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Os herdeiros do holocausto, onde estão?

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15/08/2004 às 00:00
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A responsabilidade internacional é bastante pertinente ao Holocausto e ao confisco de bens das famílias judias na época do genocídio nazista. Questões ligadas à nacionalidade e à condição de herdeiro devem ser suscitadas.

Resumo: Desde os tempos bíblicos já existia uma noção implícita de responsabilidade internacional. Porém, somente em meados dos século XIX, foi dado uma maior importância acadêmica ao assunto, embora não haja dentro da esfera internacional uma codificação específica ao assunto, apenas um Projeto da Comissão de Direito Internacional, que se arrasta por longos anos. O assunto da responsabilidade internacional é bastante pertinente ao Holocausto e também ao confisco de bens das famílias judias na época do genocídio nazista. Entretanto, afigura-se, nos dias atuais, alguns questionamentos a esse respeito, como a teoria daqueles que negam a existência do holocausto. Há que se pensar também na personalidade jurídica internacional da pessoa humana, para que esta possa se posicionar perante as cortes internacionais de justiça. Questões ligadas à nacionalidade e à condição de herdeiro devem ser suscitadas e a busca para um entendimento pacífico deve ser permanente. Os direitos humanos devem permear o estudo do assunto da responsabilidade internacional em todos os seus aspectos técnicos, para que o pavilhão da justiça possa pairar sobre as nações que se acobertam pelo manto do melhor Direito Internacional, ou seja, aquele que deve buscar o bem da comunidade internacional, como seu fim maior.

Sumário: RESUMO; INTRODUÇÃO; I-ETIMOLOGIA, EVOLUÇÃO HISTÓRIA E CONCEITO, 1.Etimologia, 2.Evolução histórica, 2.1. A personalidade jurídica internacional da pessoa humana, 3.Conceito, 3.1. Conseqüências jurídicas da responsabilidade internacional do Estado, 3.2. Responsabilidade Internacional pela violação de Direitos Humanos, 3.3. Responsabilidade Internacional em face dos delitos e crimes internacionais; II-IDENTIFICANDO AS VÍTIMAS DO HOLOCAUSTO E SEUS HERDEIROS, 1.Revisionismo histórico e negação do Holocausto , 2.A Indústria do Holocausto, 3.A função da IBM na era nazista; III-ASPECTOS TÉCNICOS PRELIMINARES, 1. A nacionalidade do herdeiro, 2. Vítima ou sucessor?; SUCESSÃO NO DIREITO INTERNACIONA, 1.Conceito, 2.Questões sucessórias no Direito Internacional, 3.Conflito entre o Direito Interno e o Direito Internacional, 4.A sucessão no Direito Interno Privado; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA; ANEXOS, 1. Projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional sobre responsabilidade internacional dos Estados.


Graças dou por esta vida, pelo bem que revelou,
Graças dou pelo futuro, e por tudo que passou.
Pelas bençãos derramadas, pelo amor, pela aflição,
Pelas graças reveladas, graças dou pelo perdão.
Graças pelo azul celeste e por nuvens que há também,
Pelas rosas no caminho e os espinhos que elas têm.
Pela escuridão da noite, pela estrela que brilhou,
Pela prece respondida e a esperança que falhou.
Pela cruz e o sofrimento e pela ressurreição,
Pelo amor que é sem medida, pela paz no coração.
Pela lágrima vertida e o consolo que é sem par,
Pelo dom da eterna vida, sempre graças hei de dar.
(AUTOR DESCONHECIDO)


INTRODUÇÃO

É outono. O ar gélido da madrugada paira sobre a pequena Berseba, soprando contra os arbustos, que se agitam suavemente, num ocioso despertar. Pálidos raios de sol tingem o horizonte prenunciando a chegada de um novo dia. Abraão não dormira. Seu ânimo apreensivo furtara-lhe o sono. Aos primeiros sons matutinos, Abraão, após efetuar suas orações a Deus, despede-se de sua esposa e parte em direção ao monte Moriah. Juntamente com ele segue seu filho Isaac e também dois servos, cujos nomes a Bíblia não menciona. Para os três, Abraão dissera que iriam ao monte oferecer um holocausto, cerimônia bastante comum ao povo hebreu. Ao pé do austero monte Moriah, Isaac, com a alegria e curiosidade peculiares de um adolescente, volta-se ao seu pai Abraão e diz: "Pai, se formos oferecer um holocausto, vejo que está faltando algo; o fogo e a lenha vejo que trouxemos, mas o cordeiro do holocausto, onde está?"

A história acima narrada ocorreu há milênios atrás e as páginas das Sagradas Escrituras (1) a registraram.

Muito tempo depois, quando a humanidade já caminhava para meados do século XX, a loucura nazista espalha terror por toda a Europa e pouco depois, pelo mundo todo. É o pensamento de Hitler que entra em ação, na tentativa desvairada de se obter uma raça pura. Essa loucura conduz o planeta Terra a assistir uma das piores atrocidades da história do Homem: a matança indiscriminada de judeus nos campos de concentrações, após serem despojados de seus bens materiais. Estampa-se um cenário de perdas, separação, dor e muito sangue inocente a cair sobre a assustada terra, num episódio que ficou conhecido como Holocausto.

Entre ambos os acontecimentos acima narrados não há muita semelhança, a não ser pela palavra holocausto, que na origem grega holokaustos significa "inteiramente queimado".

No presente trabalho monográfico, nos deteremos a analisar o segundo acontecimento, dentro da visão jurídica no que pertine ao direito das sucessões.

O jovem Isaac perguntara a seu pai Abraão onde estava o cordeiro para o holocausto que iriam oferecer a Deus. Hoje, porém, a pergunta é: "Onde estão os herdeiros do Holocausto Nazista?"

Como dito anteriormente, na era nazista muitas famílias judias foram despojadas de seus bens materiais em decorrência do confisco determinado irracionalmente por Adolf Hitler.

Há que se questionar se de fato houve confisco, vez que este instituto reveste-se obviamente, da legalidade e moralidade. O que se descortinou na era nazista foi um despojamento de bens materiais por razões espúrias oriundas da vontade estatal.

Parece-me que não estamos diante do instituto jurídico do confisco, mas sim de uma apropriação indébita e violenta pelo Estado.

Uma grande parte desses bens apropriados indevida e violentamente encontram-se atualmente depositados em bancos de todo o mundo, sem a devida devolução a quem detenha o direito de reavê-los. Trata-se de jóias, quadros, obras de arte e até mesmo uma grande soma em dinheiro.

Esta situação me causa inquietações. Preocupo-me em saber que tais bens não foram ainda devolvidos aos herdeiros das vítimas mortas nos campos de concentração nazistas.

Pensando nisso, há muito tempo dispus-me a pesquisar este assunto. Pensando nisso, sempre perguntei-me: "Quem são e onde estão os herdeiros das vítimas do Holocausto?" E aproveito minhas indagações e pesquisas para apresentar este trabalho monográfico, como exigência universitária para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Minhas pesquisas sempre trouxeram como pano de fundo a questão da responsabilidade internacional do Estado, uma vez que esta é corolário do moderno Direito Internacional e visível se torna a necessidade de se trazer à responsabilização os Estados que direta ou indiretamente tomaram parte na execução do Holocausto nazista em todas as suas nuances.

A grande questão a que me proponho responder no presente trabalho diz respeito a saber quem, na atualidade, pode legalmente impetrar ações de responsabilidade internacional para receber os bens confiscados na era nazista.

Paralelo a este questionamento trarei à discussão alguns outros assuntos pertinentes. Brevemente analisarei a possibilidade de se saber com segurança quem são os herdeiros das vítimas do Holocausto, haja vista que nos dias de hoje pululam na comunidade internacional, inúmeros trapaceiros, cujo objetivo é angariar indenizações e/ou reparações indevidas.

Outro grande problema enfrentado pelo povo judeu é a negação histórica do Holocausto.

A velha discussão sobre a personalidade jurídica da pessoa humana é outro assunto de pertinência ao Holocausto, tendo em vista que os atuais herdeiros muitas vezes necessitam de apresentar-se pessoalmente perante as cortes internacionais na busca de seus direitos.

Para que sejam representados por um determinado Estado, surgem questões relativas à nacionalidade e ainda como questão preliminar discute-se no meio jurídico internacional a possibilidade de a pessoa humana aventurar-se perante as cortes internacionais na condição de herdeiro e não de vítima real.

São variados os assuntos que dizem respeito à responsabilidade internacional frente às vítimas do Holocausto, porém o assunto de maior complexidade ainda é a questão sucessória em âmbito internacional. Qual Direito aplicar quando em matéria de sucessões estiver em jogo circunstâncias que envolvam dois ou mais Estados?

Uma resposta pacífica e definitiva a este questionamento afigura-se de fundamental importância para o povo judeu dos tempos atuais. A preocupação não diz respeito a saber qual a vantagem de se aplicar um ou outro Direito, mas sim, que o Direito Internacional Privado normatize a situação para que haja maior segurança jurídica e celeridade nas decisões referentes às ações de responsabilidade internacional impetradas pelos herdeiros do Holocausto.

Em verdade, na presente pesquisa, não procurei aludir apenas à responsabilidade internacional em seus aspectos técnicos, mas busquei diversos assuntos que a meu ver têm pertinência com esse instituto de Direito Internacional, quando o tal é colocado frente à questão sucessória e mais especificamente, quando envolve questão dos herdeiros judeus. São assuntos que, juntos, levam a resposta da pergunta "onde estão os herdeiros do Holocausto?"

No primeiro capítulo do presente trabalho apresentarei o conceito de responsabilidade internacional, sua origem, desenvolvimento histórico e sua relação com os Direitos Humanos, os quais usei como segundo pano de fundo para minhas pesquisas. Tratarei também neste capítulo, de forma bem sucinta, mas a título de conceituação, a responsabilidade internacional por crimes e delitos internacionais.

No segundo capítulo tratarei, com uma breve nuance histórica, dos atuais problemas referentes ao Holocausto, como a sua negação e a sua exploração injusta e incoerente.

Adentrando ao terceiro capítulo, procurarei tratar de assuntos mais técnicos, no tocante à responsabilidade internacional frente ao aspecto que me proponho a discorrer, qual seja, a questão dos herdeiros das vítimas do Holocausto. Falarei ainda que brevemente, sobre as implicações da nacionalidade do indivíduo dentro da responsabilidade internacional e discutirei sobre a possibilidade de um herdeiro ingressar na órbita internacional para defesa de direitos adquiridos por seus ancestrais mortos.

Por fim, no último capítulo deterei minha atenção à questão de maior complexidade, que é a determinação do Direito a ser aplicado na sucessão internacional. Vale dizer, que a importância desse questionamento para o povo judeu refere-se ao fato de que, na reparação da mazelas nazistas, estampa-se matéria de caráter sucessório.

Em suma, posso dizer, que o presente trabalho é bem fragmentado, não se dirigindo a um único e específico assunto, mas a vários assuntos que caminham para um outro maior, qual seja, a responsabilidade internacional dos Estados e o respeito pelos invioláveis direitos humanos.

Confesso a dificuldade em angariar material para pesquisa, tendo em vista que por ser um assunto que envolve outros, quase não existe conteúdo direcionado a esta mesma linha de pesquisa a que me aventurei.

Porém, abraçando a obras de autores renomados, como Celso D. de Albuquerque Mello e Antônio Augusto Cançado Trindade, bem como outros especialistas em direitos humanos, pude avançar com certo conforto em minha pesquisa.

Não posso deixar de referir-me também à valiosa contribuição que saboreei na fonte inesgotável de saber do mestre Luis Cezar Ramos Pereira, incansável pesquisador da saga do Estrado frente à responsabilidade internacional.

Isso sem contar, com as oportunas orientações de meu caríssimo orientador Professor Expedito Figueiredo de Souza, a quem devo o mérito deste trabalho e da Professora Janaína Della Chiesa, que sempre de forma tão expansiva, não se cansou de colocar nos devidos eixos a condução deste trabalho.

Pretendo, ainda que de forma superficial, contribuir com a reflexão acerca da responsabilidade internacional frente às vítimas do holocausto.

O assunto é vasto e complexo, porém, creio firmemente que, ante às sucintas considerações a seguir tratadas, é possível caminhar em direção a uma razoável resposta para a pergunta que é o título deste trabalho: "Os herdeiros do Holocausto, onde estão?"

Há milênios atrás Isaac perguntara ao pai Abraão onde estava o cordeiro do holocausto. Hoje, porém, a pergunta diferencia-se um pouco. Não mais queremos saber quem é o cordeiro, mas sim quem são os herdeiros do Holocausto nazista.

Um breve ensaio de resposta encontra-se nas páginas a seguir.


I. ETIMOLOGIA, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITO

Ao adentrarmos ao estudo de qualquer assunto é deveras interessante que busquemos o significado do tal, bem como a etimologia da palavra em estudo. O conhecimento da etimologia de uma palavra de cunho jurídico nos leva a entender o sentido intrínseco do instituto que ela representa.

1.Etimologia

Responsabilidade, segundo o conceito jurídico dado pelo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, em sua 1ª edição, é a capacidade de entendimento ético-jurídico e determinação volitiva adequada, que constitui pressuposto penal necessário da punibilidade. Responsável, por sua vez, é aquele que responde pelos próprios atos ou pelos de outrem. Que responde legal ou moralmente pela vida, pelo bem-estar, etc., de alguém.

A palavra responsável, adotada do francês responsable, deriva do latim responsus e responsare, flexões do verbo respondere, que significa responder.

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Adentrando ao estudo etimológico, concluímos que respondere tem um significado mais profundo na língua latina. Formado por re (partícula reforçadora) e spondere (prometer com solenidade), o verbo dava idéia de uma resposta comprometida com a verdade. Spondere, por sua vez, origina na raiz spend, dando-nos a idéia de solenização de um ato religioso. Assim, responsável é aquele que responde pelos seus atos, comprometido solenemente com a verdade e responsabilidade, responsabile, é a virtude de quem assim o faz.

Ao falar-se de responsabilidade, ocorre-nos a lembrança de obrigação, cuja origem latina ob + ligatio, nos remete à idéia de vinculação, de liame, de cerceamento da liberdade em benefício de pessoa ou grupo de pessoas.

2. Evolução histórica

A noção implícita de responsabilidade internacional remonta os tempos bíblicos.

As alianças matrimoniais, pelo que se depreende dos relatos bíblicos, parece ter sido uma forma não apenas de chegar-se à paz, mas também uma maneira de se reparar por um mal causado. Podemos ilustrar tal assertiva citando o episódio narrado no capítulo 34 de Gênesis (2), em que Diná, a filha de Jacó fora deflorada por Siquem, um rapaz heveu. Para evitar uma luta sangrenta entre ambas as nações, e como forma de reparação pelo mal causado, Hamor, pai do infrator, propôs o casamento entre seu filho e Diná.

O desejo de responsabilizar a nação infratora era tão presente, que no episódio supracitado, lemos na Bíblia que, alguns dos filhos de Jacó, mesmo após o acordo entre ambas as famílias, entraram na cidade de Siquém e mataram todos os machos ao fio da.espada. Em seguida tomaram para si os bens materiais dos mortos, no desejo de se sentirem indenizados pela desonra de sua família e conseqüentemente pela desonra da nação judaica.

Porém, o conceito de responsabilidade internacional que temos hoje só veio a surgir muito tempo depois, já na Idade Contemporânea.

Segundo PEREIRA (2000, p. 33), a expressão responsabilidade internacional do Estado surge apenas nas últimas décadas do século XIX. Antes disso, outros critérios eram adotados.

Na Idade Média, os Senhores Feudais faziam justiça pelas próprias mãos, através das chamadas Cartas de Represálias. Tratava-se de documentos outorgados pelos soberanos aos seus súditos para que tomassem, através do uso da força, bens de estrangeiros, com intuito indenizatório, em caso de violação de direitos em momentos de guerras.

Alguns estudiosos da época doutrinavam que, sentindo-se uma nação lesada por outra, deveria procurar por meios pacíficos um ressarcimento ou indenização pelo dano. Caso houvesse uma denegação por parte da nação causadora da lesão, a nação lesada poderia, então, usar de seu direito de represália. Para Luiz César Ramos Pereira (2000, p. 34) esse posicionamento deu origem ao conceito de denegação de justiça.

Cumpre dizer que trata-se de denegação e não negação. Negar é dizer que algo não é verdade. Denegar, por sua vez, é recusar. Em se tratando de recusa em se fazer justiça, estaremos diante de um caso de denegação de justiça.

A teoria da responsabilidade internacional demorou para ganhar força, haja vista que até meados do século XIX predominava a idéia de soberania absoluta do Estado. Tal idéia não deixava margem para se conceber a idéia de que um Estado fosse responsável perante outro.

A chamada irresponsabilidade estatal teve como marco de seu fim o advento da Revolução Francesa. A turbação daquele período trouxe prejuízos de grande monta a bens de particulares, que começaram a impetrar diversas ações judiciais para obter ressarcimento contra o Estado francês. Para que o erário francês fosse protegido fez-se uma distinção entre atos de império e atos de gestão.

Atos de império são aqueles que a Administração pratica no gozo de prerrogativas de autoridade, como por exemplo, a ordem de interditar um estabelecimento.

Atos de gestão, por sua vez, são aqueles que a Administração pratica sem o uso de poderes comandantes. Cite-se como exemplo, a venda de um bem.

Somente os atos de gestão dariam a possibilidade de ressarcimento em caso de provocarem danos.

Essa distinção entre atos de império e atos de gestão está em desuso desde o final do século passado, pois perdeu sua função que era excluir a responsabilidade do Estado pela prática dos primeiros e admiti-la para os segundos.

A França continuou avançando em matéria de responsabilidade e, já na Constituição de 1789, fora acampado o princípio da responsabilidade dos funcionários estatais em decorrência de atos que causassem danos a particulares.

Com a queda de Napoleão III, um governo provisório assumiu o estado francês e através de um Decreto, o artigo 75 da Constituição, que previa a responsabilidade estatal, fora revogado.

Daí em diante, alguns Estados começaram a desenvolver algumas teorias calcadas na responsabilidade por culpa, e mais tarde, surgiu a aplicação com cunho na responsabilidade objetiva.

Atualmente encontra-se em trâmite o Projeto de codificação da responsabilidade internacional do Estado, de autoria da Comissão de Direito Internacional (vide anexo).

2.1. A personalidade jurídica internacional da pessoa humana

Paulatinamente à história e evolução da responsabilidade internacional do Estado, o Direito Internacional sempre caminhou em estado de evolução no que concerne ao entendimento da personalidade jurídica internacional da pessoa humana.

A grande questão nesse aspecto sempre foi determinar se a pessoa humana é sujeito do Direito Internacional ou objeto deste. A definição deste instituto tem implicações diretas em vários institutos do Direito Internacional, em especial a responsabilidade internacional do Estado.

A questão não é pacífica entre os estudiosos do assunto. As doutrinas sobre a personalidade internacional do indivíduo são inúmeras, porém podemos dividi-las em dois grandes grupos: os que negam e os que afirmam ser o homem sujeito do Direito Internacional.

A posição do indivíduo no Direito Internacional advém do Direito das Gentes, que revela a unidade e universidade do gênero humano. O Direito das Gentes procurou regular a comunidade internacional que é constituída de indivíduos. A violação do direito desses indivíduos reflete uma necessidade internacional com o mesmo princípio de justiça aplicado aos Estados.

Para o Direito das Gentes, toda norma jurídica cria direitos e obrigações para aqueles a quem se dirige. Dessa forma, o Direito das Gentes apregoava a possibilidade de proteção internacional dos direitos humanos contra o próprio Estado. As relações internacionais devem primar pelo bem-estar do ser humano.

Por sua vez, a afirmação de que o homem é sujeito de direito tem suas raízes na orientação jusnaturalista. Para o Jusnaturalismo, a primeira das leis é a lei eterna, que provém da vontade divina. Após viria a lei natural que seria a manifestação da lei eterna por meio da razão, sem o auxílio do sobrenatural. Para a lei eterna, o homem seria o fim de todas as coisas, ou seja, todas as coisas seriam para o homem. Assim, seria o homem o sujeito maior na lei divina.

Como bem explicita ALBUQUERQUE MELLO (2001, p. 766):

Direito, seja qual ele for, se dirige sempre aos homens. O homem é a finalidade última do Direito. Este somente existe para regulamentar as relações entre os homens. Ele é um produto do homem. Ora, não poderia o Direito Internacional negar ao indivíduo a subjetividade internacional. Nega-la seria desumanizar o Direito Internacional e transformá-lo em um conjunto de normas ocas sem qualquer aspecto social. Seria fugir ao fenômeno da socialização, o que se manifesta em todos os ramos do Direito.

Infelizmente o positivismo jurídico suplantou esse pensamento, fazendo com que os direitos humanos fossem reduzidos ao que o Estado quisesse conceder, dando total predominância ao consentimento e vontade do Estado, fato este que enfraqueceu o próprio Direito Internacional.

Existem duas razões pelas quais o homem deve ser considerado pessoa internacional. A primeira delas diz respeito a própria dignidade humana, que leva o ordenamento jurídico internacional a lhe reconhecer direitos fundamentais e proteger esses direitos, embora para o Positivismo o homem não tenha direitos inatos, uma vez que eles são um produto da sociedade. A segunda razão para se declarar a subjetividade internacional do homem está relacionada com a própria noção de Direito, obra do homem para o seu semelhante.

Ousamos tecer uma crítica ao positivismo, quando diz que o homem deixa de ser sujeito de direito a partir do momento em que o Direito é criação do próprio homem. Devemos observar, como referido acima, que o Direito é criação do homem, porém, para o benefício do próprio homem. Dessa forma, a pessoa humana estaria, mesmo assim, sendo o destinatário final do Direito, o que lhe confere a posição de sujeito, pois é o criador do Direito e ao mesmo tempo beneficiário dele.

A partir do século XIX começou uma forte reação contra a subjetividade do indivíduo, quando então é predominante a idéia de soberania absoluta do Estado. Somente através deste, o indivíduo poderia atingir o mundo jurídico internacional.

Apenas no século XX (3) com a idéia de democratização se afirmando, surge uma reação contra o monopólio do Estado.

O reconhecimento do indivíduo como sujeito do Direito Internacional, representou no século XX, uma revolução jurídica, com conteúdo ético tanto no Direito Interno quanto no Direito Internacional.

Já nas primeiras décadas do século XX, reconheceu-se a inconveniência da proteção do indivíduo através de seu Estado, uma vez que este passava a ser juiz e parte a um só tempo. Assim começa surgir a idéia do acesso direto do indivíduo à justiça internacional.

Internacionalistas de renome, como Hersch Lauterpacht, afirmavam que o indivíduo é o sujeito final de todo direito e não há nada no Direito Internacional que o impeça de ser parte em procedimento perante os tribunais internacionais.

Este é um raciocínio lógico, pois não é razoável ter direitos na esfera internacional sem a capacidade processual de reivindicá-los.

Para o jurista francês Paul Reuter, a partir do momento em que o indivíduo dispõe de recurso a um órgão internacional, torna-se sujeito do Direito Internacional.

Entre as teorias que negam a personalidade jurídica internacional da pessoa humana, podemos destacar o positivismo clássico e a teoria do homem-objeto.

Para o positivismo clássico, representado fortemente por Anzilotti e Triepel, apenas o Estado é sujeito do Direito Internacional, uma vez que, como referido anteriormente, esse ramo do Direito é produto da vontade estatal. A pessoa humana seria sujeito apenas no direito interno. As duas ordens jurídicas (interna e internacional) são independentes.

Mais uma vez ouso posicionar-me contra o entendimento dos respeitáveis internacionalistas. Sendo o Direito Internacional produto da vontade comum dos Estados, torna-se ele obrigatório para todos os Estados-membros da sociedade internacional, mesmo para aqueles que não manifestaram sua aceitação. Se o Direito Internacional repousasse no consentimento, seria ele apenas uma obrigação moral, podendo o Estado retirar a sua vontade a qualquer momento.

Dessa forma todos os indivíduos podem receber a proteção da norma jurídica internacional, independente de seu Estado ter manifestado sua vontade ou não na gênese de tal norma.

A teoria do homem-objeto sustenta que o homem tem no Direito internacional a condição de um objeto, como os navios e as aeronaves, constituindo-se assim, a relação entre Estado e homem, de natureza de direito real.

Essa teoria, tachada de imoral, deve ser abandonada em decorrência do disposto no artigo 6º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que preceitua o direito do indivíduo ser reconhecido como pessoa perante a Lei.

Na corrente dos que defendem a idéia do homem como sujeito do Direito Internacional, há apaixonados que chegam ao extremo de afirmar que somente o homem é sujeito de direito e o próprio Estado se reduziria a indivíduos.

Tal pensamento também não pode ser o mais aceitável, uma vez que os Estados continuam a ser os mais importantes sujeitos do Direito Internacional.

Comungamos com a idéia do ilustre doutrinador ALBUQUERQUE MELLO (2001:769) de que os sujeitos de Direito Internacional são todos aqueles que possuírem direitos e deveres perante a ordem jurídica internacional, ou seja, os Estados, as Organizações Internacionais e o homem.

Comungamos também com o raciocínio lógico de Lauterpacht de que todo aquele que possuir direitos na esfera internacional, conseqüentemente possui capacidade processual para gozar desses direitos, inclusive na condição de herdeiro (4).

O indivíduo possui capacidade de defender seus direitos no plano internacional, independente da tutela do seu Estado, e mesmo que seja contra seu Estado.

Esse pensamento encontra guarida junto às vítimas do Holocausto e seus sucessores. O que já se observou até hoje foi um discreto descaso por parte de alguns Estados em socorrer seus nacionais judeus, representando-os perante a Corte Internacional de Justiça, para conseguir indenizações e reparações das mazelas nazistas. Ora, se os Estados não se propuserem a impetrar ações na órbita internacional para socorrer o sofrido povo judeu, deve-se então outorgar o direito a este povo, de bater às portas da justiça.

Não se pode tapar os olhos a essa realidade. Uma vez que os descendentes judeus sentem dificuldades ao impetrar ações de responsabilidade internacional com o aval dos Estados onde residem, mister se faz invocar a subjetividade da pessoa humana e, como conseqüência, a sua capacidade processual internacional.

3. Conceito

Por responsabilidade internacional deve-se entender que é o instituto de Direito Internacional, através do qual é imputado a um Estado um ato ilícito, com o conseqüente dever de reparação.

Esta obrigação pode resultar não somente de tratados ou convenções, mas também de costumes ou de princípios gerais do Direito.

Para que se caracterize a responsabilidade internacional, faz-se mister a conjugação de três elementos:

  • a) Ato Ilícito: A ilicitude de um ato tem de ser conforme o Direito Internacional. Não necessariamente um ato, mas pode ser também um fato ou uma omissão que viole uma obrigação estabelecida por uma norma de Direito Internacional.
  • b) Imputabilidade: A ilicitude do ato deve ser imputada ao Estado como pessoa Jurídica (ato do Estado). Ela é o nexo que liga o ilícito a quem é responsável por ele.
  • c) Existência de um prejuízo: Faz-se necessária a existência de um prejuízo para que se fale em Responsabilidade Internacional. Tal prejuízo pode ser de ordem material ou moral. Em matéria de Direitos Humanos o que importa é que se prove que o súdito é realmente vítima de uma lesão por parte de um Estado, mesmo que não haja prejuízo (PEREIRA, 2000, p. 160).

Como dito anteriormente foi através do Estado francês que os demais Estados começaram a desenvolver teorias a respeito da responsabilidade estatal.

Em princípio, falava-se apenas em responsabilidade por culpa, para mais tarde chegar-se à noção de responsabilidade objetiva.

No campo do Direito Internacional Público, não se admite que a responsabilidade internacional leve em conta o elemento "culpa", mas sim que tal responsabilidade seja vista de forma objetiva.

Em regra, a responsabilidade internacional opera de Estado a Estado. Porém quando o lesado é o indivíduo ou uma sociedade, se faz necessário que o seu nacional o proteja, representando-o. A esse instituto dá-se o nome de proteção diplomática.

Porém, a proteção diplomática é discricionária, ou seja, o Estado só a concede se quiser.

3.1. Conseqüências jurídicas da responsabilidade internacional do Estado

A responsabilidade internacional cabe ao Estado que praticou o ilícito internacional, ao passo que o direito de reparação ou indenização cabe ao Estado lesado ou ao Estado cujos nacionais ou protegidos tenham sofrido a lesão.

Na reparação de um dano devem ser empregados esforços para restabelecer a situação que existia antes do ilícito.

Se tal restabelecimento não for possível, surge então a figura da indenização ou compensação equivalente. Podemos citar como exemplo a responsabilidade perante as vítimas do holocausto nazista. Infelizmente não se pode ressuscitá-las, trazendo assim, a situação que havia antes do genocídio. Dessa forma, a responsabilidade terá o caráter de indenização.

Por outro lado, na época do regime político de Hitler, muitos bens de famílias judias foram confiscados e guardados em bancos. Esses bens até hoje existem e podem ser devolvidos a quem de direito seja. Assim estamos diante de um caso de reparação.

A responsabilidade internacional perante as vítimas do Holocausto, guarda, por assim dizer, as duas modalidades: reparação e indenização.

3.2. Responsabilidade internacional pela violação de direitos humanos

Podemos, em palavras breves e simples, definir direitos humanos como o mínimo necessário para assegurar a liberdade e a dignidade da pessoa humana.

Ou no dizer de DALLARI (1998, p. 7):

uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e participar plenamente da vida.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu como uma resposta aos horrores nazistas, demarcando que os direitos humanos são direitos universais de interesse internacional.

Em decorrência dessa concepção trazida pela Declaração surge duas importantes conseqüências: a) a visão da soberania absoluta do Estado perde força, uma vez que são admitidas intervenções na atividade estatal para a efetiva proteção dos direitos de âmbito internacional; b) o fortalecimento da idéia de que a pessoa humana deve buscar a proteção de seus direitos de interesse internacional, na condição de sujeito de Direito.

Os direitos humanos não são finitos. São fluídos e abertos. Já na Antigüidade os gregos pensaram em positivá-lo.

Com o advento do Cristianismo, pregando que todos são filhos do mesmo Deus, a discussão a respeito dos direitos humanos ganhou força.

Na Idade Moderna o indivíduo passou a ser o foco da atenção estatal, possuindo direitos em face do Estado.

Essa noção de individualismo deu origem à Teoria Liberal dos Direitos Fundamentais. Para essa corrente de pensamento, os direitos fundamentais ou direitos humanos são os direitos de defesa do cidadão perante o Estado. Esses direitos fundamentais põem limites à ação do Estado.

Aos poucos esse enfoque subjetivista ganhou contornos objetivistas, quando alguns pensadores passaram a observar que só o Estado pode garantir o resgate da dignidade humana.

Estava surgindo, assim, a Teoria Social dos Direitos Fundamentais. Para essa teoria, os direitos fundamentais são os direitos de liberdade acrescidos dos direitos de intervenção do Estado, capazes de assegurar materialmente o respeito à dignidade da pessoa humana. Em outras palavras, para essa teoria, não basta falar em direitos de defesa do indivíduo; faz-se necessário pensar que também são direitos fundamentais aqueles que advém das medidas adotadas pelo Estado, para fazer valer efetivamente a dignidade da pessoa humana.

Modernamente faz-se distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos. Estes últimos seriam aqueles inerentes a todos os seres humanos, sem que haja a necessidade de estarem prescritos em algum ordenamento jurídico, como por exemplo, o direito à vida. Já os direitos fundamentais são aqueles que, embora de altíssima importância para o ser humano, precisam de prescrição legal para serem válidos. Em outras palavras seriam os direitos humanos positivados pela Constituição de um Estado, e que por esta razão passam a ser inerentes a todos os indivíduos que estejam vinculados de alguma forma, a esse Estado.

Essa evolução no conceito teórico dos direitos humanos demonstra a intenção de proteger um princípio mais amplo, que é a dignidade da pessoa humana, em um dado contexto histórico.

As teorias acima vistas auxiliam na compreensão das normas internacionais que podem ser tidas como normas de direitos humanos.

Com a positivação dos direitos no século XIX, através da promulgação de Constituições em cada Estado, decaiu a universalidade dos direitos humanos, que passaram a ser locais de acordo com as normas internas de cada Estado.

Somente no final do século XX é que ocorreu a internacionalização dos direitos humanos, como fruto do desenvolvimento do Direito Internacional. O fim da Guerra Fria consagrou os direitos humanos como um tema global.

Entretanto, a internacionalização dos direitos humanos sempre caminhou a passos curtos, haja vista que a proteção local deles não afeta per se os interesses de um cidadão de outro Estado, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com a proteção do meio ambiente.

O que se observa na atualidade, entretanto, é que a proteção internacional dos direitos humanos é imprescindível à governabilidade mundial, levando os Estados a pensarem em uma agenda e projetos comuns que superem as animosidades internacionais.

Essa busca por melhores condições de governabilidade está estimulando os Estados a aceitarem a internacionalização dos direitos humanos.

Devemos entender por Direito Internacional dos Direitos Humanos o conjunto de normas do Direito Internacional que criam mecanismos capazes de processar as obrigações do Estado em respeitar e garantir certos direitos de cidadãos nacionais ou não, independentes da jurisdição em que se encontrem.

Para se constatar a responsabilidade internacional do Estado, inclusive aquela decorrente da violação dos direitos humanos, há dois mecanismos: os mecanismos unilaterais e os mecanismos coletivos.

Pelos mecanismos unilaterais o estado ofendido passa a ser parte e juiz ao mesmo tempo, uma vez que ele mesmo analisa o pretenso ilícito internacional e requer a reparação ao Estado ofensor. Não sendo atendido, pode sancionar esse Estado. Esses mecanismos levam à perda de imparcialidade na aferição da conduta do Estado causador da lesão.

Os mecanismos coletivos, criados por tratado internacionais são levados a efeito através de órgãos compostos por pessoas que ouvem os interessados, analisam os fatos e decidem sobre a responsabilidade internacional do suposto Estado infrator.

É correto o entendimento que a aferição da responsabilidade internacional do Estado por violação das normas de direitos humanos deva ocorrer através de mecanismos coletivos que podem ser entendidos como o devido processo legal internacional, através do qual se identifica o fato ilícito, a relação causal entre a conduta imputável ao Estado e o resultado lesivo e também determina-se o dever de reparação.

A opção pelo mecanismo coletivo de apuração da responsabilidade internacional do Estado pelo descumprimento das normas internacionais de direitos humanos remete a três importantes funções.

A primeira delas é a função de verificação, ou seja, a análise imparcial da compatibilidade da conduta praticada com aquela prevista no Direito Internacional.

A segunda função é a da correção, ou seja, busca-se com mais vigor a cessação da conduta ilícita e o conseqüente retorno do status quo ante. Se não for possível que tal restabelecimento se dê na íntegra, admitem-se compensações, como a indenização em pecúnia.

A terceira função é a da interpretação, pela qual os mecanismos judiciais e extrajudiciais de responsabilidade internacional estabelecem o correto alcance e sentido da norma protetiva dos direitos humanos. Essa pacificação de entendimentos não seria possível, caso o mecanismo adotado fosse o unilateral, pois um único Estado não pode consolidar entendimentos jurisprudenciais de caráter internacional.

3.3. Responsabilidade internacional em face dos delitos e crimes internacionais

Não adentraremos aqui nos aspectos técnicos ou filosóficos do assunto em epígrafe.

Trataremos apenas de fazer uma rápida distinção entre crime internacional e delito internacional, para compreendermos detalhes de vital importância no tocante a saber quem pode figurar perante a Corte Internacional de Justiça, no pólo ativo das ações de responsabilidade internacional face ao Holocausto.

O Projeto da Comissão de Direito Internacional, em seu artigo 19, definiu como crime internacional

o fato ilícito internacional que resulta de uma violação por um Estado, de uma obrigação internacional tão essencial para salvaguarda de interesses fundamentais da Comunidade Internacional, que a sua violação está reconhecida como um crime por essa Comunidade.

A Comissão não baseou essa definição em caráter erga omnes. Entretanto, o art. 53 assegura que o crime internacional cometido por um Estado cria para todos os demais Estados, a obrigação de não reconhecer a legalidade da situação criada por este crime internacional, ou seja, a responsabilidade internacional por crimes pode ser exigida por qualquer Estado da Comunidade Internacional.

Se o fato ilícito internacionalmente atingir obrigações essenciais para a salvaguarda de interesses fundamentais da Comunidade Internacional estamos diante de um fato definido como Crime Internacional. São obrigações que concernem a todos os Estados, ou seja, todos têm interesse jurídico em que determinados direitos sejam protegidos.

Também existem obrigações que nascem a respeito de um outro Estado apenas e não dizem respeito à Comunidade Internacional, ou seja, não são de interesse geral. Ao ferimento dessas obrigações de Estado para Estado, dá-se o nome de Delito Internacional.

Faz-se mister, então, a correta definição de um ilícito internacional em crime ou delito, pois desta definição decorrem implicações jurídicas diversas no sentido de saber quem, na esfera internacional, pode impetrar ações de responsabilidade internacional.

Ora, sendo o genocídio classificado internacionalmente como crime, torna-se do interesse de toda a comunidade internacional a defesa das vítimas. Sendo um delito internacional, apenas o indivíduo lesado ou seu Estado nacional possuem legitimidade para recorrer à justiça internacional.

Pois bem, a vida é o bem jurídico lesado pelo ato ilícito do genocídio. A vida, por sua vez é um direito humano reconhecido pacificamente pela comunidade internacional. Todos os Estados possuem interesse em tutelar esse bem jurídico que por certo, é o maior de todos. A lesão à vida da pessoa humana constitui-se, então, um crime internacional e não um delito como muitos querem afirmar.

Dessa forma, qualquer que seja a nacionalidade da vítima cuja vida tenha sido lesada, o seu Estado nacional tem o dever de assegurar-lhe a representação perante as instâncias internacionais. O mesmo aplica-se aos sucessores das vítimas, como no caso específico dos herdeiros dos judeus sacrificados pelo regime nazista.

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Sobre o autor
Jairo Francisco do Carmo

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMO, Jairo Francisco. Os herdeiros do holocausto, onde estão?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 410, 15 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5566. Acesso em: 19 abr. 2024.

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