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A bilateralidade com tipicidade diversa nos crimes de corrupção

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A bilateralidade de condutas puníveis pode ocorrer em inúmeros delitos, desde que haja dualilidade ou multiplicidade de sujeitos ativos, que agem, convergentemente, como na quadrilha ou bando (art. 288 do CP), bem como, divergentementente, como na rixa (art. l37), mas, até aqui, incorrendo todos no mesmo tipo legal (crimes bilaterais de tipicidade idêntica). No entanto, em alguns casos, ocorre bilateralidade, igualmente, quando cada agente merece enquadramento em tipos legais diversos (crimes bilaterais de tipicidade diversa), fato este decorrente da exceção pluralista à teoria monista adotada, entre nós, em matéria de concurso de pessoas no delito. É o que ocorre no aborto (arts. 124 e 126), na bigamia (arts. 235, caput, e 235, § lº), no contrabando ou descaminho e na facilitação desse delito (arts.334 e 318), na fuga de preso ou interno e sua facilitação (arts. 352 e 35l), como também, na corrupção (arts. 317 e 333).

2. Interessa-me, aqui, a bilateralidade que pode ocorrer nos crimes de corrupção, isto é, quando os agentes, ao praticarem condutas recíprocas, devam ser enquadrados nas penas dos arts. 333 (corrupção ativa) e 317 (corrupção passiva), ambos do CP. Frise-se, desde já, que o estudo dos tipos penais indica que tal bilateralidade, não sendo obrigatória, é meramente ocasional, consoante os verbos empregados para exprimir as ações nucleares dos delitos. Na corrupção ativa, os verbos empregados são oferecer e prometer vantagem indevida...; na corrupção passiva são solicitar ou receber tal vantagem, bem assim, aceitar promessa dessa vantagem prometida. Observe-se que o verbo oferecer casa-se perfeitamente com receber. Isso também ocorre entre os verbos prometer e aceitar. Por fim, note-se que o verbo solicitar também casa-se perfeitamente com prometer. Em todas essas hipóteses, haverá bilateralidade com tipicidade diversa, desde e quando as condutas acontecerem concorrentemente.

3.Por outro lado, cumpre esclarecer que se o funcionário solicitar e, depois, receber a vantagem indevida não estará praticando dois delitos em concurso material. Trata-se, no caso, de um tipo complexo alternativo, pelo qual o cometimento de uma ou mais, dentre as condutas típicas, não permite afastar a unidade do crime. Além do mais, receber pode figurar como mero exaurimento (consumação material) do delito de solicitar ou de aceitar promessa de vantagem.

4.Chega-se, agora, a uma importante constatação. Trata-se da falta de previsão da ação de dar, entre as condutas típicas do crime de corrupção ativa. Tal falta, diga-se de passagem, não ocorreu no art. 299 do Código Eleitoral, onde o verbo dar encontra-se previsto, embora numa redação confusa e quase incompreensível, misturando, no mesmo dispositivo as corrupções eleitorais ativa e passiva, sem nenhuma técnica legislativa.

Assim sendo, qual será a conseqüência jurídica de o particular dar vantagem indevida a funcionário público?

Para responder à indagação, cumpre-me distinguir as seguintes situações:

a) o particular dá a vantagem ao funcionário a quem, antes, a havia oferecido ou prometido. Solução: dar é apenas componente da fase de exaurimento do delito (que poderá ensejar, apenas, a última ocasião de participação criminal);

b) o particular dá a vantagem que, antes, fora solicitada pelo funcionário. Solução: dar é ação atípica, ou seja, não prevista na lei como crime.

6. . Qual terá sido a razão da falta de previsão legal da ação de dar, tornando-a atípica?

Duas são as respostas possíveis e imagináveis: - omissão imperdoável da lei, causadora de uma lacuna que cumpre ser suprida mediante alteração legislativa; ou, segundo prefiro sustentar, - consciente e sábia opção da lei, vislumbrando a aproximação dessa modalidade de conduta do funcionário, ao praticar a corrupção passiva, ao crime de concussão (art. 3l6 do CP), pelo que o particular, longe de considerar-se sujeito ativo da corrupção ativa, deve figurar como sujeito passivo daquela citada infração. Dar a vantagem solicitada (que quase configura uma coação moral), assemelha-se, quanto à motivação, a uma ação impelida pela inexigibilidade de outra conduta - que excluiria a culpabilidade do agente, caso tivesse sido tipificado o comportamento.

7. Feitas essas indagações e observações, cumpre-me apontar as hipóteses de bilateralidade e falta de bilateralidade com tipicidade diversa nos crimes de corrupção.

Para essa tarefa, ofereço o seguinte quadro sinótico:

Particular

Iniciativa do particular

Iniciativa do funcionário

Funcionário

Corrupção ativa

Corrupção passiva

a) oferece

x

-

não aceita

x

-

b) oferece e dá

x

-

aceita e recebe

x

x

c) promete

x

-

não aceita

x

-

d) promete

x

-

aceita

x

x

e) promete e dá

x

-

aceita e recebe

x

x

f) não promete

-

x

solicita

-

x

g) promete

-

x

solicita

- (?)

x

h)promete e dá

-

x

solicita e recebe

- (?)

x

i) não dá

-

x

solicita

-

x

j)dá

-

x

solicita e recebe

-

x

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8. Em síntese, formulo as seguintes conclusões genéricas e específicas a respeito da bilateralidade ou ausência de bilateralidade nos crimes de corrupção:

1ª - a ação de dar ou é atípica (letra j) ou é integrante da fase de exaurimento da corrupção ativa, nas modalidades de oferecimento ou promessa (letras b e e);

2ª - prometer, além de prometer e dar, em face da impunibilidade da ação que seria mais grave (dar) não são típicas na corrupção ativa, quando a iniciativa do fato pertencer ao funcionário, que age, solicitando a vantagem (letras g e h);

3ª - receber a vantagem, após tê-la solicitado ou aceitado a promessa de dá-la, do particular, compõe, apenas, o momento de exaurimento da corrupção passiva (letras b, e, h e j);

4ª - em matéria de corrupção, ativa e passiva, só há bilateralidade com tipicidade diversa, nas situações previstas nas letras b, d e e;

5ª - assim, não há bilateralidade com tipicidade diversa, nas hipóteses descritas nas letras a, c, f, g, h, i e j.

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Sobre o autor
Dílio Procópio Drummond de Alvarenga

professor aposentado de Direito Penal na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARENGA, Dílio Procópio Drummond Alvarenga. A bilateralidade com tipicidade diversa nos crimes de corrupção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 305, 8 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5194. Acesso em: 16 abr. 2024.

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