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7. O Ministério Público junto aos Tribunais de Contas

Há apenas uma discreta menção na Constituição Federal a respeito destes representantes ministeriais, em seu art. 130:

"Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura".

Este Ministério Público Especial tem sua origem no ano de 1892, no Decreto n°. 1.166, quando se criou o Tribunal de Contas da União. O Decreto n°. 2.409, de 23/12/1896 considerava-o como o "guarda da observância das leis fiscais e dos interesses da Fazenda perante o Tribunal de Contas".Conquanto pudesse, por vezes, representar os interesses da Administração Pública, nela não estava limitado, nem dela era delegado; tendo, sim, personalidade própria para buscar a defesa da legalidade e da Justiça. A atual Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, Lei n°. 8.443/92, conceitua, em seus arts. 80 e 81, o Ministério Público Especial, creditando ao mesmo a missão de guarda da lei e fiscal de sua execução, aplicando-se os princípios institucionais da unidade, independência e indivisibilidade funcional.

Conta-se que embora nos trabalhos prévios à promulgação da Constituição fosse este Ministério Público tratado como uma entidade autônoma, chegando a merecer uma alínea independente no art. 128 do Projeto Afonso Arinos, foi ele suprimido da redação final do citado artigo 128. Só que se esquecera o Constituinte de retirar do texto constitucional o também citado artigo 130. Este aparente contra-senso tem explicações históricas. Quem as fornece é J. F. Sauwen Filho: "Embora a Emenda Outorgada de 1969 não incluísse no universo de seus Parquets qualquer Ministério Público autônomo além dos Ministério Público da União, dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, referidos nos seus artigos 94 a 96, o §5º do seu art. 72 prevendo o funcionamento do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, ensejou que, em diversos Estados da Federação, sem que se cuidasse, por lei, de implantar a efetiva atuação do Parquet junto àqueles órgãos, o que por si só já desatendia ao comando do texto constitucional, criassem, de forma inconstitucional, órgãos autônomos, alheios ao Ministério Público da União e dos Estados, que, sob a mesma denominação do ofício de Ministério Público, passaram a funcionar perante os Tribunais e Conselhos de Contas." [44](sic)

Destarte, da maneira que agora está, os membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas possuem as mesmas vedações, os mesmo direitos e a mesma forma de investidura nos cargos dos membros do Ministério Público institucionalizado. Todavia, suas funções não foram explicitadas por esta mesma Constituição Federal, assim como há o peremptório desrespeito ao princípio da unidade institucional (art. 127, §1°, CF) trazendo dubiedades e mais causas de enfraquecimento para o Ministério Público, instituição à qual não é permitido cometer erros perante os jurisdicionados. Merece reparos tal situação.

O STF, por sua vez, já se posicionou sobre esta "instituição", entendendo existir um Ministério Público "especial" junto às Cortes de Contas, sem a autonomia institucional do Ministério Público da União, verbi gratia; porquanto ela integra a organização administrativa do Tribunal de Contas da União, ainda que privilegiada por regime jurídico especial. Por oportuno, transcrevemos a ementa da ADIN 789-1-DF, acórdão para onde remetemos o leitor em busca de maiores detalhes sobre o entendimento do Excelso Tribunal a respeito da matéria:

"E M E N T A - ADIN - LEI N. 8.443/92 - MINISTERIO PUBLICO JUNTO AO TCU - INSTITUICAO QUE NAO INTEGRA O MINISTERIO PUBLICO DA UNIAO - TAXATIVIDADE DO ROL INSCRITO NO ART. 128, I, DA CONSTITUICAO - VINCULACAO ADMINISTRATIVA A CORTE DE CONTAS - COMPETENCIA DO TCU PARA FAZER INSTAURAR O PROCESSO LEGISLATIVO CONCERNENTE A ESTRUTURACAO ORGANICA DO MINISTERIO PUBLICO QUE PERANTE ELE ATUA (CF, ART. 73, CAPUT, IN FINE) - MATERIA SUJEITA AO DOMINIO NORMATIVO DA LEGISLACAO ORDINARIA - ENUMERACAO EXAUSTIVA DAS HIPOTESES CONSTITUCIONAIS DE REGRAMENTO MEDIANTE LEI COMPLEMENTAR - INTELIGENCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 130 DA CONSTITUICAO - ACAO DIRETA IMPROCEDENTE."

Por fim, deve ser grifado que os membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas têm atuação detida à matéria destes Tribunais, oficiando como fiscal da lei nos procedimentos e processos a eles pertinentes. Acaso se depare com algum ilícito penal ou civil, deverá remeter os autos ao "verdadeiro" Ministério Público, para as providências que o Promotor ou Procurador acreditar necessárias.

Remetemos o leitor ao disposto no Capítulo XII, do Título I, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União (Resolução n°. 155, de 04 de dezembro de 2002), em seus arts. 58 a 64, para que, através de leitura própria, observe as diferenças que pululam entre o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União e o Ministério Público da União.


8. A Ética do Membro Ministerial

Palavras iniciais a respeito da Ética Forense fazem-se necessárias. Assim, afirma Manuel Santaella López: "A deontologia jurídica há de compreender e sistematizar, inspirada em uma ética profissional, o status dos distintos profissionais e seus deveres específicos que dimanam das disposições legais e das regulações deontológicas, aplicadas à luz dos critérios e valores previamente decantados pela ética profissional. Por isso, há que distinguir os princípios deontológicos de caráter universal (probidade, desinteresse, decoro) e os que resultam vinculados a cada profissão jurídica em particular: a independência e imparcialidade do juiz, a liberdade no exercício profissional da advocacia, a promoção da justiça e a legalidade cujo desenvolvimento corresponde ao Ministério Público etc." [45]

Na tentativa de alinhar o comportamento ético dos representantes do Ministério Público, nestas suas precípuas funções de promoção de justiça e defesa da legalidade, alguns doutrinadores e profissionais envidaram muitos esforços.

No II Congresso Interamericano do Ministério Público, em 1956, na cidade de Havana, Cuba, J. A. César Salgado, ex-Procurador Geral de Justiça de São Paulo, apresentou aos participantes do evento o propalado "Decálogo do Promotor de Justiça [46]". Por sua vez, Octacílio Paula Silva, ex-Promotor de Justiça em Minas Gerais, no IV Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em 1975, em Uberlândia-MG, apresentou aos congressistas o "Código Nacional de Ética do Ministério Público [47]", aprovado pelos mesmos naquela ocasião.

Atualmente, há que ser feita uma releitura destes documentos, obras-primas relativamente antigas e defasadas, diante dos novos preceitos constitucionais e legais em torno da matéria. Destarte, evoluindo neste debate sobre a deontologia ministerial faz-se mister observar algumas disposições, tais como os arts. 37, 127, 128 e 129 de nossa Constituição Cidadã, em conjugação com o Código de Ética e Disciplina da OAB, o Decreto nº. 1.171/94, o Código de Conduta da Alta Administração Federal, e, em especial, o que está dito na Lei nº. 8.625/93 e na LC n°. 75/93.

É nítido o grande incremento das funções institucionais do Ministério Público, mormente após a Carta de 88. Foram quase que totalmente equiparadas em garantias e vedações, as carreiras do Judiciário e do Ministério Público, o que, por si só, já é capaz de mensurar a importância do representante do Ministério Público para o legislador.

Diante desta evolução é que se encontra toda a comunidade jurídica brasileira – que vive o cotidiano dos fóruns e dos tribunais em companhia deste Promotor de Justiça acrescido de poderes, mas também de funções e responsabilidades correlatas; e, deve-se dizer, toda a população brasileira, que poderá se ver diante de uma ação civil pública ou de uma ação penal intentada por este reformulado Promotor de Justiça.

Como compatibilizar estas situações? Cremos que, com uma estrita obediência aos ditames deontológicos da carreira, teremos, sem sombra de dúvidas, a compatibilização entre o exercício das funções ministeriais e os direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos. Nunca esqueçamos das palavras de José Renato Nalini: "Inicie-se por considerar que o objetivo do fortalecimento institucional não foi redobrar o prestígio dos promotores, mas a realização do bem comum e, notadamente, o resgate dos semelhantes excluídos à cidadania. Um país que conseguiu a façanha de multiplicar a legião dos desvalidos, hoje contados aos milhões, precisa de instituições fortes para reverter esse quadro de iniqüidade. O promotor de justiça, até em seu nome, é operador predestinado a tanto". [48]

Assim, com o fim de fixarmos as premissas deontológicas atuais de todo membro do Ministério Público, leiamos atentamente o art. 43 da Lei n°. 8.625/93:

"Art. 43. São deveres dos membros do Ministério Público, além de outros previstos em lei:

I - manter ilibada conduta pública e particular;

II - zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções;

III - indicar os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos processuais, elaborando relatório em sua manifestação final ou recursal;

IV - obedecer aos prazos processuais;

V - assistir aos atos judiciais, quando obrigatória ou conveniente a sua presença;

VI - desempenhar, com zelo e presteza, as suas funções;

VII - declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;

VIII - adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face da irregularidade de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu cargo;

IX - tratar com urbanidade as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça;

X - residir, se titular, na respectiva Comarca;

XI - prestar informações solicitadas pelos órgãos da instituição;

XII - identificar-se em suas manifestações funcionais;

XIII - atender aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes;

XIV - acatar, no plano administrativo, as decisões dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público."

Assim como o preceituado no art. 236 da Lei Complementar nº. 75/93, especificamente destinado ao membro do Ministério Público da União:

"Art. 236. O membro do Ministério Público da União, em respeito à dignidade de suas funções e à da Justiça, deve observar as normas que regem o seu exercício e especialmente:

I - cumprir os prazos processuais;

II - guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função;

III - velar por suas prerrogativas institucionais e processuais;

IV - prestar informações aos órgãos da administração superior do Ministério Público, quando requisitadas;

V - atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença; ou assistir a outros, quando conveniente ao interesse do serviço;

VI - declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;

VII - adotar as providências cabíveis em face das irregularidades de que tiver conhecimento ou que ocorrerem nos serviços a seu cargo;

VIII - tratar com urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço;

IX - desempenhar com zelo e probidade as suas funções;

X - guardar decoro pessoal."

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Os mandamentos encontrados nas disposições legais acima citadas são auto-explicáveis, não merecendo maiores digressões. Muitos deles são cânones éticos para qualquer profissão forense, não só a do Promotor de Justiça. Todavia, gostaríamos apenas de sublinhar alguns itens da enumeração trazida.

A obediência aos prazos processuais não pode nunca ser relaxada. É sabido por todos que há casos em que o Ministério Público tem prazo para se pronunciar, mas que esse prazo não acarreta nenhuma punição ao representante ministerial. Assim ocorre com a maioria dos casos em que ele atua como interveniente. Nestes casos, o representante deverá sempre envidar esforços para levar o processo adiante, sem que se atrase mais ainda a prestação jurisdicional, independente de não haver penalidades. Estas não existem, in casu, mas acreditamos existir um ônus ético ao não se respeitar tais "prazos impróprios". A razoabilidade e o caso concreto decidirão pela existência ou não de infringência do dever ético da diligência.

Por derradeiro, questão tormentosa é a do relacionamento juiz-promotor. Uma relação de cordialidade e urbanidade entre estes profissionais (ou entre quaisquer profissionais jurídicos) é presunção juris et de jure. Não haverá nunca hierarquia entre as carreiras. São eles – juízes e promotores de justiça – sempre autoridades processuais, e suas funções são bem delimitadas pelo ordenamento jurídico pátrio. Promotor requer, denuncia, recorre, promove, impetra; enquanto o juiz, sempre agindo por procuração, receberá ou rejeitará uma peça, absolverá ou condenará, decidirá. Mas, mesmo com toda a preparação por que passam estes profissionais, ainda se percebem atritos entre ambos, prejudicando a perfeição da prestação jurisdicional. Tentando solucionar questões deste escol, ficamos com o ensinamento do professor José Renato Nalini: "Ambos devem eliminar pruridos de sensibilidade extremada. A fogueira das vaidades chamusca as virtudes de um e outro. O sol nasceu para todos, há espaço para inúmeros talentos. Juiz e promotor são cúmplices na realização da Justiça, com a cumplicidade do advogado, da polícia, da comunidade, e até do réu". [49]

Os valores com os quais trabalha o representante do Ministério Público deverão ser bem sopesados, em cada atuação sua, sob pena de se ver frustrado o cumprimento dos cânones éticos da carreira ministerial. Não poderíamos deixar de encerrar este debate sobre a ética do membro ministerial sem antes trazer algumas palavras (já antigas) que demonstram o imenso e eterno choque axiológico existente à alma daqueles que, verdadeiramente, abraçam seu ofício. Em hipótese alguma devem ser esquecidas. Roberto Lyra: "Vale assinalar que o Promotor Público, pleiteante, polemista, não julga, critica. Deve, no entanto, emancipar-se de todos os fatores de subjetividade para corresponder ao seu papel exclusivo e fundamental. O retraimento das paixões e dos interesses, que repercutem na Justiça, não deve embaraçar, ou constranger, a sua comunhão com a vida. O Promotor Público precisa conhecer, compreender e interpretar todas as realidades, todas as lutas em que se chocam os homens, todos os problemas que se debatem na sociedade, para corresponder aos seus deveres, na polêmica judicial. Como homem público, na sua mais bela modalidade, renunciará, no exercício do cargo, a qualquer reserva mental, a qualquer preconceito, a qualquer facciosismo [50]".

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Sobre o autor
Victor Roberto Corrêa de Souza

Servidor Público Federal na Procuradoria Regional da República - 5ª Região – em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Victor Roberto Corrêa. Ministério Público:: questões polêmicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4866. Acesso em: 20 abr. 2024.

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