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Prefeitos: como realizar uma gestão municipal eficiente.

Conjunto de medidas para prevenir responsabilidades de autoridades municipais

08/06/2016 às 11:23
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O texto é um guia prático de sobrevivência na gestão municipal. São trazidos conhecimentos fundamentais e medidas geralmente negligenciadas pelos prefeitos para blindar a Administração de irregularidades sujeitas a controle.

INSTRUMENTOS DE CONTROLE

A Administração Pública é cercada por instrumentos de controle que, muitas vezes, são desconhecidos dos agentes, sejam servidores, sejam políticos. É importante, então, que se saiba que há, para resguardar a regularidade do serviço público, o seguinte sistema:

  • CONTROLE INTERNO
  • CONTROLE EXTERNO
  • CONTROLE JUDICIAL
  • CONTROLE SOCIAL

Só por esse mapa, já se vê que a autoridade não está sozinha no exercício das suas atividades. Existe, à sua volta, uma ampla estrutura de vigilância. Erra aquele que acredita que, investido de autoridade, tudo pode. Ao contrário, pode menos do que um cidadão comum. Este, afinal, é absolutamente livre. É capaz de fazer absolutamente tudo o que a lei não lhe proíbe. Já o administrador público – como todo funcionário – só pode fazer aquilo que a lei lhe autoriza e da forma que a lei comanda.


CONTROLE INTERNO

 Com a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Controle Interno ganhou força. Trata-se de uma atividade obrigatória, a ser entregue a profissionais qualificados, que servem, em primeiro plano, como braço de apoio aos Tribunais de Contas, atuando dentro das repartições públicas. Em segundo plano, mas não menos importante, esse serviço deve ajudar o gestor no garantia da regularidade das suas ações.

É verdade que ninguém gosta de ser controlado. Mas o administrador eficiente não pode desprezar a prevenção da rotina dos seus ofícios. Para tanto, precisa adotar o seguinte modelo:

Escolher bem a equipe

É fundamental entregar a atividade de controle a pessoas com conhecimento técnico e com sensibilidade administrativa. As matérias são complexas. Envolvem questões como ordenar despesas, cota de pessoal, prestação de contas, licitações, contratos administrativos, etc. Logo, áreas de conhecimento especializado. E isso não pode ser tratado por funcionários quaisquer. Mas, além do conhecimento, esses profissionais precisam ser sensíveis. Têm que ser hábeis para discernir questões de interesse público; para interpretar a lei dentro do espírito do legislador.

Dividir responsabilidades

Na medida em que o gestor tem uma estrutura de controle bem formatada, composta por pessoas que foram escolhidas atendendo ao perfil, é hora de tirar proveito. Como? Aconselhando-se com esses profissionais; reunindo-se com eles para examinar previamente aspectos técnicos dos seus atos. E, claro, registrando tudo. Se, posteriormente, esse administrador for questionado por uma Corte de Contas, terá elemento valioso de defesa. Estará resguardado, uma vez que poderá demonstrar que, na ocasião própria, procurou se cercar das devidas cautelas.

Valorize o Controle Interno. É melhor resguardar-se com o aconselhamento de profissionais dentro do órgão do que esperar que terceiros, de fora, apontem a irregularidade dos atos.


CONTROLE EXTERNO

O Controle Externo é exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas. No Município, o titular desse controle é a Câmara Municipal, que julga as contas a partir de Parecer técnico emitido pelo Tribunal próprio.

Mas a atividade de controle do Legislativo não se limita à apreciação das contas do prefeito. Os vereadores podem, por exemplo, requisitar a presença de autoridades municipais, para que prestem esclarecimentos; podem instaurar comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar irregularidades; e podem até cassar o mandato do prefeito, com base no Decreto-Lei 201/67.

Sabemos que a prática política tem feito com que o gestor municipal contorne esse controle mediante relações promíscuas. Primeiro, porque muitas vezes os próprios vereadores não estão conscientizados da amplitude do poder e das responsabilidades que têm; segundo, porque dependem, para a própria sobrevivência eleitoral, de favores do prefeito. Então, este é ambiente propício para a promiscuidade, que atende a interesses duvidosos de ambas as partes.

Esse quadro de negociação e de tolerância não é raro.  Não há Município que já não o tenha assistido. Mas não é o fato de ser comum que deve levar ao descrédito do sistema. Por isso é que se estuda e busca-se aplicar o melhor direito. E, nesse desiderato, cabe assinalar essa prática e dizer que ela, ainda que repetida e corriqueira, é ilegítima e imoral.

Orientação de sobrevivência

O gestor municipal deve valer-se da possibilidade de consulta ao Tribunal de Contas. O Regimento Interno dessas Cortes contempla a possibilidade de o gestor fazer consultas em tese. Com isso, tem mais uma forma de resguardar-se.

Também, é importante que o serviço jurídico esteja atendo à jurisprudência dos Tribunais de Contas. Não apenas do Tribunal ao qual o Município está vinculado, mas de outros Estados. Com a Internet, isso hoje é feito com rapidez e comodidade. Conhecendo como os Tribunais de Contas têm decidido sobre certos atos, o gestor terá uma referência segura. Estará, portanto, protegido. Mas é importante que, ao tomar uma decisão, ao motivá-la, registre que o faz com base na posição recolhida dessa jurisprudência.

Evite promiscuidade

Em relação à Câmara Municipal, adote-se uma linha de respeito, mas sem mecanismos espúrios. É sabido que até o presidente da República, em vários governos, utiliza-se da troca de favores com membros do Congresso Nacional. Isso, entretanto, desqualifica ambas as partes – quem dá e quem recebe e, invariavelmente tem exposto autoridades do mais alto escalão federal a situações de constrangimento.

O administrador idôneo, seguro, sabe impor-se pelos seus méritos e não precisa bater na porta dos favores. Até porque o gestor que colocar o seu mandato sobre esse tipo de alicerce, não conseguirá elevar-se por muito tempo. Será um eterno refém, sujeito a todo tipo de chantagem.


CONTROLE JUDICIAL

Por força da Constituição Federal, nada escapa do controle judicial. Tudo, absolutamente tudo, pode ser levado à apreciação de um juiz.

A lei coloca institutos jurídicos à disposição de cidadãos, dos administrados, da sociedade organizada e do Ministério Público. Destaquem-se:

- Mandado de segurança – que pode ser impetrado por qualquer pessoa lesada no seu direito líquido e certo.

- Mandado de Segurança Coletivo – que pode ser proposto, por exemplo, por associações quando da ocorrência de um abuso de autoridade ou de uma ilegalidade que agride o direito líquido e certo dos seus associados.

- Ação Popular – instrumento a serviço de qualquer cidadão, contra a ilegalidade, o mau uso de recursos públicos, a agressão ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural.

- Ação Civil Pública e a Ação de Improbidade Administrativa – poderosas ferramentas jurídicas de que dispõe o Ministério Público.

Vê-se, então, somente por esse rascunho, que é preciso cautela. O bom gestor público deve ser temente à Justiça como temente a Deus. Aquele que desafia o Poder Judiciário não é uma autoridade na verdadeira acepção da palavra; muito menos está preparado para o convívio democrático e para a administração moderna.

Orientação de sobrevivência

Todo gestor público – político ou funcionário deve ler atentamente o que o Código de Penal relaciona como CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Também deve ler a Lei nº 8.429/92 – Lei da Improbidade Administrativa -, pelo menos nos artigos 9º, 10 e 11.

Com essas duas leituras – e a observância do que ali está posto – pode-se dizer que muitos dissabores serão evitados.


CONTROLE SOCIAL

O Controle Social não está formatado como um sistema oficial, mas é, exatamente, o que mais funciona. Ele apresenta-se especialmente de duas formas:

- PELA CIDADANIA, por intermédio do voto.

- PELA IMPRENSA, noticiando, fiscalizando, denunciando.

Atualmente, com o pleno exercício democrático, amplia-se essa forma de controle. O voto a cabresto está reduzido a poucos currais. As pessoas, mesmo humildes, recebem diariamente uma gama de informações, o que lhes permite formar o convencimento acerca dos agentes políticos. O senso crítico se amplia.

A imprensa está presente, com total liberdade. E – diga-se bem – nem sempre com total responsabilidade. É por isso que, em Brasília, muitas autoridades até relaxam em relação aos sistemas formais de controle (Judiciário, Tribunais de Contas), mas vivem sob o temor de um escândalo nos jornais.

Uma notícia desabonadora pode representar, às vezes, uma condenação pública perpétua. Todos conhecem casos de políticos que foram massacrados pela imprensa. Depois, absolvidos em via judicial, onde nada ficou provado, continuaram publicamente constrangidos, alijados dos espaços públicos e sem condições de se apresentar para a disputa de cargos relevantes.


CONCLUSÕES SOBRE O CONTROLE

O gestor deve ter em mente essas formas de controle. Toda vez que for tomar uma decisão, é preciso prever a repercussão que ela terá nesse universo. Por exemplo:

Internamente, ela é aceita? Ou dentro da própria Administração há resistência sob os aspectos técnicos, em particular quanto à legalidade e à legitimidade?

Há risco de controle externo? A Câmara Municipal poderá se posicionar contra? A questão pode exigir explicação do Tribunal de Contas?

  • A medida pode ser questionada na Justiça?
  • O eleitor compreenderá?
  • A imprensa dará cobertura? Ou, pelo menos, está afastado risco de má-interpretação
  • Examinando as suas ações sob essa ótica, o administrador será deveras precavido.


A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Quem atua na Administração Pública municipal precisa estar atento à especial vigilância do Ministério Público. O maior número de agentes públicos responsabilizados por improbidade administrativa está nos Municípios. Isso se deve exatamente à presença de, no mínimo, um promotor de justiça na cidade.

Quando menor o Município, talvez maior a vigilância. Isso porque, para essas localidades, são enviados os jovens, recém-aprovados em concursos, em regra estudiosos e com muita vontade de mostrar serviço. Sem a prudência dos veteranos, agem, muitas vezes, por impulso ou reagem desproporcionalmente ao primeiro sinal de uma irregularidade.

Ademais, os promotores de justiça, em pequenos ou médios Municípios, têm conhecimento direto dos fatos. Nos grandes centros, o agente do Ministério Público está em seu gabinete cercado de processos e pouco contato tem com a realidade das ruas.  No interior, no entanto, escuta a rádio local; lê o jornal da cidade; ouve os comentários na esquina; verifica in loco as obras públicas... E, assim, está apto a, a qualquer instante, questionar as ações do prefeito, de secretários municipais, de vereadores.

Os agentes municipais tinham temor ao Decreto 201/67, que trata das responsabilidades de prefeitos e vereadores. Hoje, a Lei da Improbidade Administrativa é ainda mais rígida; e é ela o principal instrumento de trabalho dos promotores de justiça.

Cabe, aqui então, destacar duas sinalizações: há pontos vulneráveis na Administração que o gestor precisa ficar atento; se o gestor não cuidar disso, o Ministério Público por certo o fará..

Em outros tempos, bastava ao prefeito ter a maioria na Câmara Municipal. Nos dias atuais isso não basta. Um único vereador de oposição pode não obter sucesso no Legislativo, mas apresenta uma representação ao promotor que, encontrando os pressupostos, deflagrará uma investigação ou um processo, cujas consequências podem ter severos desdobramentos.

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PONTOS VULNERÁVEIS

Todo gestor hoje precisa estar atento aos pontos vulneráveis da Administração. São eles:

LICITAÇÕES – Dizem respeito direto ao emprego de recursos públicos. Não realizar licitação, quando a lei a exige, é crime. Fazê-la de forma irregular pode, igualmente, abrir um leque de responsabilidades.

CONTRATOS – Feita a licitação, virá a execução do contrato. Cuidado! A lei manda nomear fiscal para acompanhar. Não o fazendo, o gestor atrai para si toda a responsabilidade pelos prejuízos que decorrem da má-execução. A lei ordena, ainda que, executado o contrato, seja nomeado um funcionário para oficialmente declarar o recebimento do objeto. É a ausência dessa nomeação (sem alguém que ateste a qualidade do objeto) que gera escândalos, como as frequentes notícias de merenda escolar estragada e medicamentos com prazos de validade vencidos.

RESPONSABILIDADE FISCAL – É sabido que a impropriamente chamada Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe um novo elenco de atribuições ao gestor. Na verdade, no seu primeiro artigo, a lei indica o ponto de cautela: ela não é lei de responsabilidade fiscal, mas é lei de responsabilidade do gestor na gerência fiscal. Portanto, o gestor é quem deve ficar atento aos seus comandos, em razão da responsabilidade direta que lhe será cobrada.

DISCIPLINA – A administração da disciplina no serviço público historicamente é um caos. Assim o é também nas esferas estadual e federal. O administrador no Município deve cuidar dessa área, por duas razões: a) a sua omissão é improbidade administrativa; b) o descuido com a política para esse setor pode levar à quebra de hierarquia e à falta de controle sobre os funcionários.

RECURSOS HUMANOS – Muitas pessoas se referem à Administração Pública como máquina administrativa. Não é máquina, é serviço. Máquina tem parafusos, engrenagens, peças de impulsão mecânica. Serviço tem gente! O gestor que não desenvolver uma boa política de recursos humanos – que tratar o funcionário como equipamento – corre, no mínimo, riscos de resultado.

COMUNICAÇÃO – O outro ponto vulnerável é a má comunicação com a sociedade. É grande o números de competentes administradores que deixam a prefeitura praticamente linchados pelo povo. (Isso, inclusive, aconteceu com o presidente Campos Sales, que fez um grande governo para os padrões da sua época ,no início do século 20, e deixou o palácio sob chuva de pedras.)

O administrador que, no seu Município, estabelecer políticas próprias para essas áreas estará, certamente, prevenindo responsabilidades pessoais e, de igual importância, dando qualidade ao seu ofício.


OUTRAS FORMAS DE RESGUARDAR RESPONSABILIDADES

Conhecidos os pontos vulneráveis, tenha-se um plano geral de resguardo.

- Nomeie comissão permanente de licitação. Isso permite especialização dos funcionários e exonera o gestor de pleitos pessoais, constrangedores. Com comissão profissional, não se envolva. Apenas esteja atento, pelos mecanismos de controle interno, a eventuais desvios de procedimentos.

- Indique sempre fiscal de contrato. A fiscalização não acontece apenas em obras. Tudo deve ser devidamente acompanhado. Esse fiscal, por lei, anotará as irregularidades, adotará providências e será o responsável por eventual defeito de execução.

- Tenha funcionário formalmente indicado para receber o objeto do contrato – Tudo o que for comprado, por exemplo, será minuciosamente conferido.

- Constitua corregedoria ou comissão permanente de sindicância e de processo disciplinar – E treine essas pessoas, pois se trata de matéria complexa, que exige estudo especializado. Assim, todas as irregularidades serão investigadas. E será algo automático. Não procedendo dessa forma, passará a impressão que o gestor está perseguindo alguém ao constituir uma comissão específica para esse fim.

- Veja, ainda, que a sindicância é o instrumento interno que o gestor tem para apurar qualquer tipo de irregularidade. Não espere, portanto, que outros lhe investiguem. Investigue primeiro.

- Revise o Estatuto dos Servidores – A maior parte dos estatutos municipais está desatualizada ou é ineficiente. Mesmo aqueles produzidos depois de 1990, seguiram, na maioria, o modelo da lei federal, que é recheada de erros.

- Adote uma política moderna de Recursos Humanos – Muitas prefeituras continuam trabalhando com o velho Departamento de Pessoal. Hoje, exige-se mais. Recursos Humanos é a expressão de comando. A medida representa incentivo, treinamento, assistência. A Administração oferece condições para, enfim, poder cobrar resultado.

- Organize um programa de comunicação eficiente. É preciso levar a todos os setores da comunidade a correta informação. Mas, nesse campo, é fundamental a forma de fazer. Observe que a falta de comunicação pode gerar um erro de interpretação de um ato. Há casos de medidas tomadas pelo Ministério Público ou pelo Legislativo por falta de compreensão do que realmente estava a acontecer.

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Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Léo Silva. Prefeitos: como realizar uma gestão municipal eficiente.: Conjunto de medidas para prevenir responsabilidades de autoridades municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4725, 8 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46357. Acesso em: 26 abr. 2024.

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