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Notas preliminares sobre a inconstitucionalidade das decisões judiciais eleitorais fundamentadas em indícios e presunções

23/02/2017 às 13:42
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Revisito regras e princípios concernentes ao contraditório substancial e os confronto com o artigo 23 da LC 64/90 para demonstrar que são inconstitucionais as decisões fundamentadas em indícios e presunções.

A sistemática normativa constitucional que assegura o princípio do contraditório substancial – opostamente ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.082 (ADI 1.082) – engloba fundamentos suficientes para certificar que o artigo 23 da Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990 – LC 64/90) é integralmente inconstitucional, especialmente no que diz respeito à possibilidade de julgamentos com base em indícios e presunções.

Lei Complementar 64/1990

[...]

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral. (Grifei)

Indiscriminadamente o artigo 23 da LC 64/90, ratificado pelo STF na ADI 1.082, tem servido de base para fundamentar decisões exaradas a partir de indícios e presunções, em detrimento do contraditório substancial, o que não é compatível com o constitucionalismo contemporâneo, a constitucionalização do processo e os direitos e garantias fundamentais insculpidos na Carta da República.

O entendimento acima pode ser encontrado em Eneida Desiree Salgado et al, ao afirmar que “com essa faculdade dada aos julgadores, não há previsibilidade, não há segurança jurídica, não há confiança legítima, não há contraditório, não há ampla defesa, não há devido processo legal no âmbito jurídico e jurisdicional que deveria assegurar a concretização do princípio republicano e democrático” (SALGADO, Eneida Desiree et al. O livre convencimento do juiz eleitoral versus a fundamentação analítica exigida pelo Novo Código de Processo Civil. In: TAVARES, André Ramos et al (coords.). O Direito Eleitoral e o Novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte, Forum, 2016, p. 343).

Verifica-se um silêncio doutrinário perturbador acerca da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1082 e, ato contínuo, um vigoroso crescimento de despachos e decisões judiciais com fundamentos, invariavelmente genéricos, no inconstitucional artigo 23 da LC 64/90, o que justifica a necessidade de fomento à discussão doutrinária acerca da temática.

Não contesto que no âmbito da jurisdição eleitoral tem o magistrado, além do seu mister tradicional, o dever de fiscalizar e garantir a igualdade no prélio e, para tanto, deve exercer o controle sobre o processo eleitoral.

Contudo, em nenhuma hipótese, muito menos a partir de fundamentos lacônicos e assaz abertos (como “interesse público da lisura eleitoral”), tem o julgador a prerrogativa do subjetivismo exacerbado de proferir decisões judiciais fundamentadas em indícios e presunções, posto que violadoras do princípio do contraditório substancial e cujos reflexos podem macular a decisão soberana do eleitor nas urnas.

O contraditório substancial, concebido a partir da constitucionalização do processo, deve ser entendido como a maximização dos direitos e garantias constitucionais relativos ao devido processo legal, ao contraditório, a não surpresa e à ampla defesa.

Julgar com base em indícios e presunções, as pesquisas preliminares já nos relevam isto, reduz o contraditório substancial, aumenta o grau de insegurança jurídica e de sentenças que são posteriormente reformadas. Tudo isso com graves prejuízos àqueles que foram eleitos democraticamente e, notadamente, aos eleitores que os elegeram.

Não nos revela congruente com o Estado Democrático de Direito - no qual o voto é soberano - que se possa decidir pela retirada de um representante eleito a partir de indícios ou do que o julgador presume que possa ser o justo ou injusto.

Cuida-se, em última análise, de violação, a um só tempo, do princípio do contraditório substancial e, ainda, do não menos caro princípio democrático.

Conforme saber balizado de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 620)

Por fim, é relevante considerar que além do aspecto (in) constitucional, há que se constatar que o artigo 23 da LC 64/90 foi tacitamente revogado pelo artigo 10 do atual Código de Processo Civil.

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Sobre o autor
Wagner Rabello Junior

Pós Graduado em Direito Eleitoral pela Universidade Cândido Mendes (UCAM); Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM); Bacharel em Direito pela Universidade do Grande Rio (Unigranrio); Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Advogado e Presidente do Escritório Rabello Advocacia. Professor de Direito Eleitoral, Direito Administrativo e Administração Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNIOR, Wagner Rabello Junior. Notas preliminares sobre a inconstitucionalidade das decisões judiciais eleitorais fundamentadas em indícios e presunções. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4985, 23 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55771. Acesso em: 19 abr. 2024.

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