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O registro de entidades sindicais

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25/04/2004 às 00:00
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VI. Propostas da Reforma Sindical

Luis Inácio Lula da Silva, sindicalista oriundo do ABC paulista, assumiu a Presidência da República do Brasil com o compromisso da criação de milhões de empregos.

Um dos instrumentos para a concretização de sua promessa, parece ser a reforma trabalhista. Dentre as muitas semelhanças com o governo anterior, os objetivos da reforma são os mesmos da proposta do Governo FHC, tornar a legislação mais flexível através da ampliação da negociação coletiva.

A diferença fundamental da atual proposta é que a reforma trabalhista deverá ser precedida pela reforma sindical, que surge como a preparação dos sindicatos para as futuras negociações que os esperam.

Com o intuito de legitimar a proposta que será encaminhada ao Congresso Nacional, o governo criou o Fórum Nacional do Trabalho, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, formado por representantes do governo, dos empregados e empregadores, onde são travadas as discussões e negociações.

Segundo o site oficial, "o FNT tem por como objetivo promover a democratização das relações de trabalho por meio da adoção de um modelo de organização sindical baseado em liberdade e autonomia".

No âmbito do FNT, foram criados sete grupos temáticos, dentre os quais o Grupo Temático Organização Sindical.

Em que pesem as poucas informações divulgadas sobre as negociações e conclusões do FNT, algumas matérias jornalísticas apresentam os caminhos até agora traçados. Ainda que o objetivo seja promover a liberdade e autonomia sindical, o que se vê é a escancarada intenção governamental de instituir a pluralidade sindical.

Por óbvio, esta proposição traz reflexos significativos ao presente estudo.

Segundo a proposta do governo, todos serão "livres" para constituírem sindicatos, independentemente da existência de sindicato de mesma categoria e base territorial já registrado. Cai por terra o princípio da unicidade.

Todavia, mesmo vigente a liberdade "livre" para a constituição dos sindicatos, a fim de serem registrados como tanto, as entidades sindicais deveriam obrigatoriamente preencher uma série de requisitos previamente estabelecidos em lei.

Além disso, o sistema confederativo seria alterado, pois as Centrais Sindicais passariam a ser reconhecidas como entidades sindicais, tendo a prerrogativa de negociar em nome dos trabalhadores.

A bancada dos empregadores sinalizou com a proposta de criação de órgão tripartite, formado por empregados, empregadores e governo, com o fim específico de conceder o registro às entidades sindicais.

Entretanto, firme em sua posição de acabar com a unicidade sindical, conforme notícias divulgadas pela imprensa, o governo, que conta com o consenso dos empregados (diga-se Centrais Sindicais), aprovará a reforma da forma que lhe convir, independentemente do ânimo dos empregadores. O governo chegou a aventar como forma de pressão, até a possibilidade da extinção das entidades sindicais patronais.

Um dos argumentos utilizados pelo governo, é que o grande número de sindicatos hoje existentes prejudica o fortalecimento do movimento sindical, que se encontra fragmentado.

Realmente o número de entidades sindicais no Brasil é extremamente elevado. Segundo pesquisa realizada pelo IBGE, o número total de sindicatos no Brasil em 2001 era de 15.961. A tabela abaixo apresenta os dados levantados:

Tabela 1 – Sindicatos no Brasil por condição de registro junto ao MTE

Região

Total

Com Registro

Sem Registro

Brasil

15961

11347

4614

Norte

1208

640

568

Nordeste

4072

2489

1583

Sudeste

5213

4223

990

Sul

3970

3068

902

Centro-Oeste

1498

927

571

Fonte: Pesquisa Sindical IBGE 2001 - Sindicatos

Veja-se que o número de sindicatos sem registro no MTE corresponde a quase a 30% (trinta por cento) do total de sindicatos. Mesmo considerando-se apenas os sindicatos de fato, que desconsideram a unicidade, o número é extremamente elevado.

Ainda neste cenário, a atuação do governo apresenta-se de forma contraditória, pois na medida em que busca a diminuição de sindicatos, propõe a queda do princípio da unicidade. Se hoje, que é permitido apenas a existência de um único sindicato de mesma categoria na mesma base territorial existem quase 20 mil, logicamente com a liberdade "livre" muito mais sindicatos seriam constituídos.

Ressaltamos que o princípio da liberdade livre ou anárquica já vigorou em nosso país na Década da 30, quando editado o Decreto nº 24.694. O referido decreto introduziu no sistema sindical brasileiro o regime da pluralidade sindical, apontado então como requisito indispensável para o desenvolvimento pleno e democrático da organização sindical brasileira.

A história comprova que o pluralismo sindical adotado à época acusou resultados nefastos aos trabalhadores, ainda que esta não tenha sido a real intenção do governo. Vários foram os fatores que contribuíram para o fracasso da pluralidade sindical no Brasil, dentre os quais, a grande participação política dos sindicatos, que passou a confundir seus interesses com os interesses estatais e a proliferação de pequenos sindicatos por empresa, sendo criados os chamados "sindicatos amarelos".

Segadas Vianna afirmou com extrema lucidez:

"O regime adotado fugia ao sentido de agremiação já vigente e dividia o trabalhador, tornando-o, ao mesmo tempo, presa fácil de políticos inescrupulosos que viam na pluralidade sindical um meio de criar postos de eleitores dominados pelos "cabos" de suas facções, provocando a dissidência e a conseqüente dissociação sempre que outro grupo assumia o poder".

Os sindicatos de empresa foram criados a esmo, sendo utilizados como armas econômicas alimentadas pelos próprios trabalhadores.

O resgate destes dados históricos assume relevância extrema, pois também nos dias atuais se verifica uma forte participação dos sindicatos no governo. O governo federal conta com 45 sindicalistas da CUT em cargos de alto escalão. De acordo com a pesquisa realizada pelo IBGE em 2001, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) congrega o maior número de sindicatos filiados, com 66% do total.

Quanto à questão da pulverização de sindicatos na pluralidade sindical, o governo pretende criar o vestibular de entidades sindicais. Sob o sofisma de combater a proliferação de sindicatos, o governo pretende estabelecer critérios de representatividade estabelecidos em lei. Assim, em que pese a possibilidade da criação de vários sindicatos (entidades pré-sindicais), apenas um deteria o poder de representação dos trabalhadores na negociação coletiva.

Corremos o risco da criação de um modelo único no Brasil, o sistema corporativo de pluralidade sindical. Os sindicatos serão "livres" para se constituírem, desde que observem os requisitos e condições impostas pelo Estado.

A proposta governamental vem sofrendo fortes críticas pelo movimento sindical de base, que se acredita ficará refém das centrais sindicais.

A livre criação dos sindicatos que hoje é limitada apenas pelo controle da unicidade exercido pelos próprios sindicatos, passará a sofrer direta interferência do Estado.


VII. Conclusões

Os atuais sistemas sindicais dos principais países europeus, em consonância com o moderno constitucionalismo, que tem como atributo primordial o controle do poder do Estado, extirparam o corporativismo através da incorporação da liberdade sindical como direito fundamental.

Seguindo este modelo, a Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu a vigência inequívoca do princípio da liberdade sindical. A interferência do Estado restou taxativamente proibida. Os sindicatos não mais precisam de autorização para sua constituição.

A única ressalva fixada diz respeito à unicidade sindical. O registro de entidades sindicais perante o MTE surge como medida imprescindível para a efetivação da regra da unicidade sindical.

Há que se esclarecer que o registro de entidades sindicais não se trata de interferência estatal, pois o controle é exercido pelos próprios sindicatos já constituídos.

Vigora em nosso país o livre sistema de unicidade sindical por categorias.

Quanto ao registro perante os Cartórios Cíveis, é absolutamente desnecessário, uma vez que os sindicatos possuem natureza jurídica sui generis, não podendo ser classificados como associações civis.

Por fim, quanto às proposições do Fórum Nacional do Trabalho, ao que parece o governo pretende retroceder, trazendo novamente para o Estado o controle das entidades sindicais.

Poderão defender os interesses de suas respectivas categorias apenas os sindicatos que atenderem os requisitos pré-estabelecidos em lei. O registro somente será concedido aos sindicatos que, aos olhos do Estado, sejam realmente representativos.

Infelizmente a proposta assume contornos perigosos, pois o sindicalismo passou "da militância aos showmícios". A data nacional símbolo como expressão de luta, o dia 1º de maio, passou a ser comemorada recentemente pelas grandes Centrais Sindicais com festas grandiosas e distribuição de brindes e prêmios aos trabalhadores.

Será esta a efetiva representatividade a ser considerada pelo Estado?


VII. Bibliografia

BENITES FILHO, Flávio Antonello, Direito sindical espanhol: a transição do franquismo à democracia, São Paulo: Ltr, 1997.

BRESCIANI, Luís Paulo e BENITES FILHO, Flávio Antonello, Negociações Tripartites na Itália e no Brasil, São Paulo: Ltr, 1995.

COELHO, José Washington, Sistema Sindical Constitucional Interpretado, São Paulo: Resenha Tributária, 1989.

DELL’OLIO, Matteo, I soggetti e lóggetto Del rapporto di lavoro, Torino: Utet Libreria, 2003.

GIUGNI, Gino, Diritto Sindicale, Bari: Cacucci Editore, 2003.

JÚNIOR, Cesarino, Direito Social, São Paulo: Ltr, 1980.

MOREIRA, Gerson Luiz Moreira, Breve Estudo sobre o Sindicato. in jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2781">http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2781.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Compêndio de direito sindical, 2 ed., São Paulo: Ltr, 2000.

OIT - Organização Internacional do Trabalho e Ministério do Trabalho do Brasil, A Liberdade Sindical, Editora da OIT, 1993.

SIQUEIRA NETO, José Francisco, Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, São Paulo: Ltr, 1999.

SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes, VIANNA, Segadas e MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do Trabalho, Rio de Janeiro – São Paulo, Freitas Bastos, 1967.

VIANNA, Segadas, O sindicato no Brasil, Olímpica Editora, 1953.


Notas

1 A única condição para o registro é que os Estatutos dos sindicatos contenham regras internas com bases democráticas.

2 GIUGNI, Gino in Diritto Sindicale, Ed. Cacucci, Bari, 2003, p. 25. "Il principio giuridico fondamentale sul quale poggia il nostro sistema di diritto sindicale è quello contenuto nel primo comma dell’art. 39 della Constituzione, ove si stabilisce Che ‘l’organizzazione sindicale è libera’. Tale principio si contrappone a quello Che fu próprio Del sistema corporativo fascista (1926-1944) il quale, inquadrando lê organizzazioni sindicali nello Stato e sottopodendole ad um penetrante controllo, prevedeva um sistema di composizione degli interessi coletivi estraneo ad uma libera, diretta ad attiva partecipazione dei soggetti interessati."

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3 BENITES FILHO, Flávio Antonello, in Direito Sindical Espanhol – a Transição do Franquismo à Democracia, Editora Ltr, São Paulo 1997, p. 115. "Tampouco é indispensável que proceda o (sic) registro formal de seus estatutos. Não se exige, no sistema espanhol, uma autorização para que o sindical funcione. Com fundamento no direito de associação é perfeitamente possível que um sindicato atue sem que se formalize sua existência. É certo que, em tal hipótese, não gozará da proteção legal para o exercício das prerrogativas conferidas aos demais."

4In Compêndio de Direito Sindical, 2ª ed, Ltr, São Paulo, 2000.

5In Sistema Constitucional Interpretado, Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1989, p. 28. "Aliás, conforme veremos mais adiante, permanecemos fiel ao sindicalismo italiano, uma vez que a vigente Constituição delimita encosta na liberdade livre da autogestão."

6 Op. cit. p. 29.

7 Op. cit. p. 122. "A Constituição de 1988 manteve defeitos, advindos do corporativismo, introduziu conceitos indeterminados e sobrepôs uma nova ordem legal à CLT, nem sempre clara, permitindo divergências de interpretação"

8In A Liberdade Sindical, OIT/Mtb, p. 51

9 idem, p. 65.

10 Direito Constitucional, 13ª ed., Atlas, São Paulo, 2003, p. 207.

11 Op. cit. p. 141. "Como se vê, a liberdade de organização envolve o problema da unicidade ou da pluralidade sindical, ou seja, a permissão legal para que, numa mesma esfera geográfica, sejam fundados, no mesmo setor, mais de um ou apenas um sindicato representando pessoas que originariamente pertenceriam a um só grupo."

12 MOREIRA, Gerson Luiz Moreira. Breve Estudo sobre o Sindicato. in jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2781">http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2781. "De fato, como dito anteriormente, no Brasil prevalece o princípio do sindicato único, por categoria e base territorial, herança do sistema corporativo, que a doutrina denomina de sistema de unicidade sindical, em contraposição ao sistema de pluralidade sindical, no qual é permitida a existência de tantos sindicatos quantos forem os criados pelos autores sociais."

13 Op. cit. p. 61

14 KROTOSCHIN, Ernesto, Instituciones de Derecho del Trabajo, 1947. p 91 "(...) mas sem afetar seu caráter de ente de direito privado. São tais, porque prevalecem os elementos típicos destes: a origem, que se encontra no livre acordo dos membros; a finalidade, que não é publica no sentido de coincidir com os interesses do Estado, pois até pelo contrário, os sindicatos preparam e definem certas adaptações importantes entre o Estado e os grupos que eles representam; a falta ou pelo menos, restrição do poder de império (já que a relação entre a associação e seus membros é de ordem privada); e por fim a ausência de controle administrativo."

15 Op. cit. p. 216. "Estão afastadas, com o desaparecimento do corporativismo, as concepções publicistas. O interesse coletivo não se identifica com o interesse público e estatal. (...) essa posição doutrinária foi superada pelo princípio da unicidade sindical."

16 Direito Social, Ltr, São Paulo, 1980.

17 Publicada no DOU em 06/01/2004.

18 Op. cit. p. 31.

19 Op. Cit. p. 38. "Se a Lex Legum prescreve, desenganadamente, o regime da unicidade para todo o sistema, é claro que os meios necessários à sua efetivação devem estar, como estão subentendidos no próprio conceito. É a velha prestigiosa doutrina dos poderes implícitos."

20 Publicada no DOU em 05/05/2000.

21 Publicada no DOU em 24/05/2000.

22 ADIN nº 1121-9, Plenário, DJU 06/10/1995; RE 146.922, 2ª t., DJU 15/04/1994; RE 134.3000, 1ª t., DJU 14/10/94.

23 Publicada no DJU em 13/10/2003.

24 http://funky.macbbs.com.br/wwwroot/fnt/

25 Folha de São Paulo, Caderno Folha Dinheiro, "Pressão dá Resultado", 13/02/2004.

26 O IBGE investigou os sindicatos formados até 31/12/2001, a partir dos seguintes instrumentos: a) carta de reconhecimento no Ministério do Trabalho (Carta Sindical); b) registro sindical no Ministério do Trabalho; c) registro em cartório; e d) registro em cartório e pedido de registro sindical no Ministério do Trabalho. O levantamento foi feito em sindicatos de trabalhadores e empregadores por meio de questionário e entrevistas com representantes sindicais.

27 Vianna, Segadas, ¨O Sindicato no Brasil¨ - Olímpica Editora, 1953

28http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/sindical/default_result_completos.shtm

29 Folha de São Paulo, Caderno Folha Dinheiro, "Central pode Vestibular para virar Oficial", 03/09/2003.

30 Folha de São Paulo, Caderno Folha Dinheiro, 1º/03/2004 – "O próprio diretor executivo da CUT, José Maria de Almeida afirma que ‘a reforma fere um princípio da OIT [Organização Internacional do Trabalho], que é o da liberdade sindical. A criação de sindicatos agora terá de ser autorizada pela central", diz Almeida.

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Sobre o autor
Eduardo Caringi Raupp

advogado trabalhista e sindical no Rio Grande do Sul, pós-graduado em Direito Processual e Constituição pela UFRGS, integrante da Flávio Obino Filho Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAUPP, Eduardo Caringi. O registro de entidades sindicais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 292, 25 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5127. Acesso em: 27 abr. 2024.

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