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Um tiro no coração da Operação Lava-Jato

10/12/2015 às 11:44
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Tendo por base a análise do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, que votou pela liberdade do empreiteiro Marcelo Odebrecht, discutiremos o instituto da prisão preventiva.

Em decisão recente, o ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas votou pela liberdade do empreiteiro Marcelo Odebrecht. Fala-se que a libertação não foi consumada porque o ministro Jorge Mussi pediu mais tempo para examinar o caso.

Foi dito então:

“Não se justifica o estabelecimento de novos paradigmas para o instituto da prisão preventiva, sob pena de este se configurar um verdadeiro julgamento de exceção o que é repudiável pela ordem constitucional em vigor.”.

A prisão preventiva, que é um dos exemplos de prisão provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, só pode ser decretada ¨quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria¨, como se lê do artigo 312 do Código de Processo  Penal. Há de se comprovar a materialidade do crime, a existência do corpo de delito, que prova a ocorrência do fato criminoso, seja por laudos de exame de corpo de delito ou ainda por documentos, prova testemunhal.

A isso se soma como requisito a existência de ¨indícios suficientes de autoria¨, que deve ser apurada em via de fumaça de bom direito.

Tal despacho que decretar a prisão preventiva, a teor do artigo 315 do Código de Processo Penal, deve ser fundamentado.

O certo é que a Lei 12.403/11 manteve os requisitos da prisão preventiva: prova da existência de crime (materialidade); indícios suficientes de autoria (razoáveis indicações da prova colhida); garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal.

Justifica-se a medida se o acusado é dotado de periculosidade (STF, HC 78.901 – 3, São Paulo, Relator Ministro Mauricio Corrêa, DJ de 28 de maio de 1999, pág. 7), em perseverar a prática delituosa, quando aja com torpeza, perversão, malvadez, insensibilidade moral.

O julgamento constante do habeas corpus está em dissonância a considerações já emanadas pelo juiz Sergio Moro, que está à frente da operação. Disse ele:

“Embora as prisões cautelares decretadas no âmbito da operação Lava Jato recebam pontualmente críticas, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”.

Embora tenha votado pela liberdade, o relator Ribeiro Dantas determinou a substituição da prisão por outras medidas restritivas. Ele estabeleceu o monitoramento eletrônico e a entrega do passaporte. Decidiu ainda que ele fique recolhido em casa e se afaste da administração do grupo empresarial, como de quaisquer atividades financeiras e econômicas. Determinou que ele não pode mudar de endereço e deve comparecer aos atos processuais.

— O descumprimento injustificado dessa medida ensejará o restabelecimento da ordem de prisão – determinou o relator.Ribeiro Dantas entendeu que o decreto de prisão do executivo não indicou o risco de fuga ou de que ele tentaria evitar a apreensão de seus bens. Segundo o ministro, o decreto de prisão aponta apenas que outros executivos da Odebrecht, mas não Marcelo, tomaram ações no sentido de tentar fugir. Ribeiro Dantas destaca ainda que o fato de ele ser rico não significa por si só que ele vai utilizar seus recursos para fugir. Entendeu também que Marcelo Odebrecht não teria capacidade de interferir nas investigações, destacando, por exemplo, que já foram feitas várias buscas e apreensões.

Mas, por unanimidade, a Quinta Turma do STJ negou a liberdade dos ex-deputados André Vargas e Luiz Argôlo.

— O paciente usou seu mandato parlamentar para enriquecer — disse o relator Ribeiro Dantas referindo-se a André Vargas e concluindo: — Há concreto risco de que ele tenha mantido influência em órgãos públicos.

Quanto a Argôlo, o relator concordou com os argumentos do Ministério Público.

— Deixou de praticar atos delituosos depois da prisão de Youssef — disse Ribeiro Dantas.

Os dois ex-deputados foram condenados pelo juiz Sergio Moro a 11 anos e 11 meses de prisão.

Também por unanimidade, a turma manteve a prisão do doleiro Habib Chater.

Com o devido respeito, não se entende a lógica da decisão que foi pela soltura de Marcelo Odebrecht diante da decisão que manteve a prisão dos ex-deputados.

Os ex-deputados permanecem presos, pois têm poder de influência, mesmo quando já condenados, ou seja, com a instrução já acabada. Enquanto isso, um réu que se negou a colaborar com as investigações e que está preso por razões de ordem pública e risco nas investigações, se solto, sendo submetido ainda à dialética da prova, não oferece esse mesmo risco? Solto ou em prisão domiciliar não iria manter influência sobre os investigados, pondo em risco a correta instrução criminal? É possível.

Com o devido respeito, a decisão mantém os velhos e antirrepublicanos camarotes dos ricos e poderosos, imunes às leis penais.

Esse tratamento privilegiado no processo penal afronta o princípio da igualdade.

Lembre-se o risco à sociedade causado pela liberdade de criminosos contumazes, corruptos e corruptores habituais, que devem ser afastados dos meios que permitem a continuidade do crime. Daí o imperativo da prisão preventiva que não pode ser afastada.

Em linguagem objetiva: Se mantidos soltos, continuarão a ter acesso e influência sobre as decisões, as pessoas e os recursos que perpetuarão crimes, dentro de um contexto da prática de corrupção como modelo de negócio e de gestão da coisa pública que se estendeu por mais de uma década.

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Não serão as medidas propostas para a liberdade deles que irão estancar o processo de corrupção de que eles participaram. Eles continuarão a receber visitas, ter contatos com terceiros, livremente em suas residências, manter estratégias de defesas de seus negócios ilícitos, gerando e mantendo um estado paralelo que governa para interesses privados.

A concessão da medida aos empreiteiros lhes dá uma verdadeira posição estamental em afronta ao princípio republicano, que é princípio democrático qualificado.

A melhor resposta para a sociedade, evitando a repetição e a continuidade desse estado de coisas em afronta aos interesses da sociedade que está sendo lesada é a manutenção da prisão preventiva dos empreiteiros citados.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um tiro no coração da Operação Lava-Jato . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4544, 10 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45182. Acesso em: 1 mai. 2024.

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