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O conflito entre tratado e direito interno face ao ordenamento jurídico brasileiro e outras questões conexas

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01/08/2004 às 00:00
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O objetivo deste estudo é verificar qual norma prevalecerá em caso de conflito entre o direito internacional e o direito interno. A resposta para este problema está na própria legislação interna de cada país, ou seja, no prestígio que se dá ao Direito Internacional.

RESUMO: A Constituição brasileira, por não dispor de cláusula indicativa da supremacia do direito internacional face ao direito interno, deixa para a jurisprudência a importante tarefa de definir um posicionamento a respeito da questão do conflito entre normas. Não obstante, não há que se falar em conflito de normas enquanto o Tratado, então vigente, não for denunciado, por se tratar de importante compromisso assumido perante a comunidade internacional.

PALAVRAS-CHAVE: Constituição Federal, Tratado, direito internacional, direito interno, conflito, STF.


1. INTRODUÇÃO

O tema em epígrafe é polêmico e atual, por tratar de questão que envolve o Direito Internacional (DI) em um delicado momento de redefinições de soberanias e de delimitações geográficas entre as nações. Esta realidade pode ser ilustrada pela sabedoria árabe, imortalizada nos versos de Gilbran: "A Terra é minha pátria, a humanidade é minha família". Numa terra de todas as nações, as questões que envolvem o DI merecem especial atenção por parte dos nossos juristas, especialmente no Brasil, onde é ainda incipiente o volume de estudos e teses a respeito.

É por isso que o objetivo deste estudo está em verificar qual norma prevalecerá em caso de conflito entre o direito internacional e o direito interno, além de outras questões conexas.

A resposta para este problema está na própria legislação interna de cada país, ou seja, no prestígio que se dá ao DI. De fato, há raros casos em que o DI se situe até mesmo acima da própria Constituição, como se verifica no caso da Holanda. Contudo, em dias atuais, é praticamente impossível a existência de um Estado absolutamente afeito à influência do DI.


2. TEORIAS

Há duas teorias a respeito do tema, cujas teses, proferidas na Academia de Haia [1], surgiram no final do século XIX e início do seguinte.

2.1 – TEORIA DUALISTA

A teoria Dualista surgiu no fim do século XIX, tendo como principais expoentes Carl Heinrich Triepel [2], na Alemanha e Dionisio Anzilotti, na Itália. No Brasil, destacamos Amílcar de Castro e Nádia de Araújo.

Para esta tese, os dualistas levam em consideração que o DI é a relação entre Estados, enquanto que o direito interno regula a conduta entre Estado e seus indivíduos. Assim, o Tratado terá eficácia apenas no âmbito externo, até que seja "incorporado" internamente.

Em outras palavras, o dualismo imagina o direito interno e o direito internacional como duas ordens jurídicas diferentes e independentes entre si. Não se fala em conflito de normas, já que o direito internacional só terá validade para o ordenamento jurídico nacional a partir do momento em que aquele for incorporado neste. Assim, o direito internacional não ingressará automaticamente na órbita jurídica interna do Estado, a partir da ratificação, mas tão somente mediante incorporação ou internalização (transposição da norma de origem internacional para o sistema interno através de uma manifestação legislativa).

Devido ao aspecto da incorporação, surgiram duas subdivisões ao dualismo [3]:

A) DUALISMO RADICAL – nesta modalidade, só terá valor jurídico interno o Tratado [4] que for internalizado mediante lei stricto sensu. Ex. Na Itália ocorre a ratificação seguida da lei de aprovação.

B) DUALISMO MODERADO – nesta modalidade, a internalização prescinde de lei (pode se dar através de simples Decreto), embora seja necessária a observância do procedimento previsto no direito interno. Ex. No Brasil ocorre a ratificação e a promulgação presidencial via Decreto.

Incorporado o Tratado, havendo conflito de normas, já não se fala mais em contrariedade de norma interna e Tratado, mas em conflito entre dois dispositivos nacionais.

Não obstante, esta tese reconhece o instituto da "responsabilidade internacional", aplicável no caso de o Estado não gerar condições para que o Tratado tenha eficácia interna e com isso ocorrer prejuízo a outra (s) parte. A responsabilidade é decorrente do princípio do "pacta sunt servanda", insculpido no art. 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (CV).

2.2. TEORIA MONISTA

Para a teoria monista, há uma única ordem jurídica, formada pelo DI e direito interno. Como assevera Accioly, "[...] em principio, o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado, quer nas relações internacionais" [5]. Esta unidade pode se dar de duas formas: ou dando primazia ao DI ou ao direito interno.

A) MONISMO COM PRIMAZIA DO DI

Esta modalidade teve como maior precursor Hans Kelsen [6], da Escola de Viena, formulando a conhecida imagem da pirâmide das normas, sendo que no vértice encontra-se a norma fundamental, que vem a ser a regra do direito internacional público "pacta sunt servanda".

Vários países, notadamente europeus, sofreram a influência desta tese, tais como a Alemanha, França [7], Inglaterra e Holanda. Também a maioria dos laudos arbitrais internacionais adota esta teoria, a exemplo da Corte Internacional de Justiça (CIJ).

Alguns autores indicam ser este o sistema adotado pelos EUA, pois os tratados prevalecem quando em contradição com lei estadual, seja ela anterior ou posterior ao Tratado (art. 6, II da Constituição dos EUA [8]).

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, similarmente, adotou em seu artigo 27 a mesma regra: "uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado".

No Brasil, até 1977, esta era a teoria adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda vigora para os tratados que versem sobre Direitos Humanos, segundo a interpretação do art. 5, parágrafo 2 da Constituição Federal (CF).

Destacam-se como os principais estudiosos do assunto, Flavia Piovesan e Cançado Trindade. Para eles, o Tratado de Direitos Humanos, ao ingressar no ordenamento jurídico nacional, possui status de lei constitucional. Em caso de conflito de normas, adota-se a teoria da norma mais benéfica. Celso Mello e H. Accioly figuram como outros adeptos ao monismo com primazia do DI, no Brasil.

No monismo com primazia do DI, o Direito Internacional é superior ao direito interno, em observância aos artigos 26 e 27 da CV, já citados.

Aqui, o Tratado ingressa automaticamente, sem necessidade de norma interna e prevalece sobre o direito interno.

B) MONISMO COM PRIMAZIA DO DIREITO INTERNO

Esta modalidade teve como maior precursor Hegel. Esta teoria determina que a soberania do Estado é absoluta.

Hoje, como fim das barreiras geográficas, com o aumento do número de atores internacionais no globo, com a influência dos laudos dos tribunais internacionais e opiniões de estadistas estrangeiros, perante nossas cortes, é impossível pensar a soberania do Estado na forma absoluta.

Esta teoria, adotada em regimes totalitários, choca-se com o art. 27 da CV.


3. O CASO BRASILEIRO

3.1. POSIÇÃO DOS INTERNACIONALISTAS

A maioria doutrinária no Direito Internacional brasileiro acredita que o Tratado prevalece até que seja ele DENUNCIADO internacionalmente [9].

Neste sentido dispõe o art. 11 da Convenção de Havana sobre Tratados de 1928 (âmbito da América): "Tratados continuarão a produzir seus efeitos, ainda quando se modifique a Constituição interna dos Estados contratantes".

Ao contrário da posição atualmente adotada pelo STF (vide, infra), os internacionalistas primam pela superioridade do Tratado. A justificativa para tanto está no fato de o Tratado possuir forma própria para sua revogação, ou seja, a denúncia. De outra forma, só podem ser alterados por normas de igual categoria.

Não é compreensível a lógica de que norma interna revogue compromisso internacional, e o poder legislativo, ao aprovar o compromisso internacional, assume a responsabilidade de não editar leis posteriores ao Tratado que com ela conflita. Trata-se de uma obrigação negativa assumida pelo Congresso Nacional – "teoria do ato próprio" (venire contra factum proprium non valet), que impede que o Congresso Nacional edite leis posteriores que contradigam o conteúdo do Tratado internacional anteriormente aprovado.

Além do mais, há de ser realizado um "controle preventivo" da constitucionalidade e da legalidade do tratado face ao ordenamento interno e aos interesses do Brasil.

Vale ressaltar que o controle da constitucionalidade, após a internalização do tratado no ordenamento brasileiro, dá-se pelo STF (via recurso extraordinário), nos moldes do art. 102, inciso III, alínea "b" da CF, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de Tratado, ou pelo STJ (via recurso especial), em conformidade com o art. 105, inciso III, alínea "a" da CF, quando a decisão recorrida contrariar Tratado ou negar-lhe vigência.

Para os internacionalistas, em se tratando de Tratado que verse sobre Direitos Humanos, nem mesmo a denúncia posterior poderá tirar a força obrigatória das normas já incorporadas no ordenamento brasileiro. Isso, pois o Tratado de Direitos Humanos, ao ingressar no Brasil, teria status de norma constitucional (interpretação do art. 5, parágrafo 2 da CF). Também por se tratar de temática de direitos individuais, seria cláusula pétrea, ou seja, nem mesmo Emenda Constitucional poderia alterar a norma. Muito menos em se tratando de simples Decreto de execução presidencial, como é no caso da denúncia. Neste sentido, vide também o princípio da dignidade da pessoa humana, disposto no art. 1 da CF.

3.2. POSIÇÃO DO STF

Como bem lembrado por Ricardo Seitenfus, na falta de fonte legal, cabe à jurisprudência a definição de um critério a respeito da questão dos conflitos entre Tratados e direito interno. De fato, nada consta expressamente em nossa Constituição Federal acerca do tema (exceto o já mencionado art. 5, parágrafo 2 da CF).

A) TRATADO COMUM x CF ANTERIOR

Em caso de conflito entre tratado comum (este entendido como não sendo relativo a Direitos Humanos) e CF, a posição do STF é no sentido de dar supremacia à CF. Assim, o tratado comum internalizado teria um status de lei ordinária.

Neste sentido, leciona Resek

[...] posto o primado da constituição em confronto com a norma pacta sunt servanda, é corrente que se preserve a autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo, deve aquele responder [10].

Como exemplo, tem-se o caso da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que versava a respeito do término das relações trabalhistas por iniciativa do empregador (vide ADIN 1.480 – DF – 1996). A Convenção entrou em conflito com norma constitucional anterior, no caso, o art. 7, inciso I da CF. Segundo a norma constitucional, norma complementar deveria disciplinar a respeito de indenização compensatória, dentre outros direitos, para despedida arbitrária sem justa causa.

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A Convenção, desta forma, não podia disciplinar matéria sujeita à reserva constitucional de lei complementar, posto ter status de lei ordinária (vide o Recurso Extraordinário 80.004, de 1977, infra), o que levou o Brasil a denunciar o Tratado.

B) TRATADO COMUM x LEI POSTERIOR

Critério cronológico

Até 1977, o posicionamento do STF era no sentido de dar primazia ao Tratado internacional quando em conflito com norma infraconstitucional. Contudo, a partir de 1977, o SFT tem adotado o SISTEMA PARITÁRIO, segundo o qual Tratado e lei interna têm o mesmo status de lei ordinária [11].

Embora não seja de nossa tradição constitucional estabelecer expressamente a posição hierárquica de tratado em relação a norma interna, o entendimento da paridade é justificado por alguns doutrinadores com base na interpretação do art. 102, inciso III, alínea "b", em que está disposto que compete ao STF, julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida "declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal" [12]. Assim, a interpretação destes doutrinadores é no sentido de que a conjunção alternativa "OU" tornou claro o entendimento de que lei infraconstitucional e tratado encontram-se num mesmo patamar hierárquico.

Este entendimento foi consagrado no precedente do julgado por ocasião do R. Extraordinário 80.004, de 1977 [13]. Trata-se do caso envolvendo a Lei Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, que entrou em vigor com o Decreto 57.663, de 1966, e uma lei posterior, o Decreto-lei 427/69. O conflito relacionava-se à obrigatoriedade ou não de existência do aval aposto na nota promissória – uma exigência formal para a validade do título que não constava no texto internacional. Prevaleceu, pois, o Decreto 427/69.

Segue a transcrição da ementa:

Convenção de Genebra – Lei uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas promissórias – Aval aposto à nota promissório não registrada no prazo legal – Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-lei n. 427, de 22.1.1969. Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Decreto-lei n. 427/1969, que instituiu o registro obrigatório da nota Promissória em Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do titulo cambial a que foi aposto. Recurso extraordinário conhecido e provido. [14]

A partir de então, o STF passou a adotar o CRITÉRIO CRONOLOGICO, ou seja, lex posterior derogat priori. [15]

Mais recentemente, na ADIn 1480-DF, o STF determinou que

Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmo planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, e conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes.

Critério cronológico e da especialidade

Um precedente importante alterou a regra do STF, que além de adotar o critério cronológico, também adotou o critério da especialidade.

Trata-se do conflito ocorrido entre o Pacto San Jose da Costa Rica, em seu art. 7, parágrafo 7º, e o art. 5, inciso LXVII da CF, que recepcionou o Decreto-lei 911/69. Trata-se do caso que envolve a questão da prisão civil por dívida de inadimplente alimentício e devedor infiel [16]. A norma internacional, mais branda, limitava a hipótese de prisão civil ao caso do devedor de alimentos.

Eis os dispositivos legais:

Art. 5º, inciso LXVII da CF: "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".

Art. 7, parágrafo 7º do Pacto: "ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar".

O STF, em julgamento ocorrido em 1998 (HC 77.631-5), determinou que a norma internacional estava prejudicada, por se tratar de norma geral em relação à norma especial da CF (lex specialis derogat legi generali).

Este entendimento, ressalte-se, é controverso, tendo em vista que no direito pátrio não há que se falar em hierarquia entre normas gerais e especiais (vide art. 2, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil - LICC).

Como bem se posiciona Maria Helena Diniz, a respeito do tema de conflito de normas,

[...] uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes [...]. A norma geral só não se aplicará ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial [17].

A questão está em determinar os elementos de "maior relevância jurídica". Em sintonia com o entendimento de Carla Pinheiro [18], defende-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1 da CF) estabelece que terá maior relevância jurídica a norma que melhor proteja os direitos fundamentais do ser humano. No caso, o valor de liberdade deveria sobrepor-se ao da segurança jurídica do credor.

Contudo, na jurisprudência está registrada a argumentação do Ministro Moreira Alves, que por ocasião do indeferimento do pedido de HC 72.131, em 1995, afirma que o Pacto de San Jose da Costa Rica estabelece normas gerais enquanto a CF/88, em seu art. 5º, inciso LXVII, estabelece norma especial.

Assim, a partir do julgamento do HC 77.631-5, o STF passou a adotar o CRITERIO CRONOLÓGICO + ESPECIALIDADE [19].

C) TRATADO COMUM x LEI ANTERIOR

Conforme o critério do STF, a princípio, em caso de conflito entre Tratado comum e lei infraconstitucional anterior, prevalece a norma internacional, por ser mais recente (critério cronológico). Contudo, há de se verificar se a norma mais recente é apta a revogar a anterior, ou seja, se é especial em relação à norma anterior.


4. DECISÕES ARBITRAIS E SENTENÇAS DE TRIBUNAIS INTERNACIONAIS VIA-À-VIS O DIREITO BRASILEIRO

Em 24 de julho de 2002 foi publicado no Diário Oficial da União, o Decreto n. 4.311, que regulamentou a adesão do Brasil à Convenção de Nova York, de 1958 [20], também conhecida como Convenção da ONU sobre o Reconhecimento e Execução das Decisões Arbitrais Estrangeiras.

Até então, a Lei 9.307, de 1996 - a Lei de Arbitragem brasileira, disciplinava os procedimentos que davam validade às sentenças arbitrais estrangeiras no território nacional. O reconhecimento destes laudos estava sujeito a um processo de homologação do STF, da mesma forma que as sentenças estrangeiras em geral, no entendimento do art. 102, inciso I, alínea "h" da CF, e seguia o ritual transcrito no Código de Processo Civil (CPC) e também no Regimento interno do STF. A execução era feita através de carta de sentença extraída dos autos de homologação, seguindo as mesmas normas aplicáveis à execução das sentenças nacionais, e sendo competente o juiz do foro indicado na convenção de arbitragem.

Após a internalização da Convenção de Nova York, que é o mais amplo tratado referente à prática da arbitragem internacional, a sentença emitida por um juízo arbitral passa a equivaler a um título executivo judicial, produzindo os mesmo efeitos da sentença emitida por um órgão do Poder Judiciário brasileiro, não sendo necessária a homologação desta pelo STF para a sua execução. Portanto, pode-se executar uma sentença arbitral estrangeira diretamente no juízo competente.

Da mesma forma, as sentenças proferidas por tribunais internacionais dispensam homologação pelo STF. Por óbvio, sentenças proferidas por tribunais internacionais não se enquadram no conceito de sentenças estrangeiras a que faz referência o art. 102, inciso I, alínea "h" da CF: "sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo STF".

Por sentença estrangeira, como lembra Valério Mazzuoli [21], deve-se entender aquela proferida por um tribunal atrelado à soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados. Será estrangeiro o direito afeto à jurisdição de outro Estado que não o Brasil, como o direito italiano. Mas uma proferida pela CIJ não o será, afinal trata-se de uma sentença internacional e não uma sentença estrangeira de um Estado específico.

A respeito do tema, vale reproduzir a lição de José Carlos de Magalhães

É conveniente acentuar que sentença internacional, embora possa revestir-se do caráter de sentença estrangeira, por não provir de autoridade judiciária nacional, com aquela nem sempre se confunde. Sentença internacional consiste em ato judicial emanado de órgão judiciário internacional de que o Estado faz parte, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, seja porque, em acordo especial, concordou em submeter a solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Internacional de Justiça. O mesmo pode-se dizer da submissão de um litígio a um juízo arbitral internacional, mediante compromisso arbitral, conferindo jurisdição específica para a autoridade nomeada decidir a controvérsia. Em ambos os casos, a submissão do Estado à jurisdição da corte internacional ou do juízo arbitral é facultativa. Pode aceitá-la ou não. Mas, se aceitou, mediante declaração formal, como se verifica com a autorizada pelo Decreto legislativo n. 89, de 1998, o país está obrigado a dar cumprimento á decisão que vier a ser proferida. Se não o fizer, estará descumprindo obrigação de caráter internacional e, assim, sujeito a sanções que a comunidade internacional houver por bem aplicar [...] Tal sentença, portanto, não depende de homologação do Supremo Tribunal Federal, até mesmo porque pode ter sido esse Poder o violador dos direitos humanos, cuja reparação foi determinada. [22]

Assim, havendo descumprimento de Tratado internacional por parte da Corte brasileira, nada obsta que se busque, nos foros internacionais competentes, mediante decisões internacionais, ou mesmo laudos arbitrais, uma resposta adequada e proporcional ao problema gerado face à não observância de um compromisso internacional.

Embora ainda seja cedo para trazer à baila os resultados destas reflexões, é certo que o prestígio ao direito internacional será retomado, sendo legítimos os instrumentos jurídicos à disposição para tanto.

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Sobre a autora
Amélia Regina Mussi Gabriel

Advogada. Professora universitária de Direito Internacional. Mestre em Direito do Comércio Internacional pela UNESP. Co-autora do livro "Tratado de Defesa Comercial: antidumping, compensatórias e salvaguardas", Observador Legal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GABRIEL, Amélia Regina Mussi. O conflito entre tratado e direito interno face ao ordenamento jurídico brasileiro e outras questões conexas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 390, 1 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5505. Acesso em: 20 abr. 2024.

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