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Auxílio-reclusão: incentivo ao crime ou um meio de garantir o princípio fundamental da dignidade humana?

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As divergências quanto à concessão do auxílio-reclusão ocorrem, principalmente, pela falta de informação do que vem a ser este benefício, mas também pelo preconceito para com a família daqueles que cometem crimes.

Uma conduta irrepreensível consiste em manter cada um a sua dignidade sem prejudicar a liberdade alheia.

Voltaire

Resumo: Este trabalho apresenta um estudo sobre o Auxílio-Reclusão, enfatizando a sua importância na garantia da dignidade humana. Criado no Brasil na década de 60 pela Lei Orgânica da Previdência Social (Lei n. 3.807/60), o Auxílio-Reclusão é um benefício concedido pela Previdência Social, em regra, à família do individuo condenado à pena de regime fechado ou semiaberto, como forma de prover o sustento destes durante a ausência do cometedor do delito. Mister salientar que tal benefício não deverá ser concedido à família de qualquer indivíduo que venha a cometer um crime, mas apenas à daquele que esteja compreendido como um segurado. Isto é, aquele indivíduo que prestando, ou não, serviço laboral, contribuía regularmente para a previdência social antes do cometimento do crime. Demonstraremos assim, que os ataques à concessão deste benefício não passam de opiniões preconceituosas, tendo em vista que o mesmo, em hipótese alguma, serve como incentivo a perpetuação da criminalidade, mas tão somente como um meio de garantir a sobrevivência dos familiares do “segurado infrator”, já que este era o único provedor do lar. Dessa forma, partindo do pressuposto que a própria Constituição Federal vigente (art. 226) assegura que a família deverá ser protegida pelo Estado, não há porque se recriminar a concessão de um benefício que almeja apenas atender a esta determinação.

Palavra-chave: AUXÍLIO-RECLUSÃO, SEGURADO, DIGNIDADE HUMANA.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. AUXÍLIO-RECLUSÃO: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E FINALIDADE. 3. DA VINGANÇA PRIVADA AO AUXÍLIO-RECLUSÃO. 4 AUXÍLIO-RECLUSÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL . 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .REFERÊNCIAS .


INTRODUÇÃO                 

A família é um bem protegido pela Constituição Federal brasileira[1], onde estão previstas normas que garantem a sua preservação. Almejando atender a esta preservação é que por meio da Lei 3.807 de 26 de agosto de 1960 foi criado o auxílio-reclusão[2] cujo intuito é assistir financeiramente os dependentes de indivíduos que cometerem crimes suscetíveis a pena de regime fechado ou semiaberto, bem como para os infratores com idade entre 16 e 18 anos que forem condenados a reclusão em estabelecimento juvenil, educacional ou similar.

Este benefício é devido, apenas, para dependentes do segurado que fora preso por ter cometido um delito, devendo para tanto, os beneficiários, apresentarem um atestado trimestral certificando que o infrator está cumprindo com o período de reclusão determinado pela justiça. Posto que a ausência desta comprovação enseja a suspensão do benefício.

Diferentemente do que é difundido por muitos nas redes sociais e nos veículos de comunicação o auxílio-reclusão não é uma medida feita para amparar o infrator pelo delito cometido, tampouco é um benefício que contribui para a perpetração da criminalidade. Tal raciocínio, poderia até receber atenção caso o benefício em voga fosse concedido a todo e qualquer cometedor de delitos, pois poderia forjar uma ideia de que o benefício serviria como um bônus ao crime cometido. Entretanto, não é o caso. É muito importante ter a consciência de que o auxílio concedido pela Previdência Social só será devido aos dependentes do segurado que vier a cometer o delito. Entende-se por segurado aquele indivíduo que exerce atividade remunerada, não importando se há ou não vínculo empregatício.

Não obstante a qualificação de segurado, a Previdência Social estabelece que além de ser contribuinte, o mesmo deverá ter contribuído durante um lapso mínimo de 12 (doze) meses para que seus dependentes tenham direito ao benefício em voga, bem como estar em dia com o pagamento das suas contribuições no período do ato infracional, sob pena de ter o auxílio negado.

Partindo do pressuposto que o auxílio-reclusão visa garantir a família do infrator o mínimo de condições de sobrevivência, já que estará privada da convivência do seu provedor, pode-se ter em conta que se trata de uma medida encontrada pelo Estado de salvaguardar a dignidade humana destes indivíduos.

Assim, abordado o conceito, as características e a finalidade do auxílio-reclusão, pôde-se realizar a transmutação desta realidade doutrinária para a prática. Dessa forma, em pesquisa realizada sobre a legislação, pertinente ao tema em baila, do município de Camaçari/BA, observou-se que em busca de uma maior eficiência na concessão dos benefícios estabelecido pela Previdência Social, foi criada uma legislação própria para regulamentá-los. Assim foi estabelecida a Lei nº 997/09 que regula dentre outros benefícios, a concessão e suspensão do auxílio-reclusão.


1. AUXÍLIO-RECLUSÃO: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E FINALIDADE

O auxílio-reclusão é um benefício concedido pela previdência social aos dependentes do segurado que cometeu um crime e foi condenado a regime fechado e semifechado. Entende-se por segurado, como sendo aquele indivíduo que contribuía regularmente com a previdência social antes do fato típico, salienta-se que tal benefício não será concedido se o infrator estiver em liberdade condicional ou for condenado a pena de regime aberto. Posto que o objetivo deste benefício é assegurar o mínimo de condições de sobrevivência àqueles que tinham como provedor do lar o cometidor do crime.

Este benefício, por sua vez, não será concedido apenas com a reclusão do infrator, mas atendendo outros critérios determinados pelo Ministério da Fazenda por meio da Lei n.8.213/91– a qual prevê conceito, características e formas de concessão do benefício em voga. Dessa forma, a reclusão deverá ocorrer no período em que estiver mantida a qualidade de segurado, isto é, o segurado deverá está em dia com o pagamento da contribuição social para que no momento da reclusão seus dependentes tenham direito a concessão do auxílio-reclusão – caso contrário, o mesmo não será direito do segurado.

Outro ponto importante que deverá ser atendido é que o infrator que for preso não poderá receber qualquer tipo de auxílio concedido pela Previdência social, como: aposentadoria, auxílio-doença, no período em que estiver recluso, bem como não poderá receber remuneração de qualquer vínculo trabalhista que mantinha antes ou durante o cometimento do crime que o levou a reclusão. Assim, concedido o benefício deverá a família apresentar documento no período trimestral atestando que o infrator continua recluso – o que garante a manutenção do benefício.

Dessa forma, o benefício, ao contrário do que é difundido, não é pago proporcionalmente a quantidade de filhos que o infrator tem, mas para a família do mesmo independentemente de quantas pessoas a formam. Assim, o valor a ser recebido por seus dependentes será equivalente ao último salário de contribuição prestado pelo infrator. No entanto, este salário de contribuição não deverá ser superior a um valor determinado pela Previdência Social – o qual, em 2003 era de R$ 560,81 (quinhentos e sessenta reais e oitenta e um centavo) sendo alterado algumas vezes até se chegar ao valor registrado hoje que é de R$ 971,78 (novecentos e setenta e um reais e setenta e oito centavos) conforme tabela a baixo[3]

PERÍODO

SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO TOMADO EM SEU VALOR MENSAL

A partir de 1º/01/2013

R$ 971,78 – Portaria nº 15, de 10/01/2013

A partir de 1º/01/2012

R$ 915,05 – Portaria nº 02, de 06/01/2012

A partir de 15/07/2011

R$ 862,60 – Portaria nº 407, de 14/07/2011

A partir de 1º/01/2011

R$ 862,11 – Portaria nº 568, de 31/12/2010

A partir de 1º/01/2010

R$ 810,18 – Portaria nº 333, de 29/06/2010

A partir de 1º/01/2010

R$ 798,30 – Portaria nº 350, de 30/12/2009

De 1º/2/2009 a 31/12/2009

R$ 752,12 – Portaria nº 48, de 12/2/2009

De 1º/3/2008 a 31/1/2009

R$ 710,08 – Portaria nº 77, de 11/3/2008

De 1º/4/2007 a 29/2/2008

R$ 676,27 - Portaria nº 142, de 11/4/2007

De 1º/4/2006 a 31/3/2007

R$ 654,61 - Portaria nº 119, de 18/4/2006

De 1º/5/2005 a 31/3/2006

R$ 623,44 - Portaria nº 822, de 11/5/2005

De 1º/5/2004 a 30/4/2005

R$ 586,19 - Portaria nº 479, de 7/5/2004

De 1º/6/2003 a 31/4/2004

R$ 560,81 - Portaria nº 727, de 30/5/2003

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Por sua vez, entende-se por salário de contribuição como sendo a porcentagem retirada pela Previdência Social da remuneração do trabalhador com o fulcro de garantir futuros benefícios. Esta porcentagem, por sua vez, irá variar de acordo com o montante da remuneração percebida, podendo assim ser de 8%, 9% ou 11%.

Mister salientar que não apenas os dependentes dos indivíduos condenados a penas de regime fechado e semiaberto terão direito a concessão a este benefício, mas também, segundo o Ministério da Fazenda, indivíduos entre 16 e 18 anos que foram condenados a reclusão em instituições de auxílio a menores infratores, que são arrimos de família, terão o direito de seus dependentes recebam o auxílio-reclusão.

Noutro ponto é importante observar que o direito a este beneficio não é ilimitado, podendo ser suspenso caso não seja atendido os requisitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse diapasão preceitua o decreto nº 3.048/99, art. 17:

A perda da qualidade de dependente ocorre:

I - para o cônjuge, pela separação judicial ou divórcio, enquanto não lhe for assegurada a prestação de alimentos, pela anulação do casamento, pelo óbito ou por sentença judicial transitada em julgado;

II - para a companheira ou companheiro, pela cessação da união estável com o segurado ou segurada, enquanto não lhe for garantida a prestação de alimentos;

III - para o filho e o irmão, de qualquer condição, ao completarem vinte e um anos de idade, salvo se inválidos, desde que a invalidez tenha ocorrido antes:

a) de completarem vinte e um anos de idade; 

b) do casamento; 

c) do início do exercício de emprego público efetivo; 

d) da constituição de estabelecimento civil ou comercial ou da existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria; ou 

e) da concessão de emancipação, pelos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; e 

 IV - para os dependentes em geral:

 a) pela cessação da invalidez; ou

 b) pelo falecimento.

 Não obstante o conteúdo aludido, é necessário evidenciar que o auxílio-reclusão apresenta outra forma de ser suspenso; contudo não há um desamparo a família e/ou dependentes do autor do crime. Assim, no caso de morte do contribuinte que se encontra recluso, o auxílio-reclusão concedido aos seus dependentes será convertido em auxílio por morte. Afinal, este benefício, embora por circunstâncias opostas, também prevê a assistência aos dependentes dos contribuintes presos com o intuito de salvaguardar a dignidade humana destes. E no que concerne a dignidade da pessoa humana Sidney Guerra e Lilian Márcia Balmant Emerique citando Wolfgang Sarlet prelecionam que:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos (2006, p. 382).

Leciona também nesse sentido Eduardo Ramalho Rabenhorst:

O termo dignidade, do latim dignitas, designa tudo aquilo que merece respeito, consideração mérito ou estima. Apesar de a língua portuguesa permitir o uso tanto do substantivo dignidade como do adjetivo digno para falar das coisas (quando dizemos, por exemplo, que uma moradia é digna), a dignidade é acima de tudo uma categoria moral que se relaciona com a própria representação que fazemos da condição humana, ou seja, ela é a qualidade ou valor particular que atribuímos aos seres humanos em função da posição que eles ocupam na escala dos seres.(2001, p.15)

Assim, pode ser entendido o auxílio-reclusão como um direito fundamental garantido a todos aqueles dependentes dos indivíduos que forem condenados a pena de reclusão e que eram até o mento do crime, os responsáveis pelo sustento destes beneficiários (MORAES, 2004, p. 60-61).

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Sobre os autores
Emily Rosas Souza Farias

ADVOGADA, graduada pela Universidade do Estado da Bahia- UNEB. Hodiernamente, é discente do curso de Pós Graduação em DIREITO TRIBUTÁRIO da Universidade Católica de Salvador - UCSAL.

Adriel Rolim

Advogado

Bruno Gama

Advogado

Adriel Rolim

Advogado.

Bruno Gama

Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Emily Rosas Souza Farias ; ROLIM, Adriel et al. Auxílio-reclusão: incentivo ao crime ou um meio de garantir o princípio fundamental da dignidade humana?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4726, 9 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49580. Acesso em: 18 mai. 2024.

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