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Filiação socioafetiva pode ser reconhecida mesmo após a morte

23/11/2015 às 08:15
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Julgado recente do STJ solidifica o entendimento de que a filiação socioafetiva (conhecida como “adoção à brasileira”) pode ser reconhecida mesmo após o falecimento da mãe – ou pai - do “adotado”, gerando repercussões no direito sucessório.

Não são raros os casos, no Brasil, em que nos deparamos com histórias de pessoas que criam filhos que não possuem laços de consanguinidade e nem sequer passaram por um processo legal de adoção. Por ser tão comum, tal prática acabou recebendo o nome de Adoção à Brasileira, expressão utilizada inclusive pela doutrina especializada.

Essas histórias acontecem pelos mais variados motivos, como: 1) a mãe que morre durante o parto e alguém próximo, normalmente da família, pega o recém-nascido para criar, mas não o registra como seu, e sim com o nome da mãe biológica; 2) mãe e/ou pai que julgam não ter condições financeiras, físicas ou psicológicas para criar o próprio filho e o entrega a pessoas de sua confiança (parentes, amigos...) para que estes o façam; 3) qualquer pessoa que se sensibiliza com a condição social de alguma criança e a leva para dentro de sua casa, criando como se filho fosse.

Enfim, são inúmeras as situações de fato em que uma pessoa é criada por outra como um verdadeiro filho - tendo, inclusive, os outros filhos como irmãos - mas que não possuem nenhum registro ou documento que comprove tal parentesco.

Esta situação de lacuna registral, no entanto, gera diversas dificuldades na vida civil de ambas as partes, principalmente no que concerne aos seus direitos sucessórios quando da morte dos pais de criação. Por exemplo: se a mãe socioafetiva possui outro filho, este, por sua vez, biológico e registrado, o filho de criação não terá, legalmente, direito ao quinhão sucessório, a não ser que aquela o tenha garantido por testamento.

O atual Código Civil, ao contrário de seu antecessor, garante, no bojo de seu art. 1.593, o reconhecimento da filiação paterna ou materna resultante não somente da consanguinidade, mas também de outras razões igualmente relevantes.

Em se tratando de prova da filiação, o referido Diploma não é omisso. Afirma que a filiação poderá ser provada por qualquer modo admissível em direito, “quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos” (inciso II, art. 1.605). São os enunciados normativos citados:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:

II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.

Em 10/11/2015, o Relator Ministro Marco Buzzi, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reformou as decisões de primeiro e segundo graus do Tribunal de Justiça de São Paulo, que consideraram o pedido de reconhecimento de maternidade socioafetiva após o falecimento da mãe juridicamente impossível.

O Ministro destacou em seu voto que “(...) Para se falar em impossibilidade jurídica do pedido, como condição da ação, deve haver vedação legal expressa ao pleito da autora. Não há óbice legal ao pedido de reconhecimento de maternidade com base na socioafetividade. O ordenamento jurídico brasileiro tem reconhecido as relações socioafetivas quando se trata de estado de filiação.”.

No caso em análise, Buzzi reforçou que se admite o reconhecimento da maternidade socioafetiva (ou adoção à brasileira) mesmo depois da morte, com a possibilidade de constatar o estado de filiação com base no estabelecimento de vínculo socioafetivo, o que pode ser provado, principalmente, por meio de documentos e, também, por oitiva de testemunhas.

Caso seja deferido o pedido de reconhecimento de filiação por socioafetividade, o filho poderá ter sua Certidão de Nascimento alterada para constar o nome da mãe ou pai de criação, resguardando, assim, todos os seus direitos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OTTO, Gustavo. Filiação socioafetiva pode ser reconhecida mesmo após a morte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4527, 23 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44717. Acesso em: 25 abr. 2024.

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