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A tutela provisória de urgência como instrumento efetivo de garantia da jurisdição eleitoral e do equilíbrio na propaganda antecipada

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Pelo poder de polícia eleitoral, os magistrados podem agir ex officio ou por provocação de eleitores, partidos políticos e do Ministério Público Eleitoral, p. ex., expedindo mandados de busca e apreensão evitando a distribuição prematura de material de campanha.

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, inúmeras mudanças foram trazidas, em especial, a expressa previsão da aplicação subsidiária ou supletiva do Código de Processo Civil à seara do Direito Eleitoral.

Referida novidade permite que diversos institutos processuais possam ser pensados, estudados e, de fato, aplicados nessa Justiça especializada.

Nesse contexto, o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral expediu a Resolução nº 23.478, de 10 de maio de 2016 com o objetivo primordial de tratar sobre a aplicabilidade de determinados institutos jurídicos processuais no âmbito da normatividade especial eleitoral considerando uma integração sistemática.

O artigo 14 da norma regulamentar assim dispõe:

Os pedidos autônomos de tutela provisória serão autuados em classe própria. Parágrafo único. Os pedidos apresentados de forma incidental em relação a feitos em tramitação serão encaminhados à autoridade judiciária competente, que determinará a sua juntada aos autos principais ou adotará as providências que entender cabíveis.

E o artigo 21 assim versa:

Até que seja criada a nova classe processual prevista no art. 14 desta Resolução, os pedidos de tutela provisória serão autuados, no Processo Judicial Eletrônico, na classe Ação Cautelar.

Com efeito, o artigo 294 do Código de Processo Civil de 2015 trata da tutela provisória que pode ser: de urgência ou evidência.

A tutela de urgência, que pode ser satisfativa ou cautelar, é aquela prevista no artigo 300, e parágrafos, do Código de Processo Civil e pressupõe a “probabilidade do direito”, o “perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” e a ausência de “perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.

Como dito, tenha-se presente a aplicação supletiva ou subsidiária da tutela provisória, em especial a de natureza inibitória, na Justiça Eleitoral (artigo 15 da lei processual civil).

A aplicação supletiva incide na ausência da norma que será colmatada, enquanto que a subsidiariedade completa o arcabouço jurígeno.

A tutela dita inibitória é aquela que tem por fim evitar a ocorrência de um ato contrário ao direito ou impedir a sua continuação, ou seja, trata-se de uma tutela contra o ilícito, e não contra o dano.[1]

Cumpre-nos assinalar que em razão da redução do tempo de propaganda política eleitoral, que é permitida somente a partir do dia 16 de agosto do ano de eleição (artigo 36 da Lei nº 9.504/97, redação dada pela Lei nº 13.165/2015), infere-se que pleiteantes a pré-candidaturas, por si ou por interpostas pessoas, antecipam atos cuja feição amolda-se a prática de abusos do poder econômico ou político.

Tais condutas são realizadas em razão de uma das principais mudanças trazidas pela “minirreforma eleitoral”, que é o denominado “período pré-campanha”, expresso no artigo 36-A, da Lei nº 9.504/97, onde foram autorizados alguns atos, que não serão considerados como de propaganda antecipada irregular, entre os quais: a menção a pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais de pré-candidato, se não houver o pedido explícito do voto.

No que pertine a fiscalização, nas eleições municipais, v.g., os Tribunais Regionais Eleitorais designam por resoluções eleitorais juízos eleitorais com essa competência no que se refere à propaganda política eleitoral.

Cabe ressaltar que, na inserção do poder de polícia eleitoral, os magistrados podem agir ex officio ou por provocação de eleitores, partidos políticos e do Ministério Público Eleitoral (Promotores Eleitorais), v.g., expedindo mandados de busca e apreensão evitando a distribuição prematura de panfletos com pedidos de futuros votos.

Registre-se que a eficácia da tutela jurisdicional eleitoral no âmbito da competência do poder de polícia é de natureza satisfativa e exauriente, pois esse específico magistrado não é o que possui competência para o processo e julgamento das representações relativas ao descumprimento da Lei nº 9.504/97, nem para a cassação do registro ou diploma. São competências diversas em razão da matéria.

 No entanto, emergem situações factuais que necessitam de uma maior garantia da eficiência da jurisdição eleitoral, preservando-se o equilíbrio não apenas no período permitido de propaganda política eleitoral, mas, exatamente, no espaço temporal antecedente, ou seja, antes do dia 16 de agosto do ano de eleição e até mesmo antes do prazo de realização das convenções partidárias (entre os dias 20 de julho e 5 de agosto do ano de eleição, artigo 8º da Lei nº 9.504/97), no denominado “período pré-campanha”.

A eficácia da tutela provisória inibitória, que visa reprimir a ocorrência do ilícito eleitoral, reside no fato de que: i) pode ser antecedente ou incidente; ii) são de cognição sumária; iii) obstaculiza ações que poderiam ser perpetuadas no tempo; iv) são revogáveis; v) a concessão da tutela possui natureza de decisão interlocutória ( artigo 10.15, I, do Código de Processo Civil); vi) interposto o recurso de agravo de instrumento a decisão dessa tutela ainda produz efeitos até ulterior revogabilidade; e vii) a decisão do magistrado concedendo a tutela provisória o autoriza a adequar com critério de proporcionalidade a melhor eficácia em razão do tipo de propaganda, ou seja, é a adaptação ao caso concreto.

Ademais, cabe observar que, embora a possibilidade da aplicação do instituto da tutela provisória possua previsão específica no procedimento comum e em alguns procedimentos especiais, não há qualquer óbice, de natureza legal ou constitucional, para sua concessão no procedimento eleitoral, desde que preenchidos os requisitos trazidos pelo Código de Processo Civil, nos artigos 300, 303, 305 e 311.[2]

No que diz respeito à competência, segundo o artigo 299 do Código de Processo Civil, a tutela é “(...) requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal”.

Nesse rumo, é possível a concessão de uma tutela de urgência em razão do periculum in mora em função de casos especiais.

Por exemplo.

  1. O aspirante a pré-candidatura de Prefeito recebe o apoio político eleitoral do atual Prefeito, no mês de maio do ano de eleição, por meio de promessa de que em junho ocorrerá a distribuição de bens ou serviços do Município. Trata-se de conduta vedada prevista no artigo 73, IV da Lei das Eleições; e
  2. O aspirante a pré-candidatura de vereador consegue junto ao Prefeito do seu mesmo partido a garantia de que no mês de junho do ano de eleição poderá utilizar reiteradamente prédio da municipalidade, o que enseja a aplicação do artigo 73, I da Lei das Eleições.

A tutela provisória de urgência, de caráter inibitório, pode ser pleiteada perante o juízo competente para a representação por conduta vedada, que não é o mesmo magistrado que exerce a competência defluente do poder de polícia da fiscalização da propaganda política eleitoral.

Observa-se que, o juízo da fiscalização da propaganda eleitoral poderá conceder uma tutela cautelar, mas a sua jurisdição não o autoriza a julgar a representação por conduta vedada aos agentes públicos, por seguir o procedimento previsto no artigo 22, incisos I a XIII, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990; porque a competência nesse caso desloca-se para outro juízo, ou seja, o das representações que ensejam a cassação do registro ou diploma em função das sanções dos parágrafos 4º e 5º do artigo 73 da Lei das Eleições.

 A tutela provisória, aqui tratada, em razão do artigo 299 do CPC, deve ser requerida ao juízo da causa que não é o juízo da fiscalização da propaganda política eleitoral.

Leciona Teresa Arruda Alvim Wambier, in expressi verbis: “(...) é possível para as tutelas de urgência, porquanto tanto a cautelar quanto a tutela antecipada podem ser requeridas em caráter antecedente (arts. 305 e 303, respectivamente), mas não para a tutela de evidência, a qual demanda, necessariamente, um processo preexistente para ser requerida.

Assim, quando for o caso de tutela de urgência antecedente, o requerimento deverá ser formulado perante o juízo competente para conhecer do pedido principal. A particularidade digna de nota diz respeito à parte da doutrina que reconhece, diante da urgência, a possibilidade de um juiz, mesmo incompetente, conceder uma tutela cautelar”.[3]

Na disquisição do tema, a tutela provisória de urgência é concedida pelo juízo das representações especiais, competente para o processo e julgamento de casos em que incidem os artigos 30-A, 41-A, 73, 74, 75 e 77 da Lei nº 9.504/97, pois se observa o rito estabelecido no artigo 22 da Lei das Inelegibilidades.

Saliente-se, ainda, a possibilidade de estabilização dessa tutela de urgência em razão do que versa o artigo 304 do Código de Processo Civil, quando a parte não recorre da decisão, o que não impede uma futura revisão da própria decisão, quando já extinto o processo no prazo de 2(dois) anos, na forma do §5º do citado artigo.

A estabilização da tutela provisória de urgência acaba por inibir as tentativas de atos, pela chefia do Poder Executivo, e.g., no intuito de favorecer determinada candidatura ainda que dissimuladamente, ou, até mesmo, a conduta de pretensos candidatos que buscam utilizar o período pré-campanha para desvirtuar os mandamentos do art. 36-A, da Lei nº 9.504/97, realizando verdadeira campanha antecipada.

Desse modo, e.g., nas eleições municipais, o Promotor Eleitoral ou o Partido Político  possuem uma eficaz alternativa processual que é postular perante o juízo das representações especiais, com lastro em suporte probatório mínimo, pleiteando a efetiva concessão da tutela provisória de urgência, independentemente das eventuais decisões oriundas de outro magistrado com competência para a fiscalização da propaganda política eleitoral, quando, evidentemente, se perscrutar que nem sempre a decisão do juízo da propaganda terá durabilidade e inibirá a futura ação ilegal que será praticada em benefício de determinada candidatura.

Tem-se que se o agente público, terceiro e o aspirante a futura candidatura objetivam praticar atos subjetivamente idealizados de abuso do poder econômico ou político, condutas vedadas ou compra de votos, o legitimado ativo para essas representações poderá se antecipar e pleitear a tutela provisória de urgência neutralizandos-os.

No polo passivo devem constar os mesmos legitimados da representação especial, inclusive o Partido Político beneficiado, considerando que em alguns casos é possível a aplicação da multa eleitoral.

Noutros termos, nem sempre deverá o legitimado ativo valer-se da representação por propaganda antecipada, pois essa pressupõe, de alguma forma, a consumação do ato ilegal com a sanção de multa, até porque a aplicação reiterada de multas eleitorais nem sempre seguem um critério proporcional e em alguns casos são ineficazes para inibir a ação contra legem.

Considerando esse panorama, devemos aplicar o princípio processual da adequação jurisdicional, que tem como norte que o processo seja flexibilizado, adequando-se em concreto às peculiaridades da causa, visando, de forma proporcional e razoável, atingir o fim a que se destina.

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Assim, a tutela de urgência antecedente é de natureza inibitória conservativa e se afigura mais apropriada na manutenção do equilíbrio eleitoral, pois dependendo do momento do calendário eleitoral, o legitimado ativo poderá requerê-la ao juízo eleitoral competente.

Afastado o processo autônomo cautelar, o legitimado ativo deverá cumprir o artigo 308 do CPC, formulando o pedido principal no prazo de 30(trinta) dias, após a efetivação da tutela cautelar.

Por sua vez, concedida a cautelar, o legitimado ativo só disporá do prazo de 30 (trinta) dias para formular o pedido principal, mas por requerimento expresso, da mesma forma, o juízo eleitoral poderá ampliar esse prazo em razão da complexidade do fato e, em especial, por ser uma questão de garantia da ordem pública eleitoral.

A interpretação legal e restritiva de que o autor deve formular o pedido principal em 30(trinta) dias, inviabiliza a propositura da tutela de urgência v.g., nos meses de abril, maio, junho e até julho do ano de eleição, diminuindo a eficácia da proteção jurisdicional eleitoral.

Desse modo, o juízo competente poderá dilatar o prazo para a formulação do pedido principal valendo-se da regra insculpida no artigo 139, inciso VI do Código de Processo Civil, que, como dito, autoriza a flexibilização e adequação procedimental.

Cumpre destacar que as representações especiais só podem ser propostas com o requerimento de registro de candidatura, sendo o último dia para essa subfase eleitoral, 15 de agosto do ano de eleição.

Assim sendo, nem sempre o legitimado ativo poderá cumprir rigorosamente o prazo processual civil, pois ainda não surgiu o momento processual eleitoral viável à aceitação da representação específica.

A fortiori, cumpre ao magistrado por razões de ordem pública que consubstancia a questão de fundo da propaganda política eleitoral eleitoral, autorizar um prazo de maior dilatação processual que se possa compatibilizar, se for o caso, a deflagração inicial da representação, v.g., por conduta vedada ao agente público, ação de captação ilícita de sufrágio ou ação de investigação judicial eleitoral.

Em virtude dessas considerações, a tutela provisória de urgência é um instrumento processual de alta relevância que previne e assegura a legitimidade na propaganda, em razão de ações intencionais e preordenadas voltadas para a desestabilização da igualdade entre possíveis candidaturas; além de significar uma alternativa processual para as multas impostas em decorrência de propaganda antecipada.

As multas aplicáveis em função de atos considerados como propagandas antecipadas demonstram ser excessivas para uns e até mesmo ineficientes para outros, pois se o infrator possui elevada condição econômica acaba agindo reiteradamente em sucessivas condutas ilegais.

Na análise de multíplices casos concretos a multa se torna uma sanção desproporcional ou ineficaz, pois dependerá do poder econômico da candidatura.

Ademais, conforme previsão do artigo 297, e parágrafo único, do Código de Processo Civil, no que se refere às medidas para garantia da efetividade do instituto da tutela provisória inibitória, “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas”, observando-se “as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber”.

Tal previsão, nada mais é, do que a garantia que o legislador concedeu ao magistrado, no exercício da função judicante, abarcando a eleitoral, exteriorizar o seu poder geral de cautela e de efetivação, com a possibilidade da adoção de todas as medidas provisórias idôneas e necessárias para a satisfação ou acautelamento adiantados de um direito.[4]

Com acerto, fazendo uma interpretação dos princípios norteadores e evolutivos do processo civil (neoprocessualismo[5]), a alternativa emerge pela inexorável concessão da tutela provisória de urgência, de caráter inibitório, que assegurará o verdadeiro equilíbrio da competição política eleitoral servindo de inibição real para tentativas ou reiteradas ações ilegais.

  Cumpre reconhecer que, a antecipação do prazo para a deflagração das representações especiais decorre da aplicação dos princípios regentes do direito processual na seara Eleitoral, em especial o da adequação jurisdicional, na efetivação da tutela de urgência, o que possibilita uma segurança e confiabilidade recíproca entre a tutela jurisdicional e os limites que devem ser criteriosamente observados na propaganda política eleitoral.


Notas

[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015. p. 598-599.

[2] Ibidem. p. 576.

[3] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil, artigo por artigo. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 494.

[4] DIDIER JR., Ob. cit. p. 589.

[5] Idem. p. 42.

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Sobre os autores
Amilton Augusto Kufa

Advogado. Integrante da Kufa Sociedade de Advogados. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho – Rio de Janeiro e em Direito Público pela Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – AMPERJ, em parceria com o Instituto Superior do Ministério Público - ISPM.<br>Membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP. Membro fundador e Coordenador de Comunicação e Eventos da Instituição Brasileira de Direito Público - IBDPub.

Marcos Ramayana

Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Coordenador das Promotorias Eleitorais e assessor parlamentar do Procurador-Geral de Justiça e auxiliar do Procurador Regional Eleitoral no Estado do Rio de Janeiro. Ex-integrante da banca examinadora do Concurso de Ingresso na Carreira do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Professor de Direito Eleitoral da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Professor convidado da Pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas – FGV-RJ. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ e da Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – AMPERJ. Ex-Procurador do Estado de São Paulo. Palestrante do tema Direito Eleitoral e Autor das obras Direito Eleitoral; Legislação Eleitoral Brasileira; Resumo de Direito Eleitoral e Direito Eleitoral – Questões Objetivas Comentadas e Questões Discursivas Resolvidas, todos publicados pela Editora Impetus.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KUFA, Amilton Augusto ; RAMAYANA, Marcos. A tutela provisória de urgência como instrumento efetivo de garantia da jurisdição eleitoral e do equilíbrio na propaganda antecipada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4768, 21 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50730. Acesso em: 19 abr. 2024.

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