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Pela racionalidade dos expedientes forenses:

o máximo de resultados com o mínimo de atos processuais

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08/01/2004 às 00:00
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Há poucos juízes, poucos funcionários, o sistema processual é burocrático. É preciso criatividade, pragmatismo e espírito inovador para poder alcançar a máxima efetividade processual com os poucos meios de que se dispõem.

"Quanto mais perfeita uma natureza, menos meios necessita para a sua operação" Aristóteles

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Gerenciamento do processo judicial; 3. Eliminando os atos inúteis; 4. As idéias do Juiz Federal Novély Vilanova da Silva Reis; 5. Linguagem clara, simples e objetiva; 6. Papel pedagógico da decisão; 7. Análise dos requisitos da inicial; 7.1. Inépcia da inicial; 7.2. Procuração Judicial; 7.3. Autenticação de Documentos; 7.4. Indicação errônea da pessoa jurídica que comporá o pólo passivo; 7.5. Custas processuais; 7.6. Pedido de gratuidade de justiça; 7.7. Impossibilidade jurídica do pedido; 8. Despachos "inteligentes"; 8.1. Prática de atos processuais pelos servidores; 9. Estímulo aos feitos coletivos; 10. Conversão de ofício dos processos cautelares em ordinários; 11. Simplificação da fase probatória; 12. Elaboração de sentença em audiência; 13. Cuidados na elaboração da sentença; 14. Execução da sentença; 15. Distribuição de tarefas e serviços com as partes e com terceiros; 16. Utilização de novas tecnologias; 17. Comunicação dos atos processuais; 17.1. Racionalização da comunicação por Mandado; 18. Desestímulo aos recursos (incentivo ao não-recurso); 19. Incentivo ao cumprimento espontâneo das decisões; 20. Conclusões; Bibliografia


1. Considerações iniciais

José Renato Nalini comenta, no livro Uma Nova Ética Para o Juiz (p. 100), que havia um decreto de Carlos Magno autorizando o litigante, a quem o juiz não provesse logo com a sentença, transportar-se para a casa do magistrado, passando a viver à custa deste até que o feito tivesse seguimento.

Se esse decreto existisse hoje, certamente não haveria cômodos nas casas dos juízes para tanta gente. Não é incomum encontrar processos com mais de dez anos de tramitação, às vezes sem qualquer decisão de primeiro grau.

É certo que as causas pela demora, na maioria das vezes, fogem ao controle do magistrado. Por mais que trabalhe, o juiz jamais conseguirá concluir, com êxito, os milhares de processos que estão sob sua condução.

Há poucos juízes, poucos funcionários, poucos instrumentos de trabalho, pouco investimento no Judiciário, o sistema processual é burocrático, sobretudo no que se refere aos recursos, além de existirem inúmeros outros problemas igualmente sérios, que dificultam o desempenho do Poder Judiciário, como por exemplo, o aumento da taxa de litígios (explosão da litigiosidade), sem que os foros judiciais tenham capacidade de absorver essas demandas. Porém, nem por isso o magistrado pode se conformar e aceitar as coisas como estão. É preciso criatividade, simplicidade, pragmatismo, inteligência e espírito inovador para poder alcançar a máxima efetividade processual com os poucos meios de que se dispõem.

Barbosa Moreira já defendia que um dos enfoques da efetividade processual é a racionalidade e celeridade. O processo – dizia o famoso jurista – deve dar a quem tem razão tudo aquilo e exatamente aquilo a que ele tem direito de conseguir com o mínimo dispêndio de tempo e de energias. "Sendo igualmente admissíveis dois entendimentos diversos, há de preferir-se o mais favorável à rápida solução do litígio" (Notas sobre o problema da ‘efetividade’ do processo. p. 80).

Portanto, mesmo com recursos escassos, o juiz deve procurar agilizar os trâmites processuais através de soluções criativas, baratas e inovadoras. A ênfase do magistrado, enquanto condutor do processo judicial, deve ser nos aspectos práticos de sua atuação, isto é, nos resultados efetivos que o processo deve alcançar, o que pode ser sintetizado na seguinte máxima: dentro do constitucionalmente permitido, deve-se obter o máximo de resultados com o mínimo de atos processuais.


2. Gerenciamento do processo judicial

Fazer o máximo com o mínimo é um conceito básico na administração científica.

Várias técnicas gerenciais, como a reengenharia [1], o programa de qualidade total, planejamento estratégico, benchmarketing, entre outras, têm sido desenvolvidas e aplicadas com sucesso em empresas particulares. Essas lições dos administradores podem ser muito úteis ao juiz para proporcionar o melhor desempenho de suas tarefas, como bem assinalou José Renato Nalini (Dez Recados ao Juiz do III Milênio, p. 135).

Obviamente, as técnicas de gerenciamento empresarial não podem ser simplesmente transportadas para o processo civil. Isso seria desastroso, sobretudo pela carga ideológica, garantística, humanística e ética que a Justiça deve, por imperativo, observar e que não necessariamente está presente no universo das atividades empresariais.

No entanto, alguns conceitos desenvolvidos pelos administradores podem ser muito úteis, por exemplo: a) a organização deve buscar a eficiência, eliminando o que for inútil e simplificando o que for necessário; b) as rotinas devem ser constantemente aperfeiçoadas; c) o uso criativo da tecnologia da informação deve ser valorizado; d) os problemas devem ser resolvidos imediatamente e não após vários dias de trabalho desperdiçado; e) deve ser estimulada a capacidade de inovação, autodisciplina e criatividade dos servidores, permitindo a tomada de decisões em todos os níveis organizacionais; f) a qualificação dos servidores deve ser uma preocupação constante, pois somente estando eles suficientemente educados e treinados estarão aptos para tomarem por si sós as decisões necessárias; g) os servidores precisam estar plenamente motivados e devem "vestir a camisa" da organização a que pertencem; h) a preocupação com a qualidade do serviço deve ser uma prioridade; i) deve-se estimular a busca de parceiros externos capazes de melhorar a qualidade dos serviços e reduzir os custos; j) soluções que deram certo em outras organizações devem ser aplicadas e aperfeiçoadas (benchmarketing).

Algumas técnicas gerenciais já estão sendo aplicadas com bastante sucesso em diversos escalões do Judiciário, como, por exemplo, o Programa de Qualidade Total. Porém, quase sempre o foco é voltado para a organização ou apenas pela automação (informatização) das rotinas. Não há qualquer preocupação com a condução do processo propriamente dita.

A experiência tem demonstrado que não é suficiente melhorar a estrutura organizacional sem haver uma melhora substancial no processo. "Sobrepor uma nova organização a um processo antigo equivale a introduzir um vinho azedo em novas garrafas" (HAMMER, Michel & CHAMPY, James. Reengenharia – revolucionando a empresa. 30ª ed. Campus, p. 34). Também não adianta introduzir tecnologias modernas para continuar fazendo as mesmas coisas erradas, ainda que mais eficientemente. Numa imagem utilizada pelos citados autores norte-americanos, isso equivaleria a asfaltar uma trilha de carro de boi.

Muitas vezes, o problema está no próprio conteúdo do despacho judicial que impulsiona o processo, bem como na forma que o juiz o conduz.

É certo que, muitas vezes, a lei processual não ajuda. "Por admirável que seja – disseram CAPPELLETTI e GARTH a respeito do sistema processual no mundo – ele é, a um só tempo, lento e caro. É um produto final de grande beleza, mas acarreta um imenso sacrifício de tempo, dinheiro e talento" (Acesso à Justiça. p. 164).

Os legisladores e os próprios processualistas costumam mostrar total indiferença para os reais problemas do foro. Certos dispositivos legais são tão sem lógica que certamente foram escritos por quem jamais pisou em um cartório forense, sobretudo em um cartório abarrotado de processos com uma grande carência de servidores.

Por exemplo, exigir que simples impugnações ao valor da causa e exceções relativas de incompetência sejam autuadas e apensadas aos autos principais é um preciosismo técnico completamente destituído de lógica. São inúmeros os transtornos causados pelo apensamento de autos: necessidade de nova autuação, dificuldade no manuseio dos autos, dificuldade no controle e andamento dos atos processuais, gasto de papel, repetição de expedientes etc. Muito mais simples e racional seria permitir que tais questões fossem alegadas como meros incidentes processuais nos próprios autos principais, tal como ocorre com as alegações preliminares. Também é totalmente sem lógica a quantidade de recursos disponíveis. Exemplificando, se o juiz antecipar uma tutela contra a fazenda pública na própria sentença, que é uma prática que está se tornando comum, são cabíveis, pelo menos, os seguintes recursos ou sucedâneos de recursos: embargos de declaração (art. 535, do CPC), apelação (art. 513, do CPC), agravo retido (art. 523, §4º, do CPC), agravo de instrumento (art. 524, do CPC), suspensão de tutela (Lei 9.494/97), reclamação ao STF (por eventual violação à ADC nº 4-DF), mandado de segurança... Fora os recursos que poderão vir posteriormente: agravo regimental, recurso especial, recurso extraordinário e por aí vai....

No entanto, tirando uns poucos absurdos legais, é possível fazer muita coisa pela racionalidade do processo sem desrespeitar o Código de Processo Civil ou a Constituição Federal. É o que se demonstrará neste artigo.


3. Eliminando os atos inúteis

Em palestra proferida em Fortaleza quando da implantação do Programa de Qualidade Total na Seção Judiciária do Ceará, o Desembargador Federal Geraldo Apoliano defendeu com afinco a racionalização dos expedientes forenses. Citou, na oportunidade, como exemplo de irracionalidade, a velha praxe de se carimbar as folhas dos autos antes de numerá-las, mesmo não havendo qualquer regra processual impondo tal exigência.

No dia a dia forense, são inúmeras as práticas semelhantes, que desafiam o bom senso pela ausência de lógica e excesso de formalismo. É comum observar as secretarias trabalharem em círculos, quebrando a própria essência do processo, que, etimologicamente, significa "caminhar para frente".

O passo inicial, portanto, em busca da racionalização dos expedientes, é refletir e analisar cada ato que é praticado na secretaria. Por que é feito assim? Há mesmo necessidade de se fazer isso? Existe um modo mais eficiente de se atingir o mesmo resultado? O que outras organizações têm feito para agilizar essa rotina?


4. As idéias do Juiz Federal Novély Vilanova da Silva Reis

Um dos maiores defensores da simplicidade e racionalidade processual é o Juiz Federal Novély Vilanova da Silva Reis, do Distrito Federal. Suas dicas para uma melhor administração do processo civil são seguidas por milhares de juízes em todo Brasil e tem ajudado bastante à simplificação dos atos processuais.

Através de uma análise pragmática dos expedientes judiciais, o referido magistrado procura as soluções mais simples para os problemas processuais do cotidiano forense.

Aconselho como ponto de partida para qualquer tentativa de racionalização das rotinas a leitura dos seguintes artigos de autoria desse grande magistrado: a) Indicações práticas para uma melhor administração do processo civil; b) A objetividade das formas, das rotinas e das linguagens judiciais; c) O procedimento das ações na Justiça Federal de 1º grau; d) O que não se deve dizer ou fazer: notas de linguagem forense e de práticas viciosas [2].


5. Linguagem clara, simples e objetiva

Um passo fundamental para racionalizar a prática forense é simplificar a linguagem utilizada nos atos processuais.

As decisões devem ser escritas com um texto claro e objetivo, evitando-se o uso de estilos rebuscados e incompreensíveis para o jurisdicionado. O estrangeirismo também deve ser contido, inclusive as expressões latinas.

Nesse sentido, vale conferir um ótimo artigo escrito pelo Juiz Federal Luís Praxedes Vieira da Silva, do Ceará, que trata precisamente do "Princípio da Simplicidade nas Decisões Judiciais" [3].

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Além de simples, a linguagem deve ser a mais clara e objetiva possível. Jargões muito vagos como "requeiram as partes o que for de direito", "custas, as de lei" ou "intimem-se para os fins legais" em nada ajudam. É preciso que as decisões sejam específicas quanto às suas finalidades e permitam que as partes compreendam exatamente o que o juízo quer.

Tratando-se de atos com conteúdo decisório, a fundamentação também deve ser clara e expressa. Não se pode contentar com decisões do tipo "presentes os requisitos para a concessão da liminar, concedo-a nos termos em que requerida". Aliás, a jurisprudência é toda no sentido de que tais decisões são nulas por não atenderem ao imperativo constitucional da fundamentação [4]. Obviamente, não é necessário um longo estudo sobre a matéria a ser decidida. Longe disso. Basta que o juiz indique objetivamente quais as razões de seu convencimento. Tais razões podem, inclusive, ser expostas oralmente pelo juiz, gravando-se em fita magnética ou outro meio semelhante os termos da fundamentação para posterior degravação [5]. Assim, o juiz economiza tempo, pois somente redige (escreve) o dispositivo da decisão, deixando a cargo de um servidor a função de degravar a fundamentação. Um programa de digitalização de voz (Via Voice da IBM) também tem sido bastante utilizado, facilitando a vida de muitos magistrados, sobretudo os que sofrem os efeitos da LER – lesão por esforços repetitivos.


6. Papel pedagógico da decisão

O direito processual brasileiro, infelizmente, ainda é marcado pelo formalismo, pela burocracia e pela complexidade de seus institutos.

Nem todos os advogados sabem manejar adequadamente os diversos tipos de procedimentos e ações. Nem todos os doutrinadores pensam de modo uniforme sobre um determinado conceito processual. Nem todos os juízes adotam as mesmas rotinas processuais. Não é justo, portanto, que as imposições da técnica tornem o direito material "escravo" das formalidades processuais por um mero capricho intelectual do magistrado ou por uma compreensível ignorância do advogado.

Ao dirigir o processo, o juiz deve ser o mais "didático" possível, dando instruções precisas às partes e aos servidores para que cumpram suas determinações corretamente.

O juiz deve, sempre que possível, procurar relevar pequenas atecnias cometidas pelos advogados (que muitas vezes passam despercebidas pelos próprios magistrados ou são frutos de um posicionamento acadêmico controvertido), sobretudo os advogados iniciantes e os "eventuais", que quase nunca advogam na Justiça Federal. As pretensões devem ser interpretadas em face de sua essência e não de sua forma. Deve ser dada ao autor a oportunidade de emendar ou completar a inicial sempre que ela apresente "defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito" (art. 284, caput, do CPC). Qualquer comportamento excessivamente formalista do juiz não pode mais prevalecer; afinal, a atenção à forma que não atenda ao ideal da instrumentalidade, na imagem de Liebman, não passará da mais solene deformação.

É papel do juiz, na condução do processo, facilitar o trabalho do advogado, sempre procurando "salvar do naufrágio imediato postulações malformuladas, mas suscetíveis de correção", como bem colocou Barbosa Moreira, em seu artigo Efetividade do Processo e Técnica Processual, publicado na Revista da Ajuris nº 64.

Se, por exemplo, o juiz entender que a inicial não está bem instruída, deve indicar quais os documentos estão faltando, determinando que a parte os apresente. Se o pedido foi dirigido contra pessoa ilegítima para a causa, deve informar ao autor qual é a pessoa supostamente legítima e perguntar se ele quer litigar contra essa pessoa, determinando que ele requeira a citação (pode-se ir mais além para defender que o próprio juiz determine de ofício a citação da parte legítima). Se o juiz entender que um determinado procedimento escolhido pela parte não é adequado, deve utilizar a faculdade do art. 295, inc. V, do CPC ("a petição inicial será indeferida quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal") e adequar, de ofício, a petição ao procedimento correto, determinando que o autor promova as emendas e alterações que reputar convenientes.

Em síntese: o magistrado deve facilitar ao máximo o andamento do processo, auxiliando as partes e indicando de forma expressa o que é necessário para o julgamento do mérito da lide. Fazendo isso, evita-se que o processo fique indo e vindo, ocupando a secretaria com expedientes que não seriam necessários se a parte já soubesse, desde o início, o que é para ser feito.


7. Análise dos requisitos da inicial

A análise da petição inicial e dos documentos que a instruem é de suma importância para o correto caminhar procedimental. Muitas vezes, uma irregularidade que poderia ter sido corrigida logo no começo do processo, como, por exemplo, a incompetência do juízo, somente é descoberta quando vários atos processuais já foram inutilmente praticados.

É sempre conveniente analisar com bastante atenção se a petição inicial não contêm defeitos capazes de prejudicar o andamento processual. Já disse Barbosa Moreira que, se os juízes manejassem com destreza os dispositivos do Código de Processo Civil concernentes ao indeferimento da petição inicial e à extinção do feito na modalidade do julgamento conforme o estado do processo (arts. 295 e 329, respectivamente), boa quantidade de demandas que sobrevivem inutilmente seriam rapidamente eliminadas, desobstruindo, em parte, os já tão obstruídos canais judiciais (Efetividade do processo e técnica processual. p. 155).

Formalismos inúteis não devem ser exigidos. O juiz somente deve determinar que a parte emende a petição inicial se realmente houver algum aspecto que poderá prejudicar, no futuro, o julgamento do mérito.

7.1. Inépcia da inicial

Em decorrência da instrumentalidade - corolário do princípio da efetividade e do acesso à justiça -, o magistrado, ao se deparar com uma petição que, a rigor, seria "inepta", deve ponderar se aquela petição é capaz de fornecer, mesmo com dificuldades, os elementos mínimos necessários a instrumentalizar o direito de ação. Se a resposta mental for positiva, isto é, se for possível "compreender" o que se deduz, o magistrado é obrigado a dar máxima efetividade ao direito fundamental à ação, sanando, na medida do possível, as deficiências técnicas, principalmente das partes hipossuficientes [6]. Qualquer comportamento excessivamente formalista por parte do juiz não seria legítimo, pois "os requisitos processuais devem ser interpretados no sentido mais favorável ao direito de ação, sob pena de inconstitucionalidade" (ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. p. 190).

7.2. Procuração Judicial

Vários processos "emperram" por problemas na procuração judicial. Processos já ficaram parados inúmeros meses ou até anos porque o juiz reputou irregular o fato de a procuração não conter o reconhecimento da firma do outorgante ou, no caso de pessoas jurídicas, a cópia do contrato social da empresa.

Quanto ao reconhecimento de firma, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que "o art. 38, CPC, com a redação dada pela Lei 8.952/94, dispensa o reconhecimento de firma nas procurações empregadas nos autos do processo, tanto em relação aos poderes gerais para o foro (cláusula ad judicia), quanto em relação aos poderes especiais (et extra) previstos nesse dispositivo. Em outras palavras, a dispensa do reconhecimento de firma está autorizada por lei quando a procuração ad judicia et extra é utilizada em autos do processo judicial. A exigência ao advogado do reconhecimento da firma da parte por ele representada, em documento processual, quando, ao mesmo tempo, se lhe confia a própria assinatura nas suas manifestações sem exigência de autenticação, importa em prestigiar o formalismo em detrimento da presunção de veracidade que deve nortear a prática dos atos processuais e o comportamento dos que atuam em juízo. A dispensa da autenticação cartorária não apenas valoriza a atuação do advogado como também representa a presunção, relativa, de que os sujeitos do processo, notadamente os procuradores, não faltarão com os seus deveres funcionais, expressos no próprio Código de Processo Civil, e pelos quais respondem" (STJ, RESP 264228, Processo: 200000619582/SP, 4ª Turma, j. 5/10/2000, DJ 2/4/20001, p. 298, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

Portanto, mesmo que a procuração contenha poderes especiais, não é necessário determinar o reconhecimento de firma [7]. Em último caso, na hipótese de utilização dos poderes especiais, o magistrado pode exigir o reconhecimento de firma, desde que haja motivo para tanto.

No que se refere ao contrato social das pessoas jurídicas, o entendimento deve ser semelhante. Não há qualquer exigência do Código de Processo Civil no sentido de que é necessária a apresentação do contrato social. Portanto, "se inocorre fundada dúvida sobre a regularidade da representação da pessoa jurídica, alegada pela parte contrária, mas não demonstrada, não está o juiz obrigado a exigir em Juízo a apresentação dos respectivos atos constitutivos da sociedade", conforme já decidiu o STJ. Em outras palavras: os atos constitutivos da sociedade somente devem ser exigidos se houver fundada dúvida sobre a regularidade da procuração.

Veja-se que toda vez que o magistrado pára o processo a fim de determinar que a parte regularize sua procuração, mesmo estando ela regular, são praticados inúmeros atos desnecessariamente (conclusão ao juiz, elaboração do despacho, remessa à secretaria, publicação, juntada de petição "regularizando" a representação e nova conclusão ao juiz).

7.3. Autenticação de Documentos

Várias normas processuais editadas recentemente estão dispensando a autenticação das cópias de documentos apresentados judicialmente. Exemplo disso é a MP nº 1.490/96 (art. 21), que dispensa as pessoas jurídicas de direito público de autenticar cópias reprográficas de quaisquer documentos que apresentarem em juízo. A Lei 10.352/2001, do mesmo modo, trouxe alterações no CPC permitindo que o próprio advogado declare, sob sua responsabilidade pessoal, a autenticidade das peças do processo que instruirão o agravo de instrumento.

Essas normas devem ser interpretadas extensivamente. Em qualquer caso, o advogado poderá, ele próprio, autenticar as cópias de documentos apresentados em juízo, sobretudo quando se trata de documento de que a outra parte tem conhecimento.

Não é justo, por exemplo, exigir que um mutuário autentique a cópia de um contrato de financiamento habitacional, quando a parte contrária (instituição financeira) possui uma cópia idêntica e poderá aferir a sua autenticidade com tanta ou mais confiabilidade do que a autenticação cartorária. O mesmo ocorre com cópias extraídas de processos administrativos utilizadas pela parte autora e passível de fácil verificação pelo ente público (réu) que possui o original daqueles mesmos documentos. Também é totalmente desnecessária a autenticação de documentos que não influem no julgamento da lide, como uma cópia carteira de identidade ou CPF, cópia de título de eleitor etc.

Em síntese: o juiz somente deve determinar a autenticação em cartório ou a apresentação dos originais se (a) o documento for necessário ao julgamento da lide, (b) houver dúvidas quanto à autenticidade do documento ou quanto à idoneidade do advogado e (c) a outra parte não tiver uma cópia ou o original do documento [8]. Do contrário, a exigência será inútil burocracia, que, como ressaltou o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, a experiência forense mostra desnecessária, além de criar uma desigualdade que não se justifica (STJ, RESP 20244/BA, 4ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 22/6/1999, DJ 6/9/1999, p. 87).

7.4. Indicação errônea da pessoa jurídica que comporá o pólo passivo

É comum a parte indicar incorretamente a pessoa jurídica que deve estar no pólo passivo da demanda. Pede-se, por exemplo, a citação da Polícia Federal ou outro órgão despersonalizado (Ministérios, Exército, Tribunais etc), quando o correto seria pedir a citação da União.

Nesses casos, a praxe é determinar que o autor peça a citação da pessoa jurídica que deve compor o pólo passivo ("intime-se o autor para promover a citação da pessoa jurídica que possui capacidade para ser parte"). Tal prática, contudo, acarreta serviço desnecessário à secretaria. É óbvio que o autor, ao pedir a citação de um órgão despersonalizado, se equivocou e, na verdade, quer litigar com o ente personalizado. Assim, o juiz deve corrigir a falha cometida e determinar desde logo a citação da pessoa jurídica com capacidade para ser parte [9].

É possível ir mais além.

Nos casos em que o autor indica pessoa jurídica errônea (por exemplo, a União no lugar do INSS), entendo que o próprio juiz pode corrigir o equívoco, excluindo do feito a pessoa jurídica ilegítima e determinando, de ofício, a citação do ente legítimo, sobretudo se a matéria for controvertida, a exemplo do que ocorre nas lides envolvendo o Sistema Financeiro da Habitação (CEF ou União?), exclusão do CADIN (Banco Central ou União?), benefícios assistenciais (INSS ou União?) e os exemplos se seguem. Com isso, economiza-se tempo e trabalho da secretaria. Se o autor não aceitar a mudança, deve alegar seu inconformismo no primeiro momento em que falar nos autos; do contrário, reputa-se que ele aceitou tacitamente a mudança [10].

Por outro lado, na hipótese de haver necessidade de citação de mais de uma pessoa jurídica, e o autor, não beneficiário da gratuidade da justiça, indicar apenas uma, parece melhor, nesse caso, intimá-lo para requerer a citação da outra pessoa, pois, dessa forma, ele ficará intimado também para fornecer as cópias necessárias ao cumprimento do expediente. De outra parte, se o autor for beneficiário da justiça gratuita, a própria secretaria poderá providenciar as cópias necessárias ao cumprimento da diligência e promover, desde logo, a citação da pessoa jurídica faltante.

7.5. Custas processuais

Caso o autor não pague as custas iniciais, não é necessário que a secretaria intime-o para cumprir a determinação legal. Desde o momento em que a petição inicial é distribuída, o autor já sabe que deve pagar as custas em 30 dias, sob pena de cancelamento, nos termos do art. 257, do CPC.

Portanto, caso a petição inicial não esteja acompanhada desde logo das custas, o juiz deve determinar que o processo fique suspenso e, após 30 dias, se o autor não efetuar o pagamento, basta que se determine, desde logo, sem necessidade de intimação, o cancelamento da distribuição, que na prática equivale ao arquivamento do feito, com baixa [11]. Se o autor quiser retomar a marcha do processo, basta requerer o seu desarquivamento, pagando, obviamente, as custas devidas.

7.6. Pedido de gratuidade de justiça

Não são necessárias muitas formalidades para se deferir os pedidos de gratuidade da justiça. Exigir que o autor firme declaração de pobreza de próprio punho é medida destituída de fundamento constitucional, resultando em um obstáculo injustificável ao acesso à justiça e que, no final das contas, só trará mais trabalhos à secretaria. A simples afirmação, na petição inicial, de que a parte não tem condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, é suficiente para se deferir a gratuidade da justiça. "Pelo sistema legal vigente, faz jus a parte aos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família (Lei n° 1.060/50, art. 4°), ressalvado ao Juiz, no entanto, indeferir a pretensão se tiver fundadas razões para isso (art. 5°)" (STJ, REsp n° 151.943-GO).

7.7. Impossibilidade jurídica do pedido

Apesar de existirem algumas controvérsias em torno do conceito de impossibilidade jurídica do pedido, a noção dada por José Frederico Marques tem sido aceita. Há impossibilidade jurídica do pedido, segundo o famoso processualista, quando há indício macroscópico da inexistência de pretensão razoável.

Na prática, poucos juízes têm indeferido petições iniciais quando há fortes indícios de que a pretensão do autor será denegada. Quando a tese jurídica ainda é controvertida, não há mesmo razão para se indeferir a inicial, ainda que o juiz entenda que a postulação é destituída de qualquer fundamento. No entanto, já havendo posicionamento pacífico do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça sobre determinado tema, e sendo esse o mesmo entendimento do magistrado processante, é inútil dar prosseguimento a uma pretensão que vai de encontro a esse posicionamento. Por exemplo, a parte pede a inconstitucionalidade de uma determinada norma, que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que é constitucional. Ora, esse é o típico caso de impossibilidade jurídica do pedido que legitima o indeferimento da inicial (art. 295, parágrafo único, III, do CPC) e impedirá que o processo se arraste inutilmente.

Nesses mesmos casos, pode-se adotar também a teoria da improcedência "prima facie". Ao invés de o juiz extinguir o processo por impossibilidade jurídica do pedido, julga imediatamente o mérito, pela improcedência, antes mesmo de ser citada a parte contrária. Com o acolhimento da proposta da improcedência "prima facie", impede-se que o processo se arraste inutilmente, ocupando as já lotadas prateleiras dos foros, evitando uma longa tramitação para chegar onde se sabe que chegará, ou seja, à improcedência do pedido, em razão de a matéria já haver sido pacificada nas instâncias superiores.

Por outro lado, deve ser ressaltado que, se o autor trouxer argumentos novos em favor da tese que defende, terá ele o direito a uma resposta jurisdicional (decisão de mérito) sobre esse ponto, desta feita após a ouvida da parte contrária.

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Sobre o autor
George Marmelstein Lima

Juiz Federal em Fortaleza (CE). Professor de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, George Marmelstein. Pela racionalidade dos expedientes forenses:: o máximo de resultados com o mínimo de atos processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 186, 8 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4665. Acesso em: 23 abr. 2024.

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