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O contrato de cartão de crédito à luz do Código de Defesa do Consumidor

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20/04/2004 às 00:00
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VII - OS ASPECTOS POLÊMICOS DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO

Ao revés de suas vantagens, que é fornecer crédito imediato, facilitar as transações comercias, apresentar maior segurança em relação ao porte de dinheiro ou cheque, a utilização inadequada do cartão de crédito pode trazer alguns desconfortos ao seu titular, como a responsabilidade por compras realizadas antes da data do comunicado da perda, furto, roubo ou extravio do plástico ao Emissor; a cobrança de altas taxas de encargos caso deseje financiar o saldo devedor remanescente; a apresentação da fatura como prova de dívida líquida, certa e exigível.

E tais inconvenientes têm que ser suportados se o titular solicitou o cartão de crédito e autorizou sua emissão, pois caso contrário, ainda estará recebendo um produto que não requisitou por não ser de seu interesse e, mais, caso não proceda ao cancelamento tão logo lhe seja possível, ainda arcará com o ônus da taxa de manutenção do cartão, isto é, a anuidade.

Negativação Indevida

No direito de informação, legalmente previsto no artigo 5º, XIV, da Constituição Federal de 1998, e no intuito de defender o instituto do crédito bancário, cuja solidez apresenta-se como pressuposto a uma normal economia de mercado (CF, art. 192), é que a existência de bancos de dados e de cadastros de consumidores, nos quais são relacionados os devedores inadimplentes ou de duvidosa solvabilidade, encontra sua fundamentação.

A legitimidade de sua origem vem, inclusive, abonada pelo artigo 43 do Código do Defesa do Consumidor, assim como pela Lei n. º 9.507, de 12/11/97, a saber, para este último:

Art. 1º: VETADO

Parágrafo Único. Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.

Como bem ensina o mestre Humberto Theodoro Júnior, "anotar, portanto, a conduta de certo cliente no cadastro do SERASA é operação de rotina que jamais poderá ser vista como ato ilegal ou abusivo, mesmo porque a atividade bancária tem, nos dados sigilosos do cadastro de seus clientes, o principal instrumento de segurança da atividade creditícia que desempenha. Na verdade, nenhum estabelecimento de crédito pode prescindir do apoio de rigoroso controle cadastral sobre a idoneidade moral e patrimonial dos seus mutuários, em virtude da própria natureza das operações que constituem a essência de sua mercadoria".(Responsabilidade Civil, Ed. Aide, 4ª Ed., 1997, vol. I).

Não obstante, tal assentamento requer que certos cuidados sejam adotados, mormente para que constrangimentos indevidos não recaiam sobre o devedor. Para tanto, Eduardo Arruda Alvim sabiamente aduz que "os arquivos que contenham dados sobre consumidores, só devem ser utilizados diante de situações que, concretamente, o exijam, pelo fornecedor que o solicitar, e não por qualquer pessoa" (Código do Consumidor Comentado, RT, 2ª Ed.).

Uma vez incluído nas listas impeditivas dos Órgãos de Proteção ao Crédito, pode o devedor requerer, por via cautelar ou de antecipação de tutela, o cancelamento do registro ou que a instituição financeira se abstenha de fazer tal inclusão. Este procedimento é muito comum nas ações revisionais de contrato que versem sobre a existência de cláusulas abusivas, a cobrança excessiva de juros ou a não observância de índices de correção monetária supostamente adequados. Não há se olvidar, ainda, as ações em que despesas são contestadas por terem sido concretizadas com cartões perdidos, furtados, roubados ou extraviados.

É neste momento que surge um impasse para o Judiciário, qual seja, analisar se a discussão em juízo do quantum da dívida contratualmente assumida apresenta-se como fator impeditivo do cadastramento do devedor nos Órgãos de Proteção (ou Restrição) ao Crédito.

Destarte, antes de qualquer consideração ser efetuada, interessante se faz esclarecer quais são os principais Órgãos de Proteção ao Crédito e suas funções.

A mais requisitado pelas Instituições Financeiras e Administradoras de Cartões de Crédito é a Serasa – Centralização de Serviços de Bancos S/A. Trata-se de uma empresa de análises e informações econômico-financeiras e cadastrais, cujo escopo primordial é apoiar decisões de crédito e de negócios.

Criada em 1968 pelos Bancos para centralizar informações, possuindo o objetivo de racionalizar custos administrativos e obter incrementos qualitativos de especialização, a Serasa, principalmente nesta última década, estendeu sua atuação para todos os setores da economia.

Em seu banco de dados há informações negativas (registros de pendências financeiras) e positivas (registros sobre hábitos de pagamento) coletadas em cartórios de protestos, distribuidores judiciais, juntas comerciais, Banco Central, publicações oficiais, registros públicos, Instituições Financeiras e outras empresas, sobre todos os consumidores com alguma atividade econômica em todo território nacional, bem como de todas as empresas legalmente constituídas no Brasil, o que atualmente perfaz cerca de 8,9 milhões, dentre as quais 5,3 milhões em atividade.

A Serasa não torna público seu cadastro; tão somente os fornece aos associados, conforme determinado em seu estatuto, quando especificamente solicitados, visando com isso proteger o crédito bancário como um bem em si mesmo, de valia inestimável numa economia exclusiva ou predominantemente capitalista.

Ad latere a Serasa, há o Serviço Nacional de Proteção ao Crédito, popularmente conhecido como SPC, formado por um arquivo de dados mantido pelas Câmaras de Dirigentes Lojistas, e cuja finalidade é, também, facilitar e dar maior segurança às operações mercantis, de serviços e financeiras.

Quanto ao registro nas listas impeditivas dos Órgãos de Proteção ao Crédito, inúmeros são os entendimentos da manutenção do nome do devedor enquanto se mantiver pendente ação judicial, sendo que a grande corrente jurisprudencial apresenta-se favorável à exclusão do registro negativo, como o Superior Tribunal de Justiça, por meio de suas 3ª e 4ª Turmas, que tem se manifestado a respeito:

"... O que se dessume dos princípios constantes desses lineamentos jurisprudenciais é que sem efetivo risco para o credor, a este não convém o registro em comento, mormente quando a dívida de que cogita é objeto de discussão em ações propostas pelo devedor, com a viabilidade do depósito ou caução dos valores sub judice…" (trecho do Resp. n. º 161.151/SC – Min. Presidente Costa Leite e Min. Relator Waldemar ZVEITER, votação unânime).

A contrariu sensu, Athos Gusmão Carneiro menciona em seu parecer que "a simples circunstância de o devedor haver proposto ação revisional do contrato de financiamento, ou de haver em juízo nomeado bens à penhora e embargado a execução, tais circunstâncias não afastam a licitude da manutenção do nome do devedor nos cadastros da Serasa ou entidades congênere".

Diante dessa controvérsia, e no intuito de evitar repercussões futuras, a Serasa faz constar atualmente em seus registros, mediante a solicitação de seu associado, a informação de existência de discussão judicial sobre aquele débito, desde que este esteja sendo, por certo, nesta condição.

Neste sentido, o SPC já previa no art. 19 de seu regulamento nacional, baixado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, a não inclusão ou a baixa do registro, "caso exista comprovado litígio judicial, acionado pelo devedor, sobre a certeza da dívida (…)" (g.n.).

Mais recentemente, o ilustríssimo juiz federal da 22ª Vara Federal Cível de São Paulo, Dr. Luciano de Souza Godoy, decidiu em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra a Serasa e o Banco Central, que no tocante a pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas em qualquer parte do território nacional, a Serasa deverá, sob pena de aplicação de multa para caso de descumprimento, excluir de seu banco de dados, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, todos os registros de débitos que estejam sendo discutidos judicialmente quanto à existência ou extensão da dívida; informar aos devedores já cadastrados, ou que venham a ser, acerca do direito de requerer a suspensão do registro se discutirem a dívida em juízo; e abster-se de incluir registros de débitos que estejam sendo discutidos judicialmente, de qualquer forma e em qualquer instância, até o trânsito em julgado da decisão final. Ao Banco Central foi incumbida a responsabilidade de informar a todas as instituições financeiras da existência da ação e do teor de sua decisão.

O último entendimento a respeito da matéria veio da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, constituída da Terceira e Quarta Turmas, sendo que em ação movida por um comerciante contra a empresa administradora American Express, na qual se contesta a incidência de juros em dívida contraída em parte em dólar norte-americano com cartão de crédito, concedeu o ministro Nilson Naves liminar em medida cautelar impedindo a inclusão do nome do devedor no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e Serasa, alegando o jurista que a negativação constituiria constrangimento e ameaça, que são vedados pela Lei 8.078/90.

Ainda que o mérito da medida cautelar ainda não tenha sido apreciado pela Terceira Turma do STJ, o juízo de que nenhum devedor de cartão de crédito pode ter o seu nome incluído na lista dos maus pagadores se a dívida ainda estiver sendo discutida na Justiça já foi aceito pela maioria dos magistrados.

Há se concluir, diante das decisões vistas, que na verdade o que tem originado o maior número de ações nas quais se discute a inclusão indevida de devedores nos Órgãos de Proteção ao Crédito contra um Banco ou Administradora de Cartão de Crédito não é propriamente a inclusão, mas a sua causa.

Por conseguinte, interessante seria que as Instituições Financeiras ou Administradoras de Cartão de Crédito, antes de efetivarem o registro negativo, comunicassem previamente ao devedor que seu nome está sendo incluído nas listas impeditivas, guardando-se o comprovante da comunicação pelo prazo de 20 (vinte) anos, assim como requeressem a exclusão do nome do devedor dos Órgãos de Proteção ao Crédito em que foi incluído tão logo haja comprovação da regularização do débito ou conhecimento de ação judicial em trâmite discutindo o débito.

Isto porque a inclusão gera para o devedor uma restrição ao crédito e, quando indevida, pode tornar-se fonte para indenização por danos morais, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. º 51158-5 – ES, relator Ministro Ruy Rosado, in verbis:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. BANCO. SPC. DANO MORAL E MATERIAL. PROVA. O banco que promove a indevida inscrição do devedor no SPC e em outros bancos de dados responde pela reparação do dano moral que decorre dessa inscrição. A existência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular (…)" (DJU de 29/05/95, pág. 15520).

Certamente, quando a restrição não for devida e tornar-se constrangedora para o devedor, e este se socorrer de ação alegando danos morais, "a indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, considerando que se recomenda que o arbitramento deva operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atendo à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e as peculiaridades de cada caso", conforme sabiamente lecionado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo (DOU de 05/10/98, pág. 102).

O que não se pode é permitir que as indenizações por danos morais de transformem em uma fonte de enriquecimento sem causa, dando ensejo a pagamentos milionários por situações que, além de descaracterizarem a reparação do constrangimento, do sofrimento, da dor, apresentam-se deveras desproporcionais.

Nesta linha de sentido, conforme sabiamente leciona o Eminente Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Responsabilidade Civil, "só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos".

Cláusula Mandato

A cláusula mandato inserida nos contratos de cartão de crédito permite ao emissor, em nome do associado, por meio de procuração com poderes especiais, negociar e obter crédito junto às instituições financeiras, assinar contratos de financiamento, abrir conta e movimentar os valores financiados, acertar prazos, juros e encargos da dívida, repactuar taxas de juros, emitir títulos representativos do débito perante instituições financeiras, ou, ainda, substabelecer, no todo ou em parte, o mandato outorgado.

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Explica-se melhor: o emissor do cartão de crédito, quando for empresa administradora não integrante do sistema financeiro nacional, recorre à cláusula mandato para financiar os saldos devedores eventualmente não liquidados na data do vencimento das faturas, ou quando o associado opta em parcelar o débito oriundo da utilização do cartão de crédito. Tal financiamento se faz necessário posto que, independentemente do recebimento do saldo devido por cada associado, o emissor tem que efetuar o pagamento das transações efetuadas por seus associados junto à rede de estabelecimentos comerciais filiados.

Essa operação, estritamente financeira, deve ser, posto que não há outra forma, visualizada de forma global. Os financiamentos obtidos pelo emissor são efetuados em grandes blocos, dependendo do montante a ser financiado. A taxa de financiamento, portanto, é oscilante na medida em que, quanto maior o volume tomado para recurso, melhor apresenta-se a taxa de financiamento obtida.

Portanto, os percentuais cobrados pelos emissores de cartões de crédito são resultantes dos custos incidentes, como o de captação (juros, comissões e tributos), de processamento (manutenção da conta cartão), ou ainda de garantia (obtenção de linha de crédito junto às instituições financeiras).

Isto posto, nas situações de atraso do pagamento do saldo devedor conseqüente da utilização do cartão de crédito são cobrados pelo emissor encargos de financiamento nos moldes praticados pelo mercado, posto que, como dito anteriormente, não há regulamentação específica sobre a matéria.

O entendimento da validade da cláusula mandato foi aceita pelo Judiciário Brasileiro até bem pouco tempo, e no que se refere à emissão de nota promissória e letra de câmbio, há até mesmo a Súmula 6 editada pelo Tribunal de Alçada do Paraná.

A propósito, em razão de Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a ABECS – Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Créditos e Serviços e o Departamento de Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, a cláusula mandato foi absolutamente mantida pelo Órgão, restando apenas aos emissores de cartão de crédito a obrigação de divulgar pelo menos uma vez, aos titulares de cartão, a denominação dos itens que compõem o custo de financiamento e a divulgação mensal dos percentuais dos encargos de financiamento do mês em referência e os previstos para o próximo mês. Assim sendo, o emissor faz, geralmente, constar discriminados nas faturas mensais encaminhados aos associados os percentuais que incidiram sobre o saldo devedor.

Malgrado o exposto, o maior questionamento quanto à cláusula mandato é que ela beneficiaria tão somente o mandatário, inexistindo, pois, qualquer benefício para o mandante, não correspondendo, conforme esclarece Carlos Alberto Etcheverry, "nos deveres das administradoras em buscar as melhores taxas, necessariamente menores do que as que seriam obtidas pelo próprio consumidor, em face da idoneidade e porte econômico das mandatárias, e de prestar contas precisas do resultado de sua diligência" .

É justamente fundado neste raciocínio que, apesar do acordado entre a Secretaria de Direito Econômico e a ABECS, o Superior Tribunal de Justiça e demais Órgãos do Judiciário têm tomado suas decisões, no sentido de aceitar os pedidos de nulidade da cláusula mandato e de restituição dos valores cobrados indevidamente.

Aliás, recentemente o Quarto Juizado Especial Cível da Comarca de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, determinou que fosse devolvido a um titular de cartão de crédito o que fora irregularmente cobrado, haja vista a falta de comprovação de que o empréstimo havia sido contraído pelo emissor com o escopo de financiar o saldo devedor do cartão de crédito.

"Diante do que os autos contêm e do que se pode inferir do comportamento processual da requerida, a única conclusão possível é de que a administradora de cartões, ao menos no período em que perdurou a relação negocial sob exame, nunca utilizou capital de terceiros para cobrir os saldos devedores da requerente.

Se não o fez, é porque, evidentemente, utilizou recursos próprios. E não sendo instituição financeira, como a própria ré salientou em sua resposta (fl. 37), está impedida de cobrar taxa de juros superior a 12% ao ano. De qualquer forma, estaria ainda assim exigindo taxa bem superior à que supostamente teria pago. O demonstrativo de fl. 114 informa que a taxa de juros repassada na fatura com vencimento em 08 de março de 1996, para pegar apenas um exemplo, foi de 12,26% ao mês. Este saldo devedor poderia ter sido coberto, utilizando-se das linhas de crédito contratadas, com custo não superior a 3,95% ao mês, que é a taxa estipulada no contrato de fl. 132/134, com vigência de 02 de fevereiro a 04 de março do referido ano…" (processo n.º 01196607970, 4º JEC de Porto Alegre)

Insta frisar que este entendimento somente deve ser mantido quando se tratar o emissor de empresa administradora de cartão de crédito. Aliás, no que tange as Instituições Financeiras, as mesmas já providenciaram, sabiamente, a exclusão da cláusula mandato dos atuais contratos de adesão, vez que os financiamentos são efetuados pelo próprio Banco emissor do cartão.

Fatura como prova de relação de consumo

Na economia estabelecida atualmente no mundo em decorrência do fenômeno da globalização rege o princípio do informalismo, motivo pelo qual as empresas emissoras de cartões de crédito emitem mensalmente aos associados, como meio de prova da dívida que está sendo cobrada, a fatura mensal, que traz em si uma presunção juris tantum de veracidade.

Neste sentido, julgou o eminente juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, Dr. Murilo Magalhães Castro Filho, na ação de prestação de contas n. º 36446:

"Entabulou com o réu contrato visando a utilização de cartão de crédito. Certamente sabia, de antemão, que o não pagamento da integralidade da fatura, na data respectiva, implicaria na incidência de juros e encargos sobre o saldo devedor, conseqüência que, além de notória para aqueles que utilizam cartão de crédito internacional, vem expressamente prevista no contrato.

De outra banda, os extratos enviados mensalmente ao autor são auto explicativos, com descrição minuciosa das despesas efetuadas, do valor mínimo a ser pago, bem como da taxa de juros que vigorará no período seguinte, caso o titular não pretenda resgatar a integralidade da fatura.

Assim, recebe o autor todas as informações necessárias sendo descabida a pretensão de prestação de contas relativas às quantias captadas pela administradora, para financiamento das operações dos usuários do cartão, porquanto a taxa de juros é informada previamente ao titular, que poderá decidir se utiliza ou não o crédito colocado à sua disposição.

Posto isto, diante da evidente falta de interesse de agir, julgo extinto o processo, forte no art. 267, VI do CPC. (…)"

Logo, se o titular do cartão não concordar com algum lançamento aposto na fatura, cabe a ele provar onde ocorreu o erro e apontar o valor correto.

"A função primordial do cartão de crédito, que é a de promover a expansão do crédito na economia popular, ficaria gravemente comprometida se não se desse valor ´probante aos extratos, faturas e outros documentos apresentados pela administradora do cartão como demonstrativo do débito do usuário para elidi-los, é preciso contra-prova idônea e robusta, não bastando impugnação vaga e genérica do valor cobrado." (TJRJ, Ap. 8.638/95, 2ª Câmara Cível, in:Jurídica On-Line. Loc. Cit.)

No entanto, havendo dúvida fundamentada, o emissor tem, considerando o art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, que fazer prova da dívida não apenas mostrando a fatura mensal, mas também apresentando o comprovante de venda com a assinatura do titular do cartão, para que não reste dúvida sobre a autoria da transação.

Roubo, furto, perda ou extravio de cartão de crédito

Outros pontos controversos no sistema contratuais do cartão de crédito são as cláusulas que dispõem acerca da responsabilidade de transações contestadas e desconhecidas dos associados decorrente do uso fraudulento do plástico, que nada mais é do que a representação física da concessão de crédito. Este ocorre quando há a utilização do número gravado no plástico para aquisição de bem ou serviço por terceiros estranhos à relação jurídica, sem a autorização do associado, por meio de terminais manuais ou eletrônicos, telefone, Correios ou Internet.

A utilização indevida do plástico nos casos de perda, roubo, furto ou extravio ocorre quando o associado perde ou tem seu instrumento de crédito roubado, furtado ou extraviado, sem comunicar o fato imediatamente à Administradora ou ao Banco. Nestes casos, entende a corrente tradicional que a responsabilidade pelo pagamento das despesas é do titular, haja vista a exigência do pressuposto da culpa prevista no art. 1523 do Código Civil para responsabilização civil das pessoas jurídicas.

Assim manifestou-se o 1º Colégio Recursal da Comarca de São Paulo no processo n. º 5.747, ao julgar improcedente a ação em que a autora contestava a realização de despesas por terceiros com cartão furtado, fundamentando que "o cartão de crédito é meio de pagamento e cabe ao usuário todo o cuidado na sua conservação, o que é da essência do sistema. Não obstante, a autora em um local público culposamente deixou sua bolsa… (que continha o cartão)… ausentando-se por alguns minutos (fls. 4) e quando voltou constatou falta de vários objetos, mas não noticiou imediatamente o fato à ré, omissão que representa um segundo fato culposo. Logo, foi exclusivamente ela quem deu causa ao uso indevido por terceiro, nada podendo ser feito em sentido contrário pela ré". Ressalte-se que a comunicação do furto do cartão se deu mais de quarenta dias após o fato, impossibilitando que o banco adotasse qualquer providência impeditiva das operações efetivadas.

No Estado do Rio de Janeiro, também há decisão análoga, como a proferida no processo n. º 00/20614-5, em que o emérito julgador concluiu não assistir razão à autora, já que "incumbia a mesma, por força do contrato celebrado com a ré, informar o furto de seu cartão de crédito, a fim de que o réu adotasse as medidas protetivas de seu direito, deixando de creditar as compras porventura realizadas por terceiros, estranhos à relação jurídica formada entre as partes".

E em Brasília, registre-se o entendimento do Douto Juízo da 2ª Vara do Juizado Especial Cível de Brasília / DF, em processo julgado pela Excelentíssima Doutora Juíza de Direito SILVANA DA SILVA CHAVES, acerca de nulidade de cobrança:

"CARTÃO DE CRÉDITO. EXTRAVIO. RESPONSABILIDADE PELO USO INDEVIDO. O TITULAR RESPONDE PELO USO INDEVIDO SE NÃO COMUNICA IMEDIATAMENTE O FATO À EMPRESA EMISSORA. O PORTADOR SÓ SE EXONERA A PARTIR DA COMUNICAÇÃO. (TJDF, APC N. º 0026530/91/DF, REG. INT. PROC.: 59.533, Decisão: 24.08.92, 1ª Turma Cível, Rel.: Des. JOSÉ JERONYMO BEZERRA DE SOUZA, Pub.: DJDF 16.09.92, p.: 28.646)."

Isto porque até o exato momento do comunicado, não tem como o emissor tomar ciência da perda, furto, roubo ou extravio do cartão de crédito, inexistindo meios para aferir quem de fato encontra-se no estabelecimento comercial requerendo autorização para concretizar despesa. Assim entendeu o 1º Juizado Especial Cível de Defesa do Consumidor de Salvador no processo n. º 02815/99: "é de sabença geral e notório que a guarda e segurança do cartão de crédito é, em princípio tarefa de exclusividade do seu legítimo possuidor, cumprindo-lhe proceder à comunicação de qualquer fato que possa alterar a relação jurídica existente entre o portador e a administradora, para o fim de salvaguardar interesses comuns que dizem respeito não somente ao consumidor como também ao fornecedor de serviços".

Nesta mesma linha de raciocínio, no processo 1877/99, a 2ª Turma Recursal dos Juizados de Defesa do Consumidor de Salvador decidiu que "não se pode atribuir culpa a Empresa Administradora de Cartões de Crédito, por compras indevidamente realizadas com cartão furtado, se o titular ou dependente portador, a quem cabe a guarda e a responsabilidade pelo uso indevido do cartão na forma prevista no contrato, não comunica o furto imediatamente após o evento, a empresa emissora, principalmente, ficando provado que as transações comerciais ocorreram antes do conhecimento, por parte da Administradora, da ocorrência do furto", concluindo que "a responsabilidade pela conferência da assinatura do portador do cartão cabe ao estabelecimento comercial onde se deu a transação e este deverá ser acionado pela parte prejudicada".

E para que não haja uma conclusão equivocada de que somente os Juizados Especiais Cíveis julgam verificando o disposto nas cláusulas contratuais, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por decisão da lavra de seu então desembargador Barbosa Moreira, hoje integrante do Colendo Supremo Tribunal Federal, proclamou que:

"Cartão de Crédito. Extravio. Compras Efetuadas antes da comunicação do Fato à patrocinadora. RESPONSABILIDADE DO TITULAR. Incidência de correção monetária. Cartão de crédito extraviado que se utilizou indevidamente para diversas compras, nenhuma das quais posterior à comunicação do fato pelo titular à patrocinadora. Responsabilidade daquele pelo Pagamento do preço total dos negócios. Correção monetária da dívida a partir do ajuizamento da inicial da ação de cobrança" (RT 603/187).

Insta frisar que a utilização fraudulenta do cartão somente logra êxito se o estabelecimento comercial, que se beneficia do agenciamento de clientes, for conivente, não cumprindo com sua obrigação muitas vezes contratual de conferir com um documento legal de identificação a autenticidade da assinatura aposta no documento legal da venda, que é o comprovante de venda. Até por isso o Juizado Especial de Causas Cíveis do Foro Regional de Santo Amaro, São Paulo, no processo n. º 2812/99, imputou a responsabilidade da conferência pelas assinaturas apostas no comprovante de venda aos estabelecimentos comerciais, in verbis:

"Os dois estabelecimentos comerciais deveriam, ao aceitar um pagamento mediante cartão de crédito, tomar as cautelas necessárias, no sentido de identificar o comprador e respectiva assinatura com documento oficial, motivo pelo qual devem ressarcir a autora pelo prejuízo sofrido em razão de tal negligência".

Não se trata de culpa concorrente, mas sim de culpa exclusiva do estabelecimento que acolheu indevidamente o cartão de crédito como meio de pagamento.

Há, no entanto, uma corrente mais moderna fundamentada na teoria do risco do empreendimento, responsabilizando o emissor pelos riscos advindos das falhas do cartão de crédito, que pode "se deixar roubar". Tal entendimento não deve prosperar, uma vez que leva em consideração, ab initio, o "defeito" de possibilitar o roubo ou a fraude do plástico, o que não é verdade, haja vista o complexo sistema de segurança oferecido pelo emissor ao associado, desde que o mesmo cumpra seu dever contratual de comunicar o fato tempestivamente. Depois, porque pretende repassar a responsabilidade do titular pelos valores contestados ao emissor, independente de culpa, tão e somente por este auferir grandes lucros conseqüentes de sua atividade econômica.

Além desses, outras ocasiões há em que o cartão pode ser utilizado indevidamente por terceiros, como nos casos em que é roubado ou extraviado antes de ser recepcionado pelo associado, encontrando-se em processo de remessa, ou ainda, quando há a modificação ou a alteração no embosso do plástico por quadrilhas especializadas. Neste último caso, a alteração torna-se de fácil detectação quando a gravação no plástico for mal feita ou o número do cartão estiver desalinhado.

Não se pode olvidar dos cartões que são falsificados ou fabricados a partir de um plástico em branco, podendo ser incluída a codificação da tarja magnética, como vem sendo amplamente divulgado pela mídia. Pode-se constatar a falsificação arranhando o plástico e/ou o holograma da bandeira para tentar despregá-lo.

Ainda, existe a possibilidade da gravação dos dados de um associado reproduzidos na tarja magnética de um plástico legítimo de outro associado. Esta fraude requer que o estabelecimento e o fraudador estejam em conluio.

Emissão de cartão de crédito

Malgrado a proibição acordada no Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta acerca de envio de cartões de crédito sem a prévia e expressa solicitação, na prática o que se verifica é que a emissão indiscriminada continua a ser realizada, sendo os plásticos remetidos sem consentimento, em decorrência das metas comerciais estabelecidas pelas Administradoras ou Bancos no tocante à produtividade e à captação de novos clientes.

Entrementes, não vislumbram os emissores estarem cometendo qualquer infração, visto alegarem tratar-se de "amostra grátis". O cartão de crédito é encaminhado ao associado em potencial para que o mesmo verifique se há real interesse em permanecer com o plástico e beneficiar-se de seus serviços, ou proceder ao respectivo cancelamento, sem que haja por determinado período qualquer ônus, v.g., cobrança de anuidade.

A questão, no entanto, torna-se controvérsia no momento em que o suposto associado, sem fazer uso do cartão por não ser de seu interesse e sem comunicar ao emissor seu desejo de cancelá-lo, é cobrado por taxas de administração. Isto porque segundo o entendimento do Ministério Público do Estado de São Paulo, quando os cartões são enviados a título de amostra grátis, o consumidor fica desobrigado a pagar a anuidade, mensalidade ou quaisquer outras despesas, devendo no período de isenção mínimo de 3 (três) meses proceder tão somente aos pagamentos das compras por ele realizadas. Este procedimento não é vetado pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que equivaleria a uma espécie de oferta de produto que somente seria aceito pelo consumidor se ele utilizasse o cartão além do período que lhe foi concedido para uso gratuito.

A contrariu sensu, o Excelentíssimo Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, Dr. Osvaldo Magalhães Júnior, decidiu no Processo n. º 1247/99, que:

"Não há que se falar em equiparação do fornecimento de cartões de crédito com o fornecimento de amostras grátis, na medida em que estas não resultam qualquer ônus para o consumidor, ao passo que os cartões, após o período de seis meses, podem resultar ônus pela sua utilização, como também situação de risco ao próprio consumidor, em virtude de eventual extravio e/ou desbloqueio por terceiros de má-fé".

Fato é que não se pode impedir que as Administradoras e Bancos sejam proibidos de exercer suas atividades econômicas, já que este é um direito previsto constitucionalmente no art. 5º, II. Não obstante, emitir cartão sem a expressa anuência do consumidor, além de desrespeitar o Compromisso firmado com a Secretaria de Defesa Econômica, que prevê multa de 500.000 (quinhentas mil) UFIR’s, fere frontalmente o inciso III do artigo 39 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, in verbis:

Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços dentre outras práticas abusivas:

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

A solução mais coerente seria que as Administradoras e os Bancos, antes de encaminhar um cartão de crédito, questionassem o consumidor sobre o interesse em adquirir o produto, e obter formalmente sua expressão de vontade favorável, evitando, com isso, futuros transtornos.

Encargos, multas e juros

Um dos aspectos mais polêmicos decorrentes da utilização do cartão de crédito, e com certeza o de maior relevância para o mundo jurídico é justamente a cobrança, pelo emissor, de encargos, juros e multa contratual, incididos nas hipóteses em que o associado não efetuar o pagamento integral da dívida ou decidir optar pelo seu parcelamento.

Muitos são os entendimentos a respeito da matéria. Alguns juristas e doutrinadores são completamente desfavoráveis à incidência dos juros de mercado cobrados pelos emissores de cartão de crédito, como Régis Fernandes de Oliveira, Edvaldo Brito, Eros Roberto Grau, Sergio Gischklow Pereira, Araken de Assis, José Afonso da Silva, Nagib Slaib Filho e Luis Roberto Barroso, desconsiderando o princípio do pacta sunt servanda. Outros, destarte, preferem adotar uma linha mais tênue, tentando freqüentemente estabelecer uma composição da dívida entre o emissor e o associado. O interessante, no entanto, é que nenhum deles conseguiu encontrar uma solução pacífica a respeito.

No entanto, considerando qualquer dos posicionamentos, não se pode esquecer de mencionar a celeuma gerada pelo Decreto n. º 22.626, de 07 de abril de 1933, mais comumente denominada Lei de Usura, no tocante à sua aplicabilidade nas operações bancárias.

O Excelentíssimo Juiz de Direito do Estado do Rio Grande do Sul Sr. Pedro Luiz Pozza aduz que "no Brasil, com o advento da Lei n. º 4595/94, que dispõe em seu art. 4º, inciso IX, competir ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros e demais encargos cobrados pelas instituições financeiras construiu-se orientação pretoriana no sentido de que estariam essas, a partir de então, fora do alcance dos tentáculos do art. 1º do Decreto n. º 22626/33 – chamada Lei de Usura – consolidando-se tal posição na Súmula n. º 596 do STF, que assim prescreve: ‘as disposições do Decreto n. º 22626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional’".

Esta orientação, segundo o Meritíssimo Juiz "foi o principal motivo para que o legislador constituinte de 1988 incluísse, entre os mandamentos constitucionais, norma semelhante à do art. 1º do Decreto n. º 22626/33".

Destarte, em 06/10/88 foi aprovado o Parecer Normativo SR n. º 70, da Consultoria Geral da República, "onde ficou estabelecido o entendimento oficial da Administração Pública Federal, refletindo, em conseqüência, junto ao Banco Central do Brasil, autarquia reguladora, disciplinadora e fiscalizadora das instituições financeiras – que de imediato expediu circular no sentido de ainda vigoraram as normas anteriores à Constituição Federal de 1988 – de que a disposição constitucional, limitadora da taxa de juros por elas cobradas, não era auto-aplicável, carecendo da edição de lei complementar, nos termos do art. 192, caput, do novo texto constitucional".

Portanto, é função do próprio Banco Central do Brasil autorizar, bem como fiscalizar as instituições financeiras que emitem cartões de crédito, vez que apenas estas é que podem conceder financiamentos nos casos em que há a opção do associado em financiar o saldo devedor da fatura. Porém, esta atribuição não incide nas empresas administradoras de cartões de crédito.

Antes mesmo da decisão unânime da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no que tange à aplicabilidade do Lei 8.078 de 1990 nas operações de crédito bancário, vez tratarem-se de relações de consumo, já sustentava o advogado Leandro Cardoso Lages que na maioria das vezes, o cliente não recebe uma cópia do aludido contrato, e mesmo quando lhe é apresentado, ele se encontra eivado de cláusulas em desacordo às normas estipuladas pelo Código de Defesa do Consumidor, de difícil compreensão, e que não explicitam de forma clara como os juros são aplicados, já que estes geralmente são capitalizados, caracterizando o anatocismo, isto é, a cobrança de juros sobre juros, aplicando-se o fator compensatório várias vezes sobre um único valor de forma que o montante inicial sofra uma excessiva onerosidade, prática esta vedada pela Lei de Usura em seu art. 4º: "É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano".

Quanto a isto, já pregava o eminente Jurista José Afonso da Silva a respeito dos juros limitados: ‘Está previsto no parágrafo terceiro do artigo 192 que as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. Este dispositivo causou muita celeuma e muita controvérsia quanto a sua aplicabilidade. Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo.

Todo parágrafo tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém autonomia de artigo) liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Veja-se, por exemplo, o parágrafo primeiro do mesmo artigo 192. Ele disciplina o assunto que consta dos incisos I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo. Se o texto em causa fosse inciso de artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem ferir a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata. Juros reais os economistas e financistas sabem que são aqueles que constituem valores efetivos, e se constituem sobre toda desvalorização da moeda. Revela ganho efetivo e não simples modo de corrigir a desvalorização monetária. As cláusulas contratuais que estipularem juros superiores são nulas. A cobrança acima dos limites estabelecidos, diz o texto, será considerada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei dispuser. Neste particular, parece-nos que a velha Lei de Usura (Decreto 22.626/33) ainda está em vigor." (Direito Constitucional Positivo, 6ª Edição, Editora LTR, 1190, páginas 694 e 695).

E muito mais grave é a situação das empresas administradoras não integrantes do sistema financeiro nacional, pois como bem explica Fran Martins "De acordo com o que se vê das relações das partes no contrato que dá lugar à emissão de um cartão de crédito não-bancário, há uma prestação de serviços feita pelo emissor ao portador" (Cartões de Crédito, Natureza Jurídica, Forense, Rio, 1976, pág. 87). Logo, a relação entre a empresa administradora e o associado é de prestação de serviço, ensejando a incidência do Decreto 22.626/33, uma vez que a Lei 4.595/67 afastou a incidência de juros legais tão somente sobre as operações realizadas por instituições financeiras públicas ou privadas, o que implica dizer que não houve alterações quanto às demais pessoas jurídicas (Recurso Extraordinário n. 88.159/RJ).

Malgrado o exposto, há se ressaltar o advento da Medida Provisória n. º 1.963-17, publicada em 31 de março de 2000, que derrogou, no que se refere às instituições financeiras, a norma da Lei de Usura. Por conseguinte, a incidência de juros sobre juros se revestiu de licitude com o art. 5º da referida Medida Provisória: "Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano".

Há se concluir, pois, que o assunto sub examine ainda é deveras controverso, e tamanha é sua complexidade que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu serem os Juizados Especiais Cíveis incompetentes para julgar ações que versem sobre anatocismo (DOU de 16/11/99). Ainda assim, a maioria dos doutrinadores é favorável a limitação dos juros constitucionais em 12% ao ano independente de se tratar de empresa administradora ou de instituição financeira, aplicando-se a regra também aos contratos de adesão das administradoras de cartões de crédito, principalmente no tocante ao sistema rotativo.

Com a edição da Emenda Constitucional n.º 40, de 29 de maio de 2003, que alterou a redação do art. 192 da Constituição Federal para "O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram", revogando todos os incisos, será necessário aguardar a edição de lei complementar que discipline a matéria. Enquanto isso, a discussão está longe de ter fins nos nossos tribunais.

Honorários advocatícios

Há, nos contratos de adesão dos cartões de crédito, cláusulas que imputam à responsabilidade do associado eventual gasto que o emissor tenha, inclusive quanto aos honorários advocatícios, calculados sobre o valor total da dívida, quando tiver que se socorrer de meios judiciais ou serviços especiais de cobrança para receber seu crédito.

Quanto a isto, manifestou-se em outubro de 1998 o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico, em despacho do Diretor Sr. Nelson Faria Lins D’Albuquerque Júnior, no seguinte sentido:

"É claro que esta cobrança afronta o inciso XII do art. 51 da Lei n. º 8.078/90, porquanto é nitidamente nula de pleno direito, pois não há previsão contratual de igual monta contra o fornecedor. Inexiste a responsabilidade do fornecedor por gastos do consumidor na busca de compeli-la a adimplir os encargos assumidos. A cláusula, como está, transfere do mandante – fornecedor – para o consumidor o pagamento da obrigação resultante do contrato de mandato".

Tal providência não surtiu muito efeito junto às Administradoras ou Instituições financeiras emissoras de cartão de crédito, que ainda insistem em manter em seus contratos cláusula imputando ao titular a responsabilidade, nos casos de medidas judiciais ou serviços especializados de cobrança, acerca das despesas de cobrança, custas judiciais e honorários advocatícios calculados sobre o valor total da dívida.

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Sobre a autora
Thais Brunner

Advogada/São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUNNER, Thais. O contrato de cartão de crédito à luz do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 287, 20 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5079. Acesso em: 25 abr. 2024.

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