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Direito do trabalho e sua efetivação

08/03/2017 às 08:38
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A ruptura com antigos paradigmas serve como pano de fundo para fundamentar a flexibilização dos direitos, principalmente os trabalhistas. Flexibilizam-se os empregos, as formas de contratação e de dispensa, de tempo e de função para atender às necessidades do mercado.

O Direito do Trabalho, enquanto direito social fundamental, pode ser compreendido sob dois aspectos. No que cinge ao direito ao trabalho, tem-se o direito individual subjetivo de todo homem de acesso ao mercado de trabalho e à capacidade de prover a si mesmo e à sua família, mediante seu próprio trabalho, que deve ser digno.

Em relação ao Direito do Trabalho propriamente dito, refere-se ao direito social, coletivo, inerente a determinado grupo merecedor de proteção especial em face de sua desigualdade fática: os trabalhadores. Fixa o “patamar mínimo civilizatório” sem o qual não se aceita viver, derivado da igualdade substancial e que tem como substrato a dignidade da pessoa humana.

No que tange à dignidade da pessoa humana é possível afirmar a existência de duas dimensões: individual e social. O aspecto individual alude à integridade física e psíquica do homem e se relaciona com as liberdades negativas dos direitos fundamentais de primeira geração.

A dignidade social diz respeito à afirmação do homem enquanto ser pertencente a uma sociedade e está intrinsecamente ligada às liberdades positivas e à igualdade substancial proposta pelos direitos fundamentais de segunda e terceira geração.

Ademais, funda-se no parâmetro do mínimo existencial a ser assegurado a todas as pessoas.

Ambas as características são interdependentes e se completam para formatar a concepção correta da dignidade da pessoa humana. Isso porque não há que se falar em direito à vida ou à liberdade sem que se garanta o acesso de todos à saúde, à educação e ao trabalho. E, também, não se pode falar em direito ao trabalho e à educação sem se afirmar o direito à vida e à liberdade.

A concretização do princípio da dignidade da pessoa humana só é possível pela conjugação de suas duas dimensões: individual e social. O grande problema não é auferi-las do ordenamento jurídico pátrio, mas sim efetivá-las. O discurso neoliberal em voga nos dias atuais propugna, propositalmente, o abandono da concepção social da dignidade da pessoa humana, restringindo-a a uma concepção individualista de mera proteção aos direitos de liberdade.

O princípio da igualdade é olvidado, sob a falácia de que os homens já alcançaram o patamar de igualdade substancial possível, sendo bastante a igualdade meramente formal. Propõem os neoliberais a supressão dos direitos especiais garantidos a determinados grupos sociais, ao argumento de que o tratamento diferenciado constitui “tratamento privilegiado” e, portanto, injustificado.

Nesse contexto, o Direito do Trabalho consolida-se como o principal instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana, ao possibilitar a inclusão efetiva do indivíduo-trabalhador na sociedade capitalista. Cabe lembrar que a atividade estatal deve ser pautada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o ser humano é o “centro convergente de direitos” de todo o ordenamento jurídico e a dignidade constitui o substrato mínimo a ser assegurado a todos igualmente.

Consoante Ledur: “[...] a dignidade da pessoa humana se consolida se ela é livre e possui meios materiais para prover à sua existência, para o que são necessárias garantias mínimas por parte do Estado”.

Essa garantia mínima a ser assegurada pelo Estado é o Direito do Trabalho. É por meio do trabalho digno que o homem se afirma e se insere na sociedade capitalista. Além disso, possibilita ao indivíduo o acesso às condições de uma vida digna para ele e para a sua família.

Nesse sentido preceitua o art. 23 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948: Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana.

As Constituições brasileiras de 1946 e 1967 já relacionavam, em seus arts.145, § 2º, e 160, respectivamente, a dignidade da pessoa humana ao Direito do Trabalho, ao prescrever que a todos é garantido trabalho que possibilite a existência digna. Trata-se de uma primeira referência à dignidade da pessoa humana, vinculando-a ao trabalho. Porém, foi menção tímida, pontual, isolada, não se espraiando por todo o espírito normativo constitucional.

Em 1988, contudo, novo paradigma normativo surge quanto a esse aspecto, elegendo a Norma Fundamental a dignidade da pessoa humana como fundamento da República brasileira e princípio basilar da ordem social e econômica.

Em outras palavras, atesta-se que a existência digna está intimamente ligada à valorização do trabalho, de modo que não se obtém a realização plena da dignidade da pessoa humana quando o trabalho não for adequadamente apreciado, o que coloca em xeque ainda a própria organização republicana. Assevera-se que a ausência de trabalho digno afeta não apenas a pessoa que a ele não tem acesso, mas todo o seu grupo familiar e social. Ademais, os direitos sociais - dentre eles, o ramo justrabalhista - integram o rol de direitos fundamentais, cuja violação compromete a própria ideia de dignidade da pessoa humana.

Assim, deve-se garantir ao homem o direito de alcançar, mediante o seu trabalho, os recursos indispensáveis para desfrutar de uma vida digna. O trabalho regulado, ou emprego, é protegido pela legislação trabalhista, com o objetivo precípuo de melhorar as condições de vida do trabalhador e fixar o “patamar mínimo civilizatório” inerente a todos os empregados em face da sua condição peculiar na sociedade capitalista moderna. O empregado é considerado parte hipossuficiente da relação trabalhista, haja vista que submetido ao poder empregatício do detentor dos meios de produção.

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Cabe lembrar que o Direito do Trabalho regula as relações de emprego e que relações de trabalho são gênero do qual a relação empregatícia é a espécie mais importante. Na relação de trabalho, o trabalhador se caracteriza como pessoa física que coloca sua mão-de-obra a serviço de outrem. Já na relação de emprego só é empregado aquela pessoa física que dispõe da sua força laboral com pessoalidade, subordinação, não-eventualidade e onerosidade.

O Direito do Trabalho serve precipuamente aos empregados. Nessa esteira, as regras trabalhistas somente são aplicáveis aos trabalhadores na hipótese de existência de norma jurídica expressa nesse sentido. Ressalte-se que o sentido maior do Direito do Trabalho - a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e a determinação do mínimo existencial - deve ser interpretado para todos os trabalhadores, pois o ordenamento jurídico pátrio não concebe a existência de ninguém em situações aquém do seu princípio básico: a dignidade da pessoa humana.

Todavia, é forçoso compreender que nesse artigo não se propõe a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, por se tratar de matéria que exige estudo apurado e criterioso específico.

Trata-se da concessão e da garantia de vivência (e não apenas mera sobrevivência) digna a todos os trabalhadores. Elegem-se as diretrizes fundamentais do trabalho digno, a fim de certificá-lo como substrato da dignidade social da pessoa humana e, portanto, inerente a todo ser humano.


O DIREITO DO TRABALHO NO PARADIGMA DO ESTADO NEOLIBERAL

O atual paradigma do modelo capitalista de produção e dentro do qual está inserida a sociedade moderna é o “Estado Neoliberal”. Com a crise do Estado de Bem-Estar Social e a ascensão da hegemonia ultraliberal nos planos político, econômico e cultural, o Estado Neoliberal firmou-se como o modelo estatal preponderante na sociedade contemporânea.

O verbo preponderante do “sistema capitalista”, pilar do “Estado Neoliberal”, é “acumular”.

Cada empresa luta para controlar o mercado, numa espécie de acirrada corrida pelo monopólio de determinado setor. As fábricas, que antes eram pesadas, “verticais” e com rígidas hierarquias, passam a se “horizontalizar”.

A empresa deve ser enxuta, com um quadro mínimo de empregados fixos, resumindo-se aos obreiros da sua atividade principal. Do mesmo modo que preconizavam a diminuição da máquina estatal, os neoliberais impeliam as empresas à chamada “horizontalização”.

De acordo com Viana, os trabalhadores das empresas neoliberais podem ser classificados em três grupos:

O empresário de hoje deve estimar o preço que acredita ser viável, fixar o lucro visado e cortar os custos excedentes, inversamente ao que ocorria no paradigma anterior - do Estado de Bem-Estar Social -, quando lhe era dado calcular os custos, projetar os lucros e fixar os preços.

O Estado Neoliberal provoca a ruptura paradigmática, propiciando o aumento do desemprego, o arrefecimento do fordismo e o surgimento de postos de trabalho cada vez mais precários. A “ruptura” com os antigos “paradigmas” serve como pano de fundo para fundamentar a “flexibilização” dos direitos, principalmente os trabalhistas. Flexibilizam-se os empregos, as formas de contratação e de dispensa, de tempo e de função para atender às necessidades do mercado.

Os postos de trabalho são “precários” e há cada vez mais trabalhadores laborando em subempregos, que não oferecem qualquer proteção jurídica e que, muitas vezes, representam clara ofensa aos princípios constitucionais do trabalho.


Referência

DELGADO, Mauricio Godinho.Curso de direito do trabalho. Op. cit., p. 97.

NASSIF, Elaine Noronha.Fundamentos da flexibilização-uma análise dos paradigmas e paradoxos do direito e do processo trabalhista.São Paulo:Atlas, 2001, p. 65.

CASTELO, Jorge Pinheiro.As atuais perspectivas econômicas e tendências sobre a terceirização.Revista LTr.São Paulo, v. 67, n. 03, mar./2003, p. 295.21 Idem, ibidem.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUSTINO, Jacqueline. Direito do trabalho e sua efetivação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4998, 8 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56010. Acesso em: 26 abr. 2024.

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