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Competência tributária negativa.

As imunidades tributárias

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10/11/2003 às 00:00
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O ensaio aborda as razões para que determinadas pessoas sejam alcançadas pela exoneração fiscal, que não é privilégio, mas direito fundamental baseado no princípio da relevância do interesse social.

Palavras-chave: Precedentes – Competência – Inintributabilidade – Propósitos – Classificação – Eficácia – Aplicabilidade – Entidades.

Sumário: Introdução. 1. HISTÓRICO. 1.1. Precedentes históricos das imunidades tributárias. 1.2. Imunidades tributárias no direito pátrio. 2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. 2.1. Definições. 2.2. Imunidade e princípios constitucionais. 2.3. A expressão da não-incidência. 2.4. Exclusão ou supressão da competência tributária. 2.5. Aplicabilidade a todos tributos ou só a impostos. 2.6. Obrigações tributárias face à norma excludente de tributação. 2.7. Elementos da norma excludente de tributação. 3. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. 3.1. O Estado e a competência tributária. 3.2. Cotejo entre competência e imunidade tributária. 3.3. Propósitos fundamentais da imunidade tributária. 4. EFICÁCIA DA NORMA DE ININTRIBUTABILIDADE. 4.1. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais. 4.2. Normas de inintributabilidade de eficácia plena e de eficácia contida. 4.3. Imunidades tributárias e as leis. 5. CLASSIFICAÇÃO DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS. 5.1. Imunidades genéricas e tópicas. 5.2. Imunidades excludentes e incisivas. 5.3. Imunidades subjetivas, objetivas e mistas. 5.4. Imunidades ontológicas e políticas. 5.5. Imunidade explícitas e implícitas. 5.6. Imunidades incondicionadas e condicionáveis. 6. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS. 6.1. Imunidades genéricas. 6.2. Imunidades específicas. 6.2.1. Em relação a contribuições. 7. INTRIBUTABILIDADE DAS ENTIDADES BENEFICENTES DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL. 7.1. Conceituação. 7.2. Imunidades das instituições assistenciais de educação. 7.3. Imunidade das instituições de assistência social. 7.4. Imunidade das instituições assistenciais diante das contribuições para a seguridade social. Conclusão. BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

O fim específico deste ensaio é conceber os elementos primordiais do instituto constitucional da imunidade tributária, destinando a passar informações sucintas aos estudantes de direito, especialmente meus alunos, aos colegas profissionais de outras especialidades da advocacia e, enfim, a todos os operadores do direito que desejem entender as razões históricas, políticas e institucionais para que determinadas pessoas sejam alcançadas pelo exoneração fiscal, cujo talante não é privilégio, mas direito fundamental inserto na nossa Lex Fundamentalis, como escopo no princípio da relevância do interesse social.

Então, nessa linha de pensamento, procuraremos demonstrar de forma mais clara e objetiva possível os principais elementos do estudo em questão, não pretendendo, de forma alguma, encerrar qualquer questão sobre o assume em exame, visto que sou adepto incondicional do princípio da pluralidade ideológica e, desde já, as eventuais críticas sobre determinadas posições são plenamente aceitáveis.

Levando em conta o titulo deste trabalho, que resolvemos chamar de Competência Tributária Negativa em razão de que a possibilidade do Estado de instituir tributos é a competência tributária em si, exercida com suporte no princípio da soberania estatal. Daí, indaga-se se o Estado não poder tributar em dadas situações tal representa limitação também da soberania estatal? Naturalmente que não. A soberania do Estado é inalienável. A competência tributária advém da soberania estatal e a imunidade tributária é expressão da soberania estatal no sentido da competência tributária negativa, ou seja, o não exercício da competência tributária em razão de total vedação conferida pelo próprio poder estatal soberano.

Buscaremos nos saberes de mestres como Aliomar Balleiro, Paulo de Barros Carvalho, Roque Antonio Carraza, Hugo de Brito Machado, José Afonso da Silva, Ricardo Lobo Torres, Luciano Amaro, Kiyoshi Harada, dentre outros e, especialmente, de Regina Helena Costa com sua inigualável sapiência demonstrada no estudo do instituto das imunidades tributárias, conforme expressado na sua elementar obra Imunidades Tributárias, que representou, com sua publicação, um marco no estudo do mencionado instituto constitucional, permitindo revisões nas esteiras doutrinárias de estudiosos do tema.

Por fim, ressaltamos que o presente trabalho não representa o estudo de todas as imunidades específicas insertas no texto constitucional, mas as mais relevantes, ficando excluídas as tocantes às entidades paraestatais, cuja abordagem requer estudo específico, pela natureza de tais entes públicos.


1. HISTÓRICO

1.1. Precedentes históricos das imunidades tributárias

Já no Império Romano havia o immunitas que exonerava certas pessoas ou situações (templos religiosos e bens públicos) de contribuir para com os tributum que sustentavam o Estado.

O Código de Manu na Índia do século XIII a.c. concedia isenções gerais favoráveis a condições físicas de algumas pessoas, como os cegos, paralíticos, idiotas e septuagenários.

Na Idade Média os privilégios das imunidades eram gozados pelo clero e pelos nobres frente ao poder do Rei. A tributação recaia sobre os pobres de forma arbitrária e extremamente onerosa, sem qualquer submissão à capacidade contributiva das pessoas.

Um dos principais fatores que deflagraram a Revolução Francesa, no Século XVIII, era que o clero e a nobreza não admitiam que tivessem que pagar tributos, estando isentos de quase todos estes, os quais eram exigidos dos pobres sem consideração da capacidade contributiva.

Com o surgimento do Estado Liberal ocorreu certa democratização das imunidades, deixando esta de ser um privilégio e passando a representar uma garantia de exoneração fiscal de determinadas atividades sociais.

O princípio da imunidade tributária como hoje conhecemos surgiu implicitamente com o constitucionalismo norte americano em julgado da Supremo Corte no célebre caso "McCulloch versus Estado de Maryland" onde o juiz John Marshall, presidente da Corte, decidiu, sustentadamente, a não tributação da União pelos Estados.

Contemporaneamente a idéia da imunidade tributária está vinculada ao direito das coisas e aos direitos morais, conforme o dizer de Torres1 "(...) preexistindo ao poder tributário como qualidade essencial da pessoa humana e correspondente ao direito público subjetivo que erige a pretensão à incolumidade diante da ordem tributária objetiva".

1.2. Imunidades tributárias no direito pátrio

Na Constituição do Império, de 1824, pouca era mencionada matéria tributária, mas existiam aspectos embrionários da capacidade contributiva e imunidade fiscal.

A primeira Constituição republicana, de 1891, com seu anteprojeto redigido pelo inigualável Rui Barbosa, que confessadamente se inspirou na Carta norte-americana, expressa as imunidades recíprocas entre os Estados e para o culto religioso, embora desconsiderasse os Municípios.

A Carta de 1934 reitera a vedação ao embaraço dos cultos e exonera a tributação sobre a produção de combustíveis e mantém as imunidades recíprocas entre os entes políticos, incluindo os Municípios. Inovou ao estabelecer imunidades em relação ao exercício profissional de jornalistas e professores além de vedar imposto relativo à renda cedular de imóveis.

A Constituição de 1937 manteve apenas a imunidade dos cultos religiosos, suprimindo as imunidades recíprocas dos entes federados que veio a positivar-se novamente somente com o advento da Emenda n° 9, de 1945.

A Carta Magna de 1945 isentava do imposto de consumo os produtos considerados como de "mínimo indispensável" das pessoas de reduzida capacidade econômica. Mantinha as imunidades recíprocas entre as pessoas políticas e as imunidades dos cultos religiosos.

Inovou ao estabelecer imunidades para os partidos políticos, entidades educacionais e assistenciais e papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos. Havia também imunidade dos impostos diretos sobre os direitos autorais e remuneração de professores e jornalistas, que foi limitada pela Emenda n° 9/64. A Emenda n° 10/64 estabeleceu imunidade de impostos sobre a transferência imobiliária das propriedades rurais em caso de desapropriação de terras para reforma agrária.

Com a Emenda n° 18/65, que reformulou o sistema tributário, as imunidades passaram a ser previstas expressamente, de forma semelhante à Constituição atual. Como novel fundou as imunidades das autarquias.

A Constituição de 1967, basicamente, manteve as imunidades da CF/46.

A Emenda Constitucional n° 1/69, que alterou radicalmente o texto constitucional, manteve as imunidades previstas e inclui imunidade sobre combustíveis, lubrificantes e energia elétrica; imunizou o Imposto Territorial Rural de pequenas propriedades, Imposto sobre Direitos Reais de Garantia, Imposto sobre Transmissão de Bens e Direitos incorporados ao patrimônio na realização de capital e incorporação ou extinção de capital da pessoa jurídica, com algumas restrições, e Imposto sobre Circulação de Mercadorias de produtos industrializados destinadas a exportação.

Por fim, a atual Constituição, no seu art. 150, aperfeiçoou o conceito das imunidades tributárias, incluindo as fundações dos partidos políticos e os sindicatos de trabalhadores. Foi mencionada a ausência de finalidade lucrativa das entidades assistenciais e de educação para efeito de imunidade. Ficou estabelecida a imunidade recíproca das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e aclarada o alcance das imunidades recíprocas entres os entes políticos, dentro do princípio federativo.

Destacadamente alude a eficácia do princípio da generalidade tributária, desdobrando o princípio da isonomia, conforme menciona Costa2 (apud Carraza, 2000) "(...) todos os que realizam a situação de fato a que a lei vincula o dever de pagar um dado tributo estão obrigados, sem discriminação arbitrária alguma, a fazê-lo".

Finalmente, importante frisar que o instrumento da imunidade tributária foi se positivando com enlace na idéia de que determinadas pessoas, bens e situações, de acordo com sua natureza jurídica e importância social merecem tratamento distanciado ao alcance da imponibilidade tributária.


2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

2.1. Definições

Na melhor definição do que seja imunidade tributária temos a visão do precursor do Direito Tributário no Brasil, Baleeiro3 "(...) como uma exclusão da competência de tributar, proveniente da Constituição".

Definindo a imunidade tributária Pontes de Miranda4 entende como "(...) a limitação constitucional à competência de editar regras jurídicas de imposição".

Como diz Costa5 a concepção esposada por Amílcar de Araújo Falcão ganhou destacada aceitação no meio jurídico-tributário da expressão "não incidência", por isso, importante colacionar a definição de imunidade tributária do notável jurista: "(...) uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na Constituição, de competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas no Estatuto Supremo".

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Já o professor Machado6 define que "Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. (...) ".

Na mesma linha de pensamento o notabilíssimo mestre Amaro7 conceitua o instituto dizendo que "A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo".

Na mesma direção assim complementa a idéia a brilhante professora Costa8 dizendo que a imunidade tributária é a "(...) exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela delimitados, de não se sujeitarem à tributação."

Tendo por esteio as idéias dos doutrinadores acima mencionados podemos entender a imunidade tributária como a competência tributária em sentido negativo, prevista no texto constitucional, como direito e garantia fundamentais de certas pessoas em razão de sua situação material ligada a uma atividade essencial e relevante interesse social voltada à prestação de serviços públicos, merecendo a não imponibilidade tributária e afastando a competência do poder de tributar do Estado, nos termos capitaneados pela Carta Política.

2.2. Imunidade e princípios constitucionais

Inobstante as opiniões dos preclaros juristas acima mencionados, concordamos com a observação de Costa de que o clássico conceito do mestre Baleeiro de que "imunidade tributária é a limitação constitucional ao poder de tributar" não é suficiente para definir o conceito da norma imunizante. Isto porque também se incluem nas limitações constitucionais ao poder tributante, juntamente com as imunidades, a divisão de competências tributárias entre os entes federados, os princípios da legalidade, anterioridade, irretroatividade, capacidade contributiva, isonomia e vedação ao confisco.

Os princípios são diretrizes positivas e as imunidades norteiam preceitos negativos, limitando a competência tributária e impedindo a sua ação sobre determinadas pessoas, bens e situações.

Portanto, no raciocínio da acima mencionada autora, a distinção básica entre os princípios constitucionais e as imunidades reside na posição de que os princípios orientam a existência da competência tributária, enquanto que as imunidades, em linha de negatividade, impõem a inexistência da competência tributante. Nesta direção extrai-se da lição de Marco Aurélio Greco9 que "(...) enquanto os princípios indicam um caminho a seguir, as limitações nos dizem para onde não seguir".

Com isso conclui-se que, para efeito das imunidades, os princípios revelam-se irrelevantes porque a competência tributária não pode ser exercida pelas pessoas políticas tributantes.

2.3. A expressão da não-incidência

Anotam-se divergências doutrinárias10 sobre o termo "não-incidência" para qualificar as imunidades tributárias, onde, para uns, como Geraldo Ataliba, o termo é impróprio e para outros, como Rubens Gomes de Souza, Ives Gandra da Silva Martins, Amílcar de Araújo Falcão, José Souto Maior Borges, Yonne Dolácio de Oliveira, cujos entendimentos é de que a imunidade é hipótese de não-incidência, permanentemente prevista no texto constitucional. Este último anotou três modalidades de não-incidência tributária: a) pela não realização do fato gerador; b) pela inexistência de hipótese de incidência – competência tributária temporária – isenção; c) por violação do tipo constitucional/complementar, pressupondo a inexistência de competência tributária de forma permanente – imunidade.

Na verdade em nenhum lugar da CF encontra-se a expressão "imunidade". Encontram-se expressos no inciso VI do art. 150. os termos "é vedado", quando destaca as imunidades genéricas, e "não-incidirá" quando se refere às imunidades específicas.

Na dicção do mestre Paulo de Barros Carvalho11 as normas imunizantes são normas que disciplinam outras normas, e estão entabuladas no texto constitucional.

Pode se concluir, pois, que a não-incidência está inserta constitucionalmente, enquanto a incidência está no plano infraconstitucional.

2.4. Exclusão ou supressão da competência tributária

Nos ensinamentos doutrinários de Carvalho12 as normas jurídicas destacam-se em dois principais grupos, as normas de comportamento e as normas de estrutura. As primeiras voltam-se diretamente para a conduta das pessoas, constituindo os elementos unitários do sistema normativo. As outras indicam o relacionamento que as normas de conduta devem manter entre si, dispondo sobre "(...) os comportamentos relativos à produção de novas unidades deôntico-jurídicas, motivo pelo qual dispõem sobre órgãos, procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema. (...) É propriedade das normas em geral e das proposições jurídico-normativas em particular expressarem-se por intermédio do conectivo dever-ser, o que nos leva a denominar deôntico o sistema do direito positivo. (...) exibem o dever-ser modalizado em permitido, obrigatório ou proibido. (...) Qualquer comportamento caberá sempre num dos três modais deônticos."

Por isso, com as regras de estrutura a regulamentação das condutas depende de outra norma para disciplinar a competência e somente com o surgimento da norma de competência, cuja natureza é de estrutura, é que derivará a norma de conduta, a qual regerá o comportamento interpessoal.

No assunto em tela as diretivas filosóficas amoldam-se no contexto de que a imunidade tributária, disposta pelo Poder Constituinte Originário, surge desprovida da competência tributante.

As normas imunizantes estão calcadas no princípio da simultaneidade da dinâmica normativa lecionado por Carvalho quando trata do fenômeno da isenção tributária.

Portanto, a norma de isenção, cuja natureza é de estrutura, age em direção da regra-matriz de incidência (norma de conduta) excluindo um ou mais de seus critérios.

Levando esta idéia para o campo das imunidades tributárias constata-se que a norma imunizante, no dizer de Costa13, "(...) atua simultaneamente com as demais normas que demarcam a competência tributária. Todas são regras de estrutura e alocam-se no plano constitucional; (...) a norma imunizante investe contra a norma atributiva de competência, subtraindo parcela de seu campo de abrangência."

Derzi14 doutrina em caminho semelhante ao dizer que "(...) a norma de competência é um conjunto que resulta da seguinte subtração: norma de atribuição de poder – (menos) norma denegatória de poder (imunidade)."

Registra essa autora que as imunidades somente adquirem sentido e função, uma vez relacionadas com as normas atributivas de poder, cuja abrangência elas reduzem.

Portanto, não é possível admitir que a norma imunizante seja uma exclusão ou supressão da competência tributária, pois do contrário seria aceitar a preexistência de norma que autoriza a competência tributária sobre a norma imunizante, negando a sincronia existente entre elas e atentando contra o princípio da simultaneidade da dinâmica normativa.

2.5. Aplicabilidade a todos tributos ou só a impostos

O preclaro professor Harada15 afirma que "Em termos de doutrina tradicional, a imunidade vem conceituada como vedação ao poder fiscal de instituir impostos. Daí a generalização da idéia de que a imunidade só se refere a essa espécie tributária. Entretanto, a nossa Carta Política prevê hipóteses de imunidades de outras espécies tributárias."

Carraza16 leciona que a imunidade tributária comporta duas acepções. A primeira, ampla, significa incompetência da pessoa política para tributar, referindo-se a qualquer tributo. A segunda, restritivamente a impostos, é aplicável às normas constitucionais de forma expressa e referem-se à vedação dos entes políticos de tributar determinadas pessoas em razão de sua natureza jurídica, do tipo de atividades que exercem ou coligadas a determinados fatos, bens ou situações.

No entendimento desse autor as imunidades, tanto na sua acepção ampla como restrita, aplicam-se a todos os tributos, não somente a impostos, como discorre a doutrina tradicional. Isso porque a Constituição Federal, saindo da direção doutrinária prevalescente, criou algumas imunidades a taxas e nada impede que amanhã atinja também contribuições.

A professora Costa17, mencionando Carraza e Carvalho, tem entendimento semelhante, afirmando que no Direito Positivo as normas de exoneração fiscal fazem maior referência a impostos porque a Constituição, de forma tradicional, sempre deu maior atenção a esta modalidade de tributo, visto a sua não vinculação a atividade estatal, ao contrário das taxas, onde a Carta Magna deu-lhes apenas as regras-matrizes de incidência e, ademais, o exercício da competência tributária nesta modalidade de tributo está vinculada à realização de atividade estatal através da prestação de serviço público específico e divisível, efetiva ou potencialmente utilizado pelo contribuinte ou no exercício do poder de polícia administrativa.

Comungamos das idéias de que a inintributabilidade deve ser vista de forma ampla, considerando os seus fundamentos e suas razões de existir no sistema constitucional. Então não há impedimento que de que a norma imunizante deve ser aplicada a todos os tributos, especialmente às contribuições de melhoria e contribuições sociais.

2.6. Obrigações tributárias face à norma excludente de tributação

Carvalho18 lembra que no Direito Tributário, com fundamento na Teoria Geral do Direito, existem duas espécies de relação jurídica. Uma definida como o vínculo abstrato que, por força da imputação jurídica, o sujeito ativo tem o direito subjetivo de exigir de outra pessoa, o sujeito passivo, o cumprimento de determinada prestação, definida como obrigação tributária.

Outra, de natureza não-obrigacional, decorre da imputação normativa onde o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo comportamentos de fazer ou não fazer para assegurar o cumprimento da obrigação tributária, tratada pelo Código Tributário como obrigações acessórias. Como exemplo temos a obrigatoriedade do contribuinte emitir notas fiscais, escriturar livros, prestar informações, fazer declarações, etc.

Salienta Carvalho19 a existência de uma terceira relação jurídica tributária, denominada relação jurídica sancionatória, decorrente do descumprimento pelo sujeito passivo de suas obrigações tributárias ou da relação jurídica não obrigacional, permitindo ao Estado a aplicação de sanção.

O art. 9°, § 1°, do CTN prescreve que a imunidade tributária não exclui a atribuição, por lei às entidades beneficiadas da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.

Isto quer dizer que mesmo que haja o impedimento do exercício da competência tributária dos entes públicos sobre as entidades beneficiadas pela imunidade tributária desde o nascimento da obrigação, não há a dispensa das obrigações acessórias, mantendo a obrigação de escriturar livros, fornecer declarações, prestar informações, emitir faturas, etc., como é o entendimento de Carraza20 e Oliveira21.

Por fim salienta Torres22 que a Constituição ao conceber o instituto da imunidade tributária como a "(...) limitação do poder de tributar fundada na liberdade absoluta, tendo por origem os direitos morais (...) " diz que a imunidade "(...) possui eficácia declaratória, é irrevogável e abrange assim a obrigação principal que a acessória."

Costa23 discorda de Torres porque a imunidade é de natureza subjetiva e condicionada. Devendo se submeter aos "deveres de contorno" que servem como base para avaliação se a imunidade deve ser mantida a determinada entidade, ou seja, se a pessoa imune mantém o cumprimento dos requisitos necessários para manter a exoneração tributária constitucional, em destaque as entidades de assistência social e educação sem fins lucrativos.

Concordamos com a posição de Costa, pois as normas de inoposição tributária constitucional referem-se tão só à obrigação tributária, permanecendo incólumes os deveres instrumentais tributários. Com isso a entidade beneficiada pela imunidade é sujeito passivo nas relações tributárias não-obrigacionais pertinentes e na relação jurídica sancionatória, podendo, então, sofrer punições de natureza tributária.

2.7. Elementos da norma excludente de tributação

A norma constitucional imunizante comporta a existência de elementos essenciais e acidentais, como entende Costa24.

No primeiro caso podem ser definidos, num aspecto formal, como a norma constitucional imunizante, e num aspecto teleológico o conteúdo axiológico destinado à realização do princípio constitucional.

No tocante aos elementos acidentais, são os que eventualmente podem estar presentes ou não na norma imunizante. Podem ser descritos como a explicitude ou implicitude da exoneração tributária; a norma constitucional ser de eficácia plena ou contida; ausência ou presença de capacidade contributiva da pessoa beneficiada; e a norma da imunidade ter referência a determinado imposto ou se extensiva a outros tributos.

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Sobre o autor
João Bosco Peres

advogado e professor em Goiânia (GO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERES, João Bosco. Competência tributária negativa.: As imunidades tributárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 131, 10 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4478. Acesso em: 3 mai. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado no Curso de Especialização em Direito Tributário pelo Instituto Goiano de Direito Tributário em convênio com a Universidade Católica de Goiás, transcorrido no biênio 2002/2003. Orientador: professor Octávio Campos Fischer, mestre em direito tributário e docente da PUC Paraná, em Curitiba.

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