicável.[22] E, como se sabe, a interpretação determina o sentido e o alcance da norma, de modo que o magistrado pode indevidamente alargar ou diminuir a abrangência da norma, aplicando-a de forma incorreta aos fatos estabelecidos na decisão impugnada. [23]

Na doutrina, o professor José Carlos Barbosa Moreira ensina que a qualificação jurídica dos fatos é considerada uma questão de direito e os tribunais de superposição podem mudar livremente a qualificação jurídica da versão dos acontecimentos que foi admitida pelas instâncias ordinárias.[24]

Sobre o tema em exame, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a qualificação jurídica dos fatos não constitui reexame de matéria fático-probatória. Senão, vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. DESOBEDIÊNCIA AO AGENTE PENITENCIÁRIO. ART. 50, IV, C/C O ART. 39, II, AMBOS DA LEP. FALTA GRAVE. CARACTERIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. NOVA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS. DISSÍDIO PRETORIANO DEVIDAMENTE DEMONSTRADO.

1. A decisão agravada não reexaminou as provas, mas apenas atribuiu nova qualificação jurídica (falta grave) aos fatos delimitados no acórdão recorrido (desobediência à ordem dos agentes penitenciários de retorno à cela), motivo pelo qual não incide o óbice da Súmula 7/STJ.

(...)

(AgRg no REsp 1381095/RO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 20/08/2015)

Da mesma forma, a equivocada determinação da consequência no plano normativo constitui questão de direito. Esta afirmação é compatível com o entendimento segundo o qual a sanção prevista em lei é indissociável do conceito de norma jurídica.[25]

Pode-se citar como exemplo de atribuição de uma consequência jurídica equivocada a hipótese em que, não obstante a decisão impugnada tenha reconhecido a prática do ato de improbidade tipificado no artigo 11 da Lei Federal nº 8.429/1992, o tribunal deixa de aplicar a pena de suspensão dos direitos políticos ao agente público. Esta questão foi submetida ao exame do Superior Tribunal de Justiça, que conheceu do recurso especial interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul e reformou o acórdão impugnado para determinar a aplicação da pena de suspensão dos direitos políticos do agente público cuja prática do ato de improbidade havia sido reconhecida pelas instâncias ordinárias. 

ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS - VEREADORES - PERMISSÃO QUE FUNCIONÁRIOS DE SEUS GABINETES RECEBESSEM SALÁRIOS SEM COMPARECEREM AO TRABALHO - SANÇÃO CIVIL E SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS.

1. Reconhecida pelo Tribunal de origem a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei 8.429/92, e delineado no acórdão recorrido o contexto-fático em que se desenvolveu a conduta do agente, é possível ao STJ afastar o óbice da Súmula 07/STJ e, mediante a valoração dos fatos, averiguar a observância ao princípio da proporcionalidade.

(...)

4. A partir dessas premissas, tem-se que a sanção puramente pecuniária não atende aos fins sociais a que se destina a Lei de Improbidade Administrativa, sendo indispensável a imposição, também, da sanção de suspensão dos direitos políticos, com fundamento no art. 12, III, da Lei 8.429/92, a quem agiu com desprezo no seu exercício.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1025300/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 02/06/2009)

Conclui-se que, de acordo com o critério técnico-processual, a expressão “reexame de prova” compreende apenas a análise das provas sobre os fatos admitidos na decisão impugnada, não abrangendo as regras de direito probatório, a qualificação jurídica dos fatos descritos na decisão impugnada, nem a determinação da consequência no plano normativo.


4) Análise de questões de fato no rejulgamento dos recursos extraordinário e especial

Não obstante os recursos extraordinário e especial possuam, preponderantemente, funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência, engana-se quem pensa que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ficam totalmente alheios ao exame dos fatos no julgamento destes recursos.

Isso porque, por força de expressa previsão constitucional (arts. 102, inc. III, a-d, e 105, inc. III, a-c), o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça devem efetuar o julgamento da causa após a admissibilidade dos recursos extraordinário e especial.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça também possuem competência para efetuar o juízo de revisão, com a realização de novo julgamento da causa. Tal situação faz com que o julgamento dos recursos extraordinário e especial seja dividido em três etapas sucessivas, cada uma subordinada à superação positiva da que lhe antecede. A primeira se refere ao juízo estrito de admissibilidade, ao passo que a segunda diz respeito ao juízo sobre a alegação de ofensa à Constituição e à lei federal, enquanto a terceira e última etapa está relacionada ao novo julgamento da causa. [26]

Nesse sentido, o professor Nelson Nery Júnior ensina que o sistema constitucional brasileiro confere dupla competência ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos recursos extraordinário e especial. A primeira diz respeito ao juízo de cassação da decisão impugnada. Caso seja constatada a existência de ofensa à Constituição ou à lei federal, os tribunais de superposição devem dar provimento ao recurso e cassar a decisão impugnada. Somente depois de haver dado provimento ao recurso excepcional é que, num segundo momento, poderão efetuar o juízo de revisão.[27]

A importância de separar as etapas de julgamento dos recursos extraordinário e especial se deve ao fato de que a proibição do exame de matéria fático-probatória somente ocorre em uma das fases do julgamento.[28] O professor Nelson Nery Júnior ensina que o conteúdo e os limites do juízo de revisão são dados pelo sistema legal que disciplina os recursos, podendo o tribunal de superposição ingressar livremente no exame da prova constante dos autos, funcionando como verdadeiro tribunal de apelação que pode corrigir as injustiças existentes e examinar pela primeira vez as questões de ordem pública, ainda que não tenham sido apreciadas pelas instâncias ordinárias.[29]

No que diz respeito aos limites do juízo de revisão, João Francisco Naves da Fonseca diverge parcialmente do entendimento do professor Nelson Nery Júnior ao afirmar que os tribunais de superposição não podem ingressar livremente no exame das provas para corrigirem eventuais injustiças. Para o citado autor, os tribunais de superposição apenas poderiam examinar as provas sobre os fatos que ainda não tenham sido apreciados, sendo-lhes vedado reexaminar os pontos de fato decididos pelo tribunal de origem, uma vez que este possuiria competência soberana para o julgamento destas questões.[30]

Embora a opinião defendida por João Francisco Naves da Fonseca possua apoio em parte doutrina[31], fato é que a Constituição conferiu competência ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça para efetuarem o juízo de revisão, após a realização do juízo de cassação, não se justificando que a cognição fique limitada à análise da prova de fatos que não tenham sido apreciados pelas instâncias ordinárias.

Com efeito, o exame de matéria fática na terceira etapa do julgamento dos recursos extraordinário e especial decorre da necessidade de rejulgamento da causa, após a superação do juízo de admissibilidade e do juízo de cassação da decisão impugnada. Ou seja, não obstante as funções nomofiláticas e de uniformização da jurisprudência predominem nos juízos de admissibilidade e de cassação do recurso, superadas essas etapas, os tribunais de superposição devem voltar sua atenção para a administração da justiça no caso concreto, cumprindo outra importante função dos recursos extraordinário e especial. [32]

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 456, que consagrou o seguinte entendimento jurisprudencial: “O Supremo Tribunal Federal conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.

Da mesma forma, a regra contida no artigo 257, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, dispõe que:No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie. ”

Em suma, embora os recursos extraordinário e especial exerçam, preponderantemente, às funções nomofilática e uniformizadora da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça podem examinar questões de fato no juízo de revisão, caso seja efetuada a admissibilidade do recurso e a cassação da decisão impugnada.

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Sobre o autor
Daniel Arévalo Nunes da Cunha

Procurador do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Daniel Arévalo Nunes. O exame das questões de fato no julgamento dos recursos extraordinário e especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4480, 7 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43394. Acesso em: 18 abr. 2024.

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