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Uma denúncia contra Lula

08/08/2016 às 15:28
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A 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal aceitou denúncia contra Lula, o ex-senador Delcídio Amaral, o banqueiro André Esteves e outras quatro pessoas. O Ministério Público Federal (MPF) os acusa de terem tentado atrapalhar as investigações da Lava Jato, que apura principalmente corrupção na Petrobras.

Vale no recebimento da denúncia o enunciado: in dubio pro societate

A Justiça Federal transformou o ex-presidente Lula em réu pela acusação de obstruir as investigações da Lava-Jato na ação para tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. É a primeira denúncia aceita contra o petista, que também é alvo de inquérito em Curitiba pela suspeita de ter sido beneficiado por empreiteiras na reforma do sítio em Atibaia e do tríplex em Guarujá. Também viraram réus o ex-senador Delcídio Amaral, que acusou Lula de ordenar a operação, o banqueiro André Esteves (Ex-executivo do BTG Pactual), o pecuarista José Carlos Bumlai (amigo de Lula) e outras três pessoas.

O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, aceitou denúncia contra Lula, o ex-senador Delcídio Amaral, o banqueiro André Esteves e outras quatro pessoas. O Ministério Público Federal (MPF) os acusa de terem tentado atrapalhar as investigações da Lava-Jato, que apura principalmente corrupção na Petrobras.

A primeira denúncia sobre o caso foi feita em dezembro de 2015 pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na época, o caso ainda tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF). Um aditamento foi feito posteriormente para incluir Lula entre os denunciados. Em maio, o Senado cassou o mandato de Delcídio. Com isso, ele perdeu a prerrogativa de foro, e a investigação foi enviada para a Justiça Federal do Distrito Federal. Também viraram réus o pecuarista José Carlos Bumlai, seu filho Maurício Bumlai, o advogado Edson Ribeiro e Diogo Ferreira, ex-assessor de Delcídio.

Em delação premiada, Delcídio acusou Lula de participação na tentativa frustrada de evitar a delação de Cerveró. Segundo o ex-senador, Lula agiu para que a família Bumlai interferisse, inclusive com ajuda financeira, nos rumos da colaboração do ex-diretor da Petrobras. O plano incluía até mesmo a fuga de Cerveró do Brasil.

Delcídio disse ter procurado o filho do pecuarista, Maurício Bumlai, e obtido repasses em dinheiro vivo. O próprio senador disse ter feito um repasse de R$ 50 mil ao advogado de Cerveró, Edson Ribeiro. Os dados bancários mostram uma movimentação financeira pouco antes dos repasses em dinheiro vivo, conforme a denúncia, e reforçam a participação do grupo. André Esteves, do banco BTG, é acusado de transferir recursos para a família de Cerveró.

Em razão da articulação para tentar barrar a delação, Delcídio foi preso em novembro do ano passado. As conversas em que o ex-senador tenta comprar o silêncio de Cerveró foram gravadas pelo filho dele, Bernardo Cerveró. O áudio foi entregue ao Ministério Público. Na ocasião, também foram presos André Esteves, Edson Ribeiro e Diogo Ferreira. Antes de ser solto, em fevereiro deste ano, Delcídio firmou acordo de delação para colaborar com as investigações.

Estão denunciados: Luiz Ignácio Lula da Silva (ex-presidente da República); Delcídio Amaral (ex-senador); Diego Ferreira (ex-chefe de gabinete de Delcídio); André Esteve s(ex-executivo do BTG Pactual; Edson Ribeiro (ex-advogado de Cerverò), José Carlos Bumlai (pecuarista e amigo de Lula) e Maurício Bunlai (filho de José Carlos Bumlai).

Os réus vão responder por três crimes: organização criminosa, exploração de prestígio e patrocínio infiel. A principal acusação é que eles tentaram comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, a quem foram oferecidos R$ 250 mil para que desistisse da delação premiada — acordo que acabou sendo fechado. A denúncia é baseada, sobretudo, em gravação feita pelo filho de Cerveró e em delação premiada de Delcídio Amaral, que acusou Lula de ordenar a operação.

Delcídio entregou à Justiça documentos que, segundo ele, são suficientes para comprovar a acusação, como registros em agendas de diversas conversas por telefone entre ele e Lula e de reuniões, além de extratos bancários. Delcídio relatou aos procuradores que foi chamado por Lula, em São Paulo, em maio de 2015, para discutir a necessidade de evitar que Cerveró celebrasse acordo de delação premiada.

Filho de Nestor Cerveró, Bernando Ceveró gravou duas reuniões em que Delcício e o advogado Edson Ribeiro (ex-advogado de Cerveró) negociavam pagamento de propina à família e ao advogado de Nestor em troca de ele não assinar acordo de delação premiada;

Após ser preso, Delcídio admitiu que Lula e Bunlai estavam envolvidos na operação, assim, como o banqueiro André Esteves.

Segundo a PGR, Lula se reuniu com Delcídio cinco vezes entre abril e agosto de 2015, antes e durante as tratativas e os pagamentos pelo silêncio de Cerveró. Os envolvidos são os denunciados

Além do artigo 29 do Código Penal, que envolve concurso de agentes, diversos sãos os crimes:

Embaraço à investigação de organização criminosa: A Lei 12.850 prevê tipo penal, no artigo 2º, um crime com relação a quem promova, constitua, financie ou integre pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, incorrendo, nas mesmas penas, quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva a organização criminosa.

A pena in abstrato prevista é de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos e multa, sem prejuízo de outras correspondentes.

Trata-se de crime de perigo abstrato, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso.

Penso que é crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.

É crime contra a paz pública, independente daqueles que na societatis delinquentium vierem a ser praticados, desde que sejam punidos com penas máximas superiores a quatro anos ou revelem o caráter transnacional,   havendo concurso material entre tal crime e os que vierem a ser praticados pela organização criminosa.

Não haverá bis in idem com relação à qualificação dos crimes de roubo com emprego de arma e de organização criminosa com a majorante prevista no artigo 2º, § 2º, da Lei 12.850.

Patrocínio infiel: O artigo 355 do Código Penal prescreve que é crime:

 Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.

Patrocínio simultâneo ou tergiversação

Parágrafo único - Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.

 O Código Imperial não tratou da matéria, mas o Código de 1890 o previa conjuntamente com a prevaricação (artigo 209), seguindo tradição do direito antigo, que chegou ao Código Italiano (artigo 380).

O delito é tratado no Código de 1940 como crime contra a administração da justiça.

Assim a norma tutela diretamente o interesse público ao normal funcionamento da atividade judiciária, mais que o interesse privado da parte traída.

Daí Paulo José da Costa Jr. (Comentários ao código penal, volume III, 1989, pág. 599) trazer a lição de Lauretta Durigato, no sentido de que a ratio da norma acha-se na necessidade de garantir, para que haja um regular funcionamento da administração de justiça, um mínimo de correção e de lealdade por parte do patrocinador, quando chamado a colaborar com os órgãos judiciais.

É sabido que os advogados e procuradores desempenham, em suas atividades profissionais, em juízo, função pública, constituindo com juízes e membros do Ministério Público, elementos indispensáveis à Administração da Justiça. Como bem lembrou Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, pág. 444), o advogado e o procurador judicial não são funcionários públicos, mas exercem um serviço de necessidade pública e a conduta lesa a administração da justiça quando traem o interesse privado em juízo e violam o dever profissional. O defensor não é um funcionário público, mas um particular exercendo um serviço de necessidade pública, não sendo um órgão do Estado, pois não age em seu nome e por sua conta, mas em nome próprio e no próprio interesse profissional.

A Constituição de 1988, em seu artigo 133, acentua que o advogado é indispensável à Administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Tal posição foi realçada pelos termos do atual Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei 8.906/94, que veio reforçar a disposição constitucional e assegurar garantias e prerrogativas à profissão de advogado, que, na correta ilação de Caio Mário da Silva Pereira (Problemas atuais da advocacia, in Revista Forense, volume 255, pág. 471 a 474) é “o artesão da vitória do direito contra o arbítrio da injustiça”.

A par da responsabilidade que lhes é preceituada nas leis civis, no Estatuto da Ordem dos Advogados, no Código de Ética Profissional, dir-se-á que os advogados, como disse Genéviève Viney (Droit Civil sob direção de Jacques Ghestin, Les Obligations, Responsabilité Civile, nº 599), são responsáveis por toda a espécie de negligência na conduta dos negócios que lhes são confiados.

Já dizia Aguiar Dias (Responsabilidade civil, volume I, n.123) que o exercício da advocacia é considerado um múnus público, exercendo o profissional uma profissão liberal e, nessa conformidade, o advogado não obedece senão a sua consciência e tem a faculdade de decidir se recebe o mandato, sob a inspiração de suas convicções e em função dos impedimentos pessoais que possa ter.

Pinto Ferreira (Comentários à Constituição brasileira, São Paulo, Saraiva, 1992, pág. 177) acentuava que “o advogado exerce uma nobilitante função social, facilitando a obra do juiz e a aplicação da justiça”, pois o causídico está intrinsecamente ligado à organização judicial, intermediando a relação entre o Estado-juiz e a parte, na busca de uma prestação jurisdicional que seja justa para aqueles envolvidos no caso concreto. Sendo assim, repita-se, o advogado é indispensável à organização da justiça.

Tiago Nóbrega Tavares, em interessante síntese (O advogado e sua responsabilização), fazendo análise sobre os deveres profissionais do advogado, apresenta diretrizes básicas:

“Antes de qualquer coisa, o advogado deve ser probo (honrado, incorruptível, virtuoso). A diligência tem que ser sua preocupação habitual, utilizando-se dos mecanismos adequados e dos meios jurídicos ao seu alcance para que venha a realizar as providências necessárias para o sucesso da causa em que esteja trabalhando. A prudência (cautela, prevenção, vigilância) não pode deixar de ser observada em todos os passos que tomar no decorrer do processo, seguindo as instruções que lhe foram transmitidas por seu constituinte, jamais se excedendo ou esquecendo delas, ou usando-as de forma a causar prejuízos. Não concordando com as orientações dadas, poderá o advogado renunciar à causa, desde que notifique o cliente, persistindo na tarefa por mais 10 dias (art. 45 do CPC).

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A lealdade e a independência para com o constituinte são muito importantes na defesa da profissão. Ser leal à causa e aos interesses do contratante, demonstrando independência ao agir apenas de acordo com a lei, desafeto a influências.

O advogado tem a função de aconselhar seu cliente, podendo ser civilmente responsabilizado caso o faça erroneamente ou simplesmente o deixe de fazer no momento oportuno.  Além disso, em um mandato ou consulta, a doutrina majoritária aponta que o profissional será dito culpado quando o conselho estiver em óbvio desacordo com a lei ou com a jurisprudência, e até com a doutrina específica. No tocante a pareceres, se ele se destinar a orientar o cliente sobre seu direito, o advogado responde pelo erro que cometa, mas se é emitido na condição de jurisconsulto, com finalidade de que seja apresentado em juízo como reforço de argumentação, este não poderá ser responsabilizado pela opinião contrária à jurisprudência ou doutrina dominantes que tenha externado.

A informação é outro dever inerente ao advogado, tendo este que esclarecer o cliente, em linguagem acessível e no tempo correto, sobre o andamento do processo, acontecimentos, chances, riscos e possibilidade ou viabilidade das medidas que virão a ser tomadas. O art. 8º do Código de Ética e Disciplina diz que “o advogado deve informar o cliente de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda”. Nessa mesma linha, o CDC, o Código de Ética e Disciplina nos arts. 28 a 34, e o Provimento 94/2000 do Conselho Federal da OAB. Em suma, não deve o advogado conduzir seu cliente numa aventura judicial (art. 2º, inciso VII, do Código de Ética e Disciplina), seja por puro despreparo ou por visar intenções mercantilistas, prolongando a ação ou usando caminhos desnecessários e mais custosos, sob pena de responsabilizar-se pelos prejuízos advindos. A própria promessa de resultado cairia no art. 20 do CDC, caracterizando vício do serviço, impondo ressarcimento, independente da existência de culpa do advogado, afinal, a advocacia encerra obrigação de meio, desde que não haja disposição contratual em contrário”.

Estabelece o artigo 2º do Estatuto do Advogado, dentre as regras deontológicas (ética do dever) e fundamentais:

- preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;

II - atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;

III - velar por sua reputação pessoal e profissional;

IV - empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional;

V - contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;

VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;

VII - aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial;

VIII - abster-se de:

a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente;

b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que também atue;

c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso;

d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana;

e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento deste.

IX - pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.

Recebendo a procuração, tem o advogado o dever de acompanhar o processo em todas as suas fases, observando os prazos e cumprindo as imposições do seu patrocínio, falando nas oportunidades devidas, comparecer às audiências, apresentar provas cabíveis, agir na defesa do cliente, e no cumprimento de legítimas instruções recebidas. Sabe-se que a falta de exação do advogado no cumprimento dos deveres, além de expor o advogado às sanções disciplinares, sujeita-o a indenizar os prejuízos que venha a causar.

O primeiro dever do advogado é a diligência, acompanhando a causa com zelo e eficiência. Para isso, a observância dos prazos é fundamental, respondendo o advogado se deixar de observá-los, isso porque tem o dever de conhecê-los, sejam dilatórios ou peremptórios.

Delcidío, Ribeiro e Ferreira também são acusados de crimes de exploração de prestígio.

Ainda, interessa-nos o exame desse último crime.

Art. 357 - Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Parágrafo único - As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.

É crime contra a Administração da Justiça.

Há uma diferença com relação ao crime de tráfico de influência (redação dada pela Lei 9.127, de 1995), quando, no artigo 332 do Código Penal, fala-se em solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função:

O núcleo do tipo desse crime consiste em solicitar (pedir ou buscar) e receber (aceitar em pagamento) a pretexto de influir (tendo por finalidade inspirar ou insuflar) um juiz, jurado, membro do Ministério Público, serventuários da justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha.

O tipo subjetivo exige o dolo.

Fala-se em dinheiro ou outra utilidade. Não se trata de algo necessariamente material, mas algo que possa converter-se, de algum modo, em benefício material para o agente do crime, que pode ser qualquer pessoa.

O crime de exploração de prestígio é crime comum, formal (que não exige para a sua consumação o resultado naturalístico). Observe-se que o tipo penal menciona o recebimento para o fim de influenciar o que não significa ter realmente ocorrido. Ainda é crime comissivo (excepcionalmente omissivo impróprio, quando o agente tem o dever jurídico de evitar o resultado), instantâneo, que admite a tentativa.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma denúncia contra Lula . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4786, 8 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51081. Acesso em: 19 abr. 2024.

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