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Teto remuneratório:

inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 41/2003

28/06/2004 às 00:00
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A EC nº 41, em vigor desde 19 de dezembro de 2003, modificou o art. 37, inc. XI, da Constituição Federal, fixando como teto remuneratório do serviço público a maior remuneração atribuída por lei a Ministro do STF e, como subtetos, o subsídio dos Prefeitos, no âmbito do Poder Executivo Municipal; dos Governadores, na esfera do Poder Executivo Estadual; dos Deputados Estaduais e Distritais, no contexto do Poder Legislativo; e, por fim, dos Desembargadores, balizando a remuneração do Poder Judiciário.

Assim modificado, o inc. IX do art 37, recebeu a seguinte redação:

"Art. 37.

XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e Defensores Públicos; "

De sua vez, o art. 8º da Emenda Constitucional em questão sinaliza que, enquanto não for editada a lei que fixe o limite remuneratório do serviço público, o teto corresponderá ao valor da maior remuneração atribuída por lei, na data da publicação desta Emenda, a Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Oportuna, a sua transcrição:

"Art. 8º. Até que seja fixado o valor do subsídio de que trata o art. 37, XI, da Constituição Federal, será considerado, para os fins dos limites fixados naquele inciso, o valor da maior remuneração atribuída por lei na data de publicação desta Emenda a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento de representação mensal e da parcela recebida em razão do tempo de serviço, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento da maior remuneração mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal a que se refere este artigo, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e Defensores Públicos; "

Antes da reforma, a espécie era regida pela EC nº 19/98, que estabelecia como limite remuneratório único o subsídio do Ministro do Supremo Tribunal Federal, mas subordinava sua aplicabilidade à edição de lei de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente da Câmara de Deputados, do Presidente do Senado e do Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Àquela época, divergiam os tribunais quanto à vigência do teto remuneratório fixado pela Emenda nº 19, que tomava por base a remuneração dos Ministros do STF, nesta incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza.

Reunido em sessão administrativa para interpretar o art. 48, inc. XV, da Constituição Federal, o STF, por 7 votos a 4, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Ilmar Galvão, pacificou o entendimento de que o regime de subsídio fixado pela EC nº 19/98 somente entraria em vigor com a edição de lei de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente do Senado Federal, do Presidente da Câmara de Deputados e do Presidente do STF.

Assinalou, ainda, a Suprema Corte que, até a edição da norma definidora do regime de subsídio, manter-se-ia a aplicação de um teto para cada esfera de Poder, excluídas as vantagens pessoais (leading case – ADIN 14), na esteira da originária redação do texto constitucional.

Por fim, proclamou o STF sua incompetência para, mediante ato administrativo interno, definir o valor do subsídio mensal de seus Ministros, matéria reservada à lei.

A EC nº 41/03, contudo, derrogou o art. 48, inc. XV, da Constituição Federal, eliminando a obrigatoriedade de lei de iniciativa conjunta.

Para reforçar tal linha de argumentação, é útil o cotejo da antiga com a nova redação do dispositivo mencionado:

"Art. 48.

XV – fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por lei de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente do Senado Federal, do Presidente da Câmara de Deputados e do Presidente do STF. ( Inciso acrescentado pela EC nº 19/98)

Art. 48.

XV – fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõe os arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III e 153 § 2º, I. ( Inciso com redação dada pela EC nº 41/2003)"

Ao tempo em que desatrelava da lei de iniciativa conjunta a fixação do limite remuneratório do serviço público, a Emenda 41/2003, em seu art. 8º, contemporizou, autorizando que, nesse interregno, vigeria o subsídio correspondente ao valor do maior vencimento então atribuído a Ministro do STF.

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Tal dispositivo, contudo, soa flagrantemente inconstitucional, porquanto usurpa competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, único legitimado para a fixação dos subsídios de seus membros, violando, assim, o princípio da separação de poderes (art. 96, CF).

Registre-se, ainda, que tal matéria é reservada à lei complementar, já que de forma reflexa interfere em vantagens pecuniárias da Magistratura, previstas na Lei Complementar nº 35.

Para balizar tal posicionamento, é providencial a transcrição do escólio de José Afonso da Silva [1]:

"Com isso, padece de inconstitucionalidade o art. 8º da EC nº 41/2003 que toma como subsídio, de trata o art. 37, XI, da Constituição Federal, o valor da maior remuneração, atribuída por lei a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço, até que seja fixado. Quer dizer, o dispositivo usurpa a competência constitucional do Supremo Tribunal Federal para a iniciativa de lei de fixação dos subsídios de seus membros. Ainda que isso seja feito em caráter subsidiário e provisório, o certo é que tal medida infringe o princípio da separação de poderes que tem naquela iniciativa um aspecto fundamental de sua vigência e eficácia, porque manifestação da autonomia do órgão de cúpula do Poder Judiciário".

Por tais razões, aflora evidente a inconstitucionalidade formal da referida espécie legislativa, por afronta aos arts. 96 II, b e 60, § 4º, III, da Constituição Federal.

Por seu turno, o art. 9 da EC nº 41 exibe clamorosa eiva de inconstitucionalidade material.

Uma leitura singela do seu texto basta a esta conclusão:

"Art. 9º. Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza".

Uma boa exegese do tema reclama a transcrição do art. 17 do ADCT, a que remete o art.9 da EC nº 41:

"Art. 17 – Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, nesse caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título".

Do dispositivo resulta clara a pretensão do legislador de reavivar a eficácia do art. 17 do ADCT, com o deliberado objetivo de amesquinhar a remuneração dos agentes políticos que legitimamente percebem subsídio acima do novo teto constitucional.

Ocorre que o art. 17 do ADCT, enquanto manifestação do Poder Constituinte originário – incondicional, autônomo e inicial – pode alterar situações constituídas anteriormente à promulgação da Constituição. Porém emenda constitucional, porque decorrente do Poder Constituinte reformador – derivado, condicionado e subordinado – está sujeita a limites materiais, que a impedem de alcançar direitos e garantias individuais do cidadão.

O método de elaboração legislativa utilizado no art. 9º da EC n 41, que, em vão, procura socorrer-se do art. 17 do ADCT, constitui indisfarçável tentativa de burla à garantia individual do direito adquirido, consagrado no art. 5, XXXVI, da Constituição Federal.

Em julgado recente (RE n. 298.695-0/SP - 06/08/2003), decidiu o Supremo Tribunal Federal que "a garantia da irredutibilidade de vencimentos é modalidade qualificada de direito adquirido e projeta-se para o futuro, de modo a assegurar o servidor contra a redução de estipêndio licitamente reajustado".

Assim, este estudo, de forma despretensiosa, realça a inconstitucionalidade – formal e material – da emenda em debate, alertando para a violação dos princípios basilares do Estado de Direito, que constituem impostergáveis garantias fundamentais dos cidadãos, em particular a separação de poderes e o direito adquirido.


Nota

1 Parecer jurídico sobre a EC nº 41/2003 elaborado por José Afonso da Silva, em resposta à consulta da CONAMP.

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Sobre a autora
Lívia Santos Ribeiro

Assessora de Gabinete da Procuradoria Geral de Justiça de Sergipe-PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Lívia Santos. Teto remuneratório:: inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 41/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 356, 28 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5402. Acesso em: 1 mai. 2024.

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