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O uso de softwares robôs em pregões eletrônicos: uma ofensa ao direito fundamental à igualdade dos licitantes?

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07/02/2017 às 13:08
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Se o sistema efetivamente é capaz de assegurar a vitória ao licitante que o utiliza, então a licitação possui um vencedor desde antes de sua abertura, o que aniquila a competição e, por consequência, viola o ideário de igualdade entre os concorrentes.

RESUMO:A utilização de programas de computador para a oferta de lances automáticos em pregões eletrônicos tornou-se uma preocupação atual, e tem gerado uma grande discussão entre vários setores da sociedade, tais como: Governo Federal, Poder Judiciário, Tribunais de Contas, juristas e o próprio Congresso Nacional. O argumento de seus opositores é de que a igualdade entre concorrentes é preceito constitucional e não pode ser violada pela utilização de softwares de oferta de lances. Entende-se, ainda, que o Poder Judiciário já vem concedendo liminares para suspender licitações, em razão da necessidade de respeitar a isonomia. De acordo com a Constituição da República, as contratações da Administração Pública serão precedidas de processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes (art. 37, XXI). Trata-se, indubitavelmente, de lesão ao princípio da igualdade, pois produz uma assimetria entre os licitantes, aniquilando a isonomia de condições de concorrência. Do mesmo modo, fere o princípio da moralidade, que transcende a legalidade imposta pelo ordenamento jurídico, pois, ainda que a prática em questão não viole expressamente qualquer dispositivo legal, a sua utilização agride a finalidade constitucional da licitação, enquadrados dentro de padrões éticos e morais. 

Palavras-chave: Direito Fundamental à Igualdade. Licitação. Softwares robôs. Direito geral de liberdade. Ponderação de interesses.


INTRODUÇÃO

Os direitos fundamentais surgiram originariamente para proteger os cidadãos dos abusos perpetrados pelo Estado. Com o fortalecimento dessa categoria de direitos, tornou-se assente a idéia de que os mesmos também se prestam a salvaguardar interesses juridicamente protegidos que venham a ser violados por atos de particulares.

Segundo Lopes (2001, p. 46), constituem o resultado de todo um processo, tendo em vista a sua característica historicidade, e remontam ao surgimento do Estado Constitucional, no século XIX, retratando a evolução natural do homem. Possuem, além de uma natureza principiológica, inafastável função dignificadora, pois visam resguardar o princípio da dignidade da pessoa humana. Ainda, fundamentam o sistema jurídico e nele se encontram positivados em nível de Constituição Federal.

De fato, para a solidez de um sistema jurídico, faz-se necessário promover a manutenção da segurança jurídica necessária para balizar e legitimar a existência de um Estado Democrático de Direito, garantidor de direitos e garantias fundamentais ao homem para além do texto frio da lei.

Com esteio nessa premissa e sabendo que todos os direitos fundamentais devem incidir nas três esferas do Poder, inclusive nos atos da Administração Pública, a Constituição dispôs, em seu art. 37, inciso XXI, que a contratação de obras, serviços, compras e alienações realizada pela Administração Pública deverá ser precedida de regular procedimento administrativo, denominado “licitação”, cuja finalidade é selecionar a melhor proposta, garantindo-se aos concorrentes a igualdade de condições e a máxima competitividade.

A Lei Maior estabeleceu ainda, expressamente, em seu art. 37, caput, os princípios aplicáveis à Administração Pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Dentre estes, releva acrescentar que o princípio da impessoalidade relaciona-se intimamente com o tema ora proposto, pois impede discriminações e privilégios indevidamente concedidos aos administrados no exercício da atividade administrativa. Desta monta, percebe-se que o referido princípio colabora e com a efetivação do direito fundamental à igualdade nos certames públicos.

Foi nessa perspectiva que a Constituição Federal de 1988 veio classificar a igualdade, já em sede de Preâmbulo, como um valor supremo de “(...) uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...)”.

Pautado nos preceitos de economicidade e eficiência, e visando à agilidade nas contratações públicas, bem assim a transparência desses procedimentos, surgiu no Brasil, em meados do ano 2000, o pregão eletrônico. Conectado às novas tecnologias, especialmente à internet, essa modalidade licitatória veio desburocratizar as contratações públicas, promovendo iguais condições de competitividade aos licitantes e ainda a redução de custos para a Administração, tendo em vista a sua natureza de leilão público.

Ocorre que, no afã de conquistar a vitória em certames licitatórios, alguns concorrentes têm se utilizado de métodos que podem violar, sutilmente, os princípios norteadores da atividade administrativa, utilizando-se dos denominados “softwares robôs”. Dentre os fundamentos para esta prática, alega-se a inexistência de ilegalidade, pois não há regulamentação específica acerca do assunto. O tema é novo e merece estudo aprofundado a fim de que se possa vislumbrar a densificação dos direitos fundamentais no caso concreto, sem prejuízo para a igualdade e a máxima competitividade nos pregões eletrônicos, através da ponderação de interesses.

Desta feita, o presente estudo propõe-se a analisar decisão interlocutória que versa sobre o assunto, proferida no dia 31 de agosto de 2011, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0046754-49.2011.4.01.0000/DF, em Mandado de Segurança pendente de julgamento final, em conjunto com a publicação de julgado similar, proferido pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão n.º 2601/2011-Plenário, TC-014.474/2011-5, rel. Min. Valmir Campelo, 28.09.2011.

A relevância do estudo reside no fato de que se deve ponderar os valores e princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública, em face de novas práticas que surgem com o desenvolvimento tecnológico, já que os direitos fundamentais não são absolutos, mas sim harmônicos entre si. Em razão de novas técnicas e tecnologias, cientes de que o direito é uma ciência dinâmica, que deve atualizar-se constantemente para garantir a segurança jurídica dos seus jurisdicionados a partir da coordenação de valores constitucionais vigentes, a pesquisa tenciona avaliar a possível ofensa ao direito fundamental à igualdade dos concorrentes, em decorrência do uso dos softwares robôs nos pregões eletrônicos.


1 O DIREITO FUNDAMENTAL À IGUALDADE EM PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS

A máxima “todos os homens são (ou nascem) iguais” aparece e reaparece no amplo arco de todo o pensamento político ocidental, dos estóicos ao cristianismo primitivo, renascendo durante a Reforma, para assumir dignidade filosófica em Rousseau e nos socialistas utópicos. Mas foi apenas nas declarações de direitos, a contar do fim do século XVIII, que foi expressa em forma de regra jurídica propriamente dita (BOBBIO, 1996, p. 23).

Diante da importância do assunto, a Constituição Federal de 1988 prevê, já no Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, art. 5º caput, entre os direitos e deveres individuais e coletivos, duas referências expressas à igualdade, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) (grifo nosso)

Ao dispor acerca da organização do Estado, no Título III, o constituinte reservou ainda um Capítulo todo para versar sobre a Administração Pública, destacando no art. 37, inciso XXI que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifo nosso)

Como se depreende da leitura dos dispositivos supra, o direito fundamental à igualdade possui status constitucional e deve ser observado também nos procedimentos licitatórios. Nessa perspectiva, a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, denominada Lei de Licitações e Contratos Administrativos, veio regulamentar o art. 37, inciso XXI da Lei Maior, aludindo expressamente à isonomia e à igualdade em seu art. 3º, verbis:

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifo nosso)

Licitação é, portanto, um processo administrativo de contratação pública através do qual a Administração seleciona a proposta mais vantajosa para fins de contratação de obras e serviços, aquisição de bens, produtos, equipamentos ou materiais e venda de bens públicos inservíveis.

Na lição de Mukai (2003, p. 394), o dever de licitar decorre da existência de dois princípios: um de direito público, denominado indisponibilidade do interesse público; outro do direito administrativo, qual seja, igualdade dos administrados. O primeiro obriga o administrador público a buscar sempre a contratação mais vantajosa, pois ele não pode dispor nem abrir mão do interesse público. O segundo preleciona que o Poder Público deve tratar igualmente os administrados que estejam em igualdade de situação, oferecendo aos concorrentes que figuram em um certame iguais oportunidades de celebrar o contrato com a Administração.

Outro princípio aplicável é o da igualdade de oportunidades ou de chances, um dos pilares do Estado de Democracia Social, assim como o princípio da igualdade perante a lei foi um dos pilares do Estado Liberal. Trata-se da aplicação da regra de justiça a uma situação na qual existem várias pessoas em competição para a detenção de um objetivo único, que só poder ser alcançado por um dos concorrentes. É o caso do o sucesso no certame, por exemplo.

Esse princípio ganha relevo com o predomínio de uma concepção conflitualista global da sociedade, segundo a qual toda a vida social é considerada como uma grande competição para a obtenção de bens escassos. Assim, o princípio da igualdade das oportunidades preconiza a colocação de todos os sujeitos de uma determinada sociedade na condição de participar, efetivamente, da competição pela vida ou pela conquista de um objetivo significativo, a partir de posições iguais.

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2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PREGÃO ELETRÔNICO

O pregão é uma modalidade licitatória prevista na Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002 e que busca otimizar a competitividade e a agilidades nas contratações pública, através de um procedimento mais simplificado e ágil, com a inversão de fases do certame tradicional, para a contratação e/ou aquisição de bens e serviços comuns. Com essa desburocratização, reduziu-se em muito o fator que mais colabora para a morosidade nas competições: os recursos. (BITTENCOURT, 2010, p. 21).

Trata-se da primeira experiência da Administração Pública com processo de licitação informatizado e foi inspirado no procedimento de compras de grandes empresas brasileiras. Contudo, por ser tratar de licitação pública, submetida ao regime jurídico-administrativo, são imprescindíveis as formalidades necessárias para proporcionar a isonomia, segurança e transparência adequadas (NIEBUHR, 2011, p. 269).

Inicialmente instituído pela Medida Provisória (MP) nº 2.026, de 04 de maio de 2000, convertida na Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2001, a modalidade pregão teve seu regulamento na forma comum ou presencial aprovado pelo Decreto nº 3.555, de 08 de agosto de 2000, que também veio estabelecer uma lista de bens e serviços comuns passíveis de serem adquiridos ou contratados mediante pregão. A referida lista, apesar de ter sido elaborada com a natureza de rol taxativo, hoje funciona apenas como rol meramente exemplificativo. (BITTENCOURT, 2010, p. 21).

A principal diferença entre essa nova modalidade licitatória e as tradicionais recai sobre a inversão das etapas da licitação. No pregão, primeiro acontece o julgamento das propostas e depois a habilitação do licitante vencedor do certame, ao contrário do que é previsto para os outros processos concorrenciais públicos. Além disso, uma vez selecionadas as propostas mais vantajosas na fase do julgamento, o pregão admite que os ofertantes mais bem classificados reduzam os preços inicialmente apresentados mediante lances orais (no pregão presencial) e eletrônicos (no virtual).

Segundo Niebuhr (2011, p. 264), o pregão presencial e o eletrônico são espécies da modalidade pregão e possuem as mesmas premissas, os mesmos objetivos e os mesmos princípios jurídicos. As distinções decorrem apenas da adaptação do ambiente físico para o ambiente virtual. De fato, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, eficiência, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo e os princípios correlatos da razoabilidade, competitividade e proporcionalidade (art. 5º do Decreto nº 5.450/2005) são aplicáveis às duas espécies de pregão.

A forma eletrônica é resultado da influência da tecnologia da informação no âmbito das contratações públicas, com a adoção dos seus infinitos recursos, notadamente o uso da internet (NIEBUHR, 2011, p. 263). Adveio, originariamente, de previsão do parágrafo único do art. 2º da Medida Provisória que instituiu o próprio pregão, que destacava a possibilidade de realização do pregão por meio do uso de recursos de tecnologia da informação, nos termos de regulamentação específica. (BITTENCOURT, 2010, p. 21).

O pregão eletrônico fundamenta-se hoje no §1º do art. 2º da Lei nº 10.520/2002 e sua regulamentação específica ficou por conta do Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005, e é aplicável a todos os Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, ainda, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União (BITTENCOURT, 2010, p. 23). Acerca do uso da modalidade, o Plenário do Tribunal de Constas da União (TCU) proferiu entendimento recente, no Informativo nº 83 de sua jurisprudência, de 18 e 19 de outubro de 2011, com as seguintes recomendações, verbis:

É regra geral a utilização do pregão eletrônico para aquisição de bens e serviços comuns por parte de instituições públicas, nelas inclusas agências reguladoras, sendo o uso do pregão presencial hipótese de exceção, a ser justificada no processo licitatório (Acórdão n.º 2753/2011-Plenário, TC-025.251/2010-4, rel. Min. José Jorge, 19.10.2011).

Entre os benefícios desse procedimento, cite-se: dispensa, praticamente, o uso de papel, pois a maioria dos atos é enviada e recebida via internet; simplifica os encargos do pregoeiro, pois é o próprio sistema que recebe e ordena automaticamente cada lance; viabiliza a abertura da etapa de lances de vários itens ou lotes concomitantemente; encurta distâncias, ampliando a competitividade; e, ainda, maximiza a eficiência sob o prisma da economicidade (NIEBUHR, 2011, p. 265-267).

A ampliação de disputa deve ser fomentada desde que não haja comprometimento do interesse da Administração nem ofensa ao princípio da igualdade, salvaguardando-se a finalidade e a segurança da contratação desejada (parágrafo único do art. 5º, do Decreto nº 5.450/2005). De efeito, o inciso XXI, do art. 37 da CF e o art. 3º, da Lei nº 8.666/1993, exigem que seja resguardada, nas licitações, a igualdade entre os licitantes (BITTENCOURT, 2010, p. 72-73).

Para tanto, é preciso um sistema de informática hábil, seguro e transparente, conforme as exigências do §4º do art. 2 do Decreto 5.450/2005, cujo apoio técnico e operacional ficou por conta da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Destarte, quem conduz o pregão é o próprio órgão ou ente interessado, mas o sistema de informática é disponibilizado a todos pelo MPOG. Ressalve-se que, Estados, Distrito Federal e Municípios podem desenvolver sistemas próprios, ou mesmo utilizar sistemas gratuitos como o ofertado pelo Banco do Brasil e pela Confederação Nacional dos Municípios.

No que tange à segurança do sistema, a SLTI deve observar o que diz o §3º do mesmo artigo, que prevê medidas de segurança do sistema, como criptografia e autenticação, em todas as etapas do certame, pois nenhum sistema de informática é completamente seguro. O ponto nevrálgico do pregão eletrônico é, por conseguinte, a questão da segurança na transmissão e no uso da informação (NIEBUHR, 2011, p. 289-291).

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Sobre o autor
Leonardo Teixeira Maciel

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Ceará. Chefe da Seção de Licitações e Contratos Administrativos do Grupamento de Apoio de Fortaleza.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Leonardo Teixeira. O uso de softwares robôs em pregões eletrônicos: uma ofensa ao direito fundamental à igualdade dos licitantes?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4969, 7 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55595. Acesso em: 20 abr. 2024.

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