Contextualização
O regime da participação final nos aquestos, novidade trazida pelo novo Código Civil, que ao introduzi-lo suprimiu o regime dotal, vem disciplinado nos artigos 1.672 a 1.686.
Menos conhecido, este regime prevê que cada cônjuge possua um patrimônio próprio, cuja administração é exclusiva de cada um. Os bens são de propriedade do cônjuge em nome do qual estão registrados. Os bens em nome dos dois pertencem a cada um proporcionalmente à sua contribuição para a compra. Também as dívidas não são partilhadas, exceto se ambos foram beneficiados por elas. Neste regime, aplicam-se, portanto, as regras da separação de bens e da comunhão de aquestos.
Dissolvida a sociedade conjugal, marido e mulher têm direito à metade dos bens adquiridos com a renda do trabalho do casal, excluídos os patrimônios particulares, que são formados pelos bens anteriores ao casamento e pelos comprados com recursos da sua venda, pelos bens recebidos por doação ou herança e pelas dívidas relativas a estes bens.
Raízes Históricas: Conceito Original e Suas Desfigurações
O regime surgiu na Suécia e passou a outras legislações, notadamente as da França, da Alemanha e da Espanha. Destarte, a concepção original sofreu várias alterações teóricas que o desviaram.
Esta desfiguração do regime da participação nos aquestos é assim entendida pelo ilustre Prof. João Baptista Villela:
Com vistas a garantir a efetividade do crédito de participação de cada cônjuge sobre os ganhos do outro, introduziu-se na estrutura do regime um conjunto de medidas que, não se harmonizando com os seus pressupostos jurídicos, acabam por neutralizar os benefícios que com o modelo se pretende instituir.
Assim é que na Suécia não assiste ao cônjuge, sem o consentimento do consorte, o direito de dispor de seus bens matrimoniais ou mesmo de hipotecá-los. E bens matrimoniais não são ali apenas os adquiridos a título oneroso após o casamento, senão todos aqueles – mesmo os de aquisição anterior – que não estejam marcados por uma vinculação pessoal com o titular.
Desrespeitada a proibição de alienar ou gravar de hipoteca, fica o ato sujeito a desfazimento. A restrição de dispor e dar em garantia alcança mesmo certos bens móveis.
No direito da República Federal da Alemanha, além da proibição – de discutida exegese – sob que está cada cônjuge de obrigar-se, sem a adesão do outro, pela totalidade do matrimônio, prevê-se a ineficácia de atos singulares de alienação, concluídos sem outorga conjugal.
O legislador francês adotou linha diversa de operação, mas que pode chegar aos mesmos resultados práticos. Em aparência e, até certo ponto, mesmo em realidade, não só a administração e o gozo dos bens próprios são exclusivos de um e outro cônjuge, como nenhuma prescrição normativa os impede de aliená-los livremente. Mas na formação contábil dos patrimônios, para o fim de se fixar seus respectivos acréscimos, manda a lei agregar aos bens existentes aqueles cuja alienação tenha determinado o empobrecimento de seus titular: ‘aos bens existentes reúnem-se ficticiamente os de que o esposo dispôs entre vivos, a menos que o outro cônjuge haja consentido na doação, assim como os teria alienado fraudulentamente. A alienação para renda vitalícia ou a fim do perdido presume-se feita em fraude dos direitos do cônjuge, se este não deu seu consentimento’.
Para garantir a satisfação do seu crédito de participação, o cônjuge-credor pode recorrer subsidiariamente a ação revocatória, nos termos do artigo 1.577 do Código Civil Francês. Aí radica, de resto, uma considerável diferença entre o modelo francês, de um lado, e os modelos sueco e alemão, de outro: no primeiro só se alcançam os atos de alienação, se necessário para assegurar a satisfação do cônjuge-credor. E mais: no direito francês, se a disposição foi a título oneroso, a ação só poderá ser intentada contra o adquirente de má-fé. Trata-se, sem dúvida, de uma grande vantagem do estatuto francês sobre os outros dois (2005, p. 1).
Conceito
A noção geral está prevista no artigo 1.672 do Código Civil:
Art. 1.672 – No regime da participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
Aquestos, quer dizer, bens adquiridos na constância da convivência conjugal.
Para optar pelo regime da participação final nos aquestos, faz-se indispensável, a celebração do pacto antenupcial.
Suas características reúnem elementos da separação de bens, dentro da constância do casamento, e da comunhão parcial, na dissolução da sociedade conjugal e a apuração contábil do ativo e do passivo.
A regra geral é a formação de dois patrimônios distintos, o do marido e o da mulher (os bens adquiridos antes ou depois do casamento constituem patrimônio particular); quando da dissolução da sociedade conjugal, os bens são considerados de acordo com o modelo da comunhão parcial.
Cada cônjuge conserva seu patrimônio pessoal, inclusive a livre administração. Exige-se, porém, para a venda de imóveis a autorização do outro.
Consideram-se aquestos não apenas os que restarem no momento da dissolução da sociedade conjugal, mas todos os bens adquiridos durante o tempo em que durou o casamento e os respectivos valores se tiverem sido alienados. Deve-se realizar, portanto, uma apuração de natureza contábil.
Durante o período em que perdurar o casamento, não haverá qualquer comunhão de bens, ainda que parcial. Existe apenas uma expectativa de direito, que será constituído no momento em que a sociedade conjugal chegar ao fim. Marido e mulher comportam-se como se estivessem submetidos ao regime da separação de bens.
Com a dissolução da sociedade conjugal, o Código Civil estabelece a forma como se dará a apuração e partilha contábil.
Art. 1.674 – Sobrevindo a dissolução conjugal, apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:
I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;
II – os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;
III – as dívidas relativas a estes bens.
Apuram-se, portanto, os bens anteriores ao casamento, os sub-rogados a eles e os que sobrevierem a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade e as dívidas relativas aos bens. Estes bens são excluídos dos aquestos.
O artigo 1.675 diz que “ao determinar-se o montante dos aquestos, computar-se o valor das doações feitas por um dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro; neste caso, o bem poderá ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da dissolução”.
Em conformidade com o disposto no artigo 1.675 do Código Civil, inclui-se nos aquestos o valor das doações feitas por um dos cônjuges sem autorização do outro, facultando-se inclusive, a reivindicação destes bens e eventuais alienações feitas em detrimento da meação. Devem ser as doações e alienações realizadas em bens adquiridos na constância do casamento.
Os artigos 1.683 e seguintes do Código Civil disciplinam a divisão dos aquestos, tema este que será, de forma detalhada, oportunamente, em apartado e, estudado.
Natureza Jurídica: Distinção Com o Regime da Comunhão Parcial de Bens
Em comparação com o regime da comunhão parcial de bens, a noção geral é de que no regime da comunhão parcial os cônjuges participam dos aquestos desde a celebração do casamento; no regime da participação final nos aquestos, os cônjuges participam dos aquestos apenas no final, quando da dissolução do casamento.
Para o doutrinador José Luiz Gavião de Almeida, “trata-se de um regime mutante: é de separação judicial durante o matrimônio, e de comunhão parcial quando a sociedade conjugal é extinta” (ALMEIDA, 2008, P. 351).
A diferença é bem simples, ou seja, na comunhão parcial todos os bens adquiridos pelos cônjuges que não sejam por herança, doação (salvo se a herança ou doação for feita especificamente para ambos os cônjuges), além daquelas outras hipóteses dispostas no artigo 1.659, bem como aqueles que já constassem no patrimônio individual antes do casamento ou os que a eles se tenham sub-rogado, não entram na comunhão, porém todos aqueles sejam, a exclusão destes, adquiridos na constância do casamento, sim integram o acervo comum.
Na comunhão parcial, portanto, a única coisa que se verificará, na dissolução da sociedade conjugal, será o momento da aquisição dos bens e a sua origem; não se tratando das hipóteses acima aventadas e tão somente pelo fato de terem sido adquiridos depois do casamento, pertencerão a ambos os cônjuges.
Na participação final dos aquestos, a disposição é similar (para precisar as diferenças se deve realizar o cotejo dos artigos 1.659, 1.660, 1.673 e 1.674), porém a união de bens havidos na constância do casamento somente ocorrerá no momento da dissolução, e daí o nome participação final, ou seja, podem os cônjuges, até antes da dissolução, dispor livremente de seus bens como se fossem inteiramente seus, administrá-los como queiram, inclusive aliená-los, se forem móveis, ou ainda os imóveis, desde que assim determinados no pacto antenupcial, à guisa do artigo 1.656. É, portanto, somente no final da sociedade conjugal que se realiza esta participação.
Fundamento Ético
Segundo nos ensina o Prof. João Baptista Villela, da Universidade Federal de Minas Gerais, o regime da participação final nos aquestos está “fundado no propósito ético de associar cada cônjuge aos ganhos do outro e inspirado economicamente na intenção de conciliar as vantagens da comunhão com as da separação” (VILLELA, 2005, p. 1).
Para o ilustre professor, o regime da participação final nos aquestos “padece de construção dogmática defeituosa. Seu estatuto legal, além de incongruente sob o ponto-de-vista da estrutura, acaba por combinar antes os inconvenientes da separação com os da comunhão” (VILLELA, 2005, p. 1).
Na justificativa do projeto do novo Código Civil afirmou-se a necessidade deste regime para atender a situações especiais e aproximar nossa legislação daquelas existentes em nações mais desenvolvidas.
Segundo Miguel Reale, “sob a denominação de regime de participação final nos aquestos, para distingui-lo do regime da comunhão parcial, que implica aquela participação desde a celebração do casamento, prevê-se um novo regime de bens que poderá atender a situações especiais, tal como se verifica nas nações que vão atingindo maior grau de desenvolvimento, sendo frequente o caso de ambos os cônjuges exercerem atividades empresariais distintas” (REALE, 1975, p. 109).
Conclui-se então, que a justificativa estaria em que o acúmulo de capital verificado durante o casamento, seja em virtude do trabalho, seja em decorrência de poupança, resulta esforço de ambos os cônjuges, a quem deve, por conseguinte reverter.
Manifesta-se sob duas formas a combinação dos elementos integrantes deste regime: o regime da comunhão de aquestos e o da participação final nos aquestos. No primeiro comunicam-se os mesmos bens adquiridos; no segundo, permanece cada bem sob a propriedade exclusiva do cônjuge que o tenha adquirido, surgindo para o outro um direito de participação no seu valor.
Inspiração Econômica
Para bem compreender os fins e o como especificamente funciona o regime da participação final nos aquestos, faz-se necessário entender qual é a sua inspiração de ordem econômica.
Segundo o entendimento do ilustre Prof. João Batista Villela, a participação final nos aquestos pretende ser:
A síntese coletiva de dois valores antagônicos na organização patrimonial do casamento. De um lado, quer incorporar os ideais do regime da comunhão, que, além de expressar a unidade de vidas do casal, assegura aos cônjuges mútua proteção econômica. De outro lado, não deseja abrir mão da maior autonomia conjugal e das comodidades que conferem os regimes separatórios. Por isso, ao mesmo tempo que define uma participação de cada cônjuge nos incrementos patrimoniais do outro, evita – ao menos em sua forma pura – a constituição de qualquer massa comum de bens (2005, p. 1).
Trata-se, portanto, de um regime matrimonial de bens que almeja aliar as vantagens da comunhão com as da separação, ao mesmo tempo em que se propõe a sanar os inconvenientes de uma e de outra. Está, como se vê, a meio caminho entre os regimes comunitários e da separação de bens.
Esta é a sua inspiração econômica, um regime que mistura a comunhão com a separação, revelando, em matéria patrimonial, a independência dos cônjuges (separados nos bens) e a vontade comunitária de participação nos ganhos (associados).
Razão Prática: Críticas da Doutrina
Ainda desacreditado e pouco utilizado, o regime da participação final nos aquestos, não se mostra, ao olhar da doutrina, como sendo um modelo possível e capaz de servir e atender as aspirações conjugais no tocante a administração e eventual partilha dos bens, quando da dissolução da sociedade conjugal, seja pela separação judicial, pelo divórcio e pela morte de um dos cônjuges.
Muito se critica sobre o modelo trazido ao nosso ordenamento jurídico pelo novo Código Civil, inclusive de que se trataria de um modelo alienígena, importado de outras legislações, sobretudo, da Suécia, onde teria tido origem, da França e da Alemanha.
Além de não se tratar de uma contribuição original, os críticos do regime lhe impõem importantes ressalvas de que teria o legislador desviado frontalmente de suas nascentes teóricas.
A principal crítica se alicerça no fato de que, no modelo brasileiro, atribuir ao cônjuge não-proprietário ou seus herdeiros, ação reivindicatória sobre os bens alienados sem o seu consentimento, o que seria tecnicamente impróprio, considerando que falta um de seus pressupostos mínimos, qual seja, o domínio do autor, visto que o ato de disposição se fez por quem era o proprietário exclusivo. Também não exclui os bens móveis.