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Da responsabilidade civil: engenheiros, empreiteiros e arquitetos

09/11/2015 às 09:38
Leia nesta página:

Não estando em condições ideais, a execução de uma obra deve ser suspensa imediatamente. Do contrário, responsabiliza-se o empreiteiro, ainda que ele tenha alertado o dono da obra.

Devido à natureza intrínseca a determinadas atividades profissionais e os seus respectivos riscos, o legislador tomou certas precauções no sentido de criar uma disciplina legal diferenciada para cada uma delas, conforme o caso. Tratam-se de atividades cujos requisitos técnicos são proporcionais aos danos que, em caso de imperícia ou negligência, podem resultar.

No presente estudo analisaremos as normas aplicáveis ao tema da responsabilidade civil de empreiteiros, engenheiros e arquitetos conforme o direito civil brasileiro.

Cumpre estabelecer, de plano, que o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria do risco ou teoria objetiva no âmbito da responsabilidade civil. Tal teoria foi consagrada com o advento do Código de Defesa do Consumidor, na década de 90, e versa que a pessoa, ao exercer certas atividades, assume o risco de causar ou potencializar danos a terceiros, gerando, consequentemente, o dever de indenizar.

De tal forma, o trabalho do empreiteiro, engenheiro e arquiteto possui particularidades em relação a outras atividades laborais, apresentando riscos que, ao menos potencialmente, podem atingir uma quantidade maior de indivíduos se comparado ao trabalho do médico ou advogado, por exemplo.

Desta forma, o presente trabalho visa analisar as especificidades relacionadas à exploração profissional de certas atividades e a responsabilidade civil decorrentes delas. 


RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREITEIRO

A responsabilidade civil daquele que realiza o contrato de empreitada de edifícios ou quaisquer outras consideráveis construções encontra guarida no ordenamento nacional, atualmente, no Código Civil, art. 618, conforme exposto abaixo:

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

A atual redação do dispositivo corrige absurdo que se encontrava no Código Civil de 1916, que, em seu art. 1.245, eximia a responsabilidade do empreiteiro que, em referência ao solo, “se não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra”. A antiga redação levava ao entendimento absurdo que, caso o solo não estivesse firme o suficiente, deveria o empreiteiro avisar o dono da obra e, se esse mantivesse a vontade de realizar a obra, o empreiteiro não teria responsabilidade. Entendimento incoerente esse, que não guarda razão, vez que, em não estando em condições ideais, dever-se-á suspender a execução da obra imediatamente. A própria jurisprudência trazia a responsabilidade do empreiteiro mesmo em se alertando o dono da obra.

RESPONSABILIDADE CIVIL. VICIOS DE CONSTRUCAO. LAUDO PERICIAL. DEVER DE REPARACAO DOS DANOS. O CONSTRUTOR RESPONDE PELOS DANOS DECORRENTES DE VICIO DE CONSTRUCAO E TAMBEM LHE CABE A RESPONSABILIDADE POR EDIFICAR EM TERRENO CONSTITUIDO DE BANHADO, SEM TOMAR AS DEVIDAS PRECAUCOES PARA EVITAR INFILTRACOES POR CAPILARIDADE. RECURSO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 598357713, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Pedro Pires Freire, Julgado em 10/11/1999).

Superada a dificuldade do próprio artigo em sua redação original no código de 1916, a doutrina identifica outras questões com a atual redação.

Inicialmente, necessário faz-se destacar que o termo “decairá”, no parágrafo único do mencionado artigo, é tecnicamente incorreto, na medida em que o correto seria o vocábulo “prescreverá”, já que se trata de uma pretensão de reparação civil em uma ação que visa a condenação.

Outra ressalva que a doutrina aponta é quanto ao cuidado que se deve ter ao ler o prazo estabelecido no paragrafo único do art. 618. Segundo Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:

(...) o prazo previsto no parágrafo único deste artigo concerne apenas a eventuais vícios de qualidade que prejudiquem a economicidade ou utilização da obra realizada. Ou seja, o dono da obra terá o prazo decadencial de centro e oitenta dias para redibir o contrato, rejeitando a obra ou, eventualmente, pleitear o abatimento no preço, caso constate qualquer defeito desta natureza. Trata-se, pois, de regra específica, que prevaleceria em face da prevista no art. 445 do Código Civil, referente a vícios redibitórios em geral.[1]

A reparação do dano que deriva de falha estrutural, segurança ou solidez da obra realizada poderá ser exigida judicialmente no prazo de cinco anos. Observa-se uma extensão do prazo prescricional, que é,  via de regra, de três anos. Tal fato surge por conta da amplitude da obra em si; existe uma necessidade temporal do proprietário para verificar a existência de quaisquer defeitos na execução. Essa extensão de prazo é irredutível, o que significa dizer que não podem as partes convencionar no sentido de diminuir tal prazo. No entanto é possível entre eles se estender este mesmo prazo, saindo do campo da garantia legal para a contratual.

Importante advertir sobre a impossibilidade da aplicação do prazo de 20 anos, conforme entendia o Superior Tribunal de Justiça, que sumulava o entendimento de que “prescreve em 20 (vinte) anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra” (súmula 194, STJ). Isso porque esse não foi o posicionamento adotado na nova redação do novo Código Civil.

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Desta forma, esclarece Nelson Rosenvald, no Código Civil comentado organizado pelo Ministro Cezar Peluso, que

o sistema de garantia ora realçado só se aplica aos vícios redibitórios que acarretem risco à solidez ou segurança do prédio. O termo segurança será entendido em sentido amplo, como qualquer problema que impeça a regular condição de salubridade e habitação do prédio. Com efeito, tratando-se de regra especial, sua aplicação não pode se estender a outras hipóteses reguladas em normas estanques. Assim, para os vícios ocultos em geral, aplicam-se as normas alocadas nos arts. 411 e seguintes do Código Civil; com relação aos vícios aparentes, ostensivos, adotamos os arts 615 e 616 do Código Civil.[2]

Vale ainda ressaltar que, em ocorrendo prejuízo em virtude da empreitada a prédios vizinhos, a responsabilidade passiva será solidária, atingindo não apenas o dono da obra, conforme art. 937 do Código Civil, como o empreiteiro, por se aplicar o risco da atividade previsto no parágrafo único do art. 927 do mesmo diploma.


Notas

[1] PAMPLONA FILHO, Rodolfo. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Vol. III. 7.º ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 317.

[2] PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 578.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIMENES, Gabriela. Da responsabilidade civil: engenheiros, empreiteiros e arquitetos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4513, 9 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44334. Acesso em: 22 dez. 2024.

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