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A visão original de lei no Estado de Direito:

nas lições de Montesquieu e Bastiat

13/03/2016 às 08:38
Leia nesta página:

Analisa-se o conceito de Estado de Direito e a ideia de lei dentro deste, a partir do pensamento dos pensadores Montesquieu e Bastiat.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho visa analisar a ideia de lei no pensamento de Montesquieu e Bastiat, que predominou no início do Estado de Direito. Tal visão se perdeu com o passar do tempo, principalmente após a inflação legislativa gerada pelo Estado Social. O texto pretende demonstrar como a ideia de lei escrita como única fonte de direito era mal vista nos primórdios do rule of law, principalmente devido à influência do pensamento liberal.

No intuito de fazer esta pesquisa, usaremos em grande parte do trabalho a principal literatura clássica e seus conceitos a respeito do tema.


2. O ESTADO DE DIREITO

 Buscamos em Dworkin a análise mais didática a respeito do que seria o Estado de Direito. Para este jurista existem duas visões dessa instituição, a primeira, chamada de ideia “centrada no texto legal”, compreende a visão de que o poder do Estado só poderá ser usado contra os cidadãos em casos estabelecidos em um “conjunto de normas públicas à disposição de todos”. Tanto o governo quanto os indivíduos devem seguir tais regras. A segunda visão é “centrada nos direitos” e defende que direitos morais e políticos sejam estabelecidos por meio do Direito positivo, ou seja, se exige que o texto normativo “retrate os direitos morais”[1].

Sobre as duas visões de estado de direito expostas por Dworkin, entendemos que a visão “centrada nos direitos” retrata mais esta instituição. Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

O Estado de Direito significa que o Poder Político está preso e subordinado a um Direito Objetivo, que exprime o justo. Tal Direito – na concepção ainda prevalecente no século XVIII, cujas raízes estão na antiguidade greco-romana – não era fruto da vontade de um legislador humano, por mais sábio que fosse, mas sim da própria natureza das coisas.[2]

Tal visão se assemelha um pouco a ideia de direitos naturais defendida pelo filósofo estadunidense Robert Nozick, ainda no século XX, em sua visão os “indivíduos têm direitos, e há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer contra eles (sem violar seus direitos) ”[3]. Mas os autores que melhor trabalharam a respeito do significado de Estado de Direito são Montesquieu e Bastiat, o pensamento de ambos a respeito de lei será tratado em seguida.


3. A IDEIA DE LEI POR MONTESQUIEU

 A principal obra de Charles de Secondat Baron de Montesquieu (1689-1755) talvez seja O Espírito das Leis. Nela o autor defende que leis são “relações necessárias que derivam da natureza das coisas”[4]. Expõe o autor que os indivíduos capazes possuem leis que são elaboradas por eles mesmos. Porém, vale ressaltar, que antes do ser humano criar leis, existem as chamadas “relações de justiça possíveis”[5]. Ou seja, antes do direito positivo, aqui entendido como o direito posto pelo Estado, existe a justiça e a injustiça.

A posição de direito de Montesquieu demonstra que o direito é algo tipicamente racional. Sendo assim o ser humano não o cria, mas o descobre. O direto é o justo[6].


4. A LEI NO PENSAMENTO DE BASTIAT

Frederic Bastiat (1801-1850) foi um político, jornalista, filósofo e panfletário francês, que viveu na primeira metade do século XVIII, este autor não é tão conhecido quanto Montesquieu, mas em seu principal livro (“A Lei”) ele demonstra de forma clara a ideia de qual seria a real finalidade da lei.

Para este pensador a lei

nada é mais evidente do que isto: a lei é a organização do direito natural de legítima defesa. É a substituição da força coletiva pelas forças individuais. E esta força coletiva deve somente fazer o que as forças individuais têm o direito natural e legal de fazerem: garantir as pessoas, as liberdades, as propriedades; manter o direito de cada um; e fazer reinar entre todos a JUSTIÇA.[7]

Na obra de Bastiat já se tem uma clara referência ao direito natural. O escritor faz uma denúncia a deturpação desta ideia de lei como garantidora dos direitos naturais, sendo esta usada para aumentar os poderes de polícia do estado e servindo a iniquidades[8]. Tais deturpações teriam se dado devido a ambição desmedida e a filantropia enganosa[9].

Destarte, a lei só deveria garantir a liberdade, segurança e propriedade dos indivíduos, não se alongar a tratar de outros assuntos que não seriam da competência do Estado. É a ideia básica do liberalismo clássico.


5. CONCLUSÃO

Neste trabalho foi analisado o conceito de Estado de Direito e a ideia de lei dentro deste, a partir do pensamento dos pensadores Montesquieu e Bastiat. Se verificou que por Estado de Direito podemos entender a ideia de governo de leis, sendo estas descobertas pelo ser humano através do uso da razão, ou seja, o simples fato de se promulgar uma lei não a tornaria necessariamente justa, e não sendo justa não seria lei.

Montesquieu e Bastiat possuem uma visão parecida, quando expõem que, antes de o ser humano fazer leis, já existiam relações de justiça (Montesquieu), e que foi por existir vida, propriedade e liberdade que passaram a existir leis e não o contrário (Bastiat). Ambos defendem a ideia de direito natural, descoberto pelo uso razão.


REFERÊNCIAS

BASTIAT, Frederic. A Lei. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FERREIFA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. As origens do estado de direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 168, p. 11-17, abril/junho. 1987.

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MOSTESQUIEU, Charles de Secondat Baron de. O Espírito das Leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. São Paulo: Editora WTF Martins Fontes, 2011.


Notas

[1] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 7.

[2] FERREIFA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 20.

[3] NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. São Paulo: Editora WTF Martins Fontes, 2011, p. IX.

[4] MOSTESQUIEU, Charles de Secondat Baron de. O Espírito das Leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 11.

[5] MOSTESQUIEU, Charles de Secondat Baron de. O Espírito das Leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 12.

[6] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. As origens do estado de direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 168, p. 11-17, abril/junho. 1987.

[7] BASTIAT, Frederic. A Lei. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, p. 12.

[8] BASTIAT, Frederic. A Lei. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, p. 11.

[9] BASTIAT, Frederic. A Lei. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, p. 13.

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Sobre o autor
Heron José Castro

Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVERIA, Heron José Castro. A visão original de lei no Estado de Direito:: nas lições de Montesquieu e Bastiat. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4638, 13 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46726. Acesso em: 19 abr. 2024.

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