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O controle dos Poderes Executivo e Legislativo pelo Supremo Tribunal Federal

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09/09/2004 às 00:00
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I - INTRODUÇÃO

O artigo inaugural da Constituição Federal elenca a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, formado pela UNIÃO indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal.

A consagração de um Estado Democrático, feita pelo constituinte atual, tem como escopo afastar o autoritarismo e a concentração de poder, que, segundo Alexandre de Moraes [1], são inerentes à natureza humana:

"O Estado Democrático de Direito significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos fundamentais."

Ou para Celso Antônio Bandeira de Mello: [2]

" Estado de Direito é a consagração jurídica de um projeto político. Nele se estratifica o objetivo de garantir o cidadão contra intemperanças do poder público, mediante prévia subordinação do poder de seus exercentes a um quadro normativo geral e abstrato, cuja função precípua é conformar efetivamente a conduta estatal a certos parâmetros antecipadamente estabelecidos como forma de defesa dos indivíduos.

Assim, é seu propósito estabelecer real empecilho a que tais limites sejam ultrapassados e – se a despeito disso o forem – assegurar que os comportamentos violados do direito sejam fulminados, impondo-se aqueles que seriam devidos, além das separações patrimoniais cabíveis."

Canotilho e Vital Moreira [3], em laço de extrema felicidade, assim sublinham sobre o alcance do princípio democrático:

"... a articulação das duas dimensões do princípio democrático justifica a sua compreensão como um princípio normativo multiforme. Tal como a organização da economia aponta, no plano constitucional, para um sistema econômico complexo, também a conformação do princípio democrático se caracteriza tendo em conta a sua estrutura pluridimensional. Primeiramente, a Democracia surge como um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio democrático recolhe as duas dimensões historicamente consideradas como antiéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democrática – representativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por um lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do princípio democrático a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular direta, sem conhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática, etc.)."

Pois bem, o Estado Democrático de Direito criou a constitucionalização das normas da Administração Pública como uma forma de garantir o controle do poder efetivo através do cumprimento das normas constitucionais, sendo eleito o Poder Judiciário como o responsável pelo controle externo e final dos vários segmentos públicos. Ou pela dicção de José Cretella Júnior: [4]

"O controle jurisdicional do ato da Administração é, assim, uma das características mais inequívocas do Estado de Direito, onde impera o regime da legalidade."

Estas normas vêm cristalizadas nos princípios e preceitos básicos da Administração Pública, constitucionalizados a partir da promulgação da Carta de 1988.

Nessa retórica, com a fixação desses conceitos básicos (princípios e preceitos) constitucionais, ficou bem delimitado o perímetro do poder, com a ampliação da ingerência do Poder Judiciário nos negócios (atos) da Administração Pública.

Esta permanente fiscalização do Poder Judiciário tem como escopo garantir a aplicação dos princípios constitucionais lançados como uma bússola a ser seguida pelos agentes públicos e Administradores, quando das suas atuações para impulsionar a máquina administrativa.

Assim, por exemplo, quando o Judiciário declara inconstitucional alguma norma legal, determinando a aplicação de princípio constitucional violado, não está legislando positivamente, e sim mantendo eficaz a própria Constituição.

Sobre essa passagem, tivemos a oportunidade de deixar consignado: [5]

"Têm-se, portanto, que em função da constitucionalização das normas da Administração Pública, o Poder Judiciário amplia o seu leque de controle sobre os atos do Estado. Não se trata de legislar positivamente, pois compete ao judiciário interpretar e aplicar as normas legais, em especial o que vem contido na Constituição. Retirar do Judiciário essa prerrogativa seria o mesmo que engessar os direitos e garantias fundamentais que a Constituição radia para a sociedade. Por mais discricionários que possam ser os critérios da política legislativa, encontra nos princípios constitucionais a primeira e mais fundamental de suas limitações."

Em cumprimento de sua indelegável função, o Poder Judiciário fica autorizado a aferir e penetrar na essência da construção do ato emanado pelos demais Poderes, para verificar se é o mesmo moral, legal, impessoal, eficiente, e se cumpre o requisito da publicidade. Partindo-se dessas premissas, o STF vem coibindo abusos praticados pelos agentes públicos, quando não cumprem o que vem estatuído no caput do art. 37 da CF, definindo, dentre outros, quais os atos imorais praticados; os requisitos possíveis para o ingresso na carreira pública (art. 37, II); a atuação de Comissões Disciplinares (at. 5º, LV) e de Inquérito Parlamentar (art. 58, § 3º); os limites da publicidade oficial (art. 37, II); poder de tributar (art. 145); a violação à intimidade do administrado (art. 5º, X e II); o respeito à coisa julgada, ato jurídico perfeito e a irretroatividade das leis (art. 5º, XXXVI) etc.

Com a codificação constitucional dos preceitos básicos do direito administrativo, a tarefa de controlar o Poder ficou mais elástica e mais contundente, tendo em vista uma construção jurisprudencial sólida do STF e demais Cortes Revisoras, que, como guardiãs da legalidade, limitam a atuação pública ao que vem elencado na Constituição Federal.

Com a maestria de sempre, Alexandre de Moraes [6] destacou:

"A construção jurisprudencial do STF e dos demais órgãos jurisdicionais, principalmente a partir da Constituição de 1988, decorrente da interpretação das regras básicas da Administração Pública previstas na Constituição Federal, caracterizou-se pelo caráter criativo e limitador do Poder Executivo, buscando a consagração da transparência, moralidade e probidade na gestão da coisa pública em defesa dos direitos dos administrados."

E Jean Rivero [7] já ensinava:

"O direito administrativo é largamente jurisprudencial. É um traço fundamental. Obrigado a resolver litígios para os quais a lei não lhe fornecia qualquer princípio de solução, o juiz teve de construir, muitas vezes completamente, a regra que iria aplicar."

Dito isto, se verifica que o STF, autorizado pela Constituição, vem coibindo abuso ou excesso de poder por parte dos demais Poderes. Esta interferência, legalmente autorizada, não invade a regra da independência dos poderes, em razão do Judiciário ser o fiel responsável pelo acompanhamento da correta execução das normas constitucionais voltadas ao Poder Público.


II – O PODER E O SEU LIMITE

Na atuação dos Poderes da União, que são independentes e harmônicos entre si, (art. 2º da CF), o Legislativo, Executivo e o Judiciário, devem pautar seus atos com lealdade constitucional (vergassungsteve).

Lealdade constitucional, segundo Canotilho [8], "compreende duas vertentes, uma positiva, outra negativa. A primeira consiste em que diversos órgãos do poder devem cooperar na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos possíveis. A segunda determina que os titulares dos órgãos do Poder devem respeitar-se mutuamente e renunciar a prática de guerrilha institucional, de abuso de poder, de retaliação gratuita ou de desconsideração grosseira. Na verdade, nenhuma cooperação constitucional será possível sem uma deontologia política, fundada no respeito das pessoas e das instituições e num apurado sentido da responsabilidade do Estado (status man ship)".

Por lealdade constitucional, os Poderes são obrigados a agirem em conformidade com os ditames constitucionais.

Como o Poder Público decorre de uma função autorizada, que se atribui ao órgão, dentro de uma jurisdição que lhe é traçada pela lei, e impulsionado por agentes públicos, que se apresentam como delegados do próprio Estado, "salta aos olhos" que o dever de lealdade constitucional é o mínimo que se exige para que não ocorra transbordamento ou abuso de poder.

Abuso de poder pode ser verificado pela exorbitância dos poderes conferidos aos agentes públicos, ou pela insuficiência de motivo [9] de interesse público.

Ou, segundo Pontes de Miranda: [10]

"Abuso de poder é o exercício irregular do poder. Usurpa poder quem, sem o ter, procede como se o tivesse. A falsa autoridade usurpa-o; a autoridade incompetente que exerce poder que compete a outrem, usurpa; a autoridade competente não usurpa; se de modo exorbita, abusa do poder."

A atual Constituição, alargando o espectro da Carta de 1967, muniu o cidadão de remédios judiciais específicos, tais como o Habeas Corpus (art. 5º, LXVIII) e o Mandado de Segurança (art. 5º, LXIX), para proteção contra os atos ilegais ou abusivos emanados do poder constituído.

Para o ilustre Caio Tácito [11], autor de obra específica sobre o tema, "a noção de abuso de poder de autoridade administrativa (equivelente ao excés de pouvoir do direito francês) é o reverso do princípio de legalidade da Administração pública, nascido com o liberalismo político".

O princípio da legalidade é uma das peças mestras do Direito Administrativo, decorrendo do acatamento da lei pelo Poder Público. Ou, pelas palavras de Rafael Entrerra Cuesta: [12]

Dicho principio postula que la Administración se rometa em todo momento a lo que la Ley estabelezca. Y cuando empleamos el término ‘Ley’ lo hacemos em su más amplio sentido... Por ello há hecho fortuna la expresión según la cual la Administración haberá de rometese no ya a la ley, sino a todo el ‘bloque de la legalidad!"

Assim, o limite do poder é a lei, onde a Constituição é peça fundamental dessa engrenagem.


III – DESVIO DE PODER ADMINISTRATIVO

A máquina administrativa se locomove através de atos administrativos, baixados por autoridade competente, sempre vinculado a uma norma de direito, que visa cumprir determinado interesse público.

No trato da coisa pública, a Administração busca o interesse coletivo, distanciando-se, ao máximo, de interesses individuais do agente público responsável pelo ato.

Nesse sentido, feliz é a lição de Caio Tácito: [13]

"Não trata a autoridade de interesse próprio ou individual. A ação que exerce tem como endereço uma finalidade pública, que não pode descumprir.

Enquanto no ato jurídico as razões que inspiram o autor, bem como o objetivo a ser alcançado, são, via de regra, indiferentes à validade do ato, o mesmo não ocorre com o ato jurídico público e, especialmente, como o ato administrativo.

Qualquer ato administrativo está vinculado a um fim público, ainda que a norma de competência a ele não se refira.

A manifestação de vontade do agente público terá, necessariamente, que se dirigir à observância da finalidade específica com a natureza da atividade exercida.

Se a autoridade se desvia da finalidade legal específica, o ato administrativo se torna viciado em elemento essencial à sua legalidade.

Caracteriza-se, na hipótese, o vício que se conceituou como desvio de finalidade ou desvio de poder."

O abuso de poder se verifica quando a autoridade que baixa o ato não possui competência para tal fim, ou quando descumpre a lei ou qualquer outro ordenamento legal, para atingir "alvo diverso daquele que lhe é determinado", desviando-se da finalidade pública.

À título de ilustração, no sistema francês, visando coibir os excessos, os princípios gerais de direito são utilizados na esfera administrativa pelo Conselho de Estado da França, que delimita e reduz o poder discricionário da Administração.

Em nosso país, o ato discricionário sofreu profundas transformações após o advento da Constituição de 1988, pois o STF permite que se invada a essência do ato para confrontá-la com o que vem estatuído na Carta Magna sobre a Administração Pública.

Em outras palavras, após a atual Constituição Federal, o administrador não poderá usar da sua discricionariedade para, movido por um fim pessoal, desacatar, por exemplo, os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, eficiência e a impessoalidade (art. 37, da CF).

Historicamente, em 1869, surgiu a primeira edição das "Conferências sobre o Direito Administrativo", de M. Aucoc, onde foi introduzida a expressão "détournement de pouvoir", para caracterizar certos desvios de poder de polícia conferidos a Administração, que o agente administrativo "cometía cumpliendo un acto de su competência y siguiendo las formas prescritas por la legislación", isto é, "usa de su poder discrecional para um caso y por motivos distintos de aquellos en relación a los cuales tal poder le habia sido conferido. [14]"

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Esse conceito foi ampliado por Laferrière [15], na primeira edição de sua obra fundamental "Traité de la Juridiction Administrative el des Recours Contentieux":

"La desviación de poder constituye pues um abuso del mantado que el administrador há recibido. El que lo comete adopta, bajo uma falsa aparencia legalidad, decisiones que no le atañen y que están así, incursos e una especie de incompetencia, sino por las prescriciones que imponem, sí, al menos, por el fin que persiguen."

Maurice Hauriou define o desvio de poder como: [16]

"El hecho de uma autoridad administrativa que, cumpliendo un acto de su competência, observando las formas prescritas y sin cometer ninguna violación de ley, usa de su poder com um fin y por motivos distintos a aquellos por los cuales se le ha conferido el poder, es decidir, distintos al bien del servicio."

De modo semelhante, André de Laubadére define: [17]

"Existe desviación de poder cuando una autoridad administrativa cumple regularmente un acto de su competencia pero em vista de um fin distinto a aquél por el cual podía ser cumplido el acto."

J.N. Auby e R. Drago [18] não destoam do que foi dito:

"La desviación de pode es um vicio del acto administrativo que tiene lugar cuando una autoridad administrativa ha venido utilizando voluntariamente sus poderes con um fin distinto a aquél por el cual la han sido conferidos."

O motivo [19] e o fim limitam o ato administrativo discricionário, que deverá perquirir esses requisitos para conseguir manter-se eficaz para o direito administrativo, não podendo ser baixado em desconformidade com os princípios constitucionais.

Esse conceito foi adotado por todos os países que marcham sob o manto do direito, visto que o ato administrativo, mesmo o discricionário, não é uma "caixa preta", onde os critérios e os seus objetivos ficam imunes à fiscalização do Judiciário. Pelo contrário, a atual fase do direito administrativo exige que o agente público paute seus atos nos princípios e as normas constitucionais, visando atingir os objetivos traçados pelo Constituinte.

Assim, nasceu do direito administrativo francês, acompanhado pelo mundo civilizado, a certeza da necessidade de se controlar os atos administrativos, inclusive os discricionários, que sempre deverão estar condicionados a um interesse público legítimo, ou seja, baixado sob a couraça da legalidade.

Buscou o direito administrativo controlar o Poder Público, para que o ato discricionário não fique imune a aferição de sua legalidade:

"Em outros termos: a discricionariedade não pode ser exercido nem contra a finalidade nem mesmo sem ela, apenas, em favor dela (20)".

Mesmo os atos discricionários deverão estar lastreados em competência, forma e finalidade, para suportar o confronto com a lei. A liberdade que a lei confere é quanto ao objetivo e à motivação do ato, condicionados, também, a finalidade e ao interesse público [21].

Quanto a outra espécie do ato administrativo, os classificados pela doutrina como vinculados, prende-se a cinco elementos: competência, forma, finalidade, motivo e objeto.

Quando o ato é vinculado, ficam mais evidente estes elementos, facilitando o controle judicial.

Sendo certo que, tanto o ato administrativo vinculado [22], como o discricionário [23], não podem se distanciar dos princípios constitucionais, especialmente os que vêm estabelecidos no caput do art. 37 da C.F., em face da constitucionalização das normas da Administração Pública.


IV – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O CONTROLE DO ABUSO DE PODER ADMINISTRATIVO

O STF, como guardião final da CF, deixou assente em sua jurisprudência que o controle dos excessos ou abusos praticados por outros Poderes da República não ofende a divisão funcional do poder, a que alude o art. 2º da Carta Política.

O princípio da separação de poderes não é suficiente para obstar que o Poder Judiciário assegure o cumprimento das franquias constitucionais.

Aliás, esta é a tônica do STF, quando da decisão plenária do MS nº 23.452-1/RJ, impetrado contra ato coator do Presidente de determinada Comissão Parlamentar de Inquérito:

"(...) O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES:

- A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.

Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.

- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.

Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.

Em seu voto condutor, o Min. Celso de Mello assim averbou:

"Com efeito, o sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de denominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.

Com a finalidade de impedir o exercício abusivo das prerrogativas estatais pudesse conduzir as práticas que transgredissem o regime das liberdades públicas e que sufocassem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribui-se ao Poder Judiciário a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais."

É da lavra do mesmo Relator, Min. Celso de Mello, a seguinte decisão [24], desta feia nos autos do MS nº 23.585:

"Cumpre não perder de perspectiva que, no regime constitucional que consagra o Estado Democrático de Direito, as decisões políticas emanadas de qualquer das casas do Congresso Nacional, na medida em que delas derivem conseqüências de ordem jurídica, estão sujeitas ao controle jurisdicional; desde que tomadas com inobservância da Constituição e das leis. Quando estiver em questão, portanto, a necessidade de impor por respeito à ordem constitucional, a invocação do princípio da separação de poderes não terá a virtude nem de impedir o controle judicial e nem de exonerar qualquer das Casas do Congresso Nacional do dever de observar o que prescreve a Lei Fundamental da República."

Por sua vez, mantendo-se eficaz o posicionamento declinado, o Excelso Sodalício, no Ag. Nº 17.1342-0, [25] decidiu:

"Concurso – Correção de Prova – Princípio Político Constitucional da Separação da Independência e Harmonia dos Poderes. Longe fica contrariar o disposto no art. 2º da Carta Política da República provimento judicial que, a partir da premissa sobre a má-vontade da banca examinadora na correção da prova manuscrita, considerada a caligrafia do candidato, assenta a improcedência dos erros apontados."

Ultrapassado este ponto, onde se verifica que, quando o STF exerce o controle da legalidade de atos administrativos emanados dos Poderes Executivo ou Legislativo não invade a esfera da separação de poderes a que alude o art. 2º da CF, é de se registrar que, quando verifica excesso ou abuso de poder, a Excelsa Corte, utilizando-se do seu poder/dever, vem coibindo condutas divorciadas da Carta Política. Essa vigilância é necessária, na medida ideal, colocando o tempero constitucional como o melhor ingrediente da receita.

Funciona, o STF, dessa forma, não como um intruso no Poder alheio, e sim como o fiel depositário das garantias constitucionais pelas quais tanto clama a sociedade.

Nesse sentido, funcionou o controle jurisdicional do desvio de poder na análise de requisitos subjetivos para edição de Medidas Provisórias, onde o Plenário do STF, em decisão unânime, deferiu o pedido de medida cautelar em sede Ação Direta de Inconstitucionalidade, para suspender os efeitos do texto analisado, por entender que na hipótese sub examem inexistiriam os requisitos de relevância e urgência exigidos pela Constituição Federal para sua edição pelo Presidente da República. Esse julgamento cautelar teve como objeto o art. 4º, da MP nº 1632-1, de 9/4/98, que ampliava o prazo de decadência de dois para cinco anos, quando proposta a ação rescisória pela União, Estados, DF ou os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas (art. 4º, caput) e criava, em favor dos citados entes de direito público, uma nova hipótese de rescindibilidade dos julgados. Entendeu o STF [26], portanto, que era flagrante a ausência de relevância e urgência, consignando:

"Medida Provisória: excepcionalidade da censura jurisdicional da ausência dos pressupostos de relevância e urgência à sua edição: raia, no entanto, pela irrisão a afirmação de urgência para as alterações questionadas à disciplina legal da ação rescisória quando, segundo a doutrina e a jurisprudência, sua aplicação à rescisão de sentenças já transitadas em julgado, quanto a uma delas a criação de novo caso de rescindibilidade – é pacificamente inadmissível e quanto à outra a- a ampliação do prazo de decadência – é pelo menos duvidosa."

Da mesma forma, o STF [27] concedeu medida liminar entendendo que:

"... a edição de medida provisória faz-se no campo da excepcionalidade. Leitura eqüidistante do artigo 62 da Carta Política revela a necessidade de concorrerem requisitos, a saber: a relevância e a urgência do trato da matéria de forma excepcional, ou seja, pelo próprio Presidente da República em detrimento da atuação dos representantes do povo e dos Estados, ou seja, das Câmaras Legislativas. Pois bem, na espécie, não estão presentes estas condições, no que modificada a lei que já se encontrava em vigor desde 1992."

Estes precedentes declinados são de suma importância, pois a edição de Medidas Provisórias se abriga na esfera de discricionariedade do Chefe do Executivo (Presidente da República), desde que presentes os requisitos de relevância e urgência. Até as duas decisões acima transcritas, entendia o Pretório Excelso competir, de forma exclusiva e discricionária, ao Presidente da República, no momento da edição das Medidas Provisórias, a análise se a situação fática realmente enquadra-se no conceito de relevância e urgência. Alterando o seu entendimento, o STF, passou a entender pela possibilidade excepcional de controle jurisdicional da interpretação dos requisitos constitucionais, quando ficar caracterizado que a MP editada não contém em sua essência os requisitos básicos para sua existência: relevância e urgência.

Este exemplo é bastante salutar, pois ficou consignado, para sempre, que compete ao Judiciário penetrar no ato administrativo, para confrontá-lo com o que vem estatuído na Constituição Federal.

Em abono ao que foi dito, e comprovando a ampliação do controle jurisdicional em relação a atos discricionários, pode-se citar outra expressiva passagem do STF, quando do julgamento do RE nº 167.137/70 [28], onde estava sendo discutido o abuso da discricionariedade para análise dos requisitos subjetivos para nomeações políticas. Esses requisitos subjetivos, tais como: "notório saber jurídico", "notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros e contábeis ou de administração pública", "reputação ilibada", "idoneidade moral", haviam sido desprezadas pelo Chefe do Executivo quando da nomeação de Conselheiro de Tribunal de Contas de determinado Estado. Entendeu o STF nesse julgamento [29] que, apesar de exigir discricionariedade do Poder Executivo para analisar esses requisitos, há a "necessidade de um mínimo de pertinência entre as qualidades intelectuais dos nomeados e o ofício a desempenhar".

Visa esse controle estancar o abuso de poder do ato discricionário, que poderá vir desviado por finalidades pessoais, contrárias ao interesse público. Caso típico do que foi afirmado é quando o administrador promove determinada remoção de servidor público, para puni-lo ou demonstrar poder sobre os demais agentes públicos, deixando de revelar os motivos que precedem o ato.

É da lavra do eminente Min. Marco Aurélio [30] o repúdio a esta conduta:

"Longe fica de vulnerar o art. 6º, parágrafo único, da Constituição de 1969 acórdão em que afastando ato administrativo, praticado com abuso de poder, no que revelou remoção de funcionário sem a indicação dos motivos que estariam a respalda-la. Na dicção sempre oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvio ao decidido, competindo ao Judiciário a glosa cabível."

Funcionando como repressor dos excessos cometidos, o STF brecou o exercício abusivo das prerrogativas estatais, notadamente na autuação de Comissão Parlamentar de Inquérito, que transgrediu os limites eleitos pela lei, abusando de suas prerrogativas:

"O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICA – JURÍDICA ESSENCIAS AO REGIME DEMOCRÁTIVO.

- O sistema Constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.

Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir as práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribui-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória.

OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS.

- Nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. No regime político que consagra o Estado Democrático de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental, submete-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV). As Comissões Parlamentares de Inquérito não têm mais poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e pelas leis da República.

- É essencial, reconhecer que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito – precisamente porque não são absolutos sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e encontram limites nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política estabelecer. DOUTRINA. PRECEDENTES. LIMITAÇÕES AOS PODERES INVESTIGATÓRIOS DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.

- A Constituição da República, ao outorgar às Comissões Parlamentares de Inquérito "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais" (art. 58, §3º), claramente delimitou a natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as, unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na esfera de competência dos magistrados.............................................."

O eminente Min. Celso de Mello, [31] do alto da sua envergadura jurídica, arrematou:

"Não se deve reconhecer que a CPI – qualquer que seja o fato determinado que tenha justificado a sua instauração – não pode exceder, sob pena de incidir em abuso de poder, os parâmetros que delimitam, em nosso ordenamento positivo, a extensão dos seus poderes investigatórios. Esses possíveis desvios jurídicos são reconhecidos por nossa melhor doutrina, que, por referir a atuação ultra vises dos órgãos de investigação parlamentar e ao admitir a conseqüência possibilidade de seu controle jurisdicional, observa (José Alfredo de Oliveira Baracho, "Teoria Geral das Comissões Parlamentares – Comissões Parlamentares de Inquérito", p. 147, 1988, Forense, verbis:

‘As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício de suas atribuições, não podem exerce-las com abuso de poder. A competência investigatória tem limites na Constituição e nas leis, sendo passíveis de controle jurisdicional, através do remédio do habeas corpus, desde que a atuação dos mesmos venha a acarretar lesão atual ou iminente à liberdade de locomoção física. Será utilizável o Mandado de Segurança, na violação de direito líquido e certo."

Comungando com a evolução constitucional doutrinária e jurisprudencial, o STF freqüentemente coloca nos "trilhos" o exercício do poder disciplinar, quando os abusos são identificados de forma cristalina. Cessa, assim, os Poderes de Comissão Disciplinar quando o ato administrativo hostilizado se distancia do que vem estatuído no art. 37, da CF.

À respeito do que foi dito, o Colendo Tribunal [32] sentenciou:

" 1. A Constituição Brasileira de 1988 prestigiou os instrumentos de tutela jurisdicional das liberdades individuais ou coletivas e submeteu o exercício do poder estatal - como convém a uma sociedade democrática e livre - ao controle do Poder Judiciário. Inobstante estruturalmente desiguais, as relações entre o estado e os indivíduos processam-se, no plano de nossa organização constitucional, sob o império estrito da lei. a rule of law, mais do que um simples legado histórico-cultural, constitui, no âmbito do sistema jurídico vigente no Brasil, pressuposto conceitual do estado democrático de direito e fator de contenção do arbítrio daqueles que exercem o poder.

É preciso evoluir, cada vez mais, no sentido da completa justiciabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito conseqüencial, a interdição de seu exercício abusivo.

O mandado de segurança desempenha, nesse contexto, uma função instrumental do maior relevo. A impugnação judicial de ato disciplinar legitima-se em face de três situações possíveis, decorrentes (1) da incompetência da autoridade, (2) da inobservância das formalidades essenciais e (3) da ilegalidade da sanção disciplinar. A pertinência jurídica do mandado de segurança, em tais hipóteses, justifica a admissibilidade do controle jurisdicional sobre a legalidade dos atos punitivos emanados da Administração Pública no concreto exercício do seu poder disciplinar."

Por igual, quando é verificado o cerceamento de defesa em inquérito administrativo, onde se constata desmandos administrativos perpetrados por Comissões de Inquérito que insistem em reeditar o abolido sistema da "verdade sabida", o STF tem determinado a recondução de servidor demitido, por não lhe ter sido dada a chance de ouvir suas testemunhas. Em síntese, por entender que há ofensa à regra do due process of law, contido no art. 5º, LV, da CF, o STF anula o procedimento administrativo desde a sua origem, com a reintegração [33] do servidor público demitido, como se verifica dos seguintes arestos:

"Mandado de Segurança. Funcionário Público. Demissão. Cerceamento de defesa. Vício consistente em não haverem sido ouvidas, pela Comissão de Inquérito, as testemunhas da defesa, e que, não obstante assinalado pela Secretaria de Administração Federal, não impediu a aplicação da drástica pena. nulidade do processo. recondução do Impetrante ao seu cargo, onde aguardara a renovação do procedimento disciplinar. Segurança parcialmente deferida." (34)

"Mandado de Segurança. Demissão a bem do serviço público. Incompetência do Ministério condutor da investigação. Cerceamento de defesa. Mandado de Segurança impetrado por servidor autárquico demitido por Decreto Presidencial a bem do serviço público. Incompetência do Ministério a que vinculada a autarquia para conduzir o procedimento disciplinar, frente a autonomia que ostenta a autarquia, por sê-lo, para tanto. Ocorrência de cerceamento de defesa consistente em indeferimento de prova baseado tão-só na letra da lei. Mandado de Segurança deferido, com a anulação do procedimento disciplinar e, conseqüentemente, do ato demissório." (35)

"Demissão. Processo administrativo: indeferimento de prova testemunhal oportunamente requerida: exigência de motivação (L. 8.112/90, art. 156, PAR. 1.): nulidade da demissão E do processo, a partir do indeferimento imotivado da prova." (36)

Nessa vertente, quando determinada Comissão Disciplinar não prestigia a regra do due process of law, colide com outros princípios legais, dentre eles o da impessoalidade, norma contida no art. 37 da CF.

Também se manifesta de forma sólida e contundente o STF quanto a quebra indiscriminada de sigilo de dados dos investigados.

Isto porque, o direito a privacidade, a que alude o Art. 5º, X e XII, da C.F., é verificado também pelo respeito da manutenção do sigilo de dados.

Vulgarizá-lo, com a quebra de sigilo indiscriminadamente, sem uma justa causa, seria o mesmo que engessar o direito a intimidade do cidadão.

Sem justo motivo, onde cabalmente é demonstrada a necessidade da quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, o ato praticado se afigura como abusivo, demonstrando uma índole ilegal.

Exatamente neste sentido, está a visão do STF:

"As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra de sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que deram causa à instauração de inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5, XXXV).

- As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as decisões judiciais (RTJ 140/514), quando destituídas de motivação, mostram-se írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma medida restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público, sem que o ato que o decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade estatal." (37)

"COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE SIGILO - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO CONCRETA DE CAUSA PROVÁVEL - NULIDADE DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR - MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.

A QUEBRA DE SIGILO NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE DEVASSA INDISCRIMINADA, SOB PENA DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE.

- A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontre apoio concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do ato estatal que a decreta.

A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa - quando ausente a hipótese configuradora de causa provável - revela-se incompatível com o modelo consagrado na Constituição da República, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. Não fosse assim, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada, que daria, ao Estado - não obstante a ausência de quaisquer indícios concretos - o poder de vasculhar registros sigilosos alheios, em ordem a viabilizar, mediante a ilícita utilização do procedimento de devassa indiscriminada (que nem mesmo o Judiciário pode ordenar), o acesso a dado supostamente impregnado de relevo jurídico-probatório, em função dos elementos informativos que viessem a ser eventualmente descobertos.

A FUNDAMENTAÇÃO DA QUEBRA DE SIGILO HÁ DE SER CONTEMPORÂNEA À PRÓPRIA DELIBERAÇÃO LEGISLATIVA QUE A DECRETA.

- A exigência de motivação - que há de ser contemporânea ao ato da Comissão Parlamentar de Inquérito que ordena a quebra de sigilo - qualifica-se como pressuposto de validade jurídica da própria deliberação emanada desse órgão de investigação legislativa, não podendo ser por este suprida, em momento ulterior, quando da prestação de informações em sede mandamental. Precedentes." (38)

"- As Comissões Parlamentares de Inquérito podem decretar a quebra de sigilo bancário, sigilo fiscal e telefônico para suas investigações.

- O ato com essa finalidade deve, porém, ser adequadamente motivado.

- A ausência de motivação razoável permite a concessão de medida liminar em Mandado de Segurança." (39)

"Entendo presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, os impetrantes, requerem a concessão da medida liminar; esta no sentido de sustar a execução das medidas de quebra dos sigilos bancário, fiscal dos Impetrantes e a expedição de ofícios ao Excelentíssimo Senhor Secretário da Receita Federal e ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Banco Central, comunicando a concessão da medida liminar supra-referida (fls. 04/05).

Na decisão que proferi no MS nº 23.843-RJ, impetrado por Carlos Augusto Saade Montenegro, escrevi:

‘(...)

A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as Comissões Parlamentares de Inquérito, para decretar a quebra do sigilo bancário, fiscal e ou telefônico de pessoas por elas investigadas, têm que fundamentar a sua decisão, tal como ocorre com as autoridades judiciais, indiciando a necessidade objetiva da medida.

Indico, por exemplo, o decidido nos MMSS 23.452-RJ, Relator o Ministro Celso de Mello (Plenário 16/09/99; DJ de 12/05/2000) e 23.619-DF, Relator o Ministro Octávio Gallotti (Plenário, 4/5/2000), DJ de 7/12/2000).’

Ora, se as Comissões Parlamentares de Inquérito têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (C.F., art. 58, § 3º), têm, também, as mesmas obrigações destas. E estabelece a Constituição, no art. 93, IX, que as decisões jurídicas serão fundamentadas, sob pena de nulidade.

Assim posta a questão, tenho como confirmados, no caso, os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora." (40)

Até mesmo em uma rescisão pura e simples de ato administrativo, sem motivação, que já havia produzido efeitos para o administrado, foi considerado como abuso:

"A rescisão pura e simples de ato administrativo, que já produziu efeitos, constitui-se abuso de poder." (41)

Seria interminável o rol de citações dos v. acórdãos do STF que abonam a compreensão universalmente aceita de que o respeito à legalidade e aos princípios constitucionais é condição essencial de validade dos atos administrativos, estando apto o Poder Judiciário a exercer o seu fiel papel de defensor da Constituição.

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. O controle dos Poderes Executivo e Legislativo pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 429, 9 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5617. Acesso em: 5 mai. 2024.

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