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Ulisses e o canto das sereias: sobre o ativismo judicial eleitoral em terras brasileiras

25/01/2016 às 10:32
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No atual protagonismo judicial, repleto de posturas axiologistas, pragmatistas, voluntaristas, realistas, decisionistas, teleológicas, bem assim de clamores populares pelo combate à corrupção e moralização das campanhas eleitorais a qualquer preço, as amarras de Ulisses representam a Constituição.

A questão-chave deste artigo é: num universo em que, advindos do campo da política, da moral e da economia, os discursos predatórios da autonomia do direito buscam incessantemente enfraquecê-la, cada vez mais se torna crucial discutir as condições de possibilidade da validade do direito (STRECK). Com efeito, o direito deve ser resguardado naquilo que é a sua principal conquista, isto é, o seu profundo grau de autonomia. Logo, considerando que uma das principais características do constitucionalismo contemporâneo é a relevância dispensada ao Poder Judiciário, e que, cada vez mais, matérias que anteriormente quedavam-se alheias à esfera da jurisdição transmutam-se em demandas/litígios judiciais, aumentando a respectiva interferência na arena democrática, é indispensável que haja um rigoroso controle das decisões judiciais, uma espécie de accountability, de modo que a tradição jurídica não venha a ser vilipendiada por eventuais posições descompromissadas. Dito de outro modo, se a judicialização da política tem sido recorrente, e se, com ela, a interferência do judiciário vem aumentando, maior deverá ser o controle das respectivas decisões e o comprometimento dos órgãos judicantes com a higidez do sistema jurídico, afinal, isso é uma questão de democracia. E é bom que assim o seja, até porque um dos pressupostos centrais do regime democrático é justamente o controle do poder constituído, incluindo-se aí, evidentemente, não só o Legislativo e o Executivo, mas, também, sobretudo nos dias hodiernos, o Poder Judiciário[1].

Falemos, por oportuno, um pouco mais sobre o contexto (não há texto sem contexto, pois): sem dúvidas, tal e qual ocorre no âmbito da dogmática jurídica brasileira, considerada como tal o pensamento jurídico dominante no país, há, na esfera do Direito Eleitoral e Processual Eleitoral, uma aposta considerável no protagonismo judicial. Dito de outro modo, por estas trincheiras, não há muito de novo ou distinto com relação aos outros ramos do direito nacional. A acusação ao solipsismo tribunalício é cristalina. E isto se perfaz ao gosto (e com o apoio) da maçante maioria dos eleitoralistas desta terra que, aliás, em parte, atribuem um papel basicamente “heroico” aos tribunais, no que se refere a uma “(neo)cruzada” no combate à corrupção pública ou à corrupção eleitoral propriamente dita[2]. Igualmente, não são raros os momentos de desespero coletivo (STRECK), que dão azo a uma imaginário que acaba por respingar no âmbito da jurisdição (vide lei da “Ficha Limpa”). Noutras palavras, em contraponto absoluto àquilo que o Min. GILMAR MENDES (TSE), preocupado com a interferência demasiada (e, portanto, indevida) no processo de escolha da representação popular, chama de atuação minimalista e responsável da Justiça Eleitoral[3], paira no ar uma nada velada ode ou louvação ao ativismo pretoriano, algo que, no final das contas, pode ser percebido com a invocação de álibis argumentativos como “o livre convencimento”, a “livre apreciação das provas”, a “mens legis” ou “finalidade da norma” (em verdade, é o “decido e depois fundamento”, como se pudéssemos alcançar o final da trilha sem percorrer o caminho), inversões no ônus da prova (veja que, em pleno século XXI, ainda não sabemos quem deve provar o que em um processo regido pelo sistema acusatório), na presença de argumentos de moral ou de política para justificar determinada decisão, na “ponderação de valores” e em outras circunstâncias que serão delimitadas a seguir, provas inquisitoriais sendo utilizadas para balizar condenações etc. Tudo isso, em verdade, é produto de um patente resquício das teses do realismo jurídico (de todos que criticam essa realidade, lembremos de LENIO STRECK). Rememoram-se, acriticamente, de forma descontextualizada e incompatíveis com o atual contexto jurídico (STRECK), “[...] velhas teses voluntaristas de um momento de fragilidade do Direito, em que esse tipo de postura (Jurisprudência dos Interesses, Escola do Direito Livre, Realismo Jurídico) ganhavam espaço em face do enfrentamento necessário ao velho positivismo”[4]. Portanto, “[...] está na hora de definirmos o que é efetivamente ‘a fundamentação’ de uma decisão. E, mais ainda, chegou a hora de decidirmos se, efetivamente, queremos tratar o processo à luz dos paradigmas filosóficos ou se queremos “fazer” processo a latere daquilo que é condição de possibilidade, isto é, a filosofia”[5]. Daí que a hermenêutica constitucional (ou a crítica hermenêutica do direito) é condição de possibilidade para um Direito (Eleitoral) calcado em posturas em adequação para com o constitucionalismo contemporâneo, de onde se extrai que o apego ao protagonismo judicial não é, definitivamente, algo atento ao estágio atual de evolução da democracia constitucional (a justificativa desta afirmação é o cerne deste capítulo).

Nesse cenário, indaga-se: o que a Odisseia de Homero tem a ver com tudo isso, eis a questão? Diretamente, absolutamente nada. Porém, aproximando Direito e Literatura, é possível traçar um estreito paralelo entre a realidade de Ulisses (ou Odisseu, para nós), o canto das sereias e o ativismo judicial (eleitoral) em terras brasileiras. Em verdade, o problema do ativismo judicial eleitoral, tal e qual a tônica a ser atribuída pela nossa proposta, pode ser perfeitamente compreendido a partir desta alegoria. E eu passo a justificar:

Na Odisseia, Homero narra a travessia de Ulisses e de sua tripulação de Troia a Ítaca na Grécia. Tão logo finda a epopeica guerra entre gregos e troianos, Ulisses resolve retornar para o seu reino (Ítaca), ciente, porém, de que passaria por todo tipo de obstáculos mar adentro. Certo dia, fora da rota ordinária, a nau de Ulisses aproximou-se da ilha de Capri, uma ilha rochosa conhecida como a região das sereias. Estes seres, conhecidos pela beleza, carregavam o poder de hipnotizar os homens através dos seus cantos. E o encanto advindo dos citados cantos acabaria por conduzir as embarcações aos rochedos da morte, de onde dificilmente poderiam escapar. O gorjeio das sereias desviava os homens dos seus intentos, conduzindo-os a caminhos tortuosos, sem retorno ou escapatória. E Ulisses sabia que não poderia resistir a ele. Porém, sabedor dos efeitos arrebatadores do cantar das sereias, Ulisses ordenou aos seus marinheiros que o amarrassem ao mastro do barco, e que, em qualquer hipótese, viessem a soltá-lo futuramente, não importando quaisquer ordens vindouras que ele próprio viesse a emitir em sentido oposto. A ordem era clara: ele só poderia vir a ser desatado quando tivessem concluído a passagem pela ilha. Resistir era quase impossível. Ciente dessa realidade, no fim das contas, Ulisses criou uma autorrestrição, evitando que viesse a sucumbir. E, desse modo, o rei de Ítaca pôde vencer o canto e o encanto das sereias.  

Daí que, da mesma maneira, “[...] as Constituições funcionam como as correntes de Ulisses, através das quais o corpo político estabelece algumas restrições para não sucumbir ao despotismo das futuras maiorias (parlamentares ou monocráticas). Isso é de fundamental importância. Algo que os gregos ainda podem nos ensinar com a autoridade daqueles que forjaram o discurso democrático: entre eles as decisões mais importantes acerca dos destinos da pólis só poderiam ser levadas a efeito no diálogo que se estabelecia na ágora”[6]. Mesmo nos momentos de desespero coletivo – como ocorre em casos de Guerra, o que aparece claramente no texto de Homero – era necessário obedecer à razão e não às paixões temporárias ou aos interesses derivados das preferências pessoais de cada um dos indivíduos. E, como Ulisses e suas correntes, “também a democracia construída pelos gregos passava pelo desenvolvimento de mecanismos que limitavam o exercício do poder e o racionalizavam. Enfim, mecanismos de pré-compromissos, ou de autorrestrição”[7].

Na alegoria presente na Odisseia de Homero, o canto das sereias é um símbolo da sedução à qual o Homem está submetido. E as amarras ou correntes de Ulisses, o mecanismo hábil a suspendê-las. Ulisses é amarrado ao mastro do seu barco. E, mesmo ciente do poderoso cantarolar das sereias, se mantém firme e resistente aos seus efeitos. Ao ordenar aos subordinados que o amarrassem ao mastro, ele reconhece as suas fragilidades enquanto ser humano, e que ele, mesmo ele, também poderia cair no “canto das sereias”. Logo, o Rei de Ítaca usa de um mecanismo externo para resistir, assim evitando cair na cilada do cantar das sereias da ilha de Capri. Este mecanismo representou justamente as amarras/correntes de Ulisses, o que acabou por possibilitar a limitação do poder das sereias com os seus trinados, bem assim a sua própria autorrestrição. Enfim, o respeito aos mencionados pré-compromissos. Ao ser amarrado, Ulisses contém-se, suspende os seus desejos, a sua vontade, enfim, o seu arbítrio, e, imune ao canto das sereias, se mantém fiel aos pré-compromissos firmados, seguindo, então, incorruptível ao soar dos cantos, o curso em direção ao seu recanto.

Neste contexto, especificamente quanto ao mundo da vida envolto ao Direito Eleitoral, enquanto o “canto das sereias” resta materializado pelos incessantes apegos ao protagonismo judicial, de onde exsurgem posturas axiologistas, pragmatistas, voluntaristas, realistas, decisionistas, teleológicas, bem assim pelos clamores populares (e parlamentares, não raramente) pelo combate à corrupção custe o que custar e pela moralização das campanhas eleitorais e instituições a qualquer preço, as amarras de Ulisses representam a Constituição Federal, os seus princípios e as regras jurídicas (ambos normas) legitimadas pela principiologia constitucional. Isto é, as regras (e princípios) do jogo democrático.

É evidente que a política brasileira apresenta problemas. Não menos evidente o é que, no curso das campanhas, poderão haver eventuais ilegalidades. Ocorre, no entanto, que, em nome do direito e da democracia, não poderemos fragilizar o direito, tampouco a democracia. Seria um paradoxo, não? Logo, sob o pálio de defesa da democracia ou da lisura, normalidade e legitimidade dos processos eleitorais, não há como, por exemplo, relativizar-se direitos fundamentais, mesmo que o imaginário popular assim requeira[8]. Quiçá, neste mesmo percurso, poderão ser utilizados argumentos de moral e de política de modo a interpretar-aplicar o direito, fragilizando a sua autonomia. E, muito menos, dar vazão a uma postura imbuída por um viés pragmático no âmbito dos processos judiciais eleitorais, como se a democracia fosse um fim em si mesma, os fins justificassem os meios e as regras do jogo fossem apenas um engodo a serviço da dita impunidade (sic).

Mesmo que o estado atual não seja dos melhores, e que haja verdadeiro descontrole no seio da população, há que se lembrar das amarras de Ulisses, e compreender que a Constituição da República é una e a todos abarca, indistintamente (a igualdade é um princípio constitucional, pois), não se podendo, conseguintemente, contorná-la de maneira (e com fins) ad hoc. Deve-se decidir por princípios! Não pela moral, tampouco pela política. Decidir por princípios, enfim, significa não ser consequencialista nos moldes da análise moralista do Direito (STRECK). Casuísmos morais e políticos, definitivamente, não representam algo que se desenvolva na arena (da jurisdição) democrática.

O Judiciário tem um papel salutar no regime democrático, que é o papel contramajoritário na defesa dos direitos fundamentais em detrimento das investidas de maiorias de ocasião e, até mesmo, contra os “clamores do povo” que, não raro, tomando ares de turba enfurecida, brada por “enforcamentos em praça pública”. Fatos sociais, ao final e ao cabo, não legitimam dribles argumentativos tendentes a legitimar transpasses da ordem jurídica, de modo a legitimar medidas pretendidas de antemão. Isto é ativismo. E o ativismo é antidemocrático, para o “bem” ou para o “mal”.

Nas dicções de STRECK, TOMAZ DE OLIVEIRA e BARRETO, temos uma Constituição “que é o Alfa e o Ômega da ordem jurídica democrática. Uma Constituição dirigente e compromissória. Viver em uma democracia tem seus custos”[9]. Em suma: propugnando sempre pela preservação do grau de autonomia atingido pelo direito na democracia, pensamos que melhor mesmo é confiar na Constituição e na forma que ela mesma impõe para a sua alteração e à formulação de leis. Afinal, duzentos anos de constitucionalismo deveriam nos ensinar o preço da regra contramajoritária. Ulisses, no comando do seu barco, sabia do perigo do canto das sereias...! Ah, os fatos sociais...; nada mais, nada menos, que o retorno ao velho positivismo fático; enfim, em pleno Estado Democrático de Direito, a volta ao velho “realismo jurídico”. E, numa palavra final: quando a Constituição não diz o que a gente quer, não podemos “alterá-la” ou “esticá-la” a partir de princípios construídos ad hoc. Não se altera a Constituição por intermédio de ativismos judiciais[10]-[11]. Não se suprime (e barganha) direitos e garantias fundamentais através de ativismos judiciais. E, através de posturas ad hoc (de moral, por exemplo), não se dribla a normativa constitucional. Eis as amarras: o pacto democrático. Ulisses era um sábio. Lembremo-nos de Ulisses!

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Notas

[1] Ênfase na ordem (CF, art. 2°): “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

[2] Exceções há, felizmente; citemos, a tempo, sem prejuízo de outros que porventura possam se manifestar, Vânia Aieta, Lenio Luiz Streck, Rodolfo Viana Pereira, Guilherme de Salles Gonçalves, Adriano Soares da Costa, Marcelo Peregrino, Rui Samuel Espíndola, Karina Kufa, Gabriela Rollemberg, Joelson Dias, Margarete Coelho, Geórgia Nunes, Roberta Gresta, Gustavo Boher Paim, Néviton Guedes, Carolina Cléve, Fernando Neisser, Fernando de Castro Faria, Alexandre de Castro Nogueira, Frederico Alvim, Ingo Sarlet (doutor em Direito, constitucionalista, doutrinador e ex-juiz eleitoral do TRE-RS), Leonardo Tricot Saldanha (mestre em Direito, professor de Direito Constitucional, jurista e juiz eleitoral do TRE-RS), Rodrigo Lopez Zílio, dentre outros tão importantes quanto.

[3] Nos autos do Recurso Especial Eleitoral n°. 1-72, oportunidade na qual, no exercício da advocacia, compusemos a bancada da defesa, reforçando esse ideário de “atuação responsável” por parte da Justiça Eleitoral, o Min. Gilmar Mendes disse o seguinte, verbis: “[...]. De fato, conforme asseverado pelo TRE, ante o silêncio dos representados em relação a 40% dos recursos utilizados, não se pode afirmar que "os valores em si não se mostram expressivos, porque, na verdade, diante da ausência de higidez no oferecimento da prestação de contas dos representados, não se tem a exata dimensão daquilo que foi sonegado ao conhecimento desta Justiça Eleitoral" (fl. 796). Não há dúvida de que tal montante é suficiente para a desaprovação de contas. Contudo, verifico que tais irregularidades foram depreendidas das próprias prestações de contas dos candidatos e do comitê, o que afasta a má-fé no caso, não obstante a mácula na confiabilidade das contas prestadas.  Assim, tendo em conta que a conclusão pela incidência do art. 30-A não decorre automaticamente da desaprovação, competindo ao autor a sua demonstração, trata-se de ilação indevida considerar que a inviabilização de fiscalização ou controle efetivo por parte da Justiça Eleitoral, em razão de ausência de abertura de conta bancária específica pelo candidato e da realização de trânsito de recursos e despesas mediante a contabilidade do comitê financeiro da agremiação, gera por si só a incidência do artigo. Isso porque, ao fazê-la, o Tribunal Regional Eleitoral inverte o ônus da prova, pois, em verdade, está a se exigir do candidato, no âmbito da representação fundada no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, a comprovação da origem lícita dos recursos ou da inexistência de caixa dois. Em casos semelhantes, venho sustentando, desde a minha primeira passagem pelo Tribunal Superior Eleitoral, que a atuação da Justiça Eleitoral há de se fazer de forma minimalista, sempre com observância do princípio da proporcionalidade, não se permitindo indevida alteração da vontade popular (AgRgREspe nº 25.086/SP, de minha relatoria, julgado em 3.11.2005). Esse entendimento se reforça com a edição da Lei Complementar nº 135/2010, que cria como causa de inelegibilidade, pelo prazo de oito anos, a condenação com fundamento no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997 (art. 1º, inciso I,  alínea j, da Lei Complementar nº 64/1990). Cabe à Justiça Eleitoral, com base em um juízo de proporcionalidade, verificar se a conduta praticada é suficientemente grave para violar o bem jurídico protegido pela norma, a lisura do pleito, sendo imprestável qualquer tentativa de qualificação jurídica via presunção do ilícito eleitoral.  Com efeito, no julgamento do RO nº 1947-10/AC, rel. Min. Dias Toffoli, em 12.9.2013, em que se discutiu a possibilidade de empresa criada em ano eleitoral doar para determinada campanha, ficou assentado que,  Enquanto na prestação de contas se afere a regularidade das receitas e dos gastos eleitorais, na representação do art. 30-A da Lei nº 9.504/97 cabe ao representante comprovar a existência de ilícitos que extrapolem o universo contábil e possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição. Nesse contexto, concluo que os recursos movimentados à margem do sistema legal de controle, por não terem sequer transitado em conta específica, e o fato de o representado haver realizado, de modo precário e inconfiável, a movimentação de recursos e despesas mediante a contabilidade do comitê financeiro da agremiação, embora aptos a implicar a desaprovação de contas, não têm relevância jurídica suficiente para ensejar a gravíssima sanção de cassação de diploma, nos termos da reiterada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral segundo a qual a "cassação do diploma com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 há de ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido pela norma" (RO nº 4446-96/DF, rel. Min. Marcelo Ribeiro, julgado em 21.3.2012).  [...]. 3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial eleitoral para julgar improcedente o pedido formulado na representação (art. 36, § 7º, do RITSE). Julgo prejudicada a AC nº 1363-28/RS, acessória deste recurso. Junte-se cópia desta decisão aos autos da referida cautelar.  Publique-se. Intime-se. Brasília, 03 de novembro de 2015. Ministro GILMAR MENDES, Relator. [...]”.

[4] STRECK, Lenio Luiz. “Aí, esse Joaquim é sinistro. Tá enjaulando bacana”. Revista Consultor Jurídico. Conjur. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2012-dez-22/retrospectiva-2012-ai-joaquim-sinistro-ta-enjaulando-bacana>. Acesso em: 29-10-2015.

[5] STRECK, Lenio Luiz. “Aí, esse Joaquim é sinistro. Tá enjaulando bacana”. Revista Consultor Jurídico. Conjur. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2012-dez-22/retrospectiva-2012-ai-joaquim-sinistro-ta-enjaulando-bacana>. Acesso em: 29-10-2015.

[6] STRECK, Lenio Luiz; BARRETO, Vicente de Paulo; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Ulisses e o Canto das Sereias: ativismos judiciais e o perigo da instauração de um “terceiro turno da Constituinte”. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD) 1(2): 75-83 julho-dezembro 2009, p. 2.

[7] STRECK, Lenio Luiz; BARRETO, Vicente de Paulo; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Ulisses e o Canto das Sereias: ativismos judiciais e o perigo da instauração de um “terceiro turno da Constituinte”. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD) 1(2): 75-83 julho-dezembro 2009, p. 2.

[8] Essa situação, com a máxima das máximas vênias, quedou-se presente quando do julgamento das ADC 29 e 30 e ADI 4578, que versou acerca da (in) constitucionalidade da rumorosa lei da “Ficha Limpa”. Sobre o tema, ver artigo de Hermano Domingues: DOMINGUES, Hermano Martins. Direitos Humanos, Ficha Limpa e jurisdição constitucional: o entendimento do Supremo Tribunal Federal 25 anos depois da Constituição Cidadã. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ, Belo Horizonte, ano 11, n. 13, jan/jun. 2013. Disponível em <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=97104>. Acesso em: 15 jan. 2015.

[9] STRECK, Lenio Luiz; BARRETO, Vicente de Paulo; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Ulisses e o Canto das Sereias: ativismos judiciais e o perigo da instauração de um “terceiro turno da Constituinte”. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD) 1(2): 75-83 julho-dezembro 2009, p. 2.

[10] STRECK, Lenio Luiz. O que é decidir por princípios? A diferença entre a vida e a morte. Revista Consultor Jurídico. Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/senso-incomum-decidir-principios-diferenca-entre-vida-morte>. Acesso em 07-11-2015.

[11] No julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) n°. 29 e 30, nas quais se discutiu, no mérito propriamente dito, a constitucionalidade da lei da “Ficha Limpa”, posturas ativistas formaram a tônica dos julgamentos, notadamente através da repristinação acrítica, (a)paradigmática e descontextualizada de teorias voluntaristas, como a jurisprudência dos interesses e a jurisprudência dos valores. Na ocasião, para o efeito de chancelar constitucionalmente o fato de o diploma legal prever a atração de causas de inelegibilidade tão somente a partir de uma decisão lavrada por um órgão colegiado, foi dito o seguinte: "Estamos diante de uma ponderação entre dois valores constitucionais de mesmo nível [a presunção de inocência e a vida pregressa do candidato]. A Lei da Ficha Limpa busca proteger os valores de moralidade e probidade na política. É uma opção legislativa legítima que foi feita pelo Congresso Nacional". Esta tônica, por seu turno, permeou os demais votos inclinados a dar vazão à aplicabilidade da lei, mesmo que em afronta ao princípio da presunção de inocência que, aliás, para o Min. Luiz Fux, seria regra, e não um princípio. Discordamos deste pensamento, por evidente. E daquele, pois bem, não é diferente. Princípios são valores? Diz-se, por aí, que são normas; mas, quando em conflito, seriam valores. Podem, os princípios, ser normas e valores ao mesmo tempo? Se são valores não são normas. Se são normas não podem ser valores. Ou não? Daí que o Min. EROS GRAU tão bem diz que a doutrina – e a jurisprudência – tropeça(m) em si mesma(s) ao dizer(em) que princípios são valores. Definitivamente: princípios são normas ou condições de possibilidade para a normatividade (STRECK), enfim. Princípios não são valores. Não há, conseguintemente, este dito conflito entre princípios (quem diz isso sufraga a ideia dos valores). E, muito menos, afinal, que se ponderar alguma coisa. E a razão é simples: dizer que princípios são valores nada mais é do que um canal para submeter à autonomia do direito a argumentos de moral (qualquer moral). Daí que ponderação e discricionariedade são faces da mesma moeda. Com elas, parafraseando LENIO STRECK, se diz qualquer coisa sobre qualquer coisa. Tanto que, no caso em questão, inventou-se uma espécie de conflito entre valores (presunção de inocência e moralidade para o exercício do mandato político, considerada a vida pregressa do candidato), para o efeito de, por intermédio da dita “ponderação de valores”, suprimir-se um direito fundamental de primeira estirpe em qualquer regime que se diga democrático, isto é, a presunção de inocência. Em prol de um pretenso interesse coletivo ou público na moralidade dos candidatos, suprimiu-se uma garantia secular, fruto direto do processo de evolução civilizatória que acabou por desembocar no Estado Democrático de Direito. Ocorre que não haveria de se “ponderar” absolutamente nada! Tampouco de se partir, nesse desiderato, para a famigerada dicotomia “público x individual” para o efeito de refutar a eficácia normativa de princípios constitucionais (no caso, da presunção de inocência). Assim, esta decisão é exemplo clarividente de um provimento jurisdicional ativista. E o é em razão da discricionariedade/arbitrariedade ratio final que a abarcou. Tratou-se, então, de uma decisão ativista, no sentido de solipsista. E inconstitucional, por conseguinte.

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Sobre o autor
Guilherme Barcelos

Advogado inscrito nos quadros da OAB/RS sob o n°. 85.529, especialista em Direito Eleitoral (Verbo Jurídico - Porto Alegre-RS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELOS, Guilherme. Ulisses e o canto das sereias: sobre o ativismo judicial eleitoral em terras brasileiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4590, 25 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45853. Acesso em: 18 abr. 2024.

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