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As diversas faces do spam

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A solução para o problema deve ter em vista dois aspectos fundamentais: a liberdade de expressão e o acesso à informação

O tema Spam é um dos mais complexos da Internet. Apesar das iniciativas no sentido de acabar com as mensagens não solicitadas, não há como impedir o fluxo da informação, a interatividade e a interconectividade da Internet, já que esta foi criada justamente para este fim.

As mensagens não solicitadas costumam ser criticadas sempre com foco no ponto de vista do provedor de Internet, que é prejudicado pelos gastos excessivos com tecnologia para envio e distribuição dos e-mails, e sob a ótica do usuário que não deseja receber a informação que provoca maiores gastos na sua conexão.

No entanto, não se pode deixar de pensar no Spam e buscar uma solução para o problema sem se pautar em dois aspectos fundamentais: a liberdade de expressão e o acesso à informação. Estes são direitos inerentes ao ser humano e qualquer iniciativa no sentido de suprimi-los retiraria a própria finalidade da Internet.

O Spam nada mais é do que uma informação que vai de um ponto A para um ponto B utilizando o e-mail como ferramenta. Ocorre que esta comunicação não é direta. Existem agentes intermediários assim como diferentes interesses envolvidos no fluxo da informação. Está claro que os interesses das empresas que desejam adquirir visibilidade através do web marketing, dos provedores de Internet, dos usuários satisfeitos e dos usuários insatisfeitos são diferentes e conflitantes. É necessário, portanto, buscar um meio termo para que a questão não choque com a principal revolução trazida pela Internet: a democratização do conhecimento.

Ocorre que criou-se uma repulsa pelo Spam e uma campanha de combate às mensagens não solicitadas que tem o argumento dos provedores e dos usuários que não querem receber a informação. Obviamente, estes são os principais prejudicados. Mas existe o outro lado da moeda. E aqueles que desejam se comunicar licitamente, empresas que desejam implementar seus negócios bem como aqueles que se sentem satisfeitos como as mensagens recebidas, mesmo que não solicitadas?

De fato, no atual momento da Internet e diante da indignação perante as mensagens não solicitadas, empresas que atuam com boa-fé acabam passando por dificuldades na comunicação especialmente devido ao desconhecimento dos usuários sobre o que é o Spam e quais são as soluções propostas, como por exemplo o sistema de opt-in misto, que é a tendência brasileira.

Isto significa que, mesmo respeitando o que dispõem e defendem os provedores, associações anti-spam e outros agentes que visam o controle do e-mail não solicitado, muitas empresas são vítimas de denúncias indevidas de Spam. E estas denúncias geralmente são de usuários desinformados que não sabem quais são os métodos indicados para o correto envio do e-mail.

Já os usuários informados costumam adotar a postura de simplesmente optar por sua inclusão ou exclusão do sistema. Esta conduta da opção proporciona tanto ao destinatário quanto ao remetente uma chance de comunicação. E nos casos de haver a reincidência da mensagem que se optou por não receber, quando o emissor não exclui os dados do receptor do e-mail, este ultimo poderá, desde que comprovado o dano, requerer indenização nos termos do artigo 927 do Novo Código Civil.

Por outro lado, aquele que denuncia um e-mail como Spam causa também grandes prejuízos as empresas que de boa fé o enviaram, como por exemplo, o bloqueio do IP por provedores de acesso ou a saída do site do ar e acabam, destarte, prejudicando usuários que gostariam de receber aquela informação.

Diante destas considerações, a dúvida que paira é se mesmo criando leis que regulem o tema Spam, aqueles que desejam enviar e-mails corretamente continuarão a ter dificuldades para fazer com que a informação circule na Internet e chegue ao destinatário pretendido. Em outras palavras, mesmo existindo uma norma jurídica que regule o fluxo da informação será que as empresas dotadas de boa fé continuarão a ter dificuldades de utilizar o poder da web para gerar negócios?

A nova proposta visando o controle do Spam no Brasil, baseado no PL 6.210/2002 do deputado Ivan Paixão, formulada pelo Conselho de Comercio Eletrônico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo apresenta uma visão consistente do problema.

O ponto alto do projeto de lei é que este não visa o combate ao fluxo da informação, mas estabelece regras para o envio buscando, assim, regular de forma adequada a utilização do correio eletrônico. Trata-se de uma forma coerente de se pensar o problema do Spam. 

Vê-se, portanto, que a proposta se adequa a visível necessidade do homem de viver em um mundo de regras e padronizações, mesmo que estas não sejam cumpridas. Somos educados assim e é muito difícil proporcionar um ambiente harmonioso sem a existência de normas que regulem o comportamento do homem. Este novo projeto beneficia aqueles que desejam utilizar a Internet com bom senso, de forma positiva e com boa-fé mas no entanto se encontram limitados diante das denúncias indevidas de Spam.

O projeto apresenta algumas inovações importantes especialmente com a inserção do princípio da anuidade disposto no artigo 3º. II que prevê a licitude da mensagem desde que esta seja enviada ao destinatário uma única vez, em um período de um ano, vedando a repetição sem o prévio e expresso consentimento do destinatário. Esta idéia proporciona oportunidade a quem deseja praticar o web marketing consistente mas não consegue devido à quantidade de obstáculos impostos pelos provedores e usuários. Legitima quem deseja atuar de acordo com as normas e regras da Internet e deseja utilizar o potencial da web para aumentar os relacionamentos, gerar parcerias e prospectar negócios. Procura, ademais regulamentar o envio de mensagens permitindo o fluxo da informação de caráter lícito e moral. E isto se comprova com as exigências de identificação, procedimentos de exclusão e os demais princípios do artigo 3o do projeto.

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Outro ponto importante do projeto é o que trata do papel dos provedores de Internet, em especial quando menciona a respeito da necessidade da salvaguarda dos registros de acesso pelo período de três ano, correspondente ao prazo de propositura de ações previsto no artigo 206, parágrafo 3º do Novo Código Civil. Entretanto, o que se deve discutir é se este fator não ensejará um cisma na Internet devido à exigência de elevados custos para o armazenamento destas informações.

As principais discussões que devem ser fomentadas até a aprovação de uma lei visando o controle do correio eletrônico são no sentido de que qualquer iniciativa deverá respeitar a finalidade da Internet. E, se regras serão estabelecidas, estas deverão ser cumpridas por todos os agentes envolvidos buscando um equilíbrio de interesses. Assim, no caso de uma empresa ter uma base de e-mails autorizados e se a empresa cumpre as regras de boa utilização do correio eletrônico, ela deverá ter livre acesso à distribuição da informação e o provedor não poderá bloquear as mensagens mesmo o que destinatário queira não recebê-las, sob o argumento do envio abusivo. Mas, havendo a reincidência indevida, conteúdo ilícito, imoral e prejuízos aos destinatários, a punição deverá ser efetivamente aplicada. O que se deve combater, portanto, são as mensagens de cunho ofensivo, ilícito e imoral e não aquelas que visam a utilização da web de forma adequada.

Logo, chegamos ao cerne da questão: mesmo criando regras para o Spam, será que estas o evitariam? Será que estas não limitariam a interatividade da Internet (a interatividade com bom senso)?

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Sobre a autora
Carolina de Albuquerque Valentim Chaves

administradora, acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Carolina Albuquerque Valentim. As diversas faces do spam. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 132, 15 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4451. Acesso em: 19 abr. 2024.

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