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O uso obrigatório de uniforme com propaganda de produtos comercializados:

Poder diretivo do empregador ou violação ao direito imagem do trabalhador?

Leia nesta página:

Existe divergência jurisprudencial acerca da utilização obrigatória de uniformes com logomarcas que não as do empregador, estando em discussão aspectos jurídicos mais relevantes e julgados pela Justiça do Trabalho.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Poder diretivo do empregador: da ausência de ato ilícito; 3. Abuso do poder diretivo do empregador: dano à imagem; 4. Da Súmula 35 do TRT da 3ª Região e do Projeto de Lei nº. 1935/11; 5. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

São assegurados ao trabalhador, como indivíduo e cidadão, efetiva proteção e garantia aos direitos fundamentais, individuais e coletivos, inerentes à dignidade da pessoa humana e aos princípios basilares do Estado Democrático de Direto.

Devem, assim, ser respeitadas e preservadas a intimidade, a honra, a dignidade e a imagem do trabalhador, assegurando expressamente a Constituição Federal o direito à indenização pelo dano material, moral ou à imagem sofrido (art. 5º, X e V da CF).

O presente artigo busca analisar, sem a pretensão de esgotar o tema, a divergência jurisprudencial acerca da utilização obrigatória de uniformes com logomarcas de produtos que não os do empregador, apresentando os aspectos jurídicos mais relevantes bem como casos julgados pelo nosso ordenamento jurídico, com o intuito de demonstrar na prática a discussão ora apresentada.


2. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR: DA AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO

O uso obrigatório de uniforme com logotipos de marcas alheias que não a do empregador engloba os limites do poder diretivo patronal ou caracteriza ofensa ao direito de imagem do trabalhador?

A questão não está pacificada na Justiça do Trabalho, existindo controvérsia inclusive entre as câmaras julgadoras dos Tribunais Regionais do Trabalho do país. Tal situação é capaz de gerar, expressiva e temerária insegurança jurídica nas relações de trabalho, uma vez que a utilização desses uniformes tem se tornado cada vez mais comum, em especial no comércio varejista.

Parte da jurisprudência entende que é lícito ao empregador exigir que seus funcionários utilizem uniformes que contenham logotipos de seus fornecedores, parceiros comerciais, patrocinadores ou produtos comercializados pelos mesmos. Uma vez que, ao ser contratado, o empregado submete-se ao poder direito do empregador, e, consequentemente, às regras da empresa, entre elas a determinação do uso de uniforme, com ou sem propaganda.

Assim, a imposição patronal de uso de uniformes como meio de propaganda ao consumidor encontra-se dentro dos limites do jus variandi do empregador, entendidos estes como os poderes que lhe são conferidos para administrar, controlar e fiscalizar seu empreendimento.

Corroboram, neste sentido, decisões asseverando que, em não se tratando o empregado de pessoa pública, famosa ou sequer notória na região em que trabalha, o empregador não teria tirado proveito de sua imagem especificadamente, como ocorre no caso de atletas profissionais ou artistas a quem determinadas marcas e produtos buscam associar a sua imagem perante o mercado.

Desse modo, a mera utilização de uniforme com propagandas de produtos comercializados pelo empregador, por si só, não implicaria em ofensa ao direito da imagem do trabalhador.


3. ABUSO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR: DANO À IMAGEM

Como posicionamento contrário, inicialmente cabe destacar o disposto no artigo 20 do Código Civil, que estabelece hipóteses de ilicitude aptas a ensejar o dever de indenizar, em razão do uso irregular da imagem de uma pessoa:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

Não havendo que se falar em ausência de dolo no dano causado, pois, consoante o que estabelece o artigo supracitado, caberá indenização nos casos de utilização da imagem da pessoa para fins comerciais sem o consentimento dela, tendo o ato ilícito ocorrido por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (art. 186 do Código Civil).

A respeito do tema, mister destacar, a lição de Godinho:

A imagem da pessoa humana trabalhadora pode ser violada de duas maneiras: de um lado, por meio da agressão ao próprio patrimônio moral do ser humano [...]. De outro lado, por meio da utilização não autorizada ou não retribuída da imagem do indivíduo. É o que prevê o art. 20 do CCB/2002, que estipula indenização pelo uso irregular da imagem: 'Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais' (grifos acrescidos). O preceito legal menciona, como se percebe, três condutas mais próximas de ocorrência no contrato de emprego: a) condutas que violam a imagem, em face de agredi-la; b) condutas que se utilizam da imagem sem a ofender, é claro, porém sem autorização; c) condutas que se utilizam da imagem também sem ofensas, mas sem autorização e com fins comerciais. Segundo o Código Civil, é cabível falar-se em reparação indenizatória em qualquer desses três casos hipotéticos. [1]

Não havendo como prosperar ainda o argumento de que seria exigido o uso do uniforme a todos os empregados, exclusivamente no ambiente de trabalho e durante o horário laboral.

Sendo inconcebível pensar que, para não ostentar as marcas em seu uniforme fora do recinto interno da empresa, o trabalhador iria com uma roupa diferente no trajeto para o trabalho e, lá chegando, trocaria essa vestimenta para o uniforme, repetindo essa troca ao final do horário de trabalho para o deslocamento de volta à sua casa.

Ademais, mesmo que isso fosse prático, para se tornar corriqueiro, não há dúvida que, mesmo exclusivamente no âmbito interno da empresa, o trabalhador, sob o ponto de vista comercial, serviu como meio de divulgação de marcas que não a do empregador, isso é, de terceiros, estranhos à relação empregatícia, realizando, assim, tarefa para a qual não foi contratado, sendo crível supor que o empregador auferiu alguma vantagem econômica com essa propaganda.

Desse modo, o uso em si de uniformes com intuito publicitário comercial, sem a anuência do empregado e da devida compensação financeira a esse respeito, configura abuso de direito, ensejando, assim, a reparação por danos à sua imagem.

Sendo cediço que direito à imagem, o qual compreende todas as características do indivíduo como ser social, além de autônomo, que é inviolável por ser normal constitucional, é individual, uma vez que não se pode dissociá-lo de seu titular.

Vale ressaltar não ser comum nem natural que o trabalhador tenha a sua imagem relacionada aos fornecedores, parceiros comerciais, patrocinadores nem produtos comercializados pelo empregador somente em razão da sua contratação. Pois se trata de direito personalíssimo do trabalhador, e não da função por ele exercida, seja ele atendente, vendedor, promoter, etc.


4. DA SÚMULA 35 DO TRT DA 3ª REGIÃO E DO PROJETO DE LEI Nº. 1935/11

Em que pese à divergência apresentada, recentemente o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região pacificou a questão com a edição da Súmula 35, com a seguinte redação:

SÚMULA N. 35. USO DE UNIFORME. LOGOTIPOS DE PRODUTOS DE OUTRAS EMPRESAS COMERCIALIZADOS PELA EMPREGADORA. AUSÊNCIA DE PRÉVIO ASSENTIMENTO E DE COMPENSAÇÃO ECONÔMICA. EXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. A imposição patronal de uso de uniforme com logotipos de produtos de outras empresas comercializados pela empregadora, sem que haja concordância do empregado e compensação econômica, viola o direito de imagem do trabalhador, sendo devida a indenização por dano moral. (RA 213/21014, disponibilização: DEJT/TRT3/Cad. Jud. 20/11/2014, 21/11/2014 e 24/11/2014) [2]

Cumpre destacar que não há previsão legal do montante devido como contraprestação pecuniária a ser paga nesses casos.

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº. 1935/11, em tramitação no Congresso Nacional, dispõe sobre a fixação de propaganda de produtos e marcas no uniforme do trabalhador, pretende incluir, na CLT, o artigo 457-A, com a seguinte redação:

 Art. 457-A. É assegurado ao trabalhador um adicional, estabelecido em convenção ou acordo coletivo, pela fixação de propaganda de marcas e produtos em seu uniforme de trabalho.”

Parágrafo único. Na ausência de previsão em acordo ou convenção coletiva, o adicional referido no “caput” deste artigo será de, no mínimo, dez por cento da remuneração do trabalhador. [3]

Como justificativa ao projeto de lei, assevera em seu relatório o deputado Federal Assis de Melo, que:

O presente projeto tem por escopo estender ao trabalhador em geral direito já assegurado a algumas categorias profissionais específicas, como, por exemplo, artistas e atletas profissionais: o pagamento de uma gratificação pelo uso de sua imagem.

Trata-se de medida justa e oportuna.

Justa, porque estende a todo o trabalhador direito, hoje, assegurado apenas a algumas categorias privilegiadas, tudo nos termos de um dos princípios mais comezinhos da ciência jurídica: onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito.

Oportuna, na medida em que o projeto está em consonância com o disposto no art. 20 do Código Civil, que prevê o pagamento de indenização pelo uso da imagem de uma pessoa para fins comerciais.

 Por fim, cabe salientar que a matéria já vem sendo discutida no âmbito da Justiça do Trabalho, com entendimentos diversos.

Deste modo, o projeto, se aprovado, terá o mérito extra de pacificar, no nascedouro, divergência jurisprudencial que poderá comprometer a segurança jurídica nas relações de trabalho”. [4]

No Brasil em que pesem os vários debates e a proposta de lei apresentada, o tema ainda engatinha. O referido projeto de lei que tramita em caráter conclusivo, em 2011 foi encaminhado às Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e, desde então, foram proferidos apenas 2 votos, um pela aprovação e um pela rejeição do projeto. 


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se ser inerente à atividade de vendas a ostensiva referência às marcas dos produtos vendidos, assumindo o empregador os riscos pela atividade econômica desenvolvida, sendo-lhe assegurado exercer seu poder de comando sobre o trabalhador a ele subordinado, tal prerrogativa não se reveste de caráter absoluto, devendo ser utilizada dentro dos limites da razoabilidade e da legalidade.

Dessa forma, o jus variandi do empregador, bem como o salário pago pelo mesmo não lhe assegura o direito de promover os produtos por ele comercializados em detrimento da imagem de seus funcionários, sem o consentimento destes e a devida contraprestação pecuniária.

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Nesse sentido, no Tribunal Superior do Trabalho, Câmaras contrárias modificaram seu entendimento, reconhecendo que a determinação do uso do uniforme com intuito publicitário ou comercial configura conduta arbitrária e ato ilícito do empregador, não sendo natural que o trabalhador, ao ser contratado, tenha a sua imagem relacionada, por consequência, aos parceiros comerciais do empregador, situação que ensejará indenização pecuniária pelos danos sofridos à sua imagem.

A questão, inclusive, já fora decidida na Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do Superior Tribunal do Trabalho (SDI-1), ao julgar os Embargos de Recurso de Revista nº. 19-66.2012.5.03.0037, em especial nos autos de nº. 40540-81.2006.01.0049, cuja decisão fora noticiada em destaque pelo referido Egrégio Tribunal Superior em seu site. [4]

No caso em questão, por maioria de votos, foi mantida a decisão de condenação à rede de supermercados Carrefour, que forneceu ao trabalhador uniforme com os logotipos de marcas por ela comercializados, como “Bombril”, “Gilete, “Brilhante”, "Veja", “Seven Boys”, entre outros.

Cumpre destacar que o SDI-1 é o órgão revisor das decisões das Turmas e unificador da jurisprudência do TST, para o julgamento de agravos, agravos regimentais e recursos de embargos interpostos contra decisões divergentes das Turmas ou destas que divirjam de entendimento da Seção de Dissídios Individuais, de Orientação Jurisprudencial ou de Súmula.

Por fim, estabelecem os artigos 186, 187 e 926 do Código Civil que, em regra para que se configure o dever de reparação do dano, deve haver, além da existência do ato ilícito, por ação ou omissão, a comprovação dos prejuízos sofridos e o nexo de causalidade entre esses.

Entretanto, no caso do dano à imagem em razão do uso obrigatório de uniformes com logotipos de marcas, conforme a disposição do artigo 20 do Código Civil, ainda que não haja ofensa à sua honra ou reputação, constitui ato ilícito o uso da imagem do trabalhador, sem sua autorização para fins comerciais.

Assim, verificada essa violação, o dano indenizável estará presente pela simples "força dos próprios fatos", ou seja, damnum in re ipsa. Isto é, a existência do dano é presumida, independentemente de prova do efetivo sofrimento ou abalo psicológico sofrido pela trabalhador, pois esse reside na própria violação do direito da personalidade praticado pelo empregador, enquanto o nexo de causalidade consiste em seu comportamento censurável.

Cabe ao trabalhador lesado comprovar apenas a conduta danosa, isto é, o fornecimento e a determinação do uso de uniforme com apelo ou fins comerciais sem sua expressa anuência e a devida compensação pecuniária, o que excede os limites da relação de emprego e os objetivos do contrato de trabalho.

Desse modo, a obrigação de usar uniforme como meio comercial não se trata de dano de caráter vexatório ou humilhante, que atentem contra a honra e boa fama dos trabalhadores, mas de dano à sua imagem. Pois, em se tratando do ambiente de trabalho, compete ao empregador preservar e zelar pela integridade e bem-estar de seus funcionários, não podendo ser lançar de toda e qualquer maneira do seu poder diretivo para maximizar os lucros da empresa.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª Ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 652.

MINAS GERAIS. Súmulas do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Acessível em: <http://www.trt3.jus.br/bases/sumulas/sumulas.htm>


Notas

[3] BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei nº. 1935 de 2011.  Dispõe sobre a fixação de propaganda de produtos e marcas no uniforme do trabalhador. Acessível em: http://www2.camara.leg.br/

[4] BRASIL. Notícias do TST. Carrefour terá que indenizar trabalhador por uso de uniforme com propaganda. Acessível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/carrefour-tera-que-indenizar-trabalhador-por-uso-de-uniforme-com-propagandas>

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Sobre o autor
Frederico Michael Dresdner de Andrade

Advogado. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Frederico Michael Dresdner. O uso obrigatório de uniforme com propaganda de produtos comercializados:: Poder diretivo do empregador ou violação ao direito imagem do trabalhador?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4731, 14 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49747. Acesso em: 18 abr. 2024.

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