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O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

Grandes promessas, questões polêmicas e poucos avanços reais

02/05/2017 às 16:45
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O artigo analisa as inovações trazidas pela Lei n. 13.334/2016, oriunda de medida provisória em que a Presidência da República cria o chamado Programa de Parcerias de Investimentos - PPI, desenhado como um dos instrumentos de combate à crise econômica.

Através da Medida Provisória n° 727, de 12 de Maio de 2016[1], já convertida na Lei n. 13.334/2016, a Presidência da República criou o chamado Programa de Parcerias de Investimentos - PPI .

Conforme exposição de motivos[2], o PPI foi desenhado como um dos instrumentos de combate à crise econômica que o Brasil vem enfrentando, estimulando o crescimento da economia e a geração de empregos. Historicamente, os investimentos em infraestrutura são utilizados pelo Estado com esta finalidade no Brasil, dado o emprego intensivo de mão de obra nesta atividade, bem como sua capacidade de repercussão nas demais esferas da economia, seja em função da reverberação sobre fornecedores nacionais, com criação de empregos indiretos, ou aumento da eficiência decorrente de ganhos de produtividade logísticos. Estas razões transparecem, também, na exposição de motivos da MP n° 727/2016.

No caso, o incentivo a investimentos em infraestrutura toma a forma do fortalecimento das parcerias com o setor público, aqui entendidas, conforme §2°, art. 1°, do diploma em referência, não apenas no sentido estrito de parcerias público privadas (na forma prevista na Lei Federal n° 11.079/2004),  mas num sentido amplo (incluindo concessões comuns, permissões e arrendamentos, entre outros) e aberto (“e outros negócios público-privados”, nos termos da Medida Provisória).

A lei pretende centralizar a coordenação das parcerias entre o setor público e privado, com a criação do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, que concentra (na forma do §2°, Art. 7°) as competências do órgão gestor de parcerias público-privadas federais, do Conselho de Integração de Políticas de Transporte e do Conselho Nacional de Desestatização.

Sua função principal, entretanto, parece ser a de representar uma carta de intenções do novo governo no sentido de indicar ao setor privado um caráter mais estável e consistente do comportamento do Estado nos projetos de infraestrutura de longo prazo, com vista à criação de um cenário de maior segurança jurídica que favoreça investimentos.

Nesse último sentido são os objetivos e princípios do PPI, estabelecidos em seus artigos 2° e 3°, que indicam uma intervenção mínima do Estado na execução dos projetos albergados pelo Programa (“com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos”, inc. IV, art. 2º), dando destaque ao papel de regulação (atuação indireta) sobre tais atividades. Esta promessa de estabilidade e segurança, contudo, não encontra, a priori, respaldo na estruturação jurídica do PPI, uma vez que a lei não detalha sua operacionalização nem regulamentação, que serão estabelecidas via decreto (como estabelece o art. 4º), norma cuja alteração depende exclusivamente de decisão do Presidente da República.

A lei altera, sem nomeá-lo (nomeando-o Procedimento de Autorização de Estudo – PAE), o Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI – para a estruturação integrada de empreendimentos integrantes do PPI. As alterações são relevantes e merecem ser comentadas.

A norma prevê, em seu art. 14, § 1°, a possibilidade de autorização única para a realização da chamada PAE, desde que o interessado renuncie à participação na execução do empreendimento. Ora, o regime estabelecido pelo Decreto n° 8.428/2015, de 02 de Abril de 2015[3], que dispõe sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse, estabelece competição entre os interessados em realizar projetos, levantamentos, investigações ou estudos com a finalidade de subsidiar a administração pública na estruturação de empreendimentos.  A alteração é polêmica, por limitar a isonomia entre os interessados em participar de tais procedimentos.

Por outro lado, os §§ 2° e 3°, art. 14, indicam a possibilidade de que os estudos realizados no bojo da PAE incluam “assessorias, inclusive de relações públicas, consultorias e pareceres técnicos, econômico-financeiros e jurídicos, para viabilizar a liberação e a contratação do empreendimento”, com complementações até a celebração da parceria, o que amplia, e muito, a participação do particular, quando comparado com o regime previsto pelo Decreto n° 8.428/2015.

Outra polêmica quanto à matéria é a previsão de que, além da compensação das despesas relativas aos estudos e demais serviços prestados através do PAE, o particular poderá ser “recompensado” pelos “riscos assumidos” e “resultados dos estudos”, como estabelece o § 3°, art. 14. A lei, contudo, não esmiúça a questão, portanto, deixa aberta a especificação quanto à natureza e à quantificação de ditos riscos e resultados, o que poderá ocasionar questionamentos quando da avaliação de tais procedimentos pelos órgãos de controle e, eventualmente, pelo Judiciário.

A lei confere ao BNDES um papel de destaque na estruturação das referidas parcerias, através da criação do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias. Na prática, a participação do BNDES em grandes empreendimentos de infraestrutura sempre foi determinante, tendo em vista sua capacidade de financiamento, o que já lhe garantia importante influência sobre a modelagem contratual a ser adotada. Portanto, as inovações aqui não são tão significativas como possam parecer à primeira vista.

Por fim, a lei trata da questão das liberações, permissões, registros etc. necessários à execução dos empreendimentos do PPI. Esta questão é de fundamental importância para o avanço mais adequado dos projetos de infraestrutura no país, sendo um dos aspectos principais para o descumprimento de cronogramas e orçamentos (via reequilíbrio econômico-financeiro) de obras públicas[4]. Contudo, mais uma vez, neste ponto, trata-se de mera exposição de boas intenções.

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Ora, o art. 17 da lei estabelece que

“Os órgãos, entidade e autoridades, inclusive as autônomas ou independentes, da União, dos Estados e dos Municípios (...) têm o dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos necessários à sua estruturação, liberação e execução”.

Entende-se por liberação, na forma do § 1°, art. 17:

“a obtenção de quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes especiais, e títulos equivalentes, de natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras, necessárias à implantação e à operação do empreendimento”.

Quanto a isto, é de se registrar que, apesar da louvável atenção conferida ao tema, cuja relevância é indiscutível, o tratamento conferido pelo diploma em análise em nada inova quanto à matéria.

Por um lado, a eficiência é princípio da Administração Pública, de hierarquia constitucional (na forma do art. 37 da CRFB/1988[5]), motivo pelo qual sua menção específica quanto à questão das liberações para empreendimentos de infraestrutura não possui qualquer consequência prática. Com efeito, todos os órgão públicos responsáveis pela emissão de tais liberações (de caráter ambiental, indígena, urbanística etc.) já estavam sujeitos a tal dever (ainda que não o venham cumprindo a contento). Por outro, não pode uma Medida Provisória expedida pelo Presidente da República estabelecer deveres para Estados e Municípios no que respeita ao funcionamento interno de sua máquina administrativa (ainda que, no caso, o dever mantenha caráter abstrato, sem especificações).

Portanto, da análise da nova Lei n. 13.334/2016, observamos que, conquanto se trate de uma carta de boas intenções, com possível efeito sobre as expectativas do mercado e de investidores privados, do ponto de vista jurídico e prático, os avanços parecem ser pequenos e, alguns deles, polêmicos, podendo enfrentar dificuldades de implementação pela resistência de órgãos de controle e, eventualmente, do Judiciário.


Notas

[1] BRASIL. Medida Provisória n° 727, de 12 de Maio de 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv727.htm>. Acesso em 14 de Junho de 2016.

[2] BRASIL. Exposição de Motivos - Medida Provisória n° 727, de 12 de Maio de 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Exm/Exm-MP-727-16.pdf>. Acesso em 14 de Junho de 2016.

[3] BRASIL. Decreto n° 8.428/2015, de 02 de Abril de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8428.htm>. Acesso em 14 de Junho de 2016.

[4] GLASSMAN, Guillermo. Sobrepreço em obras públicas. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4254, 23 fev. 2015. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/31932>. Acesso em: 14 jun. 2016.

[5] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 14 de Junho de 2016.

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Sobre o autor
Guillermo Glassman

Doutor e Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GLASSMAN, Guillermo. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).: Grandes promessas, questões polêmicas e poucos avanços reais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5053, 2 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49841. Acesso em: 28 abr. 2024.

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