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Sociedade em débito com sócio pode pedir recuperação judicial?

Posicionamento legal, doutrinário e jurisprudencial

05/07/2016 às 13:24
Leia nesta página:

Imagine a situação em que o maior credor de uma sociedade é o seu sócio controlador. O que deve ser feito?

Legitimidade para o pedido de recuperação judicial

A sociedade empresária que possuir os requisitos do art. 47[1] da Lei nº 11.101/05 e não possuir os impedimentos para a propositura do pedido, sendo esses encontrados no art. 48[2] da mesma lei, poderá propor recuperação judicial.

Estão sujeitos à recuperação judicial os créditos vencidos e vincendos, ou seja, as obrigações anteriores à recuperação judicial deverão ser cumpridas, a menos que o plano de recuperação apresentado pelo devedor estabeleça outras formas de cumprimento.

Há restrição para empresas públicas na recuperação judicial (Lei nº11.101) em seu art. 2º.

Entretanto, há divergências em relação ao tema, o professor Fábio Ulhoa Coelho preceitua:

“A lei prevê, no art. 2º, a exclusão completa e absoluta dessas sociedades. Em relação às hipóteses albergadas no inciso I, isso é verdade desde logo. A sociedade de economia mista e a empresa pública não estão sujeitas à falência, nem podem pleitear a recuperação judicial.[3]”.

Já o ex-ministro do STF Eros Grau expôs seu entendimento pela aplicação da lei falimentar somente às empresas públicas e sociedades de economia mista que exercem atividade econômica, ficando afastada a incidência às prestadoras de serviços públicos[4].


Crédito do sócio controlador perante a sociedade

Mútuo é crédito com garantia real, estando previsto no art. 83, II da Lei nº 11.101/05[5]. Entretanto, são classificados como créditos subordinados os créditos do acionista da companhia ou sócios que possuem o controle da sociedade e que, em vez de aportarem no capital social os recursos necessários à exploração do objeto social, optam por emprestá-los[6] ( art.83, VIII, b[7] da Lei nº 11.101/05[8]).

Os mútuos realizados pelo sócio controlador para a sociedade estão sim sujeitos à recuperação judicial, ou seja, a lei não faz restrições a esses, excluindo, sim, os créditos decorrentes de adiantamento em contrato de câmbio para exportação e aqueles de titulares da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio[9].


Do pedido da recuperação judicial

As tratativas anteriores com os credores perante a recuperação judicial não foram possíveis com relação ao nosso cliente. A praxe nessas situações é a de que o devedor que verifique sua situação de dificuldade inicie as tratativas com seus credores acerca da possível recuperação. Fernando Castellani[10] entende que o devedor empresário antes de protocolar a petição inicial ao juízo deve negociar com seus credores. Defende essa tese pois será importante para análise do plano proposto no processo.

Sérgio Guerrieri Rezende[11], professor e também desembargador do TJSP, entende que a aprovação do plano de recuperação judicial nada mais é do que uma novação, ou seja, as obrigações pendentes serão cumpridas de formas diversas às anteriores acordadas, sem prejuízo das garantias.

O desembargador segue o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho e coloca como restrições ou balizas para a recuperação judicial hipóteses não pertinentes a esse caso concreto[12].

O processo de recuperação é dividido em 3 grandes fases, segundo o Prof. Fabio Ulhoa Coelho: (i)postulatória ou do pedido; (ii) fase deliberativa; e (iii) fase executória.

Quanto à propositura da petição ao juízo, não há restrição quanto à qualidade dos credores. Em pesquisa de sociedades em processo de recuperação judicial, foi analisada como exemplo a listagem dos credores da Busscar Ônibus S/A, sociedade com sede em Joinville, que está em recuperação judicial, onde aqueles que possuem maiores créditos são os subquirografários, créditos de titularidade de sócios e de ex-sócios[13].

A petição para a Recuperação Judicial é relativamente simples, não fazendo referência alguma às formas de recuperação da atividade, a sociedade possuindo cunho empresarial[14], e o juiz, convencido dos requisitos legais, determinará assim o processamento, vale dizer, não concede, ainda, o benefício, mas apenas determina seu prosseguimento.

Os termos da lei nº 11.101/05, em seu artigo 47, segundo Marcelo M. Metoldi[15] , fundamentam-se nos princípios da preservação e função social da empresa, devendo o credor se sujeitar ao plano de recuperação e, desta forma, estabelecer uma situação de fato, que possibilite a sociedade cumprir suas obrigações e continuar o exercício da atividade empresarial.

Atendendo os requisitos legais do art. 282 do CPC com o art. 51 da Lei 11.101/05, o magistrado deverá acolher o pedido de recuperação judicial. Conforme já explanado anteriormente, a lei não condiciona o processamento do pedido com a procedência de seus débitos ou com tipos de credores, conforme o entendimento do Professor Luiz Tzirulnik[16]:

“O juiz pode deferir o processamento de recuperação judicial mediante a apresentação da petição inicial elaborada e instruída em estrita conformidade com a lei”.


Do processamento do pedido

Após o pedido, haverá a publicação do edital, e, ocorrendo qualquer objeção ao plano, o juiz convocará a Assembleia Geral para deliberar sobre o plano[17](art.55 da Lei 11.101/05). Nesta a lei impõe limitação a alguns credores, inclusive restrição ao sócio majoritário, ou seja, sem objeções dentro do prazo legal, haverá já sentença de procedência do pedido; ocorrendo objeção, somente será aprovada após aprovação da assembleia geral.

A assembleia geral será constituída por 4 (quatro) classes de credores, sendo assim constituída:

Classe I – Titulares de créditos trabalhistas (art.41, I da Lei nº11.101/05)

Classe II – Titulares de créditos com garantia real (art. 41, II da Lei nº11.101/05)

Classe III – Titulares de créditos quirografários, privilégio especial, geral ou subordinados, estando portanto o sócio majoritário mutuário nessa classe. (art. 41, III da Lei nº11.101/05)

Classe IV - Titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. (art. 41, IV da Lei nº11.101/05, que votam igualmente a classe I, independentemente do valor §1º do mesmo artigo).

As classes deliberarão sobre o plano de recuperação judicial apresentado pela sociedade empresária, entretanto, no caso de sócio com participação maior do que 10% na sociedade, e que possui crédito perante a requerente da recuperação judicial, somente terá o direito de participar, mas não o de deliberar sobre o plano (art. 43, II da Lei nº11.101/05) .

Sobre esse assunto o prof. Fábio Ulhoa Coelho leciona:

“A limitação dos direitos desses credores na Assembléia decorre do conflito de interesses patente na simultaneidade das condições de investidores da sociedade devedora (ou pessoas a eles ligadas) e credores dessa. O conflito de interesses impede que seu voto contribua para a formação da vontade geral dos credores”.[18]

No agravo de instrumento 554.611-4/9-00[19], o TJSP decidiu que o impedimento de voto, preceituado no art. 43 da Lei nº11.101/05, atinge não somente o voto favorável ao plano de recuperação, mas também o contrário à sua aprovação.

No mesmo sentido, o professor Fábio Ulhoa Coelho aprofunda ainda mais o tema:

“Deste modo, o voto de credor impedido nos termos do art. 42 da LF não pode ser computado pela mesa da assembléia. Havendo dúvida relevante que justifique a apreciação judicial do impedimento, o voto deve ser apropriado em separado pela mesa, vale dizer, registrando-se em ata seu conteúdo, mas desprezando-o no cômputo final da deliberação[20]”.

Para o credor ter direito ao voto do plano, esse teria que “ceder” o seu crédito. Existem divergências doutrinárias e jurisprudências para essa possibilidade.

Alexandre Alves Lazzarini esclarece que o direito de voto é um atributo do credor originário:

“Condição personalíssima do credor originário, ou seja, daquele que forneceu produtos, serviços ou capital à empresa em crise, e assim não negociável, não se confundindo com um acessório, ou seja, juros e outros encargos trabalhistas”[21].

Porém, esse entendimento não é o mesmo da Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, conforme Agravos de Instrumentos de ns. 431.567-4/0-00, 430.714.4-00 e 433.182.4/7-00[22], possibilitaram o voto na Assembleia Geral para credores não originários.

Caso o plano de recuperação seja rejeitado pela assembleia de credores, o Juiz deverá decretar falência, porém, como exceção, poderá conceder a recuperação judicial do devedor caso o plano de recuperação judicial possua os requisitos do art. 58[23], §1º, da Lei 11.101/05, conforme elucida o professor Luiz Tzulrunick:

“Para a efetividade dessa possibilidade, o plano de recuperação judicial deve obter cumulativamente:

1.o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, a despeito da classe de credores a que pertençam;

2.a aprovação de 2 (duas) das classes de credores, se as três estiverem presentes à assembléia;

3.aprovação de uma classe de credores, se houver duas classes votantes na assembléia geral. na classe que o houver rejeitado,

4.o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores da classe que o tiver rejeitado.”.


Conclusão

A sociedade empresária que se encontra em débito com o sócio controlador poderá propor o pedido de recuperação judicial, não existindo nenhuma restrição na Lei e nem nos tribunais quanto à qualidade do credor.


  1. Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 

  2. Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

    § 1o A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.

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    § 2o Tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente. 

  3. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas, pág 71 

  4. GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 142. 

  5.        Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; 

  6. Fábio Ulhoa Coelho, Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas, pág. 320 

  7. b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício. 

  8. VIII – créditos subordinados, a saber:        b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício. 

  9. Lei 11.101/05 Art.49, §4º e §5º 

  10. Col Prática do Direito 03 - A Empresa em Crise Falência e Recuperação Judicial de Empresas, 1ª EDIÇÃO. Saraiva, 2007. pág 111) 

  11. Faculdades Metropolitanas Unidas 

  12. (i)empregados: devem ser pagos em 1 ano; (ii) fiscal: deve ser pago de acordo com a lei fiscal, está ainda pendente essa lei, não foi aprovada ainda; (iii) possibilidade de as financeiras/bancos retirarem a restrições relacionadas com hipoteca, penhor e anticrese para facilitar a recuperação; (iv) moeda estrangeira é transformada em moeda nacional. 

  13. http://www.clicrbs.com.br/pdf/15463329.pdf 

  14. CC/02 Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. 

  15. Curso Avançado de Direito Comercial, 7ª edição, Revista dos Tribunais pág 538 

  16. Recuperação de empresas e falências perguntas e respostas, 5ª Ed., Revista dos Tribunais pág. 116 

  17. Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contados da publicação da relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei. 

  18. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas, pág. 166 

  19. http://www.jusbrasil.com.br/diarios/16037976/pg-181-judicial-2-instancia-diario-de-justica-do-estado-de-sao-paulo-djsp-de-06-02-2008 

  20. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas, pág 166 

  21. Reflexões sobre a recuperação judicial de empresas, Ed. Quartier Latin do Brasil, pág. 131 

  22. Agravos de Instrumentos, autorizaram a participação, de credores não originários com direito de voz e voto dos agravantes nas Assembleias de Credores da Parmalat Participações. 

  23. Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei. 

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Sobre o autor
Luís Guimarães

Advogado - Sócio Fundador do escritório Apolinário & Guimarães Advogados em São Paulo -SP. Especialista em Direito Societário pela FGV Law | www.apolinarioguimaraes.com.br | (11) 2450-7390 | [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Luís. Sociedade em débito com sócio pode pedir recuperação judicial?: Posicionamento legal, doutrinário e jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4752, 5 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50182. Acesso em: 23 abr. 2024.

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