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Desafios na aplicabilidade da lei penal na Operação Lava Jato

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Não obstante os avanços obtidos pelos investigadores da Lava Jato, a obtenção de provas tem sido difícil, bem como tem sido difícil também recuperar os recursos desviados.

1 INTRODUÇÃO

Ainda se vê, no Brasil contemporâneo, gestores que governam como se o Estado fosse uma extensão de suas propriedades, prejudicando a consolidação de uma administração pública eficiente e fortalecendo relações de poder embasadas em relações pessoais, quando deveriam privilegiar a meritocracia.

Nos últimos anos, o Brasil tem experimentado uma gama de mudanças na administração pública, representando importantes inovações na realização de políticas públicas mais efetivas. Houve um aprimoramento da burocracia do Estado, com foco em indicadores de resultados, responsabilidade fiscal e transparência pública.

Inúmeros atos de corrupção culminaram no que se conhece hoje por “Operação Lava Jato”.

Feitas estas considerações iniciais, o presente estudo discutiu os desafios na aplicabilidade da lei penal na “Operação Lava Jato”.

Iniciada em março de 2014, a Operação Lava Jato é uma investigação de iniciativa da Polícia Federal do Brasil (PF) com auxílio do Ministério Público Federal (MPF) com o intuito de apurar um esquema de desvio de recursos e lavagem de dinheiro, especialmente em contratos da Petrobras.

Atualmente, a Operação já avançou bastante e trouxe várias denúncias de corrupção e desvios de recursos públicos, bem como já foram indiciados e presos ex-diretores e gestores da Petrobras, de grandes empreiteiras do país e políticos envolvidos no esquema.

O estudo se justifica, pois, diante de tantos casos de corrupção que diariamente surgem em nosso país, muito se tem clamado por ampliação na publicidade institucional, pela transparência nos gastos públicos e uma limpeza na política.

Não é possível se conceber a responsabilização política sem que as ações estatais ganhem maior transparência perante a sociedade e que haja um maior diálogo entre a sociedade e os órgãos do estado. Para seu fortalecimento, a democracia exige informação da população. Portanto, para que essa informação se torne acessível, é imprescindível que a condução da coisa pública se dê de forma cristalina, com efetiva informação e prestação de contas a todos os cidadãos, e a noção de transparência se firme como um princípio essencial no controle da corrupção.

Não se pode deixar de reconhecer a crise vivida no atual modelo de representação popular no Brasil, somada ao desejo explícito da sociedade de moralizar a gestão administrativa em nosso país. A população cobra cada dia mais ética na condução da coisa pública, sendo a probidade e a moralidade administrativa eixos fundamentais na sua condução.

Para a realização desta pesquisa, optou-se pela revisão de literatura em livros e artigos que versam sobre o tema em análise.


2 CORRUPÇÃO

A corrupção é um evento que se manifesta mundialmente, afeta os mais diversos países, em todos os continentes, pois, invariavelmente, todos possuem um determinado nível de corrupção, fato que gera preocupação em todas as camadas sociais e em todo tipo de sociedade. Desse modo, pode-se dizer que todos os países sofrem com a corrupção, posto que nenhum país é perfeito e nem pode, soberbamente, dizer que está acima do problema. A partir desse contexto, merece destaque a consideração de José Álvaro Moisés (2010, p. 27), segundo o qual:

Independentemente de seus níveis de desenvolvimento, no entanto, a corrupção afeta um grande número de nações democráticas. Nas últimas três décadas uma sucessão de escândalos abalou os governos da Itália, Grã-Bretanha, Japão, França, Alemanha, Bélgica e Estados Unidos, mostrando que a questão também envolve as instituições que, em tese, podem assegurar ou não maior controle sobre as decisões que mobilizam grandes somas de recursos públicos. A pesquisa mostra que sistemas democráticos baseados em efetiva competição política propiciariam maior escrutínio público da ação de governos e colocariam o comportamento de burocratas e políticos sob a vigilância dos eleitores (accountability). A associação entre indicadores de liberdades civis e políticas e a percepção pública sobre a corrupção, baseada em índices internacionais agregados, varia dependendo dos níveis de mensuração do fenômeno, mas a longevidade da democracia e a liberdade de imprensa são fatores claramente identificados nas pesquisas por sua capacidade de assegurar a responsabilização de políticos e de burocratas corruptos. Quando ambas existem e são vigorosas, se não impedem completamente a existência da corrupção, oferecem claras alternativas para que a sociedade a controle e puna os seus responsáveis.

Dados da Transparência Internacional (2015, online), organização não governamental que se dedica ao combate da corrupção política em todo o mundo, demonstram que a corrupção mobiliza anualmente em torno de US$ 1 trilhão. Trazendo o problema para o cenário nacional, assinala pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2010, online) que cerca de R$ 50 bilhões são despejados anualmente no ralo da corrupção, equivalente a 1,38% de toda a riqueza produzida no país. Com o aludido desvio de verbas públicas, construir-se-ia, exemplificadamente, mais de 57 mil escolas e 918 mil moradias do programa Federal Minha Casa Minha Vida. O valor também corresponde à verba que o governo federal consumiu no Programa de Aceleração de Crescimento - PAC entre 2007 e 2010, com rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, marinha mercante e hidrovias.

Ressalte-se que combater corrupção é garantir o funcionamento dos serviços públicos. Com efeito, a sociedade possui um papel determinante nessa atuação, porquanto, destinatária final das políticas públicas, é quem sofre diretamente as consequências dos desvios.

A disseminação da corrupção no âmbito estatal tem contribuído para uma deslegitimação da própria democracia no Brasil, levando a um descontentamento da população a tal nível que acaba por neutralizar a ação da cidadania democrática. Segundo Moisés (2010, p.33-34):

[...] a aceitação social da corrupção no país influencia diretamente a qualidade da democracia. Essa aceitação é determinada por fatores ligados ao desenvolvimento, ao desempenho de instituições e dos governos, mas também pela cultura política. Ou seja, a aceitação da corrupção é maior entre habitantes de regiões menos desenvolvidas, politicamente mais autoritários, socialmente mais conservadores e entre os que avaliam positivamente o governo do dia e instituições como o Congresso.

Nos últimos, constata-se muitas vezes a ausência de um forte sentido de nacionalidade, grande desigualdade na distribuição da renda, o acesso à riqueza feito principalmente por meio de cargos políticos e a baixa legitimidade das instituições de governo. Daí os custos de atos corruptos se manifestarem por certo nível de decomposição do Estado e da sociedade civil, pela instabilidade gerada pela maior destruição da legitimidade das estruturas políticas, pelo desperdício de recursos em decorrência da evasão de riquezas para outros países, e até mesmo pela alienação de bons servidores civis, redução de seus esforços ou sua retirada do país.

O desinteresse e desconfiança com a classe política faz com que os cidadãos se afastem cada vez mais das questões político-partidárias, impedindo, assim, que haja uma efetiva renovação na representação popular, assim como a consequente perpetuação de famílias no poder.

A corrupção, portanto, também mina o sistema político e a confiança. Pode transformar-se numa forma regressiva de influência, servindo aos que têm maior capacidade econômica, a expensas dos que não têm, ampliando e fortalecendo injustiças e desigualdades sociais. Por ela, importantes reformas podem ser retardadas, atenuadas ou de todo evitadas.

O parâmetro que pode ser usado, dentro das democracias modernas, para a definição da corrupção, é o da legalidade como elemento central de legitimidade. Então, ocorrerá a corrupção sempre que houver uma sobreposição, dentro da Administração Pública, dos interesses particulares sobre o coletivo, quando usa indevidamente a burocracia espaço de conformação para atender tais demandas.

A Administração Pública, por sua própria natureza, possui uma estreita vinculação com os órgãos políticos de governo democraticamente legitimados, gozando, dentro da ordem jurídica vigente, amplo espaço de conformação e liberdade decisória na realização dos interesses públicos. Ela atua, dentro do Estado moderno, primordialmente por meio de procedimentos previamente estabelecidos por lei, decorrentes da racionalidade formal, exteriorizada pelo modelo legal-burocrático. Assim, no modelo burocrático, é o atuar procedimental e impessoal que lhe confere legitimidade (CARNEIRO, 2014).

Tão grave quanto a corrupção econômica, materializada nas propinas, desvios de recursos públicos e licitações fraudulentas, é aquela verificada no processo eleitoral, onde detentores de grandes interesses econômicos financiam eleições, formam bancadas de defensores de seus privilégios em todas as esferas de poder. Esses financiadores passam a exercer enorme influência na determinação das políticas públicas a serem desenvolvidas pelo Estado, na regulamentação de sua atividade fiscalizadora, assim como na produção normativa de tributos (FERREIRA; FORNASIER, 2015).

Também o sistema político favorece a troca de favores entre o legislativo e o executivo, consubstanciada no controle da liberação de emendas e loteamento dos cargos em comissão, como forma de obtenção, por parte do executivo, de apoio parlamentar na aprovação de sua agenda.

A liberação de recursos compõe uma estratégia empregada por políticos para edificar e manter conexões políticas que possibilitem a sua perpetuação no poder. Daí são formadas as relações de dependência entre esses políticos e autoridades locais, assim como daqueles com o governo federal.

Enquanto os parlamentares usam de eventual prestígio para encaminhar demandas locais perante a administração central, especialmente no que se refere à liberação de recursos públicos, vão consolidando seus domínios políticos perante aquela população atendida, que retribui com apoio político em futuras candidaturas, formando uma relação de interdependência.

Faz-se imperiosa, portanto, uma ruptura com o nosso passado, de modo a afastar os vícios de origem, fundados no patrimonialismo, focando na procura de instrumentos de racionalização e mudança social, que sejam capazes de instituir um novo modelo de desenvolvimento político.

A corrupção, como marca do caráter brasileiro, pode ser combatida com a modernização da máquina administrativa, rompendo-se com o passado patrimonialista e estamental. Desse modo, as reformas administrativas tomam um espaço de destaque na pretensão de reforma do Estado.

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A proteção do Estado contra a corrupção demanda a divisão de papéis entre a sociedade e a Administração Pública, resultando um necessário afastamento delineado pela ordem jurídica, de modo a resguardar, judicialmente, os interesses privados e públicos.

Não se pode negar que, dentro do contexto de um Estado Democrático de Direito e, mais, num regime de democracia representativa, as práticas administrativas são direcionadas de modo a dar consecução à vontade política estabelecida segundo os procedimentos democráticos (GARCIA; ALVES, 2010).

Porém, embora devam atuar lado a lado, a administração e os representantes políticos eleitos (governo) não podem ser confundidos. Cabe a estes a formulação das diretrizes políticas que pretendem ver implantadas, enquanto a execução das mesmas compete à burocracia estatal de caráter legal-racional, que deve ter sua atuação orientada pelos princípios constitucionais da Administração Pública insculpidos no caput do artigo 37 da Constituição Federal.

As políticas públicas de um país devem guiar-se pela lógica do interesse comum. E esse interesse comum se consubstancia no sufrágio eleitoral, mas, sobretudo, nas aspirações consolidadas na Constituição Federal e no ordenamento jurídico.

O que hoje se verifica, contudo, é a proliferação de escândalos que demonstra a confusão existente em muitas esferas da vida pública nacional, relativamente às políticas públicas. É difícil diferenciar o que é política de partido, compreendida como a que está no programa partidário e orienta a luta política dos partidos, da política de governo, que seria a que se conecta através dos tempos, sofrendo transformações refletidas nas eleições, nos governantes, indo além do mandato presidencial.

Daí haver a imperativa urgência de se ter políticas de Estado. Imperioso mencionar que, num ambiente institucional ideal, as políticas de partido não devem prevalecer sobre as políticas de Estado. Estas devem encontrar-se acima dos interesses do momento e das políticas de governo e, em especial, acima dos interesses de um partido ou grupo político. Devem estar fundadas em valores e aspirações nacionais.


3 OPERAÇÃO LAVA JATO

A Operação Lava Jato é uma investigação realizada pela Polícia Federal em conjunto com o Ministério Público Federal, referente a uma organização criminosa constituída por funcionários públicos, políticos, doleiros, operadores financeiros e executivos. Algumas empresas (empreiteiras) dividiam entre si os contratos que seriam firmados junto ao setor público através de licitações fraudulentas. O esquema funcionava através do pagamento de propina a partidos políticos visando benefícios futuros. Este esquema foi responsável por um rombo na casa dos bilhões de reais aos cofres públicos.

A Operação Lava Jato apurou que os valores superfaturados de refinarias, navios e outros serviços de responsabilidade da Petrobras eram desviados para executivos, políticos e partidos. Os escândalos levaram à repentina queda no valor das ações da Petrobrás trazendo grande prejuízo aos cofres públicos e, consequentemente, à sociedade.

Nesse contexto, muitos gestores, doleiros e políticos já foram presos e, na tentativa de reduzir as penas recebidas, têm aderido a acordos de delação premiada, fazendo crescer, cada vez mais, o número de investigados no esquema.

O movimento muito se assemelha com a “Operação Mãos Limpas” ocorrida na Itália no ano de 1992. Esse escândalo revelou que foram pagos US$ 250 milhões em propinas para líderes políticos pertencentes a cinco partidos italianos, recursos estes desviados da empresa pública-privada petroquímica Enimont[1].

Não obstante os avanços obtidos pelo Ministério Público Federal em investigar e punir os infratores, a obtenção de provas tem sido difícil, bem como tem sido difícil também recuperar os recursos desviados.

Em razão dos investigados serem pessoas influentes e protegidos da classe política, até mesmo o Congresso Nacional tem se empenhado em aprovar manobras para dificultar a apuração dos fatos e punição dos responsáveis.

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Sobre o autor
Diego Vinícios de Araújo Fagundes

Formado em Física, bacharelado, pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciado pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Pós-graduado (especialização) em ensino de Física, pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Faculdade Cristo Rei de Cornélio Procópio. Agente de Polícia da PCDF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAGUNDES, Diego Vinícios Araújo. Desafios na aplicabilidade da lei penal na Operação Lava Jato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5023, 2 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55881. Acesso em: 25 abr. 2024.

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