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A virtualização dos processos judiciais (e-proc) e a dispensabilidade de autenticação documental por tabelião.

Uma análise prognóstica de suas implicações no cenário jurídico moderno

06/02/2004 às 00:00
Leia nesta página:

Diz o Código de Processo Civil que a quem alega incumbe o ônus da prova.

O art. 544, § 1º do CPC, sofreu alterações através da Lei nº 10.352 de 26.12.2001, a qual ampliou de certo modo as prerrogativas do advogado, ao conceder a este profissional que sob sua exclusiva responsabilidade civil e criminal, mediante simples declaração de autenticidade dos documentos anexados ao Agravo de Instrumento supra a necessidade de autenticação das peças por Tabelião Oficial.

O Egrégio STJ também já assentou o entendimento de que o advogado pode declarar como autênticas as decisões de Acórdãos dos Tribunais, desincumbindo-lhe de "Autenticar o Documento" através de Tabelião, na interposição do Recurso Especial – Regimento interno do Egrégio STJ, Parte II, Título IX, do Recurso Especial, art. 255 § 1º, veja o texto da norma ( [1] ) :

"Art. 255 - O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabelecido na legislação processual vigente, e recebido no efeito devolutivo.

§ 1º A comprovação de divergência, nos casos de recursos fundados na alínea "c"

do inciso III do art. 105 da Constituição, será feita:

a)por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados divergentes, permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal;

...omissis..."

Segundo informações do departamento de imprensa do STJ, os objetivos da mudança foram no sentido de simplificar o trabalho dos advogados junto ao STJ, permitindo-lhes que façam a autenticação de cópias dos acórdãos apontados divergentes.

A modificação representa a simplificação do trabalho e economia no custo do processo, pois as autenticações das cópias dos acórdãos agora poderão ser suprimidas por simples declaração do próprio advogado, que por sua vez assumirá a responsabilidade pela informação exarada. ( [2] ).

O projeto de Lei nº 648/03, apresentado pelo deputado André Luiz (PMDB-RJ), dispensa a exigência de autenticação de cópia e reconhecimento de firma em cartórios. A validação passará a ser feita, sem custos, por repartições públicas federais, estaduais e municipais. O parlamentar argumenta que essas são exigências desnecessárias e "um gasto supérfluo que o cidadão tem sido obrigado a fazer para o enriquecimento dos cartórios de notas", diz.

Procura estabelecer o referido projeto, caso seja aprovado, que qualquer servidor público federal, estadual ou municipal, à vista do documento original e da assinatura de próprio punho do cidadão, possa autenticar a(s) cópia(s) do(s) documento(s) e reconhecer a(s) sua(s) firma(s).

"Por que não permitir que o servidor público faça esse serviço gratuitamente, favorecendo o contribuinte já tão sobrecarregado com taxas e tributos?", indaga André Luiz, ressaltando que cada autenticação pode custar até R$ 4,00 ( [3] ).

Não é novidade que a obrigatoriedade na autenticação ou reconhecimento de firmas em documentos, poderá significar cerceamento à ampla defesa, uma vez que se em grande quantidade podem representar cifras elevadíssimas.

A própria composição física do processo tradicional gera custos dispendiosos ao Estado, podendo chegar a representar um processo até R$ 800,00 (oitocentos reais) ou mais, se computado os salários em fração por hora/mês de cada funcionário que nele atuou desde o escrevente ao Juiz, bem como, considerando os custos com papel, etc. Não estamos falando em custas processuais ou honorários periciais, estamos colocando aqui apenas os custos do processo ipises literis.

As pesquisas sobre a viabilidade na implantação do processo virtual, digital ou e-proc, como queiram chamar aponta para maior agilidade que o procedimento tradicional e as análises financeiras indicam o custo médio por e-proc de R$ 20,00, contra R$ 800,00 que seriam despendidos no modelo processual tradicional. Demonstram os resultados das análises que a tendência será mesmo a de virmos num futuro não distante a total virtualização dos cartórios judiciários brasileiros.

Essa virtualização é bem-vinda, pois possibilitará um avanço significativo na presteza dos julgamentos e como se sabe, a agilidade na aplicação da justiça não só repara ao ofendido como inibe o ofensor, sem contar que os advogados não terão mais que se deslocarem para realizar o protocolo de suas petições (podendo fazê-lo por e-mail), as partes da mesma maneira para contestarem as ações, os peritos poderão ter acesso aos dados do processo pela web (peças e documentos), não ocorrerão mais extravio de autos, que obrigavam a instalar a famosa restauração de autos, etc.

Inúmeras e em constante evolução são as benesses que advirão desse novo padrão processual.

Em busca desse novo sistema processual, passos já foram dados como a publicação da Lei nº 10.259/01, que em seu art. 24 da Lei nº 10.259/01, no objetivo de auxiliar a tornar a justiça mais célere e econômica concedeu ao Judiciário a oportunidade de criar métodos de aperfeiçoamento.

Art. 24. O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal e as Escolas de Magistratura dos Tribunais Regionais Federais criarão programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas aos Juizados e promoverão cursos de aperfeiçoamento destinados aos seus magistrados e servidores.

O TRF da 4ª. Região (Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina), assim como o Juizado Especial Federal de Brasília ( [4] ), e outros que aos poucos estão também implantando Tribunais Judiciais Virtuais no Brasil, visualizaram que o advogado, figura indispensável à administração da justiça ( [5] ), poderá por sua simples responsabilidade processual ficar vinculado aos documentos, os quais, se por ventura, tiverem argüida a sua falsidade ou dúvida deverão exibir os originais para confronto e análise.

De forma sutil, mas não despercebida se nota que a prática processual e o avanço da tecnologia (necessidade de celeridade do Judiciário) tem remetido o advogado aos poucos a conquista de mais um direito, que poderá vir a se consubstanciar em prerrogativa no futuro, o de suprimir a autenticação de documentos ou reconhecimento de firma mediante sua simples declaração de veracidade, em razão de seu cargo.

Mas uma pergunta surge, como ficará a questão da autenticação dos documentos que instruem a inicial ou o reconhecimento de firma?

Antes de respondermos a estas indagações, convém ainda frisar, que as informações sobre o processo virtual na Justiça Federal de Londrina-Pr ( [6] ), dizem assim no item 7:

7. Autenticação dos documentos digitalizados e enviados:

Para assegurar a autenticidade documental, os documentos scaneados enviados deverão ser guardados no original até o trânsito em julgado, pagamento e arquivamento do processo, para fins de apresentação no original, no caso de ser questionada sua autenticidade.

O e-proc, como é chamado, o processo virtual ou digital, teve sua implantação no âmbito TRF da 4ª. Região pela publicação da Resolução nº 23, de 23/06/2003 da lavra do Presidente do Egrégio tribunal Desembargador Federal Nylson Paim de Abreu ( [7] )

Os Juizados Especiais Federais virtuais já estão em plena atividade, demonstrando resultados altamente satisfatórios. Embora a maior parte dos pedidos ainda se tratam de questões versando apenas revisão de benefícios de aposentaria. Mas nem por isso se deve dizer, que por se tratarem os documentos que acompanham tais iniciais, de folhas informativas da DATAPREV - Previdência, em razão disso possuam fé publica, ao invés da presunção de veracidade em razão da apresentação pelo advogado, pois antes mesmo da existência dos juízos virtuais, o STJ já havia se pronunciado no sentido de que tais informações geradas pelo computador da DATAPREV não serviriam como documento probatório ( [8] ):

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PAGAMENTO ADMINISTRATIVO. PLANILHAS EMITIDAS PELA DATAPREV. FALTA DE SUBSCRIÇÃO DO FUNCIONÁRIO AUTÁRQUICO.

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1. As planilhas emitidas pela DATAPREV não possuem fé pública quando ausentes assinaturas de servidores da Autarquia Previdenciária, ou qualquer meio de autenticação. Precedentes do STJ.

2. Recurso especial não conhecido.

07/10/2003

T5 - QUINTA TURMA

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso. Os Srs. Ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Jorge Scartezzini.

Conclui-se, portanto, que os documentos anexados à inicial pelo advogado no e-proc são aceitos como autênticos por questão do ministério privado que ele exerce como figura indispensável à administração da justiça. Conferindo o Egrégio Tribunal ao advogado o encargo da posse e guarda de tais documentos originais até o trânsito em julgado da sentença a fim de que na exceção de argüição de falsidade ou suspeita de falha material, pela parte adversa sejam apresentados em juízo.

Voltando em resposta às indagações quanto à autenticação dos documentos ou reconhecimento de firmas das peças que instruem as iniciais, é bom lembrar que as pessoas jurídicas de direito público já eram dispensadas de autenticarem as cópias de quaisquer documentos que apresentassem em juízo conforme dispõe a Lei nº 10.522/02:

Art. 24. As pessoas jurídicas de direito público são dispensadas de autenticar as cópias reprográficas de quaisquer documentos que apresentem em juízo. Veja STJ RESP 329298 / SP

Tal benesse, porém, nunca foi concedida as pessoas jurídicas de direito privado, ou a qualquer cidadão.

Ainda que se possa dizer que está havendo avanços no sentido de tornar a aplicação da justiça mais célere e econômica, existem algumas ambigüidades jurídicas a serem superadas, como por exemplo, a Lei Federal n º 8.935/94, a qual continua em pleno vigor e que em seu art. 7 º, inciso V, dispõe que a autenticação de documentos é ato exclusivo dos tabeliães.

Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:

...omissis...

V - autenticar cópias.

As tendências aqui citadas neste artigo demonstram que o avanço tecnológico, associado à necessidade de celeridade e economia do Estado na tutela dos interesses públicos e particulares, inquinam a lançarem tal norma no mais absoluto desuso.

Ademais, o que nunca se deve esquecer é que o ônus da prova incumbe a quem alega e que a parte adversa no processo seja ele civil ou criminal tem obrigação de se manifestar sobre os documentos anexados.

No processo civil, se a parte adversa não se manifesta sobre o teor do pedido ou sobre os documentos colacionados na inicial, ocorre a preclusão. Além do que poderá ainda pedir ao juiz que instale o incidente de falsidade, no prazo oportuno, caso repute que o(s) documento(s) seja(m) inidôneo(s).

Destarte, fica mui claro que não há justificativa plausível a oneração dos atos processuais obrigando-se a parte a produzir autenticação documental, uma vez que é obrigação da parte adversa impugnar os documentos, existindo instrumentos jurídicos ao exercício desse direito.

Na esteira desse entendimento, exigir a autenticação dos documentos que instruem a inicial, parece remeter o Estado à figura paternalista, como se tivesse interesse no resultado da lide, o que não deve subsistir sob pena de retirar-lhe a imparcialidade na busca pelo bem comum. O Estado não deve ajudar as partes na produção das provas, pois a elas incumbe o ônus de prová-las.

Aos poucos e no futuro, não muito distante, tudo será muito diferente e incomparavelmente melhor.


Notas

01. www.stj.gov.br – link notícias – critério pesquisa – Regimento Interno

02. Notícias do STJ de 13/09/2002 – www.stj.gov.br – link – notícias – critério de busca: regimento interno – período de 13/09/2002 à 13/09/2002

03. www.espacovital.com.br/asmaisnovas060820031.htm - Artigos - Legislação de 06.08.2003.

04. www.df.trf1.gov.br/.

05. Constituição Federal, art. 133.

06. www.jfpr.gov.br

07. www.trf4.gov.br/trf4/noticias/noticia_final.php?

www.trf4.gov.br/trf4/institucional/institucional.php?no=71

08. STJ, in Resp nº 477988/PB; RECURSO ESPECIAL 2002/0129323-5, DJ DATA:10/11/2003 PG:00204, Min. LAURITA VAZ (1120) – www.stj.gov.br

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Sobre o autor
Fernando Loschiavo Nery

Advogado. Professor de Direito Civil, Ética Geral e Jurídica, Direito do Consumidor e Direito Cibernético na FMS. Mestrando em Direito Civil pela PUC-SP. Bolsista da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NERY, Fernando Loschiavo. A virtualização dos processos judiciais (e-proc) e a dispensabilidade de autenticação documental por tabelião.: Uma análise prognóstica de suas implicações no cenário jurídico moderno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 215, 6 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4795. Acesso em: 19 abr. 2024.

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