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Equiparação da adotante com a gestante quanto à garantia provisória na relação de emprego

05/03/2017 às 11:00
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É necessário que todas as mulheres sejam tratadas da mesma forma, pois a própria lei reconhece a necessidade de proteção à maternidade, não havendo justificativa para diferenciar as empregadas gestantes e adotantes.

 

Embora a adotante possua o direito à licença-maternidade, existe divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o direito à garantia provisória na relação de emprego.

No entendimento de Uchôa, o artigo 10, inciso II, alínea “b” do ADCT, que prevê o direito à garantia provisória no emprego, é direcionado somente à gestante, pois diante do seu estado gravídico faz-se necessário o período de descanso. No entanto, tal fato inexiste no caso da mãe adotante ou detentora de guarda judicial, e por isto esta não está abrangida pela garantia provisória na relação de emprego.

Desta forma entende Martins:

A mãe adotiva não tem direito a garantia de emprego, pois a alínea b do inciso II do art. 10 do ADCT dispõe que a garantia da gestante é desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. O dispositivo faz referência à gestante e não à adotante. Mostra que só diz respeito à gestante, que é a pessoa que tem confirmada a gravidez e que faz parto. A adotante não tem tais características, nem precisa de prazo para a recuperação de seu corpo. Logo, não tem garantia de emprego. 

No mesmo sentido, tendo como base apenas a literalidade da lei, Cassar compreende, fundamentando que a mãe adotiva, apesar de ter direito à licença-maternidade, não tem direito à garantia no emprego, pois a lei não lhe garante este direito.

Sendo assim, constata-se que a doutrina majoritária entende que apesar da adotante ter direito à licença-maternidade, esta não se encontra abrangida pela garantia provisória no emprego, pois não é gestante, já que não ocorreu nem gravidez nem parto.

Entretanto, a jurisprudência não se encontra pacificada sobre o tema. A quinta turma do Tribunal Superior do Trabalho já interpretou, e deixou de reconhecer a garantia provisória no emprego à adotante, sob o fundamento de que tal direito é destinado somente à gestante. Conforme pode-se constatar na decisão:

[...]Com relação à garantia no emprego para gestantes, desde a comprovação da gravidez até cinco meses após o parto, como previsto no item b do inciso II do artigo 10º do ADTC da CF/88, não se aplica à aqui reclamante, uma vez que se trata de mãe adotante[...]. Com efeito, a reclamante confunde" estabilidade provisória "prevista para gestante com" licença-maternidade "prevista tanto para mãe natural como também para mãe adotiva ou guardiã.

Da mesma forma, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região decidiu:

MÃE ADOTIVA. LICENÇA-MATERNIDADE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. Com a edição da Lei 10.421/2002 (DOU 16.04.02), que acrescentou o art. 392 - A à CLT, restou pacificado o entendimento de que a mãe adotiva tem direito à licença maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário. Já em relação à estabilidade provisória, o art. 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispõe expressamente que é vedada a despedida somente da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Desse modo, em que pese o louvável gesto da adotante, esta não esteve grávida, nem pariu, circunstâncias especialmente previstas para a obtenção do direito à estabilidade provisória. Logo, não havendo suporte fático para a incidência da norma constitucional, esta se torna inaplicável.

No entanto, em sentido contrário, a terceira turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu, e deferiu o benefício da garantia provisória à adotante, para impedir que a empregada adotante fosse dispensada de forma injusta ou arbitrária. No caso, a recorrente havia sido demitida sem justa causa durante o processo de adoção, o que inviabilizou o direito de gozar a licença-maternidade. Consta da decisão:

[...]A licença adotante é um direito social, embora não explicitado na Constituição Federal (parte final do art. 7º, caput, da CF), porque tem por fim assegurar a proteção à maternidade (art. 6º, da CF), visando a concessão, para a mãe adotante, de tempo à estruturação familiar que permita a dedicação exclusiva aos interesses necessários ao desenvolvimento saudável da criança no seio familiar. Para a mãe adotante poder alcançar a licença-maternidade sem o risco de ser despedida, é preciso que ela também seja beneficiada pela estabilidade provisória prevista no art.10, II,"b", do ADCT da Constituição Federal de 1988. (grifei).

Convém esclarecer, que o marco inicial da garantia provisória conferida à mãe adotante, no entendimento dos julgadores, é distinto do utilizado para a gestante. O período de garantia na relação de emprego para a adotante seria de cinco meses desde o estabelecimento da guarda provisória e da fruição da licença-maternidade de cento e vinte dias. Diferente do que se observa da garantia provisória no emprego da gestante, que é desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

No mesmo norte, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região compreende:

LICENÇA-MATERNIDADE E GARANTIA DE EMPREGO DA ADOTANTE. ANALOGIA COM A EMPREGADA GESTANTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. A tendência não só da Lei, mas também da jurisprudência e da doutrina trabalhista, é de cada vez mais aproximar o nobre instituto social da adoção do estado biológico da gestação, igualando-os em vários aspectos e conferindo-lhes tratamento e proteção similares. Trata-se, em qualquer caso, de propiciar ao recém-nascido ou ao menor adotado melhores condições de desenvolvimento pessoal, pelo contato mais próximo com a mãe ou a adotante, no período crucial do recém-nascimento ou do primeiro contato com o novo lar. Pacificado na jurisprudência trabalhista o entendimento de que a responsabilidade do empregador perante a gravidez é de índole objetiva, independendo de ciência, de sua parte, desse estado biológico (Súmula 244, I, do C. TST), razões análogas aplicam-se à licença-maternidade e à estabilidade da adotante, sem perder de vista que o artigo 392-A, da CLT, não exige, para concessão do benefício em foco, a guarda judicial definitiva do menor, sob pena de inviabilização prática do direito. Precedente do C. TST. Recurso ordinário da reclamada improvido. (grifei)

Assim, pode-se vislumbrar o avanço da jurisprudência ao conceder a garantia provisória na relação de emprego à adotante, em respeito ao princípio da igualdade de tratamento entre os filhos. Ademais, como bem destacado pelo nobre julgador, assegurar o direito à garantia provisória no emprego para a adotante é uma forma de propiciar melhores condições de desenvolvimento pessoal para o adotado, que terá um contato mais próximo com a adotante, sendo extremamente necessário neste período inicial de convívio familiar.

Portanto, como se pode observar, há controvérsia entre os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários sobre a garantia provisória na relação de emprego da adotante. E no que se refere á legislação vigente, esta permanece omissa sobre o tema.

Contudo, é nítida a necessidade de manter a garantia provisória no emprego da adotante nos moldes da gestante, pois independente da origem da criança adotada, ela traz consigo costumes, histórias e rompimentos do elo afetivo, que podem gerar dificuldades no período de adaptação. E, no caso de extinção do vínculo contratual neste período, pode gerar muitos prejuízos tanto para a adotante como para a criança ou adolescente adotado.

Monteiro destaca:

Para tomar as medidas necessárias e garantir a igualdade de direitos entre os filhos adotivos e biológicos por meio da evolução da ordem constitucional sob uma óptica que objetive um mais adequado senso de justiça, deve o legislador acompanhar o progresso social.

Assim, extrai-se do entendimento do doutrinador citado, que o legislador deve acompanhar o progresso social para assegurar a igualdade de direitos entre os filhos adotivos e biológicos. Todavia, enquanto o legislador não acompanhar o progresso social, a garantia de emprego para a adotante poderá ser prevista em instrumento normativo, decorrente de negociação coletiva.

Não obstante, o princípio da igualdade serve como instrumento de efetivação da igualdade de oportunidades. Sabendo-se que a adotante possui o direito à licença-maternidade, esta não poderia ser tratada de maneira diferenciada, devendo também ter direito à garantia provisória no emprego, para manter assegurada a proteção do seu contrato de trabalho e garantir aos filhos havidos por adoção um tratamento igualitário, conforme determina o princípio da igualdade de tratamento entre os filhos.

Neste sentido, Monteiro compreende:

Com isso, é evidente a distinção do tratamento do adotante daquele dispensado à mãe biológica no âmbito da relação de emprego. No entanto, o silêncio do legislador não pode servir de fundamento para isso, por garantir à norma constitucional a igualdade entre filhos por adoção e filhos biológicos, tendo em vista que o silêncio evidencia apenas o menor desenvolvimento da ciência jurídica, logo, não inibe, de nenhuma maneira, a afirmação da existência de direitos.

Desta forma, é necessário que todas as mulheres sejam tratadas da mesma forma, pois a própria lei reconhece a necessidade de proteção à maternidade, não havendo justificativa para diferenciar as empregadas gestantes e adotantes. Com a adoção, as obrigações e responsabilidades inerentes à filiação se fazem presentes, como no caso da gestante com o nascimento de seu filho. Portanto, configura-se tratamento desigual, já que as adotantes possuem deveres iguais, mas direitos diferentes. Com efeito, a legislação é falha ao desprezar o mandamento constitucional da igualdade, dado que pessoas do mesmo sexo, com os mesmos deveres, são implicitamente distinguidas, sem qualquer embasamento que justifique a desigualdade. E ainda, a criança ou adolescente adotada é colocada em posição ainda mais grave, uma vez que a lei veda expressamente a distinção entre os direitos de qualquer filho (artigo 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988). 

Cumpre destacar que há dois projetos legislativos em trâmite, um de proposta de Emenda à Constituição, nº 146, de 14 de março de 2012, que tem por objetivo estender a garantia na relação de emprego à empregada adotante, pelo período de cinco meses a partir da adoção ou da obtenção da guarda judicial para fins de adoção, alterando o disposto no artigo 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal.

E ainda, o Projeto de Lei nº 5665/2013, de 28 de maio de 2013, proposto pelo Deputado Jorge Silva, que tem por objetivo acrescentar parágrafo único ao artigo 391-A da CLT, para dispor sobre a garantia na relação de emprego da adotante. 

Assim, sabendo-se que a adotante possui o direito à licença-maternidade, esta não poderia ser tratada de maneira diferenciada, devendo também ter direito à garantia provisória no emprego, para manter assegurada a proteção do seu contrato de trabalho e garantir aos filhos havidos por adoção um tratamento igualitário, como determina o princípio da igualdade de tratamento entre os filhos.

Além disso, é discriminatório negar o direito à garantia provisória na relação de emprego à adotante, pois as adotantes possuem os mesmo deveres que as genitoras perante seus filhos, e quanto aos direitos, são implicitamente distinguidas.  

Contudo, enquanto a legislação for omissa, a adotante poderá adquirir o direito à garantia provisória  mediante previsão em instrumento coletivo ou por meio de ação judicial, a fim de impedir a dispensa injusta ou arbitrária e comprometer a capacidade do adotando em estabelecer laços afetivos com a mãe adotiva.

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referência

[1] UCHÔA, Marcelo Ribeiro. Mulher e mercado de trabalho no Brasil: um estudo sobre a igualdade efetiva: baseado no modelo normativo espanhol. São Paulo: LTr, 2016. p. 157.

[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 484.

[3] CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho.11. ed. rev. e. atual. São Paulo: Método, 2015. Sem número de páginas.

[4]  MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 484.

[5]  GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.707.

[6]  GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2015. Sem número de páginas.

[7] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (5ª Turma). Recurso de Revista nº 103-40.2013.5.15.0153, de Campinas. Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, de Brasília, DF, 11 de fevereiro de 2015. Lex: jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Data de publicação: DEJT 20 de fev. 2015.

[8] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (4ª Turma). Recurso Ordinário nº 00144200301809006, de Londrina. Relator Arnor Lima Neto, de Curitiba, PR, 12 de maio de 2004. Lex: jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Data de publicação: DEJT 11 de jun. 2004.

[9]  BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (3ª Turma). Agravo de Instrumento nº 200600-19.2008.5.02.0085, de São Paulo. Relator: Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, de Brasília, DF, 5 de agosto de 2015. Lex: jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Data de publicação: DEJT 07 de ago. 2015.

[10] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (9ª Turma). Recurso Ordinário nº 00001741020155020064, de São Paulo. Relator: Jane Granzoto Torres da Silva, de São Paulo, SP, de 2 de junho de 2016. Lex: jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Data de publicação: DEJT 14 de jun. 2016.

[11] RIZZINI, Irene; Irma RIZZINI. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2004. p. 56.

[12] MONTEIRO, Murilo Thomaz. Estabilidade no emprego para adotante de criança ou adolescente. Jornal Trabalhista Consulex, Brasília, p. 8-10, ago. 2015.

[13]  MONTEIRO, Murilo Thomaz. Estabilidade no emprego para adotante de criança ou adolescente. Jornal Trabalhista Consulex, Brasília, p. 8-10, ago. 2015.

[14] MONTEIRO, Murilo Thomaz. Estabilidade no emprego para adotante de criança ou adolescente. Jornal Trabalhista Consulex, Brasília, p. 8-10, ago. 2015.

[15]  ASSUNÇÃO, Eraldo Dantas. A extensão da licença-maternidade à adotante em face do princípio da igualdade. Disponível em: < http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15850-15851-1-PB.pdf> . Acesso em 10 out. 2016.

[16] BRASIL, Proposta de Emenda à Constituição nº 146, de 14 de março de 2012. Dá nova redação à alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) para estender à estabilidade provisória no emprego à trabalhadora que realizar adoção. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=970727&filename=PEC+146/2012>. Acesso em 09 out. 2016.

[17]  BRASIL, Projeto de Lei nº 5665/2013, de maio de 2013. Acrescenta parágrafo único ao art. 391-A da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre a estabilidade provisória da adotante. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1093592&filename=PL+5665/2013>. Acesso em 09 out. 2016.

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Sobre a autora
Everlin Martins

Advogada militante na área trabalhista e cível; Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí; Pós graduanda em Direito do Trabalho na Associação dos Magistrados Catarinenses.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Everlin. Equiparação da adotante com a gestante quanto à garantia provisória na relação de emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4995, 5 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56153. Acesso em: 18 abr. 2024.

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