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Incidência do IPI na importação de automóveis para uso próprio

08/04/2016 às 11:23
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O artigo versa sobre os contornos legais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e sobre a discussão judicial acerca de sua incidência na importação de veículo automotor por pessoa natural para uso próprio.

1. Delineamento constitucional e legal do IPI

O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) está inserido na competência tributária da União (art. 153, inciso IV, da CF de 1988), de modo que cabe a esta a edição de normas, a arrecadação, a fiscalização e exigência de cumprimento de obrigações relativas ao imposto.

Atualmente, o órgão responsável por administrar e arrecadar os tributos de competência da União é a Secretaria da Receita Federal do Brasil.

A alteração de alíquotas do IPI não está sujeita ao princípio da legalidade estrita (art. 153 § 1º), o que possibilita a majoração ou redução de alíquotas por ato do Poder Executivo, geralmente materializado em Decreto.

O IPI também não está sujeito ao princípio da anterioridade de exercício, podendo ser cobrado “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (art. 150, III, “b”, e §1º da CF), observado, contudo, o período de noventena, nos moldes do art. 150, III, “c” da CF.

A exclusão a tais princípios tem por fundamento o caráter extrafiscal do tributo, utilizado como instrumento de ordenação do comportamento dos agentes do mercado, influenciando em situações econômicas ou sociais - desiderato que requer agilidade na tomada de decisões e na adoção de medidas tributárias, em vista do caráter dinâmico da sociedade atual.

Ricardo Alexandre (2013, p. 552) ressalta que o caráter fiscal (arrecadatório) do IPI tem ganhado relevância, uma vez que sua arrecadação é a segunda maior entre os impostos federais.

Parcela da arrecadação do IPI é objeto de partilha constitucionalmente prevista, beneficiando Estados e Município, via Fundo de Participação, e integrando a receita de programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (art. 159, I e II, da CF).

O IPI é orientado pelos princípios da seletividade (maior oneração de produtos não essenciais) e da não-cumulatividade (método de compensação do valor devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores), não incidindo sobre produtos industrializados destinados ao exterior e tendo impacto reduzido sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, tudo conforme o art. 153, §3º, da CF.

As normas gerais relativas ao IPI estão previstas nos artigos 46 a 51 da Lei nº. 5172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN), recepcionada com status da lei complementar prevista no art. 146, inciso III da CF.

Os fatos geradores da obrigação principal relativa ao IPI são: (a) o desembaraço aduaneiro de produto industrializado de procedência estrangeira; (b) a saída de produto industrializado dos estabelecimentos dos contribuintes; (c) a arrematação do produto, quando este for apreendido ou abandonado e levado a leilão (art. 46 do CTN).

Os sujeitos passivos da obrigação principal, ou seja, as pessoas obrigadas ao pagamento do IPI (art. 121 do CTN) são: (a) o importador ou quem lhe for equiparado por lei; o industrial, ou quem lhe for equiparado por lei; (c) o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça ao importador, industrial ou equiparados; (d) o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão (art. 51 do CTN).


2. A questão da incidência de IPI na importação de automóveis para uso próprio

Como dito alhures, há previsão legal de incidência do IPI no desembaraço aduaneiro de produtos industrializados de procedência estrangeira, cabendo ao importador o pagamento do tributo.

Na Solução de Consulta Interna n° 20/2014[1], a Coordenação-Geral de Tributação (COSIT) da Secretaria da Receita Federal do Brasil assentou entendimento de que, na importação, por presunção legal, há a antecipação de ocorrência do fato gerador do IPI, que se considera devido no momento de registro da declaração de importação e não na verificação fática do desembaraço propriamente dito, nos termos legal do art. 26, inciso I, da Lei nº 4.502, de 1964, e arts. 150 e 116 do CTN.

Não concordando com o pagamento do IPI relativamente à importação de automóveis para uso próprio, diversos contribuintes pessoas naturais passaram a impugnar judicialmente a cobrança do tributo pelo fisco.

As demandas chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em fevereiro de 2015, no julgamento do Recurso Especial nº. 1396488/SC, representativo de controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08, firmou a tese de que “não incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, tendo em vista que o fato gerador do referido tributo é a operação de natureza mercantil ou assemelhada e, ainda, por aplicação do princípio da não cumulatividade”[2].

Em atenção à decisão do STJ, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou a Nota PGFN/CRJ/ nº 864/2015[3], esclarecendo que a decisão Tribunal Superior não ensejaria a dispensa de interposição de recursos ou de contestação pela Fazenda Nacional nos processos judiciais relativos à matéria, nos moldes da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01/2014 e dos §§ 4º, 5º e 7º do art. 19, da Lei nº 10.522/2002.

Isso porque tramitava no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário nº. 723651/PR tendo por objeto a mesma matéria e com sinalização de vitória da tese da Fazenda Nacional, nos termos do voto do Relator.


3. O caso objeto do RE 723651/PR

O Recurso Extraordinário nº. 723651 foi interposto por contribuinte pessoa física que, por não desempenhar atividade empresarial de venda de automóveis, restou inconformado com decisão de Tribunal Regional Federal que, reformando a sentença de primeiro grau em mandado de segurança, decidiu pela incidência do imposto sobre produtos industrializados na operação de importação de veículo para uso próprio, realizada pelo recorrente.

No julgamento do recurso da União e de reexame necessário, o Tribunal de segunda instância reconheceu “a legitimidade constitucional da exigência do Imposto Sobre Produtos Industrializados relativamente a importação de veículo automotor, mesmo que para uso próprio de importador – pessoa natural. Segundo fez ver, a destinação final do bem é irrelevante para a definição da incidência do tributo, pouco interessando tratar-se, o adquirente, de pessoa natural consumidora definitiva do produto. Entendeu inexistir, no caso, ofensa ao princípio da não cumulatividade, porquanto, nas operações de importação de bens para utilização própria, o importador atua como substituto tributário do exportador não tributado pelas leis brasileiras, ficando descaracterizado o IPI como um imposto indireto”.

No Recurso Extraordinário, o contribuinte alegou ofensa ao princípio da não cumulatividade.

Em abril do ano de 2013, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral e o caráter constitucional da questão suscitada no Recurso Extraordinário nº. 723651, sob a seguinte ementa:

IPI – IMPORTAÇÃO – PESSOA NATURAL – AUTOMÓVEL – AUSÊNCIA DE ATIVIDADE EMPRESARIAL DE VENDA – AFASTAMENTO PELO JUÍZO – INCIDÊNCIA DO TRIBUTO RECONHECIDA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI na importação de veículo automotor, quando o importador for pessoa natural e o fizer para uso próprio, considerados ainda os limites da lei complementar na definição do sujeito passivo.[4]

O início do julgamento do recurso ocorreu em novembro de 2014, tendo sido noticiado no Informativo nº. 768 do STF[5].

O relator do recurso, Ministro Marco Aurélio apresentou voto pelo desprovimento do recurso, assentando a incidência do IPI na operação realizada pelo recorrente, por diversos fundamentos, entre os quais: a ausência previsão constitucional no sentido de que o contribuinte do IPI fosse pessoa jurídica, natural, nacional ou estrangeira; a preservação da isonomia tributária relativamente aos produtos fabricados no país e aqueles industrializados no exterior; a ausência de afronta ao princípio da não-cumulatividade, pois não haveria cobrança em cascata, mas uma única vez; a previsão de incidência do tributo na importação (art. 46, inciso I, do CTN)[6].

O julgamento do feito foi suspenso em virtude de pedido de vista do Ministro Roberto Barroso.

Retomando o julgamento da causa em fevereiro de 2016 (Informativo 813), o Supremo Tribunal Federal, por maioria, desproveu o recurso extraordinário, firmando a tese de que “incide o Imposto de Produtos Industrializados - IPI na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio”[7]. 

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As razões adotadas pelo Tribunal, enunciadas no Informativo nº. 768 foram basicamente aquelas declaradas no voto do Relator, Ministro Marco Aurélio.


BIBLIOGRAFIA

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº. 5.172, de 25 outubro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 06 abr. 2016.

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 06 abr. 2016.

______. Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. NOTA /PGFN/CRJ/Nº 864/2015. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/decisoes-vinculantes-do-stf-e-do-stj-repercussao-geral-e-recursos-repetitivos/arquivos-e-imagens/nota_pgfn_crj_864_2015-excecao-resp-1396488.pdf>. Acesso em: 06 abr. 2016.

______. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Coordenação-Geral de Tributação. Solução de Consulta Interna COSIT nº. 20, de 25 de agosto de 2014. Publicada no sítio da RFB em 27/08/2014. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/Legislacao/SolucoesConsulta/2014/SCICosit202014.pdf>. Acesso em 06 abr. 2016.

______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1396488/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 25/02/2015, DJe 17/03/2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=45406005&num_registro=201302521341&data=20150317&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 06 abr. 2016.

______. Informativo nº. 768. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo768.htm>. Acesso em: 22 mar. 2016.

______. Informativo nº. 813. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo813.htm>. Acesso em: 22 mar. 2016.

______. Supremo Tribunal Federal. RE 723651 RG, Relator Min. Marco Aurélio, julgado em 11/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-101, DIVULG 28-05-2013, PUBLIC 29-05-2013. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3883677>. Aceso em: 06 abr. 2016.


Notas

[1] Solução de Consulta Interna COSIT nº. 20, de 25 de agosto de 2014. Publicada no sítio da RFB em 27/08/2014.

[2]Superior Tribunal de Justiça. REsp 1396488/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 25/02/2015, DJe 17/03/2015.

[3] Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. NOTA /PGFN/CRJ/Nº 864/2015. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/decisoes-vinculantes-do-stf-e-do-stj-repercussao-geral-e-recursos-repetitivos/arquivos-e-imagens/nota_pgfn_crj_864_2015-excecao-resp-1396488.pdf>. Acesso em: 06 abr. 2016.

[4] Supremo Tribunal Federal. RE 723651 RG, Relator Min. Marco Aurélio, julgado em 11/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-101, DIVULG 28-05-2013, PUBLIC 29-05-2013.

[5] Idem. Informativo nº. 768. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo768.htm>. Acesso em: 22 mar. 2016.

[6] Ibidem.

[7] Supremo Tribunal Federal. Informativo nº. 813. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo813.htm>. Acesso em: 22 mar. 2016.

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Sobre a autora
Maria José Nunes de Almeida

Advogada, Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito de Sorocaba, Pós-Graduada em Direito Imobiliário pelas Faculdades Metropolitanas Unidas, Pós-Graduanda em Gestão Pública pela Universidade Cruzeiro do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Maria José Nunes. Incidência do IPI na importação de automóveis para uso próprio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4664, 8 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48043. Acesso em: 18 abr. 2024.

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