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Momento de verificação da presença da imputação objetiva

15/10/2003 às 00:00
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Dois são os marcos erigidos pela doutrina para estabelecer o momento em que a imputação objetiva deve ser apreciada. No primeiro, leva-se em consideração o nexo de causalidade objetiva; no segundo, o requisito subjetivo-normativo do tipo (dolo ou culpa).

É controvertida a questão de se estabelecer o momento em que a imputação objetiva deve ser apreciada. Dois são os marcos erigidos pela doutrina. No primeiro, leva-se em consideração o nexo de causalidade objetiva; no segundo, a questão é avaliada tendo por base o requisito subjetivo-normativo do tipo (dolo ou culpa).

No que se refere ao nexo de causalidade, há dois posicionamentos:

1.º) a imputação objetiva deve ser apreciada depois do nexo de causalidade material (doutrina alemã dominante). É a orientação dos doutrinadores brasileiros;

2.º) a imputação objetiva deve ser examinada antes do nexo causal.

Juarez Tavares inclina-se pela primeira posição, uma vez que, para ele, a afirmação da causalidade não é suficiente para que o resultado seja imputável a alguém, ou seja, para "que esse resultado seja atribuído objetivamente ao agente como obra sua, isto é, como base para uma responsabilidade pessoal a partir de considerações de sua própria capacidade de domínio sobre essa causalidade" [1]. Adotando também a primeira tese, Frederico Augusto de oliveira santos afirma que a causalidade representa um "dado ontológico pré-figurado à imputação. Esta é categoria posterior à causalidade e consiste em um dado axiológico, existindo quando a conduta cria um risco juridicamente desaprovado que se concretiza na produção do resultado" [2]. Fernando Galvão é igualmente partidário do primeiro posicionamento. Para ele, o processo de responsabilização do resultado jurídico-penal deve ser visto em duas etapas: "confirmada a causalidade, segue-se atribuição normativa do resultado ao seu autor. Assim, pode-se distinguir causalidade de imputação objetiva. A relação de causalidade jurídico-penal relaciona uma conduta a determinado resultado no plano naturalístico, e constitui pressuposto para a responsabilização criminal do indivíduo" [3]. De acordo com Selma pereira de Santana, "a tradicional observação da relação causal naturalística passa a constituir o primeiro momento na apuração da imputação objetiva. Uma vez constatado o vínculo causal, o passo seguinte será a verificação da existência de critérios de natureza normativa, consistentes eles na criação ou incremento de um perigo não permitido, que se materializa na lesão a um bem juridicamente tutelado, dentro do alcance do tipo, uma vez que as normas só podem coibir condutas que gerem ou aumentem riscos não permitidos a bens juridicamente tutelados" [4]. No mesmo sentido, em termos de que a análise da causalidade é anterior à imputação objetiva, encontramos as opiniões de Fernando Capez [5]; Luiz Regis Prado e Erika Mendes de Carvalho [6]; Fábio Roberto D’avila [7] e Everards Mota e Matos [8].

Quando se cuida de analisar o momento de verificação da imputação objetiva em relação ao requisito subjetivo-normativo (dolo ou culpa), surgem, também, dois posicionamentos:

1.º) a análise do requisito dolo-culpa deve anteceder àquela que se refere à verificação de ocorrência da imputação objetiva;

2.º) deve ser-lhe posterior.

Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho, divergindo da posição vencedora na doutrina, optam pela primeira posição. Para eles, "o tipo subjetivo é anterior ao tipo objetivo, ainda que por razões expositivas e porque o tipo objetivo é o objeto do tipo subjetivo, deve ser explicado antes do tipo subjetivo. É imperioso que se parta do tipo subjetivo para se saber qual o tipo objetivo efetivamente realizado, visto que este último não se trata de mera causação de um evento no mundo exterior, mas produto de uma ação finalista dirigida e controlada pelo sujeito. Daí a referida proeminência do tipo subjetivo na determinação do sentido social típico da conduta" [9].

Paulo de Souza Queiroz, partidário da segunda corrente, entende que, além de um corretivo à relação causal, a teoria da imputação objetiva representa "uma exigência geral da realização típica, a partir da adoção de critérios essencialmente normativos, de modo que sua verificação constitui uma questão de tipicidade, e não de antijuridicidade, prévia e prejudicial à imputação do tipo subjetivo (dolo e culpa)" [10].

Com razão a última corrente, já que investigações que visam a certificar se o resultado é obra do autor prescindem do elemento subjetivo. É indiferente, para tal compreensão, ter o agente desejado (dolo) ou não (culpa) o resultado. Somente após verificar-se a possibilidade de imputação, levando em consideração aspectos meramente objetivos, é que se deve partir para a análise da questão subjetiva [11]. Ademais, necessita ficar esclarecido que não há um risco proibido para os crimes dolosos e outro para os culposos. O perigo é o mesmo para todas as espécies de infrações penais. Assim, se o autor, no trânsito, realizando uma conduta produtora de um risco desaprovado, causa um acidente com morte de terceiro, há imputação objetiva da conduta e do resultado jurídico, independentemente do aspecto subjetivo-normativo (dolo e culpa), que somente será levado em conta no momento posterior à verificação da causalidade.

De considerar-se que o "risco" pertence ao mundo natural, enquanto a permissão e a proibição determinam-se de acordo com as regras do ordenamento social. A tolerância para a realização da conduta criadora de risco advém das estruturas sociais, que, por intermédio de diferentes critérios, disciplinam o lícito e o desaprovado. Nessa mesma linha de raciocínio, pode-se dizer que aquele que dá ensejo, por exemplo, a uma lesão corporal, ainda que tivesse o propósito de que tal resultado ocorresse, porém, sem desviar-se do risco permitido, não responde pelo evento (nem dolosa, nem culposamente). Somente após a verificação da possibilidade de imputação da ação ou do resultado é que se passa à análise do requisito subjetivo. Para ilustração, pode-se mencionar a hipótese do médico que, desejando que ocorra um abalo da saúde do paciente, ministra-lhe um remédio, consciente da possibilidade de que ocorra alguma reação adversa (sem que outro medicamento isento de tal risco possa ser ministrado e, igualmente, desprovido da possibilidade de que exames possam apontar a inadequação do medicamento em relação àquele doente). Na hipótese de que o resultado venha a ocorrer, o médico não responde pelo resultado, já que o risco estava dentro dos limites socialmente permitidos. A análise da imputação subjetiva-normativa (dolo ou culpa) torna-se totalmente dispensável.

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Assiste razão a Fernando Galvão quando afirma que "a imputação objetiva caracteriza apenas o aspecto objetivo do tipo, sendo que a responsabilidade penal ainda exige a caracterização do elemento subjetivo, bem como dos demais requisitos de identificação da conduta punível" [12].

Toda essa discussão pode ser esclarecida recorrendo-se à reflexão de Michael Köhler, citado por juarez tavares, para quem "a lei penal toma a ação humana dentro de uma estrutura própria, resultante das relações que quer disciplinar e que nada têm a ver com a ética da boa vontade" [13].

Atualmente, estudando o tema, apreciamos a oportunidade de ser a imputação objetiva analisada no terreno da tipicidade. Como se trata de elemento normativo, natural que sejam considerados os seus requisitos nesse campo. Assim, a seqüência seria a seguinte: fato típico, com seus componentes: conduta, resultado naturalístico, nexo de causalidade material e tipicidade. Nesta, como elemento normativo do tipo, estaria o lugar da imputação objetiva. A questão é complexa, uma vez que essa orientação encontra barreira no tema do dolo e culpa como elementos do fato típico. Assim, se o autor agiu sem dolo, o fato seria atípico, prescindindo da análise da imputação objetiva. Sobre tudo isso, os doutrinadores ainda não chegaram a uma conclusão única, mas continuam estudando.


Notas

01. Teoria do injusto penal. 2.ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 279.

02. Crimes de responsabilidade fiscal e imputação objetiva. In: Congresso do Ministério Público da Região Centro-Oeste, 7.º, 2001, Goiânia. Anais... p. 54.

03. Imputação objetiva. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 38-39.

04. Atualidades do delito culposo. Boletim IBCCrim, São Paulo, vol. 10, n. 114, p. 6, maio 2002.

05. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1.

06. Teoria da imputação objetiva do resultado: uma aproximação crítica a seus fundamentos. São Paulo: RT, 2002. p. 137.

07. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: RT, 2001. p. 136.

08. Causalidade e imputação objetiva. Correio Braziliense, Brasília, Caderno Direito & Justiça, p. 1, 13.11.2000.

09. Op. cit. Teoria da imputação objetiva do resultado: uma aproximação crítica a seus fundamentos. p. 163. Para flávio augusto monteiro de barros, a análise da causalidade psíquica deve anteceder à da imputação objetiva (Teoria da imputação objetiva. Disponível em: <http://www.cpc.adv.br/doutrip.htm>. Acesso em: 15.10.2002).

10. Direito Penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 133.

11. Como afirma santiago mir puig, "antes de perguntar se um fato foi realizado com dolo é necessário saber se efetivamente houve a sua realização". (Derecho Penal: Parte General. 4.ª ed. Barcelona: PPU, 1996. p. 215).

12. Op. cit. Imputação objetiva. p. 39.

13. Op. cit. Teoria do injusto penal. p. 301.

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Sobre o autor
Damásio E. de Jesus

advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Damásio .. Momento de verificação da presença da imputação objetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 104, 15 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4407. Acesso em: 18 dez. 2024.

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