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Direito do nascituro

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19/10/2016 às 12:42
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Estuda-se o direito do nascituro e dos embriões excedentes, dentre outros temas do biodireito, apresentando diversas teorias.

Conceitos: nascituro, embrião excedentário e feto

Prescreve o artigo 2º do Código Civil: "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".  

De acordo com o sistema adotado, tem-se o nascimento com vida como o marco inicial da personalidade. Todavia, respeitam-se os direitos do nascituro, desde a concepção, pois desde esse momento já começa a formação deste novo ser.  

Dessa forma, é de extrema importância estabelecer as garantias do nascituro e proteger sua personalidade, ainda mais porque devido aos avanços tecnológicos, e da genética, é fundamental proteger a figura do embrião. 

De acordo com o Código Civil de 2002, ocorre o nascimento quando a criança é separada do ventre materno, não importando tenha o parto sido natural, feito com o auxílio de recursos obstétricos ou mediante intervenção cirúrgica. O essencial é que se desfaça a unidade biológica, de forma a constituírem mãe e filho dois corpos, com vida orgânica própria. Todavia, para dizer que nasceu com vida, é necessário que haja respirado, ainda que tenha perecido em seguida. 

O nascituro 

O conceito de nascituro aparece no momento em que ocorreu a fertilização entre um espermatozoide com o óvulo. Vale ressaltar que neste momento ainda não cabe a afirmação que o nascituro possui personalidade jurídica, como previsto no item acima. Dessa forma, cabe afirmar a inspiração do Código Civil Brasileiro na Teoria Natalista, a qual garante, em regra seus direitos, no momento de seu nascimento, 

Entretanto, vale ressaltar que o nascituro pode ser considerado como um "sujeito de direito", tanto que este é protegido pelo Código Penal, em seus artigos 124 e 127, os quais tratam da matéria referente ao crime de aborto. Este é um exemplo clássico, que comprova seus direitos, uma vez que é ilegal a prática do aborto, exceto as causas excludentes, também previstas neste diploma legal, as quais não serão temas deste trabalho acadêmico. 

O embrião

É o conceito de quando se está em fase de diferenciação orgânica, da segunda à sétima semana depois da fecundação, etapa conhecida como período embrionário. Origina-se do embrioblasto, estrutura multicelular que, em conjunto com o e a blastocele, constitui o blastocisto recém-implantado no endométrio. 

É o produto das primeiras modificações do óvulo fecundado, que vai dar origem a um novo indivíduo adulto. O período embrionário termina na 8ª semana depois da fecundação, quando o concepto passa a ser denominado de feto. 

Entretanto, este determinado conceito não pode ser aplicado como regra geral, uma vez que existe a possibilidade deste não ser implantado na forma assistida, mas sim na forma fecundada, nos casos de fertilização in vitro. . 

Conforme Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, os embriões laboratoriais (embriões in vitro) são aqueles remanescentes de fertilização na proveta (embriões excedentários) ou que foram preparados para serem implantados em uma mulher, mas ainda não o foram (embriões pré-implantatórios). 

Partindo dessa técnica, foi descoberta a possibilidade de utilizar os embriões excedentários para tratamentos medicinais, como por exemplo os casos de céluca tronco, visto que a partir da fecundação de somente um embrião, estes outros, em tese, perderiam sua utilidade.  Todavia, vale ressaltar que estes embriões, os quais não foram fecundados, não podem ser considerados como nascituro, dessa forma não possuindo os mesmos direitos. 

Porém, os embriões produzidos in vitro não utilizados para a implantação no útero da mulher podem, de acordo com a Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, ser doados para outro casal com problemas de fertilização, ser congelados, ou usados para terapia genética. 

O feto 

O feto representa a fase do desenvolvimento intrauterino que segue à fase embrionária até o nascimento, e que acontece após o segundo ou terceiro mês de fecundação. Seus órgãos já são formados, e apresenta características distintas da espécie humana. A transição entre o estágio embrionário e o estágio fetal opera-se em torno da oitava semana após a fecundação, ou da sétima após a implantação. Todavia, vale ressaltar  que tais definições não são completamente fechadas, sendo, inclusive, muitas vezes confundidas no meio jurídico, o que leva a interpretações diversas, mas é a partir destes termos que se pode compreender as teorias desenvolvidas acerca do início da personalidade consequentemente, de proteção jurídica.


TEORIA SOBRE O INÍCIO DA PERSONALIDADE E A PROTEÇÃO DO NASCITURO 

Durante muitos anos a personalidade, direito de todos, era atributo daqueles que possuíam bens, eram livres e cidadãos, e assim foi na Grécia e na Roma antigas, “fato marcante que evidencia a ausência de personalidade daquele que não possuía liberdade eram os escravos que, apesar de serem considerados seres humanos, eram tidos como objeto de propriedade, podendo ser libertados, negociados ou até mortos”.

Existem diversas teorias que tentam explicar o início da vida ou da personalidade humana, tendo em vista que tal fato muito pode influenciar para outras questões como, por exemplo, a permissão ou não para se abortar.

Outras questões oriundas da definição do início da personalidade dizem respeito, por exemplo, ao momento exato em que o direito deve atuar para proteger direitos dos que ainda nem nasceram.

Quanto ao direito de personalidade, existem três teorias principais, quais sejam a teoria concepcionista, a teoria natalista e a teoria condicional, como se verá abaixo, além destas, algumas ciências se encarregaram de relatar suas opiniões acerca do início da vida, sendo que algumas foram trazidas pelo presente trabalho.

Teoria Concepcionista 

A teoria concepcionista acredita que o início da vida humana ocorre no momento da fertilização do ovócito pelo espermatozoide, ou seja, desde a concepção (NEVES, 2012, p. 34).

Segundo José Sebastião de Queiroz Oliveira, “esta doutrina é enfática em afirmar que a personalidade do homem começa a partir da concepção, porque, desde tal momento, o nascituro é considerado pessoa”.

Com tal teoria se explica o fato de os nascituros poderem receber alimentos, herdar, ser parte em ações judiciais, entre outros e possam ter seus direitos resguardados, mesmo antes de nascerem.

Ressalte-se que no Brasil não são aceitas questões que possibilitem indenizações pelo fato do indivíduo ter nascido, conforme foi aceito em alguns países da Europa e Estados Unidos, tendo em vista que o nascimento, ou melhor, a vida e o direito de se viver é irrenunciável.

Por certo que os nascituros devem ser protegidos, entretanto, como comentado no capítulo anterior, há uma diferença muito grande, a qual não pode ser confundida entre nascituro e embrião, posto que nem sempre este último está implantado no ventre maternos, tendo em vista as possibilidades de reprodução assistida e assim, não receberá proteção do direito como se fosse um nascituro, posto que não o é.

Embriões oriundos de reprodução assistida, ainda não implantados no útero materno, devem receber proteção contra manipulações arbitrárias, entretanto, deve-se sempre lembrar que estes são material humano e não possuem expectativas de nascerem, pelo menos enquanto estiverem congelados em nitrogênio líquido nas clínicas de fertilização.

Quanto ao nascituro, este foi fecundado, seja dentro ou fora do corpo da mulher, e está se desenvolvendo, devendo ter seus direitos básicos, como o de nascer com vida, respeitados.

Teoria Natalista 

Segundo Neves (2012, p. 27), “para os adeptos dessa teoria, a personalidade civil começa do nascimento com vida, e isso porque só a pessoa pode ter personalidade, e o produto da concepção não é a pessoa, é apenas uma parte do corpo da mulher”.

Assim, aquele que nasce, se separa do corpo da mãe e passa a respirar sozinho, adquire personalidade e, portanto, direitos na esfera civil.

Nas palavras de José Sebastião de Queiroz Oliveira:

“É importante que se tenha em mente a noção clara de personalidade civil e o momento e seu começo, pois é a partir de sua obtenção que a pessoa adquire direitos e contrai obrigações. Os direitos do nascituro são tutelados pela lei civil, que os põe a salvo desde a concepção, e também pela lei penal, tendo em vista a punição do aborto, do infanticídio durante o parto, da periclitação da vida e da saúde, entre outros.”

Adotada pela maioria de nossos doutrinadores e aparentemente agasalhada pelo artigo 2º do Código Civil, estabelece que a personalidade civil do homem começa com o seu nascimento com vida. Segundo esta doutrina, o nascituro não é considerado pessoa e somente tem expectativa de direito, desde a sua concepção, para aquilo que lhe é juridicamente proveitoso. O nascituro não tem personalidade jurídica e também lhe falta capacidade de direito, porque a lei apenas protegerá os direitos que possivelmente ele terá, em caso de nascer com vida, os quais são enumerados taxativamente no ordenamento jurídico (posse, direito à herança, direito à adoção, direito à curatela).

Para esta teoria, o nascituro ainda não é pessoa, e não possui personalidade jurídica, mas expectativa de direito, se não nascer com vida, as relações jurídicas que o envolvem não se concretizam, como se o feto nunca tivesse sido concebido, é desconhecido dessa teoria também o fato de o feto possuir funções como ondas cerebrais ou batimentos cardíacos (NEVES, 2012, p. 29).

Os adeptos desta teoria, entretanto, não explicam o motivo pelo qual o Código Civil protege os direitos do nascituro.

Para que haja o nascimento com vida, certamente é necessário que tenha ocorrido a concepção e todo um desenvolvimento antes.

Se o nascimento com vida é requisito essencial para a aquisição de personalidade jurídica, bem como ser portador de direitos e deveres na vida civil, o simples fato de se “poder nascer” por certo deve ser protegido tendo em vista que cabe ao direito atuar de forma preventiva e caso esta falhe, repressiva.

O ente estatal tem o dever de zelar pela boa manutenção da vida ou da expectativa desta dentro de seu território, sob pena de se perderem os fundamentos e objetivos de ser de um Estado civilizado e democrático.

Teoria condicional 

De acordo com Neves (2012, p. 35), “o nascimento com vida é uma condição suspensiva, contudo, alguns direitos já estão assegurados desde a concepção, como por exemplo, o direito de nascer”.

Para Claudia Regina Magalhães Loureiro, no que diz respeito à referida teoria, a personalidade se inicia com a concepção desde que se nasça com vida, entretanto, coloca em cheque o fato de os direitos de personalidade serem irrenunciáveis, absolutos, independentemente do nascimento com vida.

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Assim, ocorrendo o nascimento sem vida, todos os direitos adquiridos são tidos como nunca existentes.

Seria impossível, por exemplo, requerer uma indenização tendo em vista danos causados ao feto, como já tem ocorrido no país.

Início da vida para algumas correntes 

Tendo em vista que ainda não se pacificou o momento exato em que a vida se inicia, existem diversas correntes, e o direito protege aqueles seres humanos que estão se desenvolvendo no útero materno, posto que possivelmente nasçam com vida.

Como visto no capítulo anterior, aqueles que ainda não foram implantados no útero possuem apenas proteção quanto a manipulações arbitrárias de seu patrimônio genético, mas não expectativas de personalidade ou direitos iguais aos nascidos ou em vias de o nascer.

Teoria Ecológica 

Para a visão ecológica, a possibilidade de sobreviver fora do útero é o que caracterizaria uma vida, independente daquela que lhe deu sustentação quando se desenvolvia.

Para Adriana Caldas R. F. D. Maluf, bebês prematuros só sobrevivem se já tiverem pulmões desenvolvidos, o que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de gestação.

Assim sendo, se existe a possibilidade de sobrevivência alheio ao corpo da mulher, para esta corrente, há vida.

Teoria Neurológica 

Tal teoria traz como marco para o início da vida, mas não da personalidade jurídica o mesmo fator utilizado atualmente para o fim da vida, qual seja as ondas cerebrais.

Nos dizeres de Maluf, se a vida termina quando cessam as ondas cerebrais, se inicia quando por óbvio, tais ondas se iniciam, entretanto, tais ondas podem se iniciar entre a 8ª e a 20ª semana de gestação, pois tal fato ainda não está pacificado.

Esta teoria, embora oriunda de pensamento lógico, não é a regra, tendo em vista que no Brasil, após a fecundação no útero, ou da implantação de embriões no ventre materno, a sua retirada ou mesmo a tentativa são punidas pela lei Penal.

Da implantação do embrião no útero materno até o surgimento das ondas cerebrais, se esta teoria fosse aceita, o aborto seria permitido durante os primeiros meses de gestação, assim como venda ou doação de fetos para pesquisas científicas, o que significaria um retrocesso legislativo e ético.

Cristianismo 

Para a Igreja Católica e as demais igrejas cristãs, e para a corrente denominada genética, a vida se inicia na fecundação, momento onde o óvulo e o espermatozoide se fundem dando origem a um novo ser com carga genética única.

A maioria das doutrinas religiosas acredita que a partir da fecundação, seja esta no útero ou fora dele, já existe vida e como tal deve ser respeitada.

Resumidamente, as doutrinas cristãs adotam a teoria da concepção, pois acreditam que a vida deve protegida desde a concepção, ou seja, desde que o espermatozoide fecunda o óvulo, reconhecendo o nascituro como sujeito de direitos, assim, considerando as células em desenvolvimento com status de pessoa, tal teoria é a adotada pelo direito positivo brasileiro, na segunda parte do artigo 2º do Código Civil, sendo que, o nascimento com vida é fator preponderante para se adquirir personalidade.

Os cristãos de forma geral condenam o aborto em qualquer fase da gestação, entretanto, em casos de risco de vida da mulher e estupro, tendo em vista a permissão legislativa do artigo 128 do Código Penal, é aceitável entre os seguidores.

Teoria Metabólica 

Nas palavras de Maluf, para a teoria metabólica afirma-se que:

“(...) a discussão sobre o começo da vida é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início. Para essa corrente, espermatozoides e óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa. Além disso o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve necessariamente obedecer a um marco inaugural.”

Deste modo, a vida estaria em cada célula do corpo humano, bem como em toda a sua formação e composição.

Logo, discute-se, se tal teoria for aceita como verdadeira, qualquer tipo de experimento com material humano será proibido por violar a vida.

Outras teorias 

Correntes como a embriológica acreditam que a vida se inicia na 3ª semana de gestação uma vez que é a partir desse período que o ser gerado pela fecundação não mais poderá se dividir dando origem a outros seres, “isso porque até 12 dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas”.

Ainda são muitas as dúvidas, e a medicina tem apontado para o fato de que existindo funções vitais no nascituro, há vida, e deve ser preservada, assim, para Neves (2012, p. 72), “os direitos de personalidade independem da existência ou não de personalidade jurídica. São eles direitos da pessoa, e não direitos inerentes à personalidade jurídica”.

Conforme José Sebastião de Queiroz Oliveira:

“Independentemente da teoria adotada, é consenso entre os doutrinadores de que o nascituro é um ser vivo e que tem direitos desde a sua concepção, seja na forma de expectativa tutelável, pela teoria natalista, seja na forma suspensiva, pela teoria da personalidade condicionada, ou seja, na forma plena, pela teoria verdadeiramente concepcionista.”

Assim, mesmo antes da personalidade jurídica, advinda com o nascimento com vida, o ser merece respeito e ter seus direitos básicos, dentre eles a proteção da vida resguardados.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Guilherme Menezes. Direito do nascituro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4858, 19 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48678. Acesso em: 19 abr. 2024.

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